O Certo por Linhas Tortas

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 TEXTO PARA DISCUSSÃO
"O Certo por Linhas Tortas"
Gabriel Leal de Barros
Pesquisador do FGV/IBRE e especialista em contas públicas
Maio de 2013
A contínua desaceleração do consumo das famílias, seguida pela resistência em
patamar elevado de sua inadimplência, a qual, combinada com a menor expansão do
volume de crédito e espaço para incorporação de nova massa de trabalhadores no
mercado de trabalho, acaba por deslocar as atenções e perspectivas em termos de
crescimento econômico para os investimentos, tanto do setor público quanto do
privado. Nesse sentido, parece ser quase consenso entre os economistas que a âncora
para a expansão da economia no curto prazo recairá mais sobre a capacidade e fôlego
do investimento ante o consumo privado, em particular das famílias como verificado
no passado recente.
A importância atribuída aos investimentos é amplamente conhecida como alavanca e
motor do crescimento econômico nos médio e longo prazos, entretanto, diante da
pressão de curtíssimo prazo e, sendo uma das poucas alternativas possíveis para
dinamizar a economia, a importância em melhor compreendê-los passa a ser condição
sine qua non para avaliar a conjuntura e tecer cenários possíveis de crescimento
econômico.
Dessa forma, captar a dinâmica e a capacidade, em particular, do setor público de
ampliar seus investimentos torna-se imprescindível e aditivo a outras políticas que
sejam efetivas em estimular a elevação dos investimentos privados.
Sob esse aspecto, tomando por base o crescimento da despesa não financeira do
governo central2 nos últimos 13 anos, de 1999 a 2012, 3,2 de um total de 3,8 pontos
de percentagem do produto (de 14,5% para 18,2% do PIB, respectivamente) dizem
respeito ao crescimento dos gastos sociais e previdenciários. Após a forte queda em
2003, em decorrência do ajustamento fiscal realizado e da reversão e pico registrado
em 2010, o investimento público do governo central cresceu apenas 0,6 pontos ao sair
de 0,5% em 1999 para 1,1% em 2012, conforme evidenciado no Gráfico 1.
1
Economista, Pesquisador do IBRE/FGV e Especialista em Contas Públicas.
O autor é particularmente grato ao apoio dos assistentes Rodrigo Damian Machado e Vilma da Conceição Pinto.
2
O Governo Central é composto pelo Governo Federal mais Banco Central e Previdência Social.
Gráfico 1: Evolução do Investimento Público do Governo Central (Em % do PIB)
Tomando o ano de 2003 como ponto de partida e levando-se em conta sua base fraca,
o crescimento verificado nos períodos subsequentes mostrou fôlego importante e foi
reforçado pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) a partir de 2007, fato que
contribuiu nos dois anos iniciais com 0,2 e 0,4 pontos do produto, respectivamente.
Nos três anos seguintes, de 2009 a 2011, a participação do PAC aumentou para 0,5
pontos e em 2012 representou quase 60% do investimento federal. Além da
concepção inicial em criar uma agenda de investimentos prioritários, é importante
destacar que a maior execução orçamentária desse programa produz relevantes
benefícios em termos de cumprimento da meta de resultado primário, uma vez que a
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) permitem
certo abatimento do esforço fiscal “cheio” 3.
Dentre os projetos de investimento responsáveis pela retomada no período pós-2003
e que, em verdade, ganharam relativa participação na dinâmica do investimento
federal global, destacam-se aqueles relativos à infraestrutura, ao lado de Saúde,
Educação e Defesa Nacional.
3
Tanto a LDO quanto a LOA permitem o abatimento dos investimentos relacionados ao PAC e ao
programa MCMV da meta integral de resultado primário. Para 2013, a LDO permite que da meta
primária do Setor Público Consolidado, de R$ 155,9 bilhões, seja abatido R$ 65,2 bilhões de forma que o
esforço fiscal efetivo fica reduzido a R$ 90,7 bilhões.
