VII.29 DESENVOLVIMENTO DE UMA BANDA CONVECTIVA ASSOCIADA A UMA FRENTE FRIA - ESTUDO DE CASO Rubens Leite VIANELLO* R.M. THEPENIER** M.F.R. CAYLA** J.P. CHALON** RESUMO Uma banda de precipitação convectiva, que se desenvolveu den tro do setor quente, à frente e paralelamente a uma frente fria do tipo anabático, foi estudada a partir de um conjunto de obser vações de superfície e de ar superior, valendo-se ainda de ima= gens de satélites nas faixas visível e infravermelho, além de i magens de radar, de uma rede de estações automáticas, aviões, etc. Utilizou-se de um sistema de tratamento de imagens de satélites, aplicando-se a técnica de máscaras sobre os "pixels" não utilisá veis, eliminando-se assim as nuvens baixas e o solo. A banda ini ciou seu desenvolvimento a partir de 12 TU, sobre a cadeia de pi rineus, no Sudoeste da França, localizando-se a 60 km antes de uma frente fria que se aproximava, intensificando-se a partir de 14h30TU, com topos atingindo 5500 m e ecos de 25 a 30 dBZ. Ve ri ficou-se o desenvolvimento progressivo da banda até 16 T~ quan do atingiu 250 km de comprimento por 40 km.de largura, com ecos de radar de até 40 dBZ. Os primeiros traços de precipitações foram registrados a partir de 14h30TU. As 15h30TU observaram-se cu mulonimbus bem desenvolvidos, iniciando-se também o processo de desagregação. As 16 TU atingiu-se o processo final de desagregação e o início de formação de uma nova banda, que chegou a 100 km de comprimento e ecos de 35 dBZ. As 17 TU os cumulonimbus atingi ram 12000 m. Atividades elétricas muito fortes foram registradas às 15h08TU, 15h35TU e às 16h18TU. As condições termodinâmicas e dinâmicas favoreceram o desenvolvimento das bandas. Apesar da fra ca densidade espaço-tempo das observações, os resultados sugereri1 a Instabilidade Simétrica Condicional como o mecanismo mais plau sível para explicar a formação das bandas estudadas. - * Departamento de Engenharia Agrícola-UFV-36570 Viçosa-MG ** C.N.R.M.-42, Av. G. Coriolis, 31057 Toulouse Cedex-France VII.30 INTRODUÇÃO Os sistemas frontais representam a componente principal do tempo que afeta a atmosfera terrestre nas latitudes médias; por isso tais sistemas têm sido objeto de numerosos estudos há dois séculos. Em 1919 um importante passo foi dado, com a apresentação da Teoria Norueguesa, por Bjerknes. Em grande escala, os sistemas frontais desempenham um importante papel nos transportes de energia entre o Equador e os Polos, bem como entre a baixa e a alta troposfera. Mesmo que as características gerais dos sistemas frontais já sejam bem conhecidas graças à Teoria Norueguesa e aos modelos de previsão numérica, resta ainda mal conhecido o comportamento dinãmico da estreita ~ona· frontal onde predominam os fortes gradientes horizontais (CHALON, 1987). Recentemente, inúmeros pesquisadores têm se dedicado ao e~ tudo de bandas de .P~cipitação de escala média, situadas à frente e paralelamente aos sistemas frontais, com larguras médias en tre 5 e 50 km e comprimentos de algumas centenas de quilômetros (HOUZE et alii, 1976; BROWNING et alii, 1970; HEYMSFIELD, 1979; CARBONE, 1982). Nessa linha, MATEJKA et alii (1980) propuseram uma classificação das bandas de precipitação associadas aos sistemas frontais, considerando a escala, a localização e a orientação em relação às frentes. As bandas largas são tipicamente de 50 a 75 km de largura e de algumas centenas de comprimento na direção pa raleIa à frente; as bandas estreitas possuem em torno de 5 a 20 km de largura e sua orientação depende de seu tipo e de sua localização. A Figura 1 mostra os tipos de bandas propostas. FIGURA 1 - Tipos de bandas precipitantes de média escala, propostas por Matejka et alii, associadas aos ciclones extra tropicais (MATEJKA et alii, 1980). VII.31 Na Figura 1, a camada de nuvens superiores do ciclone é vista em branco. As bandas de nuvens baixas, são identificadas alfanumericamente, em cores menos escuras: 1) bandas associadas à frente quente, (la) aparece à frente e paralelamente à superfície frontal quente, (lb) coincide com tal superfície; 2) bandas precipitantes dentro do setor quente, que aparecem paralelas e à frente da frente fria; 3) bandas pluviosas associadas à fren te fria, do tipo (3a), bastante estreita e coincidente com a passagem da frente fria, (3b) mais larga, podendo