UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA FELIPE CAVALCANTI ZIBETTI DE SOUZA A JOVEM GUARDA EM CURITIBA NOS ANOS DE 1960 CURITIBA 2010 A JOVEM GUARDA EM CURITIBA NOS ANOS DE 1960 FELIPE CAVALCANTI ZIBETTI DE SOUZA A JOVEM GUARDA EM CURITIBA NOS ANOS DE 1960 Monografia apresentado à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica HH067. Orientadora: Professor Doutor Renato Lopes Leite. CURITIBA 2010 4 INDÍCE RESUMO 05 INTRODUÇÃO 07 1 OS QUENTES ANOS 60 10 1.1 ECONOMIA, JUVENTUDE E TECNOLOGIAS 10 1.2 O BRASIL 14 2 HISTÓRIA E MÚSICA 22 3 CURITIBA: MAIS DO QUE UMA BRASA, MORA! 29 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37 REFERÊNCIAS 47 5 RESUMO A presente pesquisa objetiva analisar a apropriação da Jovem Guarda em Curitiba na década de 1960, através da análise de fontes comtrapostas aos artigos pertinentes. Utilizando como fonte artigos de jornais veiculados na Tribuna do Paraná , em coluna intitulada: Tribuna no Rádio escrita por Mário Ribas no ano de 1960. A bibliografia acerca da história musical paranaense ainda é muito escassa, principalmente em se tratando da década de sessenta, escassa também são as fontes sobre o período. Contudo a coletânea de artigos organizada por Manoel Neto, A [des]Construção da Música na Cultura Paranaense, traz mais de setecentas páginas de textos sobre vários assuntos, dentre eles a música popular, a erudita, diversos músicos, e ainda alguns sobre os autores dos textos. Dentre os 39 autores temos historiadores profissionais, amadores, pesquisadores, produtores e jornalistas. A análise compreende a apropriação do Rock’n’Roll a partir da mídia em âmbito local. Para tanto se fez uma revisão contextual, no primeiro capítulo, inicialmente focando os Estados Unidos e a Europa, por serem os lugares de origem do referido ritmo, posteriormente entrei no contexto nacional levantando o cenário musical do período. No Segundo capítulo uma revisão bilbiografica acerca das relação da História e Música, discutindo conceitos que balisam o presente trabalho. Por fim, o terceiro capítulo consiste na análise das fontes, com o intuito de entender o movimento da Jovem Guarda em Curitiba na dédaca de 1960. Palavras-chave: Curitiba anos 60, Mídia e Jovem Guarda 6 “E derrepente eu comecei a ficar com medo de ser possuído por aquela coisa do rock tal como a gente tem medo de ser possuído por um orixá em terreiro de candomblé” (Caetano Veloso). 7 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo estudar a Jovem Guarda(JG) em Curitiba nos anos de 1960, através da análise de artigos publicados no jornal Tribuna do Paraná no ano de 1960 em Curitiba. Nesse estudo foco as relações existentes entre a JG e a mídia local,. Partindo da idéia da cena musical, enquanto um ambiente dinâmico e diverso, busco explanar como a JG se destacou na cena curitibana. Como a JG foi uma apropriação brasileira do movimento internacional Rock’n’Roll , faz-se necessário uma explicação deste movimento internacional e seu contexto. Nessa revisão bibliográfica que consiste o primeiro capítulo desta presente monografia, priveligiando o cenário estado unidense e europeu. Em seguida, delimita-se a inserção do rock no Brasil. Os Estados Unidos cresceu 250% entre os anos de 1945 e 19601. Com a renda familiar crescente e baixas taxas de desemprego e inflação, no final da década de 50 o país contava com 6% da população mundial e consumia um terço dos bens e serviços disponíveis. Esta cultura do consumo é uma das grandes influências dos Estados Unidos no mundo capitalista. Ligadas também a esta cultura do consumo estão as ideias de liberdade e de felicidade, que perpetuaram o século XX até os dias de hoje. A Europa teve seu crescimento e expansão no período que ficou conhecido como “os trinta gloriosos” ou “os anos dourados”2. O desenvolvimento econômico proporcionou um ambiente favorável ao jovem e sua rebeldia, sobravam empregos e circulavam muitas ideias. Nos Estados Unidos as agitações da juventude vêm ocorrendo desde a década de 1950. Uma geração desenvolvida em uma sociedade com excedentes econômicos que possibilitaram um mercado cada vez maior de consumidores unidos por uma idéia de cultura juvenil, veiculada nos aparelhos de televisão, cada vez mais populares no país. O Rock and Roll se apresenta enquanto o ritmo desse novo estilo de vida. Pautado por ideais da contracultura como a liberdade, o trabalho como lazer, o anti consumismo, o hedonismo, a valorização da experiência e do sentir, o pacifismo, a liberação sexual, a defesa dos movimentos das minorias, etc. 1 PURDY, S. O Século Americano. In: KARNAL, Leandro. História do Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. p. 239. 2 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Parte 2, capitulo 9. 8 A mídia teve um papel importante na divulgação e transformação desta cultura jovem. Dentre as visões acerca dessa influência, a parcela mais conservadora da sociedade da época acusava à mídia o papel de estar incentivando e disseminando a cultura de rebeldia para a juventude. Por outro lado notou-se a deturpação das ideologias feita pela mídia, ao perceber como a revolução jovem se tornou um produto de alta rentabilidade. O Rock and Roll transformado em cifras milionárias no mercado fonográfico, e o movimento Hippie em uma moda com saias longas e estampas coloridas. Enfim, modificando ideais de luta em modelos e signos mercadológicos3. Tal como no resto do mundo, a década de sessenta no Brasil foi marcada por inúmeras movimentações sociais, educacionais, populacionais, políticas e econômicas, que transformaram o país. Durante o período das ditaduras militares, 1964-1985, principalmente na década de 60, o país passou por uma ruptura da tendência nacionalista-populista e um cerceamento nas artes e intelectualidade. Ao passo que o aumento da industrialização e internacionalização continuou em desenvolvimento, paralelo ao ideal de integração nacional. Muitos movimentos musicais se desenrolaram neste período: Bossa Nova, canções de protesto, música de festival, o Tropicalismo e a Jovem Guarda. As artes nesse período no Brasil encontraram um celeiro muito fértil, muitos movimentos se colocaram contra o establishment , configurando o que se chamou de “arte engajada”. A historiografia desenvolvida sobre a música traz, entre outras discussões, estas questões acerca da arte “engajada” e a “alienada”. É justamente das relações de história e música que o segundo capítulo se atenta. Partilho do entendimento do historiador Marcos Napolitano sobre a música popular, onde se encara a música enquanto um campo singular de estudos, ocupando um espaço na história sociocultural distinto: palco de intercessões, transformações, encontros étnicos, de classes e de regiões, que estruturam a grande teia brasileira da cultura. 4 A partir das décadas de 70 e 80, o objeto histórico, música popular, é renovado com diferentes perspectivas de análises e problematizações. Percebe-se então que os estudos são relativamente recentes, principalmente ao que tange uma historiografia que problematiza mais o papel e lugar dessa música popular, buscando identificar relações e complexificando sua atuação em sociedade. 3 GROPPO, Luís Antonio. Mídia, sociedade e contracultura. Revista da INTERCOM- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Campo Grande- MS. 4 NAPOLITANO, Marcos. História e Música – história cultural da música popular. 3. Ed., Belo Horizonte: Autêntica 2005, p. 07. 9 Este conceito de “cena musical” coloca as relações musicais em um nível espacial cultural, abrigando uma dinâmica sociocultural, que não necessariamente se opõem ao sistema ou tenha surgido de determinado grupo ou classe social. O objeto deste trabalho, a Jovem Guarda, está situada a margem da maioria dos gêneros que compunham a cena musical brasileira da época. Enquanto os movimentos da Bossa Nova, a canção de protesto, a música de festival e a tropicália são entendida como “engajadas”, seja política ou socialmente, a Jovem Guarda fica alienada, também não segue no caminho do samba, de configurar uma identidade nacional. Não era preocupação da JG as questões políticas ou sociais, estava mais interessada em “sacudir o esqueleto” da juventude e “mandar brasa, mora!”. No terceiro capítulo a análise pretendida de como a Jovem Guarda é recepcionada nas notícias do jornal Tribuna do Paraná e nos espaços da capital paranaense. Para tanto vale ressaltar que em Curitiba a Jovem Guarda aconteceu como um grande modismo juvenil atingindo jovens entre 14 e 16 anos aproximadamente5. Percebemos pelo contexto que ela fora amplamente veiculada nas rádios locais por seus produtores e divulgadores. Nomes como Dirceu Graeser e Paulo Hilário se destacam neste contexto, “o rádio paranaense teve seus anos dourados entre as décadas de 1940 e 1960, sendo o veículo de massa que imperava no estado” 6 . A Jovem Guarda terá seu espaço em programas de rádio, espaços sociais de lazer, como os clubes e emissoras de televisão na capital paranaense. Nota-se então que o Rock aportou em nossa capital, tal qual no Brasil, como um produto midiático, transformado pelo mercado e indústria cultural. As atitudes e ideologias que faziam do ritmos um movimento de rebeldia e liberação da juventude, perderam-se no processo de “fabricação” e importação na mídia. As produções locais ficaram restritas e localizadas em Curitiba. O rádio paranaense pode ser entendido como uma mídia de “massa” dentro dos limites das próprias proporções. Neste meio o Rock’n’Roll da Jovem Guarda foi um movimento singular, justamente por ter sido apropriado pelos produtores locais. Chegou até aqui não apenas pela mídia nacional, mas também por um viés quase “direto” de comunicação com os produtores internacionais, através principalmente de discos trazidos por alguns apreciadores mais abastados. O ritmo fora difundido e incorporado na cena musical. 