DESPESAS PÚBLICAS: REFLEXOS DA INSCRIÇÃO DE RESTOS A PAGAR NO BALANÇO ORÇAMENTÁRIO DO GOVERNO FEDERAL. MAURÍCIO CORRÊA DA SILVA RESUMO Este estudo tem por objetivo apresentar os reflexos da inscrição de restos a pagar no Balanço Orçamentário e propor um tratamento para este tipo de despesa pública. Discute os conceitos de despesas públicas, restos a pagar, despesas de exercícios anteriores e Balanço Orçamentário. Demonstra os reflexos das despesas de restos a pagar no Balanço Orçamentário de 2001 da Administração Pública Federal. Demonstra, também, os procedimentos adotados pelo Governo Federal (SIAFI) para contabilizar os restos a pagar. Enfoca a literatura de suporte para o estudo. Apresenta proposta de extinção, casos aceitos dos restos a pagar e um tratamento dessas despesas nos moldes das despesas de exercícios anteriores e do reempenho (emissão de nova nota de empenho igual a cancelada no ano anterior). Conclui que a inscrição de restos a pagar não evidencia os valores corretos da execução das despesas públicas por tipo de crédito demonstradas no Balanço Orçamentário da União, que a adoção de regimes contábeis distintos para receitas e despesas públicas inviabiliza as demonstrações contábeis da Administração Pública e que o Governo Federal tem limitado a inscrição das despesas de restos a pagar. Palavras-chave: Balanço Orçamentário, Despesas Públicas, Restos a Pagar Processados e não Processados, Despesas de Exercícios Anteriores. 2 1 INTRODUÇÃO A administração pública adotou o regime de caixa para as receitas efetivamente ingressadas no exercício financeiro e o regime de exercício e/ou de competência para as despesas empenhadas pagas e não pagas, constituindo-se no total das despesas executadas no exercício financeiro, consoante o disposto no Art. 35 da Lei 4.320, de 17 de março de 1964. O Art. 38 da referida lei estabelece que se reverte à dotação a importância de despesa anulada no exercício e que, quando a anulação ocorrer após o encerramento deste, será considerado receita do ano em que se efetivar. Neste contexto, há uma modalidade de receita que não transita pela arrecadação. As despesas inscritas em restos a pagar são consideradas despesas realizadas e incluídas no Balanço Orçamentário e podem ser pagas ou canceladas no exercício seguinte. Desse modo, havendo cancelamento de despesas de restos a pagar, o Balanço Orçamentário não reflete a realidade das despesas realizadas no exercício em questão. O Balanço Orçamentário deverá ser o instrumento por que se demonstra a execução orçamentária em atendimento e de acordo com as especificações da lei do orçamento (receitas e despesas orçamentárias previstas em confronto com as realizadas). Como evidenciar essa situação, haja vista que pertencem ao exercício as receitas nele arrecadadas e as despesas nele legalmente empenhadas (restos a pagar). No ano de 2001, as despesas executadas por tipo de crédito do Governo Federal foram de R$ 594.149 milhões (anexo 1 e 2) e a inscrição de restos a pagar totalizou-se em R$ 24.257 milhões, sendo cancelados, até junho de 2002, o montante de R$ 2.549 milhões (anexo 3). Desse modo, o Balanço Orçamentário de 2001 apresentou uma despesa executada que não foi real. 1.1 Objetivos do Estudo O objetivo geral deste estudo é evidenciar os reflexos da inscrição de restos a pagar no Balanço Orçamentário da União e propor um tratamento para este tipo de despesa pública. No atendimento ao objetivo geral, procuraremos expor: - quais as conseqüências da adoção do regime contábil misto e não um regime único na caracterização das receitas e despesas públicas (caixa ou competência); - as situações aceitáveis para haver inscrição de Restos a Pagar, sem que haja reflexo distorcido no Balanço Orçamentário; - os procedimentos adotados pelo Governo Federal, através do SIAFI, para contabilizar os restos a pagar; - a necessidade de uma maior discussão, no setor público, sobre o seu uso. 3 1.2 Metodologia É feito um estudo exploratório na bibliografia existente sobre os conceitos de despesas públicas, restos a pagar, despesa de exercícios anteriores e são analisados os procedimentos adotados na contabilização das despesas de restos a pagar. 