HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E ARQUITETURA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL. Maria Helena Pupo Silveira1 Secretaria de Estado da Educação do Paraná [email protected] EIXO: Patrimônio educativo e cultura material escolar PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura Escolar, Patrimônio Histórico Escolar, Cultura Material Escolar. 1. Introdução Este trabalho tem como objetivo contribuir para a discussão das representações da arquitetura como um dos eixos do Patrimônio Histórico da Educação. O foco principal deste artigo é o patrimônio arquitetônico como “lugar de memória” e diz respeito à identidade e à imagem da escola como reconstrução da história da instituição. O Patrimônio Histórico Arquitetônico, em seu sentido mais amplo, pode ser definido como um bem social ou cultural que possui significado e importância material para a sociedade. Estes bens foram construídos ou produzidos pelas sociedades passadas e de alguma forma representam uma ligação entre passado e presente, que dão o significado ao movimento tempo-espaço e aos sujeitos de hoje. Os estudos deste artigo fazem parte das investigações e trabalhos do “Núcleo de Preservação do Patrimônio Histórico Escolar” (NUPHEP)2, atuando desde 2008 no âmbito da Secretaria de Estado da Educação do Paraná3. O grupo de professores que compõe o NUPHRP tem se ocupado com o levantamento dos acervos museais e documentais das escolas estaduais, assim como proposta de restauração e conservação do patrimônio arquitetônico das escolas públicas estaduais, construídas até meados da década de 1960. O objeto de estudo deste documento refere-se às escolas públicas mais antigas da cidade de Curitiba, ainda em funcionamento, tais como: o Instituto de Educação do Paraná “Professor Erasmo Pilotto” (1924), o Colégio Estadual do Paraná (1953), o Colégio Estadual Xavier da Silva (1903) e o Colégio Estadual D. Pedro II (1927). Além do valor para a educação paranaense, estas escolas são tombadas pelo Patrimônio Histórico do Estado (CE do Paraná e Instituto de Educação) e, no caso do CE Xavier da Silva e CE D. Pedro II, são consideradas Unidades de Interesse de Preservação pela Prefeitura Municipal de Curitiba, acarretando um processo de 1 Doutora em Educação, Linha de Pesquisa em História e Historiografia da Educação da Universidade federal do Paraná. 2 Ver atuação e objetivos do Núcleo no portal da Secretaria de Estado da Educação do Paraná: http://www.diaadia.pr.gov.br/museudaescola/, acesso em 24/01/2011. 3 A equipe de trabalho do Núcleo é composta pelos funcionários de carreira e educadores da Secretaria de Estado da Educação. Atualmente fazem parte desta equipe: Cristiane Regina Zimermann, Maria Helena Pupo Silveira, Michelle Riemer do Nascimento, Paulo César Medeiros e Ronel Corsi. gerenciamento especial devido à tutela do Estado nestes estabelecimentos. Portanto, para a Secretaria de Educação do Paraná estas escolas deveriam passar por um gerenciamento especial quanto à sua conservação e preservação arquitetônica, além do grande acervo documental e museal que estão se perdendo por falta de conhecimentos técnicos e de gestão de formação dos Diretores e Professores no que se refere à educação patrimonial. A análise dessas instituições insere-se na problemática da cultura material escolar, como artefatos de valor simbólico e patrimonial, além de compor uma narrativa histórica nos seus contextos, suas funções sociais e os indivíduos que os utilizaram nos seus mais diversos ambientes educativos, nas diversas práticas de ensino em que foram incorporados retratando as correntes pedagógicas do momento de sua circulação. Os principais autores estudados foram: Le Goff (2003), Bucaille e Pesez (1989), ViñaoFrago (1995), Veiga (1999), Souza (1998) e Bencostta (2005). Sobre o conceito de cultura material escolar entendemos como os objetos e bens físicos que utilizados no processo educativo. Portanto, diversos elementos constituem o universo físico da escola dentre eles destacamos: o próprio edifício, os mobiliários, os brinquedos, os materiais didáticos, etc. As fontes utilizadas foram os documentos oficiais, dentre elas destacamos: as mensagens governamentais, os relatórios de inspetores de ensino, as plantas arquitetônicas e as fotografias de acompanhamento das obras e do funcionamento das escolas aqui priorizadas. A periodização da pesquisa refere-se basicamente às primeiras décadas do século XX, período em que se iniciou a construção dos edifícios escolares públicos paranaenses até as décadas de 1953, com a inauguração do Colégio Estadual do Paraná. 