5 6 História do Rock Curitibano Parte I, Gazeta do Povo, Caderno G, pag.8, 16/01/2001 MANOEL, J. de Souza (ORG.) Op. Cit. p.285 10 1. Os quentes Anos 60 1.1 Economia, juventude e tecnologias Neste capítulo pretende-se fazer um levantamento bibliográfico do contexto econômico, político e midiático relacionados ao surgimento de uma cultura jovem e seus movimentos musicais na Europa e nos Estados Unidos inicialmente, pois foram estes os celeiros da referida cultura. Depois no Brasil, onde esta cultura foi apropriada e assim transformada. Após o fim da Segunda Grande Guerra o mundo encontrava-se em partes em ruínas e em outras em período de mais alto desenvolvimento econômico e prosperidade cultural. Nos Estados Unidos da América o crescimento econômico foi estrondoso, e como pontua Hobsbawm, tal aumento segue “... a expansão dos anos de guerra..”7 que foram benéficos para este país, pois não sofrera nenhum dano, aumentou seu Produto Nacional Bruto (PNB) em dois terços e concentrava no fim da Segunda Guerra quase dois terços da produção industrial mundial.8 O Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos cresceu 250% entre os anos de 1945 e 19609, com a renda familiar crescente e baixas taxas de desemprego e inflação, durante a década de 50 o país contava com 6% da população mundial e consumia um terço dos bens e serviços disponíveis. Esta cultura do consumo é uma das grandes propulsoras de ideias expansionistas tecnológicas nos Estados Unidos e no mundo inteiro, sendo ligada também, a esta cultura do consumo, as ideias de liberdade e de felicidade, que se perpetuam pelo século XX até os dias de hoje . Conforme Willian Leuchtenburg, os grandiosos orçamentos militares e o poder de consumo foram fomentadores deste crescimento econômico nos EUA. 10 Em virtude da separação do mundo em dois blocos ao fim da Segunda Grande Guerra, a corrida armamentista entre os dois países ou blocos econômicos, o EUA e a URSS (União da República Socialistas Soviéticas), acabou gerando esse complexo militar – industria”, o qual manteve as economias aquecidas por um bom tempo, pois havia uma ameaça nuclear eminente, em relação da qual os países deveriam se proteger. Juntamente aos auxílios 7 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o Breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 254. 8 Idem, p. 254 9 PURDY, S. O Século Americano. In: História do Estados Unidos: das origens ao século XXI. -Leandro Karnal ... [et. al.] São Paulo: Contexto, 2007. p. 239. 10 LEUCHTENBURG, Willian. Cultura de Consumo e Guerra Fria. In: O século inacabado: a América desde 1900. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. 11 prestados para a reconstrução do Velho Mundo, os Estados Unidos se consolidavam enquanto a maior economia mundial. Exerceram forte influência neste período, além das descobertas e inventos tecnológicos, o American Way of Life. O consumo nos EUA estava associado às necessidades mais básicas, mesmo quando, e talvez na maioria dos casos, não tivesse ligação alguma com a sobrevivência. A questão de consumo estava baseada na vinculação das ideias de liberdade e felicidade às necessidades humanas. Com o boom econômico as possibilidades de consumo aumentaram, passando de uma mera necessidade para uma ideia de entretenimento nas compras. Como em 1950 os EUA consumia 33% da produção mundial, se transformou no maior importador do momento. Para consumir mais o estadunidense precisava de tempo livre. Assim, em virtude também da mecanização da produção, o trabalhador nos Estados Unidos teve sua jornada de trabalho reduzida a partir de uma parceria entre governo/ corporações/sindicatos fortalecidos. A Europa teve seu crescimento e expansão no que os franceses chamaram de “trinta gloriosos” ou conhecido também como “anos dourados”11, iniciado nos anos 1950. Período em que a economia acarretava benefícios materiais e facilidades de emprego nos países capitalistas desenvolvidos, ou na Europa Ocidental. Durante a década de 50 o surto econômico abarca outros países, passando a incluir os países comunistas e os em desenvolvimento.12 Porém, o momento a que podemos colocar a ideia do pleno emprego se localiza na década de 60, na Europa Ocidental, quando as taxas de desemprego estacionam em 1,5%, enquanto na década de 50 temos países como a Itália com taxas de 8%. 13 Nestes trinta anos a Europa passou por um crescimento no turismo, nas comunicações, com a popularização do telefone, nos transportes, graças a facilidade de acesso à automóvel e combustível barato), nas tecnologias, enfim o cotidiano estava se alterando com tantas transformações nos mais diferentes âmbitos da vida. Transformações estas que não ficaram restritas aos países mais ricos do planeta, ao contrário, elas se estendem a áreas remotas do globo, pelo menos ao que tange as tecnologias voltadas ao consumo. Exemplo: o rádio, que graças ao transistor e as pilhas e baterias em miniatura, conseguiu chegar aos mais distantes lugares do mundo.14 O LP (long play) foi inventado em 1948, porém sua expansão se dá justamente neste período com o aumento do consumo no mundo, e a diminuição no custo da produção, agora mecanizada e automatizada, 11 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit. Idem, p. 254. 13 , p. 254. 14 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 261. 12 12 o surgimento das fitas cassetes na década de 60 também leva a música para a mobilidade, inclusive para dentro dos automóveis. Outro fato importante a se ressaltar foi o baby boom , ocorrido com o final da segunda Guerra Mundial. Com o retorno dos soldados para as suas casas, as taxas de natalidade aumentaram muito, o que proporcionou uma geração de maioria jovem. Esta geração baby boomer surge justamente na década de 1960 e se desenvolve durante um período de prosperidade econômica. Esta explosão demográfica caracterizou uma geração que se diferenciou muito de seus pais, foram eles os rebeldes dos anos 1960. Esse enorme número de mudanças, principalmente econômicas, ocorridas ao longo das décadas pós guerra, cujo ápice é a década de 60, acarretou uma série de outras mudanças, mais especificamente o surgimento dos movimentos da juventude e seus gêneros musicais. Nos Estados Unidos as agitações da juventude ocorrem desde a década de 50 do século XX, uma geração desenvolvida em uma sociedade com excedentes econômicos que possibilitavam um mercado cada vez maior de consumidores unidos por uma ideia de cultura juvenil, veiculada nos aparelhos de televisão, cada vez mais populares no pais. O Rock and Roll se apresenta enquanto o ritmo deste novo estilo de vida, pautado por ideais da contracultura como liberdade, o trabalho como lazer, o anticonsumismo, o hedonismo, a valorização da experiência e do sentir, o pacifismo, a liberação sexual, a defesa dos movimentos das minorias, entre outros. Nas palavras do historiador Hobsbawm: “ A cultura jovem tornou-se a matriz da revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos.” 15 A juventude é uma temática estudada desde o início do século passado por campos de análise como a psicologia. Ao longo da primeira metade do século XX a adolecência foi tratada como uma questão etária e social, observamos a criação de aparelhos estatais específicos para tratar os problemas da juventude. O conceito de adolescência também esteve ligado à ideia de “delinqüência juvenil”, a fim de explicar o comportamento deste jovens.16 Notamos então como este conceito acabava por colocar o jovem enquanto um perigo para si e para a sociedade, ideia esta que passa a ser modificada com o passar dos anos, com o aparecimento da própria cultura juvenil, favorecido pelas bases econômicas sólidas e seus 15 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p.323. PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). História dos Jovens. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. v. 2. 16 13 excedentes. Cultura esta que rompe com o estabelecido historicamente como aponta Hobsbawm: “Contudo, o grande significado dessas mudanças foi que, implícita ou explicitamente, rejeitavam a ordenação histórica e há muito estabelecida das relações humanas em sociedade, que as convenções e proibições sociais expressavam, sancionavam e simbolizavam.”17 Na década de 50 do século passado surge, nos EUA, um movimento, os beats, que seria, segundo Leuchetenburg, o “primeiro tiro de rebelião da ‘contracultura’ que iria abalar a década de 1960”18. Os beatniks partilhavam uma vida desregrada e de excessos, ese colocavam contra o establishment, tiveram sua maior relevância com o movimento literário nas figuras de Jack Kerouac, Gregory Corso, Lawrence Ferlingheti, Willian Burroughs e Allen Ginsberg, tido como papa do movimento. Esse movimento foi importante na medida em que influenciou as bases formativas dos movimentos da contracultura da década de 60. A questão era que aos jovens já não cabia o encargo de serem miniaturas dos adultos, então passam a redesenhar seus papéis sociais a partir da década de 50. Edgar Friendenberg, um importante pensador acerca da juventude, em seus estudos demonstra como, em certa medida, o adolescente acabou por “substituir” o comunista nas temíveis expectativas de futuro, por se configurar enquanto uma fase que não estava nem ligada a infância nem a vida adulta, e que passava por indeterminações, conflitos, e contradições.19 Já em Passerini notamos: “[...] a adolescência tornava-se obsoleta, pois a integração pessoal não podia mais ser o velho ideal de maturidade, então irrealizável. Os próprios adultos transmitiam aos adolescentes sua ansiedade e falta de clareza quanto aos papéis sociais. A bola era assim devolvida aos pais e professores, definidos como indivíduos insuficientemente caracterizados, transformados em seres anônimos por processos que reduziram todos à multidão ou à massa.” 20 Nesse florescer desta nova cultura jovem, percebe-se uma reviravolta dos modelos das classes baixas e altas. Como preleciona Hobsbawm: “A novidade da década de 1950 foi que os jovens das classes alta e média, pelo menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais dava a tônica global, 17 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 327. LEUCHTENBURG, Willian. Op. Cit., p. 809. 19 MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX - neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981, p. 131. 20 PASSERINI, Luisa. Op. Cit., p. 342. 18 14 começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas urbanas, ou o que tomavam por tais, como seu modelo.” 