2 REVISÃO DA LITERATURA Neste capítulo são enfocadas as bases conceituais necessárias para o suporte do estudo em questão. Serão abordados os conceitos de despesas públicas, dos restos a pagar, das despesas de exercícios anteriores, do balanço orçamentário e os procedimentos utilizados pelo Governo Federal (SIAFI) na contabilização dos restos a pagar. 2.1 Conceitos de despesas públicas, dos restos a pagar e do Balanço Orçamentário A lei nº 4.320, de 17 de março de 1964 estabelece nos Arts. 12, 36 e 102 o seguinte: “A despesa será classificada nas seguintes categorias econômicas: DESPESAS CORRENTES – Despesas de Custeio e Transferências Correntes – DESPESAS DE CAPITAL – Investimentos, Inversões Financeiras e Transferências de Capital. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não-processadas. Os empenhos que correm à conta de créditos com vigência plurianual, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito. O Balanço Orçamentário demonstrará as receitas e despesas previstas em confronto com as realizadas.” A diferenciação de despesa processada e despesa não processada, conforme Cruz et al. (2001, p. 77) é a seguinte: “Tecnicamente, há que se distinguir duas categorias de Restos a Pagar: a. Os resultados da despesa processada, ou seja, compromissos que, ao terminar o exercício financeiro, já estavam em processo de pagamento; b. Os provenientes de despesa simplesmente empenhada, ou seja, compromissos, cujo processo de pagamento não tenha sido finalizado, inclusive pelo não-cumprimento do estágio de liquidação da despesa a que se refere o art. 63 da própria Lei nº 4.320/64”. 4 2.2 Conceitos de despesas de exercícios anteriores O Art. 37 da Lei nº 4.320/64 estabelece: “As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.” Cruz et al. (2001, p. 79 e 80) exemplifica o caso de despesas realizadas em X1 com um veículo oficial em viagem com adiantamento para serviços de R$ 500,00, sendo gastos a mais R$ 700,00 com material. Havia, entretanto, crédito disponível de R$ 3.000,00 para material em X1. Por motivos justificáveis, o retorno ocorreu em X2, onde as despesas de X1 haviam sido encerradas e para sanar o problema, deve empenhar em X2 os R$ 700,00 na dotação Despesas de Exercícios Anteriores. Cita, também, um caso de um decreto determinando que em 31.12.X2, todos os restos a pagar oriundos de X1, fossem considerados extintos. Em X3 aparece um fornecedor reclamando o seu direito, para sanar o problema, há necessidade de reempenhar (empenho de X3) a referida despesa na dotação Despesas de Exercícios Anteriores. 2.3 Procedimentos adotados pelo Governo Federal (SIAFI) A Administração Pública Federal utiliza o sistema computacional, denominado Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) para registrar, controlar e contabilizar toda a execução orçamentária, financeira e patrimonial em tempo real (Secretaria do Tesouro Nacional – Manual do SIAFI). A macrofunção 02.03.17 do Manual do SIAFI estabelece os seguintes procedimentos para os Restos a Pagar: “As despesas caracterizadas como Restos a Pagar se distinguem em processadas (liquidadas) e não processadas (não liquidadas). As liquidadas se referem a créditos empenhados onde o credor já cumpriu todas as formalidades legais de habilitação do pagamento, estando representado contabilmente pelas compras do grupo OBRIGAÇÕES EM CIRCULAÇÃO. A conta 2.1.2.1.6.02.02 – NÃO PROCESSADAS A LIQUIDAR, conterá os saldos remanescentes de Restos a Pagar do exercício anterior, os quais devem ser cancelados pela UG até o dia 31 de dezembro do exercício subseqüente, por meio da transação NE, que indica, no campo ESPÉCIE”, a opção “4”. Caso isto não ocorra, serão baixados automaticamente pelo Sistema por meio do evento 50.1.014. A inscrição de Restos a Pagar será realizada, automaticamente, por meio do evento 50.1.468, registrando os valores das despesas orçamentárias na transação CONBAIXSAL. A inscrição das despesas em Restos a Pagar é efetuada no orçamento de cada exercício de emissão da respectiva Nota de Empenho e cancelada no final do 5 exercício subseqüente, permanecendo em vigor, no entanto, o direito do credor por 05 (cinco) anos, a partir da inscrição, quando então prescreverá.” A