estar super posta ou encontrar-se à retaguarda da estreita banda pluviosa da frente fria; 4) bandas precipitantes associadas às frentes descontínuas, (4a) coincida com o limite frontal frio, à frente da frente fria principal, na região de oclusão do ciclone, (4b) são pequenas bandas convectivas situadas em geral atrás da frente avançada; 5) bandas precipitantes que se desenvolvem após a passagem e paralelamente à frente fria, dentro da massa de ar frio. Diversas teorias foram propostas para explicar a organização mesosinótica em bandas de precipitação. Elas são baseadas na instabilidade da camada de Eckman, dentro da zona frontal, nas ondas de gravidade geradas ao nível da frente, na advecção diferencial, nos efeitos do cisalhamento vertical, etc. (BENNETTS e HOSKINS, 1979; Lindzen e Tung, citados por HEYMSFIELD, 1979). METODOLOGIA Para esta pesquisa foram utilizadas imagens do satélite METEOSAT, nas faixas do visível e do infravermelho, para o dia 02 de junho de 1984, cobrindo o território francês e áreas cir cunvizinhas, em 256 por 256 pixels. As imagens foram tratadas por meio do sistema EMIR (Equipement Météorologique pour Images Reçues), do Centre National de Recherche Météorologique (CNRM) de Toulouse - França. Simultaneamente, foram também utilizados ecos de radar e uma rede de estações automáticas à superfície, além de radiossondagens que foram efetuadas a intervalos de uma hora. Uma rede de medições elétricas e três aviões instrumentalizados foram ainda utilizados. Os dados coletados nessa cam panha foram úteis à produção de inúmeras outras pesquisas na linha de microfísica de nuvens e fenômenos de micro e mesoescalas associados aos sistemas frontais (CHALON, 1987). Para visualizar a formação e o desenvolvimento da banda frontal, foram criadas imagens compostas infravermelho-visí veis. Para tal, aplicou-se sobre cada imagem uma máscara de pixels não utilizáveis, isto é, as nuvens baixas e o solo foram eliminados. As precipitações associadas à banda foram registradas continuamente na rede de estações automáticas. RESULTADOS Observou-se a partir de 12:30 TU os primeiros traços de uma formação nebulosa no Sudoeste da França, sobre a Cadeia de pi rineus. A banda de cirrus associada ao sistema frontal principal achava-se a uma distãncia em torno de 60 km a oeste da região ob r VII.32 servada. Às 13TU, a imagem composta permite visualisar claramente a existência de um pequeno aglomerado, sobre os Pirineus franceses, à semelhança de uma ponta de flexa dirigida para Nordeste, Figura 2. ~ importante observar que esta formação inicial não perten ce àquela longa formação situada sobre o território espanhol, cu ja extremidade mais avançada termina exatamente sobre os Piri= neus espanhóis. A sucessão de imagens até 15 horas mostra o desenvolvimento progressivo da banda convectiva, sempre orientada a partir dos Pirineus no sentido Nordeste. Simultaneamente, a cobertura de cirrus associada ao sistema principal aproxima-se da banda convectiva em evolução, o que se traduz na aproximação da frente fria. Entre 14:30TU e 15TU fracas precipitações foram observadas sob a banda em desenvolvimento. Os topos chegaram a 5000 m e os ecos de radar entre 25 a 30 dBZ. A imagem de 15TU mostra a banda convectiva em sua extensão máxima, isto é, 250 km, e largura em torno de 40 km. A banda começa a desagregar-se às 15:30TU, registrando-se os primeiros ecos de radar associados à presença de cumulonimbus bem desenvolvidos. A imagem composta de 16TU mostra a banda em desagregação, com ecos de radar de 30 a 40 dBZ. Neste momento uma nova banda convectiva encontra-se em formação, provavelmente associada à de sagregação da primeira (ATLAS et alii, 1969). A segunda banda~ com 100 km de extensão e ecos de 35 dBZ, começa a desenvolver-se. Às 17:26TU assistiu-se à desativação da primeira banda, com topos de 6000 e 7000 m. Entre 16 e 18TU a segunda banda intensificou-se:observaramse ecos de 55 dBZ às 16:20TU e às 17:12TU. O topo máximo foi observado às 17TU: 12000m. Às 16:30TU a banda foi coberta pela ca mada de cirrus do sistema frontal, verificando-se uma generaliza ção das precipitações a partir desse instante. Forte turbulência foi observada por uma aeronave PIPERentre 15:52TU e 16:38TU na base da primeira linha convectiva. Em segui da, na porção oeste da segunda banda, a 2000 