21 Percebemos na explosão do Rock and Roll a maior expressão desta reviravolta, sendo este um ritmo que tem suas raízes na música negra dos Estados Unidos, uma vez que suas origens encontram-se nas transmutações do Jazz, Blues, e Rhytm and Bules. Primeiramente, o rock and roll era produzido por negros pobres nos guetos americanos, e acabou por se tornar o gênero que embalou muitos bailes das classes altas e média, tornando-se a bandeira dos movimentos da juventude e da contracultura. A partir de meados do século XX, manifestações, inicialmente localizadas e individuais, tornaram-se uma consciência generalizada em sociedade. Os movimentos de liberação sexual, como os de homossexualismo e lesbianismo, não significavam um afrouxamento puro e simples das ordens morais da sociedade, mas um compartilhamento de desejos entre vários egos, entre muitas subjetividades. É, pois, que em diversas partes do mundo que os jovens passam a afirmar sua própria moral, seguir sua própria moda, reconhecer seus heróis, notamos uma valorização dos desejos individuais, anseios que encontram na cultura de massa um estilo que se adapta ao seu niilismo. A mídia teve um papel importante na divulgação e transformação desta cultura jovem. Luis Groppo demonstra como a parcela mais conservadora da sociedade da época delegava à mídia o papel de estar incentivando e disseminando as cultura de rebeldia para a juventude. 22 Na mesma perspectiva, temos o estudioso Marshall MacLuhan que identifica este incentivo e divulgação enquanto algo positivo para o movimento, e que a própria natureza humana estaria sendo modificada a partir da influência midiática. Por outro lado, percebe-se como a mídia deturpava as ideologias. Um exemplo disso é quando analisamos como a revolução jovem torna-se um produto de alta rentabilidade: o Rock and Roll transformado em cifras milionárias no mercado fonográfico; o movimento Hippie em modismos com o Jeans, estampas coloridas e as saias longas entre as mulheres. Enfim,á a modificação de ideais de luta em modelos e signos mercadológicos. 23 Entretanto, não podemos nos esquecer que ambas as concepções se envolveram e se desenvolveram em meio a cultura jovem a partir da mídia, de modo que ao mesmo tempo que a mídia divulgava certas concepções e ideias de juventude, ela também as transformava e reduzia a produtos de vitrine. 21 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 324. GROPPO, Luís Antonio. Mídia, sociedade e contracultura. In: Revista Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Campo Grande- MS. 23 GROPPO, Luís Antonio. Op.cit. 22 15 O rock, o pop, a música eletrônica, e tantos outros movimentos se valeram muito desta exposição midiática e deste mercado gerado pela indústria cultural. Através deça o mundo inteiro ficou conhecendo seus ideais e embalos, influenciando, dessa maneira, o gosto e a produção de música ao redor de todo o planeta. Devesse destacar que mesmo antes destas transformações tecnológicas nas comunicações a circulação de ideias e de gêneros musicais existia, e até com certa velocidade, mas incomparavelmente mais lenta e restrita, como afirma Hobsbawm: “A tecnologia revolucionou as artes de modo mais óbvio, tornando-as onipresentes” 24. A indústria cultural25 , por conseguinte, se estrutura juntamente com as influências e confluências midiáticas, à medida que a reprodução dos produtos artísticos ganham dimensões homéricas, em grandes conglomerados econômicos numa relação de formar-se, e de formar as obras de arte. “A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado, com ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela não somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendoas a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos”. 26 Nesse fragmento, Walter Benjamim, coloca, já na primeira metade do século XX, observações concernentes aos impactos das captações e reproduções técnicas desenvolvidas por um incremento tecnológico, que ao avançar do século, em uma velocidade surpreendente, se supera a cada invento, e que com as mídias televisivas e radiofônicas elevam seus impactos exponencialmente. O registro do som se inicia ao ano de 1877 com as gravações em cilindros e a reprodução deste, pelo fonógrafo, que era algo difícil e que não possibilitava uma reprodutibilidade, pois o registro não era duplicável. A reprodutibilidade vem com a invenção do disco e do seu aparelho para a reprodução, em 1888 por Emile Berliner, o Gramofone. Os discos feitos em goma-laca (shellac) e reproduzidos numa matriz de cobre, foram evoluíndo ao passar dos anos quando em meados da década de 20 dos século XX, passam para a gravação eletrônica nos disco de 78 rotações por minuto (RPM), além dos avanços da 24 HOBSBAWM, Eric. Op. Cit., p. 484. Entendendo indústria cultural enquanto o sistema de mercado em massa de bens culturais, envolvendo as tecnologias para a reprodução, distribuição e circulação da mercadoria “arte”. Para maiores detalhes do funcionamento consultar: ADORNO, Theodor W.; HOKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2006. 26 BENJAMIM, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 167 25 16 indústria radiofônica, que junto com estas inovações na fonografia adentraram a música nos ambientes domésticos privados. Com a Segunda Guerra a matéria prima utilizada para a confecção dos discos, a goma lasca, fora cortada pelo exército japonês, pois era produzida em seu território, forçando assim novas pesquisas, que elegeram o vinil como a melhor matéria para esta produção, que juntamente com a descoberta das gravações em microssulcos lançaram então os disco de 45 RPM. Em meados de 1948 surge o LP ( Long Play) formato que desbancaria os demais por sua capacidade de armazenamento estendida (utiliza 33 RPM), e custo de produção reduzido, neste período também as fitas magnéticas ganham novas pesquisas, para em 1963, serem lançadas no mercado e uso doméstico, trazendo uma nova mobilidade para a música gravada, e inovações em relação a reprodutibilidade técnica, pois levaria esta possibilidade para dentro dos próprios ambientes privados, além das possibilidades das gravações não profissionais.27 O processo de captação também sofreu evoluções, aumentando a quantidade de canais para gravações, inicialmente feito em 4 canais e aumentando para 24 em 8 anos, até uma quantidade enorme nos dias de hoje, aumentando, assim, a qualidade e possibilidade de mixagem final. 28 Assim, com novos formatos de gravação, o rádio, a televisão, com a influência midiática e por conseguinte da indústria cultural, os ritmos e gêneros musicais se difundiram, se confundiram, se transformaram, ao redor do mundo. Enquanto a indústria cultural fora formada, e também seguia formando, estes gêneros e também as tecnologias numa relação de interdependência e inter-formação complexa, ainda relacionada com as culturas de massa. 1.2 O Brasil Tal qual o resto do mundo, a década de 60 no Brasil foi marcada por inúmeras movimentações sociais, populacionais, políticas e econômicas, que transformaram o país. É nesta década, que o país começa a tornar-se predominantemente urbano e que se consolida em meados da década de 70.29 27 MARCHI, Leonardo de. A Angústia do formato: uma história dos formatos fonográficos. In: Revista da associação nacional dos programas de pós-graduação em comunicação e Compós, http://www.compos.org.br/seer/index.php/e compos/article/viewFile/29/30, 2005. 28 A gravação por canais, desenvolvida na década de 60, possibilitou a captação individualizada de cada instrumento, no inicio 4 canais. Essa captação individual propiciou um controle maior da execução de cada músico, permitindo correções e alterações, com um aumento na qualidade, pois podia-se então equalizar a captação de cada instrumento específico. A mixagem constituiu-se num processo de equilibrar os volumes, timbres e acrescentar, se for o caso, efeitos sonoros. Este procedimento é essencial para um ganho na qualidade do produto final. 29 Segundo dados do IBGE a relação da população rural urbana em 1960 era; população urbana: 31.303.034; população rural: 38.767.423. Em 1970 urbana: 52.084.984 e rural: 41.054.053. MORAES, Ulisses Quadros de. 17 Foi na década de 50 que um parque industrial mais sólido começa a aparecer, com a implementação da indústria automotiva. Fato este que estimulou a expansão dos grandes centro urbanos, com a concentração do excedente de mão de obra, motivando ainda, a posteriori, a criação das cidades metropolitanas. No período de Juscelino Kubitschek há uma certa opção pela internacionalização da economia, mantendo uma industrialização acelerada no país.30 Em contrapartida ao crescimento da indústria, não podemos deixar de destacar que o movimento agrário também organizava-se, com a criação da Liga Camponesa em 1955, por exemplo. A crescente industrialização, a urbanização, acarretou reflexos econômicos ao país, para certas camadas positivos, como para os empresários, os industriais, os políticos, enfim uma minoria da população, colheram os frutos desse crescimento aumentando seus lucros e expandindo seus patrimônios. Enquanto isso, a massa excedente de trabalhadores se acumulavam nas periferias das cidades. A desigualdade social durante esse período aumenta, há uma concentração maior da renda, empresas multinacionais, que embora constituíssem uma parcela não tão grande do mercado brasileiro, concentravam o capital tecnológico, em detrimento ao desenvolvimento da indústria nacional.31 Em 21 de abril de 1960 Brasília foi inaugurada, neste momento a corrente que predominava na política brasileira era o desenvolvimentismo, explícita no slogan de JK: “50 anos em 5” . De JK até o golpe militar de 64 passaram dois presidentes polêmicos pelo poder: Jânio Quadros, em um rápido mandato de 7 meses; e o também esquerdista João Goulart, que assume com a renúncia de Jânio. De um lado Jango era pressionado pela esquerda, que exigia a aceleração das reformas de base32, por outro os conservadores juntamente com a classe média brasileira se mobilizavam em torno do medo comunista disseminado pelos EUA.33 Foi também no início da década de 1960 que surgiu o Centro Popular de Cultura (CPC), vinculado à União Nacional dos Estudantes (UNE). Tinha como objetivo discutir e definir estratégias para a criação de uma cultura nacional e popular. O CPC estava ligado às tendências ideológicas da esquerda nacionalista, as discussões acerca da nacionalidade e da A Modernidade em Construção: políticas públicas e a produção de música popular em Curitiba 1971-1983. São Paulo: Annablume, FUNARTE, 2009, p. 26. 30 HOHLFELDT, Antônio. A Fermentação Cultural da década brasileira de 60. In: Revista FAMECOS, Porto Alegre, dezembro 1999, n 11, p. 39. 31 BACHA, Edmar. Os Mitos de uma Década: Ensaios de Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1976. P. 15. 