contabilização dos fatos administrativos é processada no SIAFI por meio de uma Tabela de Eventos. Os eventos correspondem aos fatos administrativos que estão ocorrendo na Administração Pública Federal, tais como: dotação orçamentária, liberação de créditos, emissão de notas de empenhos (NE), pagamento de despesas, etc. O evento 50.1.468 (usado na contabilização de restos a pagar não processados) tem como destaque no roteiro de contabilização a conta a débito - 3.X.X.X.X.XX.98 – RESTOS A PAGAR (X representa os tipos de despesas por categoria econômica) e a conta a crédito - 2.1.2.1.6.02.02 – RESTOS A PAGAR NÃO PROCESSADOS A LIQUIDAR. Os restos a pagar processados são contabilizados, como destaque no roteiro de contabilização, a conta de débito de despesa – 3.X.X.X.X.XX.XX (evento 51.0.XXX, sendo XXX a variação do tipo de despesas) e a conta de crédito de obrigação 2.1.2.1.1.02.00 - FORNECEDORES DO EXERCÍCIO ANTERIOR (evento 52.0.214). Desse modo, no total da coluna de execução das despesas por tipo de crédito do Balanço Orçamentário, são computadas as despesas de restos a pagar. 2.4 Reflexos dos restos a pagar no Balanço Orçamentário O pagamento das despesas de restos a pagar processados e não processados não traz nenhum reflexo no Balanço Orçamentário de sua inscrição, pois foi concretizado o último estágio da despesa pública, ou seja, o pagamento. Quanto ao cancelamento, Kohama (1999, p. 77 e 79) fez os seguintes comentários: “Poderá haver necessidade de cancelamento de restos a pagar e, quando isto ocorrer, nesta parte o valor será considerado como pago, do ponto de vista financeiro, e, ao mesmo tempo, a contrapartida desse registro contábil, como conseqüência, será considerada como recolhimento de receita orçamentária, embora seja uma operação contábil, aliás, alguns até a chamam de “receita figurativa”. Em razão dos restos a pagar, quando inscritos como contrapartida contábil, constituírem receita extra-orçamentária, atendendo ao disposto no parágrafo único do art. 103 da lei nº 4.320/64, para compensar sua inclusão na despesa orçamentária, essa operação será refletida no passivo financeiro como dívida flutuante. Aqui verificamos uma operação contábil que, ao menos na questão da inscrição dos restos a pagar de despesas não processadas, poderíamos chamar também, por suas características, de “despesa figurativa”. O cancelamento da despesa inscrita em restos a pagar se constituirá numa despesa extra-orçamentária, demonstrado como baixa por 6 pagamento (embora não haja efetivo desembolso financeiro); ao mesmo tempo, em razão da escrituração da contrapartida ser feita por meio de uma conta de receita orçamentária, será apresentado como um recebimento (efetivo recolhimento), funcionando como efeito compensador. É óbvio que essa operação terá a seqüência normal das receitas orçamentárias, por meio das outras peças, como o Balanço Orçamentário, pois suas implicações alterarão o Balanço Patrimonial, diminuindo a parte do Passivo Financeiro (dívida flutuante) e o resultado patrimonial do exercício, que será apresentado por meio da Demonstração das Variações Patrimoniais Ativas – Resultante da Execução Orçamentária. A explicação para essas questões reside no fato de que a inscrição da despesa orçamentária como restos a pagar demonstra que utilizou-se a autorização legislativa correspondente à dotação constante da lei orçamentária do exercício, sendo no Balanço Orçamentário considerado como executada e no Balanço Financeiro como paga. Entretanto, havendo o cancelamento da despesa inscrita em restos a pagar, ao ser considerada com receita orçamentária, recompõe-se a questão do ponto de vista orçamentário e também do financeiro, pois no Balanço Financeiro se procederá a compensação da despesa que foi considerada paga, agora como receita, e também, no Balanço Orçamentário a compensação se processará, agora como receita executada.” Para Kohama (1999, p. 77), receita figurativa é a que não se concretiza em entrada de dinheiro e tem contrapartida na “despesa”, e despesa figurativa é a que não se concretiza em saída de dinheiro e tem contrapartida na “receita”. No SIAFI, o cancelamento dos restos não processados é procedido