2. Considerações sobre o Patrimônio Histórico Arquitetônico. O Patrimônio Histórico Arquitetônico, em seu sentido mais amplo, pode ser definido como um bem social ou cultural que possui significado e importância material para a sociedade. Estes bens edificados foram construídos ou produzidos pelas sociedades e de alguma forma representam uma ligação entre passado e presente, o que remete aos seus usuários uma relação do movimento tempo-espaço diferenciados, de acordo com os significados que esses bens deixaram em cada uma dessas sociedades. Segundo a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação), o órgão responsável pela definição de regras e proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade4, é considerado patrimônio arquitetônico as construções representativas, que por seus estilos, época de construção, técnicas 4 Sobre a Carta de Proteção e de Patrimônio <http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>, acesso em 17/01/2011. da UNESCO ver: construtivas utilizadas, entre outros, são reconhecidas como bens de interesse construtivo. Entretanto, para os historiadores a arquitetura ou um bem material edificado deixa marcas não só na paisagem como sua representação na memória de uma sociedade. Sobre o sentido da memória, Le Goff (2003, p. 419) afirma que se trata de um: (...) fenômeno individual e psicológico (cf. soma/psiche), a memória liga-se também à vida social (cf. sociedade). Esta varia em função da presença ou da ausência da escrita (cf. oral/escrito) e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado (passado/presente), produz diversos tipos de documento/monumento, faz escrever a história (cf. filologia), acumular objetos (cf. coleção/objeto). A apreensão da memória depende deste modo do ambiente social (cf. espaço social) e político (cf. política): trata-se da aquisição de regras de retórica e também da posse de imagens e textos (cf. imaginação social, imagem, texto) que falam do passado, em suma, de um certo modo de apropriação do tempo (cf. ciclo, geração, tempo/temporalidade). (Le Goff, 2003, p. 419). É importante considerar que para o autor a memória tem a propriedade de conservar certas informações. Le Goff afirma que a memória trás um conjunto de funções psíquicas, nas quais o homem “pode atualizar as impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (Idem). Além disso, a memória é responsável e move a construção de monumentos. Le Goff (2003) aponta para o fato de que o que caracteriza um monumento é o fato de “ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhas que só numa parcela mínima são testemunhos escritos”. Novos olhares são dirigidos sobre o patrimônio escolar e a materialidade, o impacto que esses artefatos têm para a memória da educação deve ser considerado, por isso a investigação, o levantamento, a inventariação, catalogação, digitalização e gestão dos materiais educativos, assim como a preservação de seus edifícios. As formas de divulgação das suas coleções e as atividades desenvolvidas por estas instituições são também importantes, por isso julgamos importante o relato de estudo alguns desses patrimônios. 3. Estudos de Caso No presente trabalho apresentaremos quatro exemplos de patrimônio arquitetural: o Grupo Escolar Xavier da Silva (1903), o primeiro grupo escolar de Curitiba e o Grupo Escolar D. Pedro II (1927), o primeiro projeto escolar de dois pavimentos construído no Estado do Paraná. Outros dois exemplos referem-se ao ensino secundário, a Escola Normal de Curitiba (1924), primeira escola pública de formação de professores de Curitiba e o Colégio Estadual do Paraná (1953), escola que sucedeu o Liceu de Curitiba, fundado em 1846. A arquitetura das escolas tem despertado interesse de pesquisadores das mais diversas áreas, no Paraná destacamos os estudos de Bencostta (2001), Correia (2004) e Amorim (2008). De acordo com os estudos de Bencostta, a inauguração do edifício projetado para abrigar um grupo escolar ocorreu em dezembro de 1903, em Curitiba. O Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva foi criado para servir como modelo a futuros grupos e seu projeto arquitetônico foi disseminado tanto na capital quanto no interior do