32 O presidente João Goulart lançou uma política de reformas chamada de “reformas de base” onde pretendia a reforma administrativa, reforma fiscal, reforma bancária e a reforma agrária. Ele acabou assim dando certa ênfase para questões rurais e sociais, quando em comício na central do Brasil em 13 de marco de 1964, as tensões sociais políticas se agravaram, criando condições precárias para a manutenção de seu governo. 33 BACHA, Edmar. Op. Cit., p .40. 18 cultura popular estavam sendo impregnadas por uma caráter político-ideológico. De acordo com Heloisa Buarque de Holanda: “ A produção cultural, largamente controlada pela esquerda, estará neste período pré-64 marcada pelos temas do debate político. Seja ao nível da produção em traços populistas, seja em relação às vanguardas, os temas de modernização, da democratização, o nacionalismo e a “fé do povo” estarão no centro das discussões, informando e delineando a necessidade de uma arte participante, forjando o mito do alcance revolucionário da palavra poética.” 34 Pouco antes deste período marcado por questões políticas nas artes e artísticas na política, observamos o advento da Bossa Nova. Este movimento nasce sob forte influência do Samba e do Jazz , sintetizando de certa maneira ambos os ritmos. A bossa foi concebida nos apartamentos da zona sul carioca, lugares de famílias de classe média alta, sob a apropriação do samba tradicional, fato que gerou grandes discussões acerca da legitimidade do ritmo enquanto popular. Enquanto o samba tradicional estava marcado por acompanhamentos percussivos marcantes, a bossa seguia por uma condução sutil de bateria, harmonizada com a complexidade jazzística. As letras seguiam descrevendo as realidades sociais dos seus compositores, assim tendo uma sensível alteração em relação ao samba. Como escreveu Nelson Motta: “Nesse tempo, aquela música de praia era chamada pejorativamente de “música de apartamento” , como se fosse uma música restrita e fechada, distante das ruas, apesar de a bossa nova ser um grande sucesso popular, que ia muito além da classe média de Copacabana. Para nós o Rio era a zona sul, a praia de Ipanema e os bares de Copacabana. E o Brasil era o Rio e São Paulo e a construção de Brasília.(...) Tudo parecia muito longe do Rio de Janeiro no final dos anos 50, mas a bossa nova começava a aproximar os jovens cariocas dos de São Paulo, de Salvador, de Belo Horizonte e de Porto Alegre. O rádio entrava em decadência, o disco e a televisão começavam a crescer no ambiente de liberdade, modernização e entusiasmo dos anos JK.”35 A bossa nova teve um papel crucial além da cena musical brasileira, pois foi o primeiro ritmo exportado do Brasil que teve uma larga aceitação e admiração junto ao público internacional. Dois nomes se destacam neste cenário, João Bosco, com a “sua” maneira de cantar e a levada no violão, e Tom Jobim com as inovações na forma de compor. Dessa forma, podemos afirmar que o final dos anos 50 foi fortemente marcado por renovações estéticas advindas da Bossa Nova. 34 HOLLANDA, Heloisa Buarquee GONÇALVES,Marcos. Cultura e participação nos anos 60. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1982. p.17. 35 MOTTA, Nelson. Noites Tropicais – solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000. P. 27 e 28. 19 Durante o período das ditaduras militares, 1964-1985, principalmente na década de 60, o país passou por uma ruptura política da tendência nacionalista-populista. Um cerceamento nas artes e intelectualidade, ao mesmo tempo em que o aprofundamento da industrialização e internacionalização continuam em desenvolvimento. A questão fronteiriça também foi contemplada pelos militares, que buscaram uma integração do país em torno de um ideal de nação. Justamente o ideal de integração nacional acaba por fomentar a criação de uma rede integrada das comunicações. Inicialmente, a partir dos anos 30, foi a rede radiofônica que se consolidou enquanto um aparelho de comunicação em massa. A princípio, o governo tentou estruturar esta rede sozinho, mas logo se uniu à iniciativa privada, o que deu uma dimensão comercial ao rádio, que no começo era apenas 10% da programação destinada a propaganda, mas que: “Com a legislação de 1952, que aumentou o percentual permitido para a publicidade para 20%, esta dimensão comercial se acentua, concretizando a expansão de uma cultura popular de massa que encontra no meio radiofônico um ambiente propício para se desenvolver ”36 Notamos então a junção da iniciativa privada também à setores artísticos musicais, posta a relação das rádios. Durante a década de 60 este ideal de integração nacional recebe influência de um novo tipo de mídia: a televisão. O governo passa a integrar as redes de televisão, que inicialmente, nos anos 50, se restringia a circulação local na cidade de São Paulo. Esta integração se concretiza apenas no último ano da década de 60, e assim acaba por intervir com mais significado na década de 70, porém a estruturação que ocorre durante os anos sessenta foi muito importante para o desenvolvimento de uma indústria cultural nacional. As TVs Tupi, Excelsior e Record, em São Paulo, juntamente com certas filiais e a TV Globo no Rio de Janeiro, produziram festivais de música ao longo da década de 60 de extrema importância para consolidação de certos gêneros e “rótulos” da música popular brasileira. Pois embora gradativa, a consolidação de uma rede de comunicação nacional, levada à prática pela Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL), criada em 1965), foi efetiva, um exemplo claro disso são as exibições dos festivais, que tiveram um aumento significativo e gradativo de público, à medida que a rede se integrava pelo território nacional. Os Festivais Nacionais e Internacionais da Canção, produzidos pelas redes televisivas, foram de extraordinária importância para a cena musical brasileira. Lançaram muitos nomes no cenário e até influenciaram na maneira de compor de certos artistas. Na citação feita por 36 ORTIZ, Renato. A moderna tradição Brasileira. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988, p. 40. 20 Ulisses Quadros de Zuza Homem de Mello, retirada do programa do evento “Brasil de Todos os Cantos”, fica clara esta influência: “ A simples existência da expressão “música de festival” denuncia até que ponto os compositores alteram seu processo de compor, ou pelo menos, o tipo de triagem que fazem em sua obra, quando se trata de participar de festival.(...) Por isso é válida a pergunta: vale a pena compor e depois vestir devidamente no arranjo e na interpretação, música com linguagem de festival? Penso que sem divida. Pois, se o festival é a oportunidade de mostrar um compositor, é com linguagem de festival que ele conseguirá se mostrar, Agora depois vencedor ou não, é outro caso. Perguntem ao Chico, Gil, Caetano e companhia se estão “afins” de fazer música com linguagem de festival.” 37 Ao todo, no decorrer da década de 60, foram realizados 26 festivais, 12 de maior relevância, dos quais 4 foram realizados por uma parceria entre o poder público e empresas privadas. Estes 12 foram realizados principalmente por empresas televisivas, já dos 14 de menor relevância apenas 3 contaram com a participação de TVs. A mídia está diretamente relacionada com o sucesso e divulgação dos festivais e os músicos que deles participaram. Dentre os músicos paranaense que participaram de festivais em nível nacional, temos a banda Biten IV, com as composições de Lápis e Paulo Vitola, no páreo. Porém não conseguiram uma projeção tal qual os vencedores como Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, entre tantos outro nomes de destaque nacional, que se perpetuam até hoje na cena. Nesse período o Rock também aportou no país. No Brasil o ritmo ganhou a roupagem do iê-iê-iê da Jovem Guarda, tendo no rei Roberto Carlos juntamente com o “tremendão” Erasmo Carlos e a “ternurinha” Wanderléia os três principais ícones do estilo. “De uma certa forma, a Jovem Guarda antecipou uma nova linguagem que atendesse simultaneamente o gosto popular e fosse mais condizente com os padrões globais da realidade mundializada” 38 Na citação da professora Francisca Santos39 fica claro que a Jovem Guarda foi um movimento de recepção e apropriação da matéria prima estrangeira: o Rock. E ainda que esta releitura nacional obteve grande adesão dentre o público brasileiro. Com efeito, o público brasileiro deste período era muito diversificado, colocaria até dividido. Por um lado temos o que se chama de “arte engajada”, tendo como expressão estética principal a Música Popular 37 MORAES, Ulisses Quadros de. A Modernidade em Construção: políticas públicas e a produção de musica popular em Curitiba 1971-1983. São Paulo: Annablume, FUNARTE, 2009. P. 92 38 SEVERINO, F. E. S. À beira do caminho: A jovem guarda prepara a mudança social. Psicologia Política. 2002. p.5. 39 Francisca Eleodora Santos Severino é antropóloga e doutora em Ciências da Comunicação pela USP. É docente do Programa de Mestrado em Educação, da Universidade Católica de Santos. 21 Brasileira (MPB), um segmento politizado que tinha como público a maioria universitários. Por outro lado, o que ficou conhecido como a “arte pela arte”, ou melhor, como a “arte alienada” , que conquistou uma grande massa popular de ouvintes jovens. Ainda apareceu, em finais dos anos 60, o movimento da tropicália, um movimento altamente vanguardista em estética, moderno e engajado em poesia, enfim um movimento a parte. A Jovem Guarda se enquadra no que se chamou de arte “alienada”, pois era um gênero que cantava o cotidiano dos jovens brasileiros deslumbrados com os modernos produtos estrangeiros. Lambretas, calças coloridas (em oposição ao jeans dos universitários), anéis, colares, chaveiros, automóveis e velocidades altas, enfim um gênero que veiculou mais que músicas e comportamentos, veiculou também produtos e consumismo. Certo que esta veiculação dos produtos não se deu de maneira direta, e mesmo porque, as composições próprias só começaram com os dois maiores ícones do movimento (Roberto e Erasmo Carlos) a partir de meados dos anos 60, existindo portanto bandas anteriores que faziam interpretações das músicas vindas de fora e de certa maneira promoviam o consumismo, como é o caso das bandas: Golden Boys, Renato e seus Blue Caps, os Fevers, The Clevers entre outras. Ao longo deste capítulo procurei expor o contexto relacionado com a temática. As questões políticas e econômicas, internacionais e nacionais, foram expostas, na medida em que as imbricações culturais se relacionam com essas, num movimento dinâmico de inter influência. Como o objeto do presente trabalho é a apropriação do Rock’n’Roll no Brasil, especificamente em Curitiba, através da Jovem Guarda, a análise realizada no presente trabalho foi acerca do Rock. Juntamente com as questões essencialmente ligadas ao ritmo, como a ideia de Juventude, a mídia, as revoluções tecnológicas que agiram diretamente na música e no mercado, como as renovações fonográficas. Ao tratar sobre o Brasil a intenção foi de expor os diversos ritmos que compunham a cena musical brasileira do período. Sem a pretensão de esgotar quaisquer um dos temas, para no próximo capítulo tecer uma discussão sobre as questões teórico-metodológicas que envolvem a temática. Discutir como o campo da História se relacionou e se relaciona com a música, para entender conceitos que nortearam a análise pretendida nesta monografia. 