com os eventos 40.1.094 e 40.1.095, que apresenta como contas principais a débito a conta 2.1.2.1.6.02.02 – RESTOS A PAGAR NÃO PROCESSADOS A LIQUIDAR e a crédito a conta 6.2.3.3.1.05.00 – RESTOS A PAGAR (conta contábil de resultado do sistema financeiro). O cancelamento de restos a pagar processados é registrado com o evento 54.0.379, tendo como contas principais a débito a conta 2.1.2.1.1.02.00 – FORNECEDORES DO EXERCÍCIO ANTERIOR e a crédito a conta 6.2.3.3.1.04.00 - OBRIGAÇÕES DE EXERCÍCIOS ANTERIORES (conta contábil de resultado do sistema financeiro). Angélico ( 1981, p. 175) relata: “Ao se cancelar um compromisso inscrito em restos a pagar debita-se esta conta em contrapartida com receitas eventuais, subordinada à categoria econômica receitas correntes. Como princípio geral, o procedimento é aparentemente correto principalmente sob o aspecto contábil, de levar-se à receita a passividade baixada. É até mesmo determinado na segunda parte do artigo 38 da Lei nº 4.320/64, in verbis: 7 Artigo 38 – Reverte a dotação a importância de despesa anulada no exercício; quando a anulação ocorrer após o encerramento deste considera-se-á recita do ano em que se efetivar. O embaraço surge com o disposto no item I do artigo nº 35 da mesma Lei: “Artigo 35 – Pertencem ao exercício financeiro: l – As receitas nele arrecadadas;” Mota (1999, p. 66, 144 e 145) se refere aos restos a pagar da seguinte forma: “Os restos a pagar processados dão origem ao compromisso do Poder Público de efetuar o pagamento ao fornecedor, porquanto este já entregou os bens ou prestou os serviços contratados de acordo com as especificações do empenho, enquanto que os não processados, dentro da ótica contábil, não deveriam gerar compromissos, quando se verifica que não ocorreu o recebimento de bens e serviços no exercício de emissão do empenho. Entretanto, pelo entendimento da Lei nº 4.320/64 devem ser escriturados como obrigação os restos a pagar não processados, o que consideramos uma falha da legislação do ponto de vista contábil. A apropriação de despesa na inscrição de restos a pagar (oriundos de empenhos já liquidados) relativos a aquisição de serviços está de acordo com o que preceitua a Ciência Contábil, tendo em vista que os serviços são considerados consumidos a partir do seu recebimento. Entretanto, os relativos à aquisição de materiais ferem os ditames da Ciência em razão do registro da despesa dar-se a partir do recebimento e não somente no consumo dos bens. A apropriação da despesa por ocasião da inscrição de restos a pagar não processados (oriundos de empenhos não liquidados), relativos a serviços ou materiais, fere completamente os princípios da Contabilidade.” Havendo, portanto, o cancelamento de despesas de restos a pagar (processados ou não processados), os mesmos constaram no Balanço Orçamentário como despesas “figurativas”, não refletindo o montante da despesa executada por tipo de crédito. 3 PROPOSTAS PARA OS RESTOS A PAGAR 3.1 Extinção dos restos a pagar Proposição considerada para que as receitas e as despesas públicas sejam contabilizadas no regime de caixa, ou seja, em um regime único, para a qual é necessária uma mudança no Art. 35 da Lei nº 4.320/64. A principal vantagem é que as despesas executadas serão as despesas pagas. A demonstração do Balanço Orçamentário será real. 8 A esse propósito, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, estabeleceu limites para a inscrição de restos a pagar no Art. 42: “É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.” As auditorias das contas de despesas públicas de restos a pagar têm demonstrado a vulnerabilidade dessas despesas. A Secretaria Federal de Controle Interno, numa auditoria realizada nas despesas inscritas em Restos a Pagar em 2001 e nos exercícios anteriores, divulgou o resultado de uma redução em R$ 700 milhões do saldo das despesas inscritas em Restos a Pagar, sendo que R$ 490 milhões referem-se aos restos a pagar, considerados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), como o de exercícios anteriores, mas que já estavam pagos, estando, portanto, contabilizados indevidamente. 