m de altitude, veri ficou-se uma alimentação turbulenta muito violenta. Atividades e létricas muito fortes foram registradas às 15:08TU e 15:35TU, com fortes descargas às 16:18TU. Segundo a classificação apresentada na Figura 1, a principal banda aqui estudada é do tipo 2, ou seja, uma banda precipitante dentro do setor quente, paralela e à frente da frente fria; a parte mais larga da banda chegou a 40 km e sua extensão máxima atingiu 250 km. As precipitações registradas durante o desen volvimento das duas bandas convectivas caracterizaram-se como chuvas rápidas e intensas. As condições termodinâmicas e dinâmicas observadas durante o dia mostraram-se francamente favoráveis ao desenvolvimento da banda convectiva e à chegada posterior da frente fria (VIANELLO, 1987). Os perfis verticais-transversais mostraram as seguintes características principais: - encontro nítico de duas massas de ar de temperaturas dife rentes, com o ar quente colocando-se acima de urna fina 1 {naua ne ar frio, precedendo à chegada da frente fria, entre 09 e 14TU; -grande concentração de vapor d'água próximo ao solo, parti VII.33 t ~ .----- 16:30 TU FIGURA 2 - Evolução de uma banda convectiva sobre a região Su doeste da França, em 02 de junho de 1984, de 13 às 16:30 TU, dentro do setor de ar quente, paralela e à frente de uma frente fria do tipo anabático. VII.34 cularmente até 16TU, verificando-se movimentos verticais associa dos à concentração de vapor d'água; - variações verticais da temperatura potencial equivalente, evidenciando zonas de instabilidade potencial; - a energia potencial por ascendência úmida, dentro da cama da convectiva mostrou a presença de uma instabilidade muito forte, entre la e 14TU e entre os níveis de 500 e 800 hPa; - dois núcleos de ventos fortes foram registrados, um a 27ShPa (corrente do jato) e outro dentro da camada limite (jato de baixos níveis); o vento mostrou trocas de direções acentuadas, principalmente abaixo de 750 hPa; - o cam~o d~ velocidade vertical dentro da camada limite a~1 presentou tres celulas: uma ascendente forte, chegando a 72 cm s , entre e 16TU, outra ascendente secundária às 20TU, ch~~ando a 13cm s e, entre as duas, uma subsidência, com -23 cm s , às 17TU; - a superposição do campo de temperatura potencial equivalente sobre o campo da circulação do ar, num plano perpendicular à banda frontal, mostrou a estrutura de uma frente fria do tipo "bático; - uma zona de ascendência entre duas células de circulação jas, entre 14 e ISTU sugere a existência de um mecanismo de instabilidade do tipo Instabilidade Simétrica Condicioanal (BENNETTS SHARP, 1982) pa~a explicar a formação e o desenvolvimento da ban da convectiva estudada. li VII.35 BIBLIOGRAFIA 1. ATLAS, D.; TATEHIRA, R.; SRIVASTAVA, R.C.; MARKER, W. CARBONE, R.E.; 1969; Precipitation-induced mesoscale perturbations in the melting layer; Quart. J.R. Met. 95, 544-560. et wind Soe.; 2. BENNETTS, D.A. et HOSKINS, B.J.; 1979; Conditional sYmetric instability - a possible explanation for frontal rainbands; Quart. J.R.Met.Soc.; 105, 945-962. 3. BENNETTS, D.A. et SHARP, J.C., 1982; The relevance conditional sYmetric instability to the prediction mesoscale frontal rainbands; Quart. J.R. Met. Soe.; 595-602. of of 108, 4. BROWNING, K.A.; HARROLD, T.W. et STARR, J.R.; 1970; Richardson number limited shear zones in the free atmosphere; Quart. J.R. Met. Soe.; 96, 40-49. 5. CARBONE, R.E.; 1982; A severe frontal rainband. Part I: stormwide hydrodynamic structure; Journal Applied Sciences; 39, 258-279. 6. CHALON, J.P.; 1987; Lands-fronts 84, une exper~ence d'étude des bandes convectives associées aux systemes frontaux; La Météorologie; 16, 07-23. ---7. HEYMSFIELD, G.M.; 1979; Doppler radar study of a warm frontal region; Journal of the Atmospheric Sciences; 36, 2093-2107. 8. JR.; R.A.; HOBBS, P.V.; BISWAS; K.R. et DAVIS, W.M.; 1976; Mesoscale rainbands in extratropicalcyclones; Monthly Weather Review; 104, 868-878. HOUZ~, 9. MATEJKA, T.J.; HOUZE, R.A. et HOBBS, P.v.; 1980; Microphysics and dynamics of cloud associated with mesoscale rainbands in extratropical cyclones; Quart. J.R. Met. Soe.; 106,29-56. 10. VIANELLO, R.L.; 1987; Probabilité de précipitation et étude d'une bande nuageuse convective sur la France re 02 Juin 1984; Centre National de Recherche Météorologique, Toulouse; 51 p.