22 2. História e Música No presente capítulo buscar-se-á fazer um levantamento das possíveis análises históricas sobre a música. Para tanto uma breve revisão acerca das diferentes perspectivas e correntes, e os conceitos desenvolvidos e utilizados pelas respectivas abordagens. Uma explicação dos conceitos utilizados neste trabalho como indústria cultural, cena musical e apropriação40, também será desenvolvido aqui. As imbricações da música em seus contextos e meios sociais coloca-se enquanto um campo singular de estudos em História. Destaco a música popular que, como coloca Napolitano: “ ... ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontro de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional” 41 A partir das décadas de 70 e 80, a música enquanto objeto histórico vem ganhando espaço em teses e dissertações, além dos objetos renovados, novas perspectivas de análises e problematizações. Percebe-se, dessa forma, que os estudos são relativamente recentes, ao menos ao que tange uma historiografia que problematiza mais o papel e lugar dessa música popular, buscando identificar relações e complexificando o papel daquela em sociedade. Porém, a produção que conta a “história” da música, talvez aquela que narre a trajetória percorrida por esta, vem sendo desenvolvida, pelos próprios produtores, os músicos, e por jornalistas, desde muito tempo, mas com certos vícios analíticos como concepções evolucionistas ou simplistas . Em se tratando de música popular, entendendo aqui esta música como uma expressão popular-urbana-comercial, temos em Theodor Adorno um dos principais pensadores desta questão. Adorno produz seus textos mais crucias acerca deste assunto entre os anos 30 e 40 do século XX, muitos trabalhos deste tema partem de suas reflexões. O conceito de indústria cultural foi cunhado pelo pensador nesses trabalhos, que ironicamente não gostava da 40 Utilizando aqui este conceito a partir da obra de Roger Chartier, O Mundo com Representação, onde o autor coloca a apropriação na relação com a obra literária. Uma relação onde o leitor na recepção da obra (o que pressupõe a circulação desta) a recria, em suas interpretações atravessadas por variáveis complexas formativas do sujeito. Nas palavras do Chartier: “A apropriação tal como a entendemos visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem.” CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: A história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p.68 41 NAPOLITANO, Marcos. História e Música – história cultural da música popular. 3. Ed., Belo Horizonte: Autentica, 2005, p. 07. 23 expressão estética da musical popular, posto que para ele esta música era “... a realização mais perfeita da ideologia do capitalismo monopolista: indústria travestido de arte.”42. Mas como aponta Napolitano em seu livro, História e Música, a produção adorniana deve ser entendida e analisada numa perspectiva interna, ou seja, seus estudos são autocentrados, o que exige uma análise mais profunda que o usual. Napolitano desaprova concepções simplistas acerca da obra de Adorno, quando o acusam de “elitista” ou “pessimista”. Para o historiador Napoitano faz se necessária uma leitura mais apurada de seus estudos. Esta leitura exigiria um trabalho bem mais extenso e profundo que esse, portanto limitar-me-ei a analisar as considerações de Marcos Napolitano. Segundo este, na obra de Adorno encontramos o “... sistema estético hegeliano (contemplativo, racionalista e subjetivante) “43, que entra em colapso na era das massas modernas, pois “não havendo mais o conceito clássico de indivíduo, não haveria subjetividade e escolha na experiência social da arte”44 . “Os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da indústria cultural. O facto de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais.” 45 A música tornada um bem consumível, com o “fetichismo” regulando sua aceitação no mercado, e assim direcionada para as massas, que para Adorno implicava o fim da experiência individual contemplativa, transmutava o lugar da música na sociedade. Configurava-se a indústria cultural enquanto o sistema de mercado em massa de bens culturais, envolvendo as tecnologias para a reprodução, distribuição e circulação da mercadoria Nas décadas que seguem aos estudos de Adorno, 50 e 60, aconteceu uma revisão de suas teorias, que desembocou em um formato de análise que buscou separa os ouvintes em 2 tipos: os ouvintes já definidos por Adorno, ou seja os “regressivos”; e os ouvintes críticos ou ativos. Estes últimos tidos nos estudos pioneiros, de David Riesman, como a “minoria ativa”, e os outros como a maioria “manipulada pela industria do disco e adeptos de modismos”.46 Os estudos de Riesman acabaram por proporcionar o desenvolvimento de uma vertente que 42 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit. p. 21. Idem, p. 24. 44 Idem, p. 25. 45 ADORNO, Theodor W.; HOKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2006. 46 NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., p. 29. 43 24 fora chamada de os teóricos das “subculturas”, que relacionavam as revoluções culturais do cotidiano, novas praticas sociais, novos valores sexuais, as atitudes renovadas, às formas musicais consumidas através do mercado de bens simbólicos, principalmente o Rock, Blues e folk. Segundo Napolitano: “os estudos a partir do tema da subcultura têm sido um dos mais fecundos para a abordagem da música popular, ligando a escolha e o gosto musical a complexos socioculturais e sociopolíticos mais amplos”. 47 As subculturas funcionariam como grupos minoritarioos que se autointitulavam como ”geração jovem” em contraposição ao establishment burguês imposto, porém esta teoria também recebeu suas criticas. Ela acabou por legar à maioria dos ouvintes um estagio de regressão, tal qual Adorno. Colocou os “textos culturais” como condutores para identidades pré-existentes, o que levou a certa negligencia em relação á influencia que os gêneros dominantes no mercado tiveram por sobre o gosto musical. Na década de 90, a sociologia bastante influenciada pela antropologia, traz um novo conceito para se pensar musica popular, o da “cena musical”, que seria: “um espaço cultural no qual um leque de praticas musicais coexistem, interagem umas com as outras dentro de uma variedade de processos de diferenciação, de acordo com uma ampla variedade de trajetórias e interinfluências”48 Dois autores importantes desta vertente são Will Straw e Keith Negus, que muito contribuíram para as pesquisas em musica popular a partir de 90. Este conceito de “cena musical” coloca as relações musicais em um nível espacial cultural, abrigando uma dinâmica sociocultural, que não necessariamente se opõem ao sistema ou tenha surgido de determinado grupo ou classe social. Assim a idéia da recepção da música é redefinida para abarcar as inúmeras questões complexas que ela envolve, colocadas por Napolitano em três pontos: “ a) o consumo e a escuta musical como elementos de formação dos próprios músicos profissionais e amadores, que compõem a cena musical; b) a diversidade sociológica, escolar, etária, étnica da audiência, que vai além dos “grupos jovens” priorizados nos estudos sociológicos; c) o ecletismo presente no próprio gosto musical dos indivíduos e as diversas situações sociais e os diversos meios envolvidos na recepção de uma obra musical” 49 47 Idem, p. 29. Apud Negus, 1999, p.22 Idem, p. 30-31 49 Idem, p. 31 48 25 Este conceito de “cena musical” será muito útil para o presente trabalho, na medida que buscar-se-á levantar como esta cena se desenhou na Curitiba da década de 60 do século passado, focando a Jovem Guarda por motivos adiante esclarecidos. Quais gêneros musicais, e suas imbricações sociológicas, contribuíram para um espaço cultural curitibano onde se produzia e consumia certas músicas. Quais músicas? E ainda quais produtores? Quem consumia esta música? No Brasil a produção historiográfica a cerca da musica popular se intensifica com os debates no modernismo, autores essenciais como Mario de Andrade e Renato Almeida situam neste período suas produções. As produções realizadas neste período privilegiavam, segundo Marcos Napolitano, 4 problemas básicos que se inter-relacionavam: “a) o problema da brasilidade; b) o problema da identidade; c) os procedimentos pelos quais deveria ser pesquisada e incorporada a ‘fala do povo’ (folclore); d) os projetos ligados aos modernismos musicais”. 50 Em Mário de Andrade nota-se que o percurso dessa musica brasileira vem se constituindo desde finais do século XVIII, com certos formatos e continuidades brasileiras, no lundu e na modinha por exemplo.51 No século XIX são as danças folclóricas que adentram a cena, como os reizados, os fandangos e as congadas. No século XX o desenvolvimento dos gêneros musicais urbanos como, a modinha e as serestas, o maxixe e o samba, juntamente com as inúmeras danças rurais, formavam a “música popular”, que se configurou para Mario de Andrade, citado por Napolitano: "a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação de nossa raça até agora"52. Assim nessa “arte popular” nota-se a manifestação mais “pura”da nacionalidade brasileira, doravante pelo menos 2 dos problemas apontados por Napolitano foram contemplados, o da identidade e o da brasilidade. Nessa obra de Andrade, o Ensaio Sobre Musica Brasileira, é possível observar os demais problemas erigidos por Napolitano na citação a seguir: “Está claro que o artista deve selecionar a documentação que vai lhe servir de estudo ou de base. Mas por outro lado não deve cair num exclusivismo reacionário que é pelo menos inútil. A reação contra o que é estrangeiro deve ser feita espertalhonamente pela deformação e adaptação dele. Não pela repulsa.”53 50 NAPOLITANO, Marcos; WASSERMAN, Maria. Desde que o samba é samba: a questão das origens no debate historiográfico sobre a música popular brasileira. In: Revista Brasileira História. Vol. 20 n. 39, São Paulo, 2000, p. 168 51 ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre música brasileira. São Paulo, Livraria Martins, 1962. 