Quanto à análise da composição desse maior crescimento do investimento público
federal, este nos remete diretamente ao desempenho do Ministério dos Transportes,
grande responsável pela aceleração no período em questão, em particular, pela
própria natureza dos projetos que fez desse órgão um dos principais gestores do
programa lançado em 2007. De outra forma, a execução orçamentária4 do órgão
atingiu seu pior nível em 2003, de apenas 31%, retomando o crescimento nos períodos
subsequentes e que se sustentou em patamar acima da média dos principais órgãos do
poder executivo a partir de 2008, sugerindo dois aspectos: o primeiro, de que o
planejamento ou mesmo a centralização da gestão dos projetos sob a égide do PAC
exerceram certo efeito positivo sobre a capacidade gerencial dos investimentos e, o
segundo, de alguma forma esperado, de que há considerável defasagem na execução
desses projetos, seja pela necessidade de equilibrar seu avanço com as metas fiscais,
em especial aquelas relativas ao resultado fiscal primário, bem como em função da
baixa qualidade dos projetos básico e executivo com reflexos no genuíno aumento das
fiscalizações e controles por parte dos respectivos órgãos como o Tribunal de Contas
da União (TCU) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA).
A combinação desses fatores, quais sejam: baixa qualidade dos projetos, necessidade
de ajustar sua execução em função do desempenho das receitas face às despesas
obrigatórias e metas de superávit primário, além de apurada atuação dos órgãos de
fiscalização e controle, produziu o que tecnicamente se chama de “restos a pagar”,
que nada mais são do que despesas empenhadas em anos anteriores que foram pagas
em exercícios seguintes.
4
Define-se Execução Orçamentária como sendo o volume total de recursos pagos, inclusive restos a
pagar pagos, em relação ao orçamento autorizado para execução do referido órgão.
Gráfico 2: Composição do Pagamento dos Investimentos da União (Participação em
relação ao total pago)
As evidências da significativa participação dos restos a pagar na execução
orçamentária dos investimentos federais5 são evidentes, conforme exibido no Gráfico
2, a ponto de ter atingido mais de 60% em 2004 e situar-se na média próximo da
metade do volume global de investimentos pagos. Isso significa que das metas e
prioridades definidas no orçamento anual, cerca de metade daquelas relacionadas aos
investimentos sequer são executadas6.
Do ponto de vista da “flexibilidade” em torno da execução desses investimentos, é
importante notar que o colchão de projetos com baixo avanço dos cronogramas físicofinanceiros e componentes do bilionário volume de restos a pagar, teriam, a priori, a
possibilidade de serem acelerados pelo governo como forma de dinamizar e reativar o
crescimento econômico no curto prazo. Todavia, tal factibilidade teria o efeito de
produzir impacto ainda mais negativo nas contas públicas, com maior endividamento
5
Além do acúmulo de Restos a Pagar (RP) na rubrica de investimento é possível identificar sua
existência em categorias de despesa obrigatória como gastos com saúde pública, no mínimo uma
estranheza e, que vai na direção contrária à tese de que estes “restos” sejam apenas reflexos de atrasos
naturais no cronograma das obras. Maiores detalhes no post de Mansueto Almeida sobre “Orçamento e
Despesa Primária”. Disponível em http://bit.ly/ZJuWk9
6
Para uma abordagem do esvaziamento em torno do processo orçamentário, perda de seu papel como
instrumento de planejamento e definição de estratégias e metas do governo, ver Almeida, Mansueto
(2013): Qual a importância do Orçamento? Disponível em http://bit.ly/Z7YrMu
público e piora da situação fiscal7 a reboque da recente e profunda perda de
credibilidade e concomitante redução do esforço primário8.
7
Para uma análise global da situação fiscal, em particular no pós-crise, ver Barros e Afonso (2013): Sobre
o Cumprimento da Meta de Superávit Primário de 2012. Disponível em http://bit.ly/YB95zR
8
Sobre a perda de credibilidade decorrente das operações cruzadas intra-setor público, ver Afonso e
Barros (2013): Receitas de Dividendos, Atipicidades e (Des) Capitalização. Disponível em
http://bit.ly/Zk2koH
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