3.2 Casos aceitos de restos a pagar Destacamos como aceitos os casos de restos a pagar processados em que o pagamento somente não ocorreu por problemas técnicos no final do exercício financeiro, fazendo ressalva para os casos de cancelamento no exercício seguinte. Para os restos a pagar não processados, a proposição é sua extinção total e nos moldes do Art. 37 da Lei nº 4.320/64, tratá-los como despesas de exercícios anteriores na Dotação de Despesas de Exercícios Anteriores, ou utilizar o reempenho (emissão de nova nota de empenho igual a cancelada no ano anterior). Aliás, através do Decreto nº 2.096, de 17 de dezembro de 1996, o Governo Federal determinou o cancelamento de restos apagar processados e não processados no ano de 1996 e o seu reempenho em 1997, conforme constou no Art. 5º: “Caso os órgãos e entidades não procedam ao ajuste de seus empenhos aos limites fixados nos termos do artigo anterior deste Decreto, até a data do encerramento do balanço, o mesmo será feito automaticamente na rotina de balanço, observada a ordem cronológica da data dos empenhos. Os empenhos cancelados ou não inscritos em Restos a Pagar com vistas ao cumprimento deste Decreto poderão ser reempenhados à conta do orçamento do exercício subseqüente, nos termos do Art. 37 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.” Mota (1999, p. 66) considera o propósito de tratar os restos a pagar como despesas de exercícios anteriores da seguinte forma: “Quando do pagamento dos restos a pagar, pode-se verificar que o valor inscrito é inferior ao que deve ser pago. Assim ocorrendo, a diferença deverá ser executada à conta de despesas de exercícios anteriores, dentro da devida categoria econômica, à conta do orçamento de reconhecimento da dívida.” Na dotação de Despesas de Exercícios Anteriores (natureza de despesa 339092), os créditos são do exercício em curso para saldar dívidas devidamente reconhecidas por processos autuados e formalizadas de exercícios anteriores, ou seja, as despesas foram incorridas em até cinco exercícios e estão sendo empenhadas e pagas no momento. 9 4 CONCLUSÃO A inscrição de restos a pagar não evidencia corretamente os valores de execução das despesas públicas por tipo de crédito demonstradas no Balanço Orçamentário da União, porque foram consideradas despesas executadas no ano de inscrição e podem ser canceladas no exercício seguinte. Os fatos foram ratificados no Balanço Orçamentário de 2001, quando constou uma despesa executada de R$ 594.149 milhões e até junho de 2002, foram cancelados o montante de R$ 2.549 milhões de despesas inscritas em restos a pagar. A adoção de regimes contábeis distintos para receitas e despesas públicas inviabiliza as demonstrações contábeis da Administração Pública, porque as receitas são contabilizadas pelo regime de caixa e as despesas pelo regime de competência, quando se trata de despesas de restos a pagar, mas as despesas de exercícios anteriores são contabilizadas no regime de caixa. Considerando as distorções que podem apresentar os restos a pagar, e a obrigatoriedade de disponibilidade de caixa, para serem pagas no exercício seguinte, podemos considerar que, no âmbito federal, não devem haver restos a pagar. O tratamento julgado mais adequado é considerar as despesas de restos a pagar como despesas de exercícios anteriores ou utilizar o reempenho. Nos últimos anos, por intermédio de Decretos, o Governo Federal limitou as inscrições das despesas de restos a pagar e a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu limites com base na disponibilidade financeira. Portanto, está na hora de rever os conceitos de tais despesas. Durante a pesquisa, foram observados fatos relativos: à informação contábil dos demonstrativos da Administração Pública Federal, sobre as autorizações de inscrição de despesas de restos a pagar em junho (crédito) com previsão de pagamento no exercício seguinte, e também, alguns fatos referentes à consulta e apreciação das contas públicas pelos cidadãos. Entretanto, esses pontos não foram explorados por não fazerem parte do objetivo do estudo, ficando a sugestão para outros trabalhos. Esperamos ter despertado nos administradores públicos uma discussão sobre os restos a pagar. As propostas apresentadas no presente estudo não são definitivas, estão abertas a contribuição das pessoas que lerem e encontrarem pontos que possam ser melhor aproveitados. 