52 NAPOLITANO, M.; WASSERMAN, M. Op. Cit., p 24. 53 ANDRADE, Mário de. Op. Cit., p. 24. 26 Então os estudos mais aprofundados iniciais acerca da música popular no Brasil, incluíram necessariamente o folclore nessa gama de ”música popular”. Mais pontualmente os estudos Mario Andradianos, colocam o material popular enquanto uma matéria prima necessária para a identidade brasileira, que exerceria uma força para o passado. Porém como ressalta Napolitano a cerca da obra de Mário da Andrade: “Não podemos afirmar que havia nesse autor um culto às origens, como momento a ser reatualizado pela criação musical, mas apenas a preocupação de estabelecer as bases de um material musical que trouxesse em si a fala da brasilidade profunda”54 Muitos trabalhos dedicados a explorar a história da música brasileira foram marcados, durante muito tempo, pelo olhar folclorista, um olhar pautado pela busca da “autentica” música popular brasileira e pela preservação deste autentico. O material produzido por Mario não lança bases para este pensamento, que se localiza em torno de uma música popular urbana, os estudos andradianos seguem mais em uma linha de levantamento etnográfico de folclore rural. Enquanto os “folcloristas urbanos” buscaram forjar a “legitima” música popular brasileira no espaço urbano. Esta corrente de pensamento pretendeu fixar um momento identitário dentro da uma “tradição” brasileira, muitos músicos, jornalistas, e até historiadores partilharam deste pensamento. A partir dos anos quarenta com nomes como Lucio Rangel, Almirante( Henrique Foréis Dominges) e posteriormente José Ramos Tinhorão, constituíram esta corrente de historiografia, com intenções de localizar social e geograficamente o lugar da música popular urbana “autêntica”, situando então no “morro” onde a feitura se deu pelos “pretos pobres”, do gênero Brasileiro por excelência: O Samba. “tratava-se de aplicar, na cultura popular urbana do samba, o método de localização, coleta e classificação do “fato folclórico”, isolando-o, paradoxalmente, dos desdobramentos da mesma cultura urbana que havia desenvolvido o vírus da sua própria contaminação (...)”55 Os “folcloristas urbanos” então buscaram aplicar métodos de analise de folclore em uma cultura popular urbana, que já desde seu nascimento, era uma mescla, uma mistura, de outras culturas. Enfim estes estudos, na busca pelas origens, acabaram privilegiando certos aspectos dessa cultura em detrimento de outros, ao elegerem o que seria a “autêntica” manifestação de “brasilidade”, o samba , sendo este uma “autêntica” cultura popular carioca. 54 55 NAPOLITANO, Marcos; WASSERMAN, Maria. Op. Cit., p. 169. NAPOLITANO, Marcos. Op. Cit., p.61. 27 Mas como esclarece Napolitano, este debate é muito mais complexo, posto que a própria produção vinda das camadas mais populares já tinha sua leitura a cerca da cultura hegemônica. Para pensar as relações entre a musica e a história encontramos 2 vertentes principais : “(...) podemos nos concentrar basicamente em duas grandes correntes historiográficas: a primeira diz respeito à discussão quanto à "busca das origens", ou seja, a raiz da "autêntica" música popular brasileira. A segunda corrente historiográfica procura criticar a própria questão da origem, sublinhando os diversos vetores formativos da musicalidade brasileira, sem necessariamente, buscar o mais autêntico.” 56 Esta segunda corrente traz aquelas renovações em métodos e objetos citadas no começo do capitulo. Autores como José Miguel Wisnik, Jorge Cladeira, Hermano Viana, Maria Clara Wasserman e Marcos Napolitano formam o arcabouço bibliográfico desenvolvido por esta corrente, que tanto tem contribuído para os estudos de música e história no Brasil. Wisnik em seu livro “Getúlio da Paixão Cearense” conduz a discussão num perfil interpretativo matizando os pontos de desenvolvimento do gênero Samba, criando a concepção de “biombos”, como espaços sociais temporários de criação e consumo desta música. O autor o faz quebrando com a concepção polarizada, que gera o argumento das musicas de “raiz”, entre os diferentes lugares de formação do samba carioca, demonstrando os jogos sociais entre estes espaços. O samba é um gênero que já fora associado a identidade nacional no período de Getúlio Vargas, e obtivera bastante circulação nas rádios, e por vezes sua circulação se deu por marinheiros ou militares que saiam do Rio de Janeiro para outras localidades. Além do samba, na década de 60, muitos outro gêneros musicais circulavam por entre os apreciadores e produtores de música no Brasil. Ritmos estrangeiros como o Jazz, Blues, Rock, Tango e Bolero, e regionais como Baião, Coco, Sertanejo, enfim a gama de ritmos e gêneros que circulavam pelo Brasil através das ondas da rádio, da industria fonográfica, e da incipiente rede televisiva, era enorme. Fora então nesta década de 60 que a sigla MPB assume um significado maior que musica popular brasileira, principalmente a partir dos estudos de Marcos Napolitano. Segundo Napolitano, esta MPB, era algo além de ritmos e ou movimento 56 NAPOLITANO, Marcos; WASSERMAN, Maria. Op. Cit., p. 168. 28 musical, se configurava enquanto uma instituição57 que corroborava uma hierarquia sociocultural brasileira. Desde já me coloco na segunda corrente, a que problematiza a questão das origens, e se propõe uma análise da apropriação de determinada música sem a busca pelo autêntico. As explanações expostas neste capítulo acarretaram também partes da própria história da música no Brasil, que juntamente com as informações do primeiro capítulo nos colocam certas conclusões. O objeto deste trabalho, a Jovem Guarda, está situada a margem da maioria dos gêneros que compunham a cena musical brasileira da época. Enquanto os movimentos da Bossa Nova, a canção de protesto, a música de festival e a tropicália são entendida como “engajadas”, seja política ou socialmente, a Jovem Guarda fica alienada, também não segue no caminho do samba, de configurar uma identidade nacional. Não era preocupação da JG as questões políticas ou sociais, estava mais interessada em “sacudir o esqueleto” e “mandar brasa, mora!”. Mas foi um movimento que se vinculou à juventude, seus modismos e sonhos de consumo. Além disso, uma característica importante é a ligação do gênero ao modernismo, que vinha pelo viés da internacionalização. Tanto na economia como em política essa internacionalização estava ocorrendo, isso não significa que a Jovem Guarda foi um movimento elitista, porem não incomodava aos poderosos. A Jovem Guarda acabou trazendo inovações para a MPB. Dentre elas, as guitarras elétricas, que foram tão criticadas pelos nacionalistas, e adentraram o cenário musical brasileiro através desse movimento. O rádio e a televisão foram de extrema importância para a consolidação da JG enquanto um ritmo jovem, e principalmente para sua nacionalização. No próximo capítulo buscarei identificar a apropriação da JG em Curitiba e a veiculação do ritmo nos veículos de massa presentes na capital. 57 Para definir instituição Napolitano se apóia em Pierre Bourdieu, que define em sua obra o poder simbólico como: “ Acumulação nas coisas( no caso as obras) e nos corpos(no caso os artistas e intelectuais) de um conjunto de conquistas históricas que trazem as marcas de suas condições de produção e tendem a gerar as condições de reprodução.: Bordieu, P. O poder simbólico , Rio de Janeiro: Difel, 1990, p. 100. Esta definição esta em um artigo intitulado O conceito de MPB nos anos 60 publicado por Napolitano na Revista História: Questões e Debates, Curitiba, n.31, p. 13, 1999. Editora da UFPR. 29 3. Curitiba: mais do que uma brasa, mora! Nesse último capítulo farei uma análise de como a Jovem Guarda foi apropriada na capital paranaense, através da análise de artigos de jornais publicados na Tribuna do Paraná no ano de 1960 em Curitiba. Nesse estudo foco as da JG com a mídia local,. Partindo da idéia da cena musical, enquanto um ambiente dinâmico e diverso, busco explanar como a JG se destacou na cena local. Em Curitiba a cena musical da década de 60 se apresenta muito dinâmica tal qual a brasileira. Muitos ritmos circulavam pela capital paranaense naquela época, Jovem Guarda, samba, MPB, entre outros. A Curitiba da época segue algumas tendências do mercado de bens simbólicos. Tanto o rádio como a indústria fonográfica, que na época tinha uma atuação limitada na capital paranaense, influenciavam e ditavam modismos da juventude. Uma dessas tendência, talvez a maior, foi a onda do Rock que teve seus altos e baixos ao longo da década, mas que embalou muitas festinhas da juventude curitibana. Segundo Manuel Neto, o ritmo teria sido trazido para nossa cidade, primeiramente, por algumas big bands e jazz bands, que ao longo dos anos 50 introduziram em seus repertórios alguns temas de rock, e em seguida pelo cinema. Mas, deixo claro foi nas ondas do rádio que o ritmo se difundiu de fato: “o rádio paranaense teve seus anos dourados entre as décadas de 1940 e 1960, sendo o veiculo de massa que imperava no estado.” 58 Foi a partir da exposição nas rádios que muitos ritmos se difundiram para o público. A mídia escrita também ajudou na divulgação de gêneros musicais em Curitiba, temos como exemplo uma coluna no jornal Tribuna do Paraná intitulada como Tribuna do Rádio escrita por Mário Ribas, veiculada nos primeiros anos da década de 60. Nesta coluna percebemos uma indicação do rock: “ AOS PLAY BOYS CURITIBANOS.... ...Aconselhamos ouvir o programa de Sansores França, transmitido pela rádio cultura do Paraná às 12:00, intitulado- <<Cultura-Rock>> e que é dedicado exclusivamente aos admiradores da música <<que já foi boa>> mas que continua sendo a <<coqueluche>> da juventude (brasileira é claro, pois a J.T. americana já deixou de lado a <<adoração>> de Elvis e seus rocks). Uma noticia alvissareira para os <<play boys>> é que dentro de breve deverá ser fundado o <<Clube do Rock>> (no programa) o qual deverá congregar todos os admiradores da música maluca.”59 58 MANOEL, J. de Souza (ORG.) O Rock no Paraná; ou de como os paranaenses passaram de imitadores a vanguardistas do rock, dos idos de 1955 a 1970. In: A [des] Construção da Música na Cultura Paranaense. Curitiba: Ed. Aos Quatro Ventos, 2004. Pp285 59 Tribuna do Rádio. Aos Play Boys Curitibanos. Curitiba, Jornal Tribuna do Paraná, 7/01/1960. 