Estado. Antes da inauguração do “Xavier da Silva”, em Curitiba, apenas três escolas públicas de ensino primário: para o atendimento das meninas a Escola Tiradentes e para os meninos a Escola Carvalho. A Escola Oliveira Bello oferecia ensino a ambos os sexos. (Bencostta, 2001, p. 120).5 Para Elizabeth Amorim, o primeiro edifício construído para um grupo escolar, no Paraná, tinha um programa arquitetônico simplificado (AMORIM, 2008, p. 34). A construção localiza-se em um terreno de esquina, com a planta em forma de “L”, na época de sua inauguração possuía duas alas, perfazendo um total de seis salas de aula e duas áreas para recreio. Esta representação delimitou com bastante precisão a ala feminina e a masculina, a ala da esquerda (ainda hoje preservada) tem na sua fachada superior a inscrição “masculino”. FOTO 1: GRUPO ESCOLAR DR. XAVIER DA SILVA, Fonte: Coordenadoria do Patrimônio do Estado do Paraná. O Grupo Escolar D. Pedro II foi inaugurado em 1928, pode ser considerado um edifício diferenciado dos construídos até aquele momento, pois, além dos ambientes 5 Em 1910, as escolas Oliveira Bello e Carvalho se transformaram em grupos escolares, mas acabaram sendo desativadas. Em 1914, a Escola Tiradentes foi transformada em grupo escolar. internos e detalhes externos, foi o primeiro grupo escolar com dois pavimentos no Paraná. A fachada principal tem características ecléticas, no partido arquitetônico adota a tipologia em “U”, divide-se em duas alas paralelas, unidas por um salão de recepção de entrada, localizado de forma bastante monumental uma escadaria interna de mármore, iluminada por vitral (AMORIM, 2008, p. 64). Abrigava doze salas de aula, espaço para direção, sala de professores, instalações sanitárias internas, um salão nobre, considerado uma inovação para este tipo de projeto. FOTO 2: GRUPO ESCOLAR D. PEDRO II, 1927 Fonte: Coordenadoria do Patrimônio do Estado do Paraná Outras escolas importantes que fortaleceram a implantação de uma arquitetura escolar no Brasil foram as Escolas Normais. A formação docente teve início a partir das décadas de 30 e 40 do século XIX, em pleno Império, com o surgimento das primeiras escolas provinciais.6 Segundo Heloisa Villela (2000) os argumentos da autora: As escolas normais eram locais “autorizados” que deveriam caracterizar o “novo” professor primário, distinguindo-se dos seus antecessores, os “velhos” mestre-escola, e alguns conteúdos foram se transformando num corpo de saberes característicos dessa formação. (VILLELA, 2000) Em Curitiba, o exemplo na formação dos professores foi o Instituto de Educação do Paraná, fundado em 12 de abril de 1876, pela Lei n.º 456, que criou a Escola Normal e o Instituto Paranaense (antigo Liceu e, posteriormente, Ginásio 6 Com a promulgação do Ato Adicional, em 1834, “transferiu-se para a Província a responsabilidade pela organização de seus sistemas de ensino (primário e secundário), e de formação de professores” (VILLELA, 2000, p. 101). Paranaense). Ambos funcionavam no mesmo estabelecimento e somente em 1922 a Escola Normal teve suas instalações próprias (IWAYA, 2001). A planta em forma de “U” tinha 24 salas de aula, ambientes administrativos, secretaria, sala de diretor, biblioteca, sala de professores, laboratórios e instalações sanitárias, e salão nobre. Essa construção foi ousada para os padrões da época, seu acabamento e detalhes da fachada produzem um efeito de grandeza e de que finalmente a Capital paranaense tomava um “banho de civilização” com o seu novo monumento educacional. FOTO 3: ESCOLA NORMAL DE CURITIBA, 1924 Fonte: Coordenadoria do Patrimônio do Estado do Paraná Sobre a trajetória do Colégio Estadual do Paraná Correia (2004) destaca que a sua fundação foi descontínua e marcada por rupturas. Iniciou em 1846 como Lycêo de Coritiba, sendo criado como estabelecimento oficial de Ensino Secundário. A instituição funcionava numa sede alugada, localizada na Praça Tiradentes, região central de Curitiba. Em 1854, foi inaugurada a primeira sede própria na Rua Dr. Muricy, na região central da cidade. Depois da denominação de Instituto Paranaense e Gymnasio Paranaense, mediante Decreto n.