10 5 BIBLIOGRAFIA MOTA, Francisco Glauber Lima. Contabilidade aplicada à administração pública. 4. ed. Brasília: Vestcon, 1999. PISCITELLI, Roberto Bocaccio, TIMBÓ, Maria Zulene Farias, BRUM. Sandra Maria Deud, ROSA, Maria Berenice. Uma abordagem da administração pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1995. ANGÉLICO, João. Contabilidade pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1981. KOHAMA, Heilio. Balanços públicos: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1999. KOHAMA, Heilio. Contabilidade pública: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1998. JÚNIOR, J. Teixeira Machado, REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 26. ed. Rio de Janeiro: Ibam, 1995. CRUZ, Flávio et al. Comentários à lei nº 4.320 e ao substitutivo do projeto de lei nº 135/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Brasília: Imprensa Nacional. 1988. BRASIL. Lei 4.320, de 17 de março de 1964. Brasília: Imprensa Nacional. 1964. BRASIL. Lei complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Brasília: Imprensa Nacional. 2000. BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Brasília: Imprensa Nacional. 1967. BRASIL. Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986. Brasília: Imprensa Nacional. 1986. BRASIL. Decreto nº 2.096, de 17 de dezembro de 1996. Brasília: Imprensa Nacional. 1996. BRASIL. Decreto nº 4.049, de 12 de dezembro de 2001. Brasília: Imprensa Nacional. 2001. 11 BRASIL. Decreto nº 4.305, de 20 de julho de 2002. Brasília: Imprensa Nacional. 2002. BRASIL. Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional – Manual do SIAFI – Macrofunções: 02.03.18 – Encerramento do exercício, 02.03.17 – Restos a pagar; 02.03.19 – Demonstrações contábeis e 02.12.05 – Roteiro para regularização de pendências referentes às demonstrações contábeis. BRASIL Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional. Balanço Geral da União de 2001. Disponível em http://www.presidencia.gov.br/cgu/, ou http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/gestao_orcamentaria. asp, acessado em 17 de setembro de 2002. BRASIL Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional. Relatório Resumido de Execução Orçamentária de 2002. Disponível em http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/gestao_orcamentaria.asp, acessado em 17 de setembro de 2002. 12 6 ANEXOS: 6.1 ANEXO 1: TABELA II.8 - BALANÇO ORÇAMENTÁRIO DA UNIÃO DISCRIMINAÇÃO DAS RECEITAS – 2001 R$ milhões RECEITAS RECEITAS RECEITAS CORRENTES RECEITAS DE CAPITAL TOTAL FONTE – SIAFI/Secretaria do Tesouro Nacional PREVISÃO REALIZAÇÃO DIFERENÇA 306.695 289.411 17.284 670.874 318.686 352.188 977.569 608.097 369.472 6.2 ANEXO 2: TABELA II.9 - BALANÇO ORÇAMENTÁRIO DA UNIÃO DESPESAS POR TIPO DE CRÉDITO - 2001 R$ milhões DESPESAS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS INICIAIS E SUPLEMENTARES RESERVA DE CONTINGÊNCIA DOTAÇÃO EXECUÇÃO DIFERENÇA 963.802 581.983 381.819 3.606 12.664 0 11.573 3.606 1.091 1.103 592 510 977.569 594.149 383.420 CRÉDITOS ESPECIAIS CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS TOTAL FONTE – SIAFI/Secretaria do Tesouro Nacional 13 6.3 ANEXO 3: RELATÓRIO RESUMIDO DE EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DEMONSTRATIVOS DE RESTOS A PAGAR POR PODER E ÓRGÃO GOVERNO FEDERAL RELATÓRIO RESUMIDO DE EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DEMONSTRATIVOS DE RESTOS A PAGAR POR PODER E ORGÃO ORÇAMENTOS FISCAL E DA SEGURIDADE SOCIAL JANEIRO A JUNHO DE 2002 LRF. art. 53, inciso V - Anexo IX Milhares PODER ÓRGÃO EXECUTIVO LEGISLATIVO R$ RP PROCESSADOS Inscritos Cancelados Pagos 2.524.930 623.773 1.318.640 A pagar 1.206.290 RP NÃO PROCESSADOS Inscritos Cancelados Pagos 20.436.058 1.917.337 7.508.405 A pagar 11.010.231 2.579 0 2.383 196 242.912 1.685 141.359 99.867 17.105 57 15.949 1.156 1.008.002 6.645 824.677 176.676 MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO 594 TOTAL 2.545.208 FONTE: SIAFI - STN CCONT GEINC 3 623.833 592 1.337.564 2 1.207.644 25.493 21.712.465 155 1.925.822 20.986 8.495.427 4.352 11.291.216 JUDICIÁRIO