30 Neste anúncio Mário Ribas coloca a sua impressão do Rock, uma música “maluca” “que já foi boa”, e ainda tenta colocá-la como “fora de moda”, ao menos para os jovens estadunidenses, ao mesmo tempo que divulga o estilo. Ribas ainda denuncia em sua coluna como o Rock’n’Roll era uma moda bastante difundida entre a juventude curitibana. Ao se referir à juventude o autor coloca a referência de brasileira, porém chego a conclusão desta ser a curitibana, pois o programa seria veiculado por uma rádio local, para o público local. Mas a referência também é certa, a juventude brasileira estava de fato curtindo a onda do Rock, porém no caso específico cabe a ressalva. A demanda pelo rock fica clara a partir da análise dessa fonte de jornal local publicada no ano de 1960, bem como pode ser constatada através do anuncio do “Clube do Rock”, um espaço especial para esta “música maluca” que reune seus admiradores. Cabe ressaltar ainda o espaço nas rádios paranaenses que o Rock ocupou. A partir apenas desta fonte fica muito restrita a análise, porém quando contraposta aos artigos: O Rock no Paraná; ou de como os paranaenses passaram de imitadores a vanguardistas do rock, dos idos de 1955 a 1970; e Música Jovem nos anos 60 no Paraná; escritos, respectivamente, por Manoel J. De Souza Neto e Aimoré Índio do Brasil Arantes e Joceli de Fátima Tomio Arantes, a análise ganha corpo. Os artigos estão publicados na coletânea A [dês]Construção da Música na Cultura Paranaense, organizado pelo Manoel Neto.60 O Rock ganha programas específicos a partir do final da década de 50, em 1957 na rádio emissora, e no começo dos anos 60, na rádio Guairacá quando um dos principais produtores de rock de Curitiba, Dirceu Graeser lançava seu primeiro programa Ídolos da Juventude. Como o próprio nome do programa denuncia, ele era focado na juventude curitibana, assim sendo um grande influenciador do gosto musical dos ouvintes, veiculava apenas o Rock’n’roll. As garotas curitibanas adoravam ir às rádios acompanhar os programas, era o momento onde elas demonstravam sua admiração, assim como os grandes ídolos do rock tinham suas milhares de fãs, aqui aconteceu um movimento que se assemelhou, ao menos em atitude. Programas como Clube da Juventude, apresentado na rádio Tingui por Sensores França e mais tarde por Paulo Hilário, e Expresso das Quintas com Mario Vendramel pela rádio PRB2 fizeram muito sucesso entre os adolescentes. Dirceu Graeser na Guairacá 60 Manoel J. De Souza Neto é um paulista radicado em Curitiba, onde desde 1990 atua como produtor de musica. É também pesquisador da cultura e da música popular paranaense. 31 começou com o programa Ídolos da Juventude e posteriormente tocou o Favoritas da Juventude; Mário Celso comandava o programa Cabeludos pela Marumbi. Também chegavam na capital paranaense programações de rádios de outros estado como a Bandeirantes e Mayrink e Veiga, ambos programas de rock.61 Em fins dos anos 50, mais especificamente em 1958, veio para Curitiba Neil Sedaka se apresentar no palco do Guairão. Sedaka não era um legítimo roqueiro, mas trazia em seu repertório algum rock, juntamente com calipso e outros ritmos dançantes da época. O rock que veio a Curitiba no início de 60 era um rock docilizado e não compreendido em sua essência de rebeldia, assim como o que trouxe Neil Sedaka. As letras todas em inglês eram uma incógnita para muitos pais, que ao descobrirem seus significados e suas ligações com o sexo, as drogas e a liberdade, começam a fazer oposição ao gênero. Mesmo assim o rock adentrou a cena musical curitibana de maneira definitiva. Paulo Hilário, Dirceu Graeser, Paulo Roberto, Pedro Luiz, Vitório e Célio Magueiro são alguns dos principais nomes deste momento inicial do rock em Curitiba, momento este que o público era, em sua grande maioria, jovens entre catorze, quinze e dezesseis anos aproximadamente62. No início eram cantores, que acompanhados por bandas dos programas, cantavam as músicas de seus ídolos estrangeiros. Para depois formarem bandas no estilo tradicional, The Jets, The Little Devils, The Marvels que em 1965 virou os Metralhas, foram algumas das principais. Paulo Hilário além de cantar em carreira solo, participou também da banda the little devis e tinha um programa na rádio Tingui chamado o Clube da Juventude. Juntamente com Dirceu Graeser abriram espaço para artistas locais nas rádios. Paulo Roberto foi um rapaz de família abastada que teve a oportunidade de estar em Londres no início da década de 60 e acompanhar o rock em um de seus berços por um curto período. Também ganhou uma guitarra de seu pai, que ia por vezes à Inglaterra, uma das primeiras no estado. Possuía discos que eram difíceis no período, enfim uma “promessa” segundo o professor Inami Custódio63 . Mas o mesmo que o incentivou lhe dando a guitarra, o segurou após a gravação de 4 compactos simples. Nas palavras do professor Inami: 61 MANOEL, J. de Souza. Op. Cit. p.290. História do Rock Curitibano Parte I, Gazeta do Povo, Caderno G, pag.8, 16/01/2001. 63 Inami Cutódio Pinto foi um folclorista paranaense responsável pelo “resgate” do fandango entre outras empreitadas em folclore do professor, foi também produtor das gravadores: Copacabana, Chantecler e Continental entre os anos de 1958 e 1967 no Rio de Janeiro e São Paulo. 62 32 “O nosso encontro para a assinatura do contrato para o primeiro LP era no teatro das Bandeiras, em São Paulo. E justamente na hora em que íamos assinar, o pai do menino não gostou do ambiente, e acabou não permitindo que o filho seguisse carreira. Depois o rapaz casou e foi morar na Espanha.”64 Notamos então um traço da tradicional sociedade curitibana da época, o que acabou por limitar certas possibilidades de artistas paranaenses, e ainda mais, do próprio movimento Rock’n’roll acontecer. Em algumas reportagens tratando do rock percebe-se a mesma linha, quando o rock fora “desaconselhado” para a juventude, principalmente pelas atitudes que o acompanhavam, como já colocadas no primeiro capitulo do presente trabalho. É certo que o contexto era completamente outro, nos Estados Unidos e na Europa os jovens estavam alcançando conquistas, tanto políticas como econômicas, que ainda aqui em nossa capital estavam distantes. E nem pretende-se pensar que o rock deveria necessariamente estar vinculado com as atitudes da contracultura. O que cabe salientar é justamente esta separação que fora feita em algum momento da chegada do rock em Curitiba, ou da viagem dele para a cidade. Se nos países de origem do estilo existia um certo temor em relação a divulgação oferecida pela mídia65, aqui nota-se que o ritmo chegou transformado. Como denunciado pelo professor Groppo, a mídia de massa, seja a televisão, ou em nosso contexto específico o rádio, agia como uma força de mutação do movimento em produto, assim percebe-se que o que veio à Curitiba foi o produto rock. Uma moda adolescente que invadiu as festinha e também o rádio, que com o passar do tempo fora amadurecendo. Curitiba no começo da década de sessenta tinha em torno de 515.141 habitantes, segundo o censo de 1960. Era uma cidade relativamente pequena, se comparada com São Paulo que tinha uma população pouco maio que três milhões e meio de habitantes. Um dado que chama a atenção é a parcela jovem da população, que se constituía em torno de 290.732 pessoas, importante salientar que neste quase trezentos mil a faixa etária varia entre 0 a 24 anos66. Assim não coube precisar quantos jovens realmente consumiam rock naquela época, tão pouco qual era o percentual de “juventude”, porém podemos perceber que o público não era pequeno, ao menos proporcionalmente. Além das rádios, o Rock invadiu as festas em clubes da cidade, clubes como a Sociedade Tahlia, o Concórdia, Clube Duque de Caxias, Clube recreativo entre outros já 64 MANOEL, J. de Souza (ORG.) Op. Cit., p. 288. GROPPO, Luís Antonio. Op. Cit. 66 ARANTES, Aimoré Índio do Brasil, ARANTES, Joceli Fátima Tomio. A música jovem nos anos 60 no Paraná. In: MANOEL, J. de Souza (ORG.) A [des] Construção da Música na Cultura Paranaense, Curitiba: Ed. Aos Quatro Ventos, 2004. P.153 65 33 promoviam festas com bandas que tocavam ritmos variados. Com a chegada do Rock, mais docilizado e domesticado que o estadunidense, muitas “matinês” tiveram as pistas embaladas pelo ritmo. Principalmente quando a sociedade percebeu que os jovens curitibanos não aderiram as atitudes e comportamentos dos roqueiros norte americanos: “O novo som da juventude circulava também em festinhas comportadas nas casas das famílias da sociedade ( as que tinham dinheiro para viajar para o exterior e comprar discos)” 67 Percebemos também na citação, além da qualidade das festinhas “comportadas”, a relação de difícil acesso ao mercado fonográfico na época. Pois para se ter discos de certos ritmos era necessário viajar para o exterior, algo que não deveria ser tão comum na época. Postas a questões de transportes e financeiras. Os lugares de circulação do novo ritmo em Curitiba estavam associados com a mais tenra juventude. As festas aconteciam, neste momento inicial, em um período diurno, para que o principal público tivesse acesso. Nota-se também na citação acima como o mercado fonográfico ainda não havia incorporado o ritmo, pelo menos em Curitiba. Onde este mercado ainda era muito incipiente, para se ter uma idéia, produções locais só começaram a ser realizadas a partir da década de 70 com limitações técnicas sérias. O único lugar para gravações era o SIR Laboratório imagem e Som, que era mais voltado para a criação e gravação de jingles comerciais, e operava em meados da década de 70, com um equipamento de captação em 4 canais. Enquanto no eixo Rio-São Paulo já se utilizava captação em 24 canais. 