º 11.232, de 6 de janeiro de 1943, a instituição é definitivamente autorizada a funcionar como Colégio Estadual do Paraná. (CORREIA, 2004) Após várias mudanças, ocorridas num período de quase cem anos, um novo prédio do Colégio Estadual do Paraná foi construído. Com um total de 40 mil m2 de área de terreno e 20 mil m2 de área construída, estava dividido em: edifício principal, um ginásio, uma piscina olímpica, uma piscina de aprendizagem, um campo de esporte e uma casa do zelador. É preciso destacar que pela grande quantidade de acervo documental e museal o CEP já tem constituído um Centro de Memória, desde 2009. Nesta iniciativa, em parceria com a UFPR e a Secretaria da Educação, tem sido possível projetar uma nova ação de preservação e educação patrimonial. Dentre as ações desenvolvidas, destacamos a higienização dos documentos e catalogação dos equipamentos que contam a história dessa importante escola7. Além disso, a atual equipe do Centro de Memória do CEP é responsável pela organização do espaço do Museu Guido Straube, com acervo dos diversos equipamentos e materiais utilizados pelos professores da escola nos 150 anos da escola. FOTO 4: VISTA AÉREA DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ (1953) Fonte: Coordenadoria do Patrimônio do Estado do Paraná Não por acaso, esses edifícios localizavam-se em regiões consideradas nobres, marcando tanto no destaque de suas linhas arquitetônicas quanto na sua localização (CORREIA, 2004, p. 81). Além disso, os terrenos foram estrategicamente escolhidos e os projetos diferenciados das escolas mostravam a preocupação dos gestores com os novos rumos da educação paranaense. 7 Sobre as atividades desenvolvidas e o histórico do Colégio Estadual do Paraná ver: <<http://www.cep.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=130>>. FOTO 5: EDIFÍCIO PRINCIPAL DO COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ (2004) Fonte: Gazeta do Povo, 2004 Considerações Finais As escolas como um dos principais centros de difusão de conhecimento e de produção de cultura, podem ser consideradas como “lugares de memória”, expressão cunhada por Pierre Nora (1997) para se referir aos lugares espaciais, materiais e simbólicos que produzem uma memória coletiva, expressam a pluralidade sociocultural de uma localidade. Outro importante historiador, Maurice Halbwachs, as memórias são construídas por grupos sociais, portanto são os indivíduos que se lembram de alguma situação, cena, edifício, etc. Desse modo, são os grupos sociais que determinam o que deve ser “memorável”, e também como será lembrado. Consideramos aqui, os prédios escolares como acontecimentos públicos de importância para os grupos os quais foram criados. Por outro lado, trabalhamos aqui com a idéia de Monumento do Congresso de Veneza, em 1964: (...) a noção de monumento compreende não só a criação arquitetônica isolada; mas também a moldura em que ela está inserida. O monumento é inseparável do meio onde se encontra situado e, bem assim, da história da qual é testemunho. Reconhece-se, consequentemente, um valor monumental tantos aos grandes conjuntos arquitetônicos quanto às obras modestas que adquiriram, no decorrer do tempo, significação cultural e humana. (Carta de Veneza de 25 a 31 de maio de 1964, Itália). A Arquitetura também se configura como a construção de práticas culturais, de saberes, de valores e de idéias no interior das instituições educacionais. Todo projeto edificado expressa um programa, expressa um currículo escolar, que constrói subjetividades, experiências individuais e coletivas e, portanto desempenha papel destacado no processo de aprendizagem e na formação das estruturas cognitivas do educando. Nesse sentido, novas iniciativas de gestão e orientação patrimonial escolar devem ser produzidas e formalizadas como política pública dos órgãos responsáveis pelas escolas. Referências AMORIM, E. A. Grupos Escolares de Curitiba na primeira metade do século XX, 2008. BENCOSTTA, M. L. A. História da Educação, Arquitetura e Espaço Escolar. 1. ed São Paulo: Cortez, 2005. BUCAILLE, R. & PESEZ, J-M. Cultura material. In: Romano, R. (Dir.), Enciclopédia Einauldi, Lisboa: Imprensa Oficial / Casa da Moeda, 1989, volume 16. CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. CORREIA, A. P. P. História & Arquitetura Escolar: os prédios escolares públicos de Curitiba (1943-1953). Curitiba, 2004. Dissertação (Mestrado em História e Historiografia da Educação) - Universidade Federal do Paraná. LE GOFF, J. História e memória. 5 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. MAGALHÃES, M. B. de. Paraná: Política e Governo. 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