68 Nota-se então que o Rock aportou em nossa capital como um produto midiático, transformado pelo mercado e indústria cultural. As atitudes e ideologias que faziam do ritmo um movimento de rebeldia e liberação da juventude, perderam-se no processo de “fabricação” e importação na mídia. Uma minoria aderiu o estilo dos “play boys” e se rebelou, o que fora visto como um problema a posteriori. Não pode-se afirmar que Curitiba tivesse uma indústria cultural estabelecida, mas a indústria maior, no Brasil estabelecida no eixo Rio-São Paulo e também vinda de fora, estava aqui presente, rádio e televisão, ainda que incipientes na época, existiam e veiculavam programas com motivações sobre música e juventude. Nas emissoras de televisão os roqueiros também tinham seu espaço. Na época as redes de TV tinham veiculação apenas local, e não contavam ainda com uma programação cheia e nem com tantos patrocinadores. Fato que acabou propiciando esta entrada do gênero na grade 67 MANOEL, J. de Souza (ORG.) Op. Cit. p. 285. grifo meu. MORAES, Ulisses Quadros de. A Modernidade em Construção: políticas públicas e a produção de musica popular em Curitiba 1971-1983. São Paulo: Annablume, FUNARTE, 2009 p. 119. 68 34 da programação, é certo que não apenas por este fato, pois fica perceptível que existia uma demanda, que não era pequena, da própria juventude local. No canal 6 os programas eram, o do Dino Almeida(1961/1962), o “ponto 6” de Newton Dislandes e o “Clube da Juventude” de Dirceu Graeser, no canal 12 o “Alô Juventude” de Paulo Hilário e Graeser, mais tarde Hilário assumiu o “Festinha dos Metralhas”, e Ivo Jr. ( Ivo Rodriges, do Blindagem) também teve seu programa o “Juventude Alegria”. A Jovem Guarda teve uma relação direta com a mídia e a publicidade. O próprio nome do movimento partiu do programa, intitulado “Jovem Guarda”, exibido pela rede Record nas tardes de domingo (lançado em setembro de 1965)69, e se manteve no ar durante 3 anos. Apresentado por Roberto Carlos, o Rock veiculado era ingênuo, com uma estrutura musical simples. No programa também eram vendidos produtos da marca calhambeque , sobretudo vestuários, que aproveitou o sucesso da música de mesmo nome de 1963. No auge da jovem guarda no Brasil(1965/1967), em Curitiba forma formadas mais de duzentas bandas que só tocavam este estilo. Ao que se apresenta a cena musical curitibana vem sendo perpassada pelo rock desde fins dos anos 50, o estilo teve na primeira metade de 60 uma grande projeção local. Entre 60 e 64 aconteceram os “Festivais da Juventude” e os “Especiais da Juventude”, shows de rock, que ocorreram entre outros espaços no teatro Guaira, promovidos por Dirceu Graeser, que marcaram época. Mas desde o início o ecletismo estava presente na produção no Paraná: “ O primeiro EP de Dirceu Graeser, com as músicas “Voltei Para Ficar”, uma balada rock, e “Ouvindo a Chuva”, uma guarânia, mostra bem o perfil dos artistas da época. Com grande ecletismo a maioria não se atinha apenas ao rock, gravando também músicas romântica, baladas e músicas populares, incluindo regional”70 Na citação de Manoel J. De Souza Neto fica bem claro como a cena musical curitibana vinha se desenhando. Esse ecletismo encontramos em alguns dos artistas da época, como na da banda the Claters, que tinha Celso Pirata como integrante, o qual tem um importante papel em meio a MPB no Paraná, e ou o The Jets, banda que contava com Juca e seu irmão Lápis (Palminor Rodrigues Ferreira), quando do fim da banda Juca se dedicou para a cena do Jazz e 69 MENDES, Heloisa M. Transgressão e conservadorismo na prática discursiva da Jovem Guarda. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, 2009, p. 59. 70 MANOEL, J. de Souza (ORG.) Op. Cit., p. 290. 35 Lápis que é conhecido ainda hoje como um dos maiores expoentes da MPB paranaense, seguiu compondo música popular. A MPB obteve seu espaço, ou melhor a ampliação do espaço, no Paraná a partir da década de 70 principalmente. Lápis teve uma maior atuação neste período, porém os trabalhos iniciaram em finais dos anos 60, com grupos como Trianom, Biten IV entre outros. O ecletismo da cena musical curitibana estava muito associado aos públicos e faixas etárias, como a cena de Jazz e Choro, ligadas à um público mais adulto. O chorinho é um estilo que já vinha desde a década de 40 sendo executado em Curitiba, tendo assim um público mais velho. O Jazz também, embora este tenha, de certa maneira, aberto a cena para aquela música jovem, o Rock. Se tratando de música de protesto, um gênero da juventude brasileira engajada da década de 60, percebemos apenas um nome de paranaense citado nas fontes, a artista De Kalafe, natural de Ponta Grossa. Os trabalhos acerca de música no Paraná são poucos, ainda mais ao que tange a música popular na década de 60. A obra A [dês]construção da música na cultura paranaense, uma coletânea de artigos organizada por Manoel J. de Souza Neto, é uma boa fonte sobre o assunto71. Trata sobre música em geral, erudita, popular, local, nacional, internacional, enfim a gama é bastante extensa. Entre os artigos reunidos há textos de historiadores profissionais, há também de amadores, jornalistas, produtores, enfim muitas correntes de análise. Para utilizá-lo neste trabalho foi necessário problematizá-lo, visando uma leitura crítica de seus textos, os utilizando, em muitos casos com fonte para a pesquisa em outros como bibliografia. Um ar saudosista e evolucionista fica claro no livro, a busca por uma identidade musical paranaense a custa de certos exageros. No que tange o contexto o livro traz informações interessantes. Nesta obra percebe-se uma certa inquietação dos pensadores, e de músicos também, n “sombra” no que diz respeito a sombra que Curitiba ficou durante os períodos de efervescência cultural no Brasil e no mundo. Noto que a relação estabelecida entre os produtores de música em Curitiba e a indústria, quando ocorreu, se fez enquanto uma via mercadológica de consumo apenas. Falo isso em relação a grande indústria cultural, se é que podemos colocar as movimentações locais como uma “pequena” indústria. Pois embora houvesse uma veiculação das produções 71 Manoel J. De Souza Neto é um paulista radicado em Curitiba, onde desde 1990 atua como produtor de musica. É também pesquisador da cultura e da música popular paranaense. Os 39 autores deste “misto de coletâneas de artigos, fanzine, revista, documento histórico, cartilha ideológica e didática.” São “ ... alguns iniciantes, outros considerados os maiores especialistas no assunto, membros da comunidade musical do estado(pesquisadores, professores, historiadores, músicos, jornalistas)” NETO, Manoel J. De Souza. A [des]Construção da Música na Cultura Paranaense. Curitiba: Ed. Aos Quatro Ventos, 2004. P. 10. 36 locais durante o período na mídia de “massa”, o mercado de bens simbólicos local não se constituiu como tal. As produções locais ficaram restritas e localizadas em Curitiba, e aquela mídia de “massa”, só pode ser chamada assim na medida em que se analisa o veículo, e não seu alcance. Neste meio, o Rock’n’roll da Jovem Guarda foi um movimento singular, justamente por ter sido apropriado pelos produtores locais. Chegou até aqui não apenas pela mídia nacional, mas também por um viés quase direto de comunicação com os produtores internacionais, através principalmente de discos trazidos por alguns apreciadores mais abastados. O ritmo foi incorporado na cena musical e difundiu, através da mídia local, o rádio e a TV, circulou entre o público jovem curitibano. É um gênero que se produz até hoje na capital, que durante o período das décadas de 80 e 90, fora inclusive associado a uma certa identidade local. Curitiba acabou ficando conhecida pelo Brasil como um reduto do rock underground neste períodos posteriores. 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pretensão desta pesquisar foi análisar como o Rock’n’nRoll adentrou a cena musical curitibana na década de 1960, e como se deu sua apropriação na capital. Contudo devo ressaltar a escassez das fontes necessárias para a presente pesquisa. Como exposto no trabalho as questões técnicas impediram que fossem realizadas gravações em Curitiba no período, assim sendo estas executadas em São Paulo, e de tiragens pequenas, não consegui encontrar discos da época. Doravante bibliografias acerca da temática tabém são poucas. Mas com as fontes que consegui levantar, concluo certas questões. Curitiba na década de 1960, que ainda era uma cidade pequena, recebeu o Rock em sua cena musical através da mídia. Principalmente pela veiculacão no meios de comunicação em massa da época, o rádio, a TV e o jornal, com efeito essa “massa” deve ser considerada proporcionalmente em seu momento e local específicos. Em Curitiba da época a população era ainda pequena, e as redes de rádio e televisão tinham circulação local, o que coloca essa idéia de “massa” em um lugar delicado. Devo deixar claro que aproprio este conceito de maneira à identificar o veículo que difundiu a JG em Curitiba, e considerando as devidas proporções, atingiu uma maioria de jovens na capital. Tornando-se uma moda e sendo tocado em festas particulares, e em muitos clubes. Apercebi também que o Rock que chegou ao Paraná foi mais adocicado, já transformado pela mídia e indústria cultural, com temas mais românticos, e que, como em confluência com o Rock produzido no resto Brasil, não se opunha ao establishment instituído. Assim concluo colocando esta pesquisa em um campo que ainda tem muito a ser explorado. Não se pretendeu esgotar o tema, mas abrir uma possibilidade, ou melhor levantar uma discussão que ainda tem muito a se completar. 38 REFERÊNCIAS FONTE: História do Rock Curitibano Parte I, Gazeta do Povo, Caderno G, pag.8, 16/01/2001. Tribuna do Rádio. Aos Play Boys Curitibanos. Curitiba, Jornal Tribuna do Paraná, 7/01/1960. BIBLIOGRAFIA: ADORNO, Theodor W.; HOKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge ZAHAR Editor, 2006. ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre música brasileira. São Paulo, Livraria Martins, 1962. ARANTES, Aimoré Índio do Brasil, ARANTES, Joceli Fátima Tomio. A música jovem nos anos 60 no Paraná. In: MANOEL, J. de Souza (ORG.) A [des] Construção da Música na Cultura Paranaense, Curitiba: Ed. Aos Quatro Ventos, 2004. BACHA, Edmar. Os Mitos de uma Década: Ensaios de Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1976. BENJAMIM, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1993. Bordieu, P. 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