Polinômios. Um “polinômio com coeficientes racionais” é uma escrita formal P (X) = n X ai X i = a0 + a1 X + a2 X 2 + . . . + an X n i=0 onde ai ∈ Q para todo i ∈ {0, 1, . . . , n}. Isso nos dá uma função f : N → Q definida por f (i) = ai onde f (i) = 0 se i ≥ n + 1. Observe que o conjunto C = {i ∈ N : f (i) 6= 0} é finito, de fato f (i) = ai = 0 se i > n, ou seja C ⊆ {0, 1, . . . , n}. Os números racionais a0 , a1 , . . . , an são chamados de “coeficientes” do polinômio P (X). Observe que C pode ser vazio, neste caso o polinômio P (X) éPo polinômio nulo: P (X) = 0. Se C não for vazio na escrita P (X) = ni=0 ai X i supomos por coerência de notação que o coeficiente de X n seja não nulo: an 6= 0. Em outras palavras n = max(C). Se C não for vazio (ou seja se P (X) não for o polinômio nulo), o máximo elemento de C (que existe pois C é finito) é chamado de grau do polinômio. Por exemplo o polinômio 6X 3 +2X 2 +1 tem grau 3, e C neste caso é {0, 2, 3} (que está contido propriamente em {0, 1, 2, 3}). Observe que a0 = 1, a1 = 0, a2 = 2, a3 = 6, e ai = 0 para todo i ≥ 4. Ou seja os ai que não aparecem são iguais a zero. Se C for vazio então P (X) = 0 é o polinômio nulo e normalmente digamos que o grau do polinômio nulo é −∞, um número menor de todos os números. Os polinômios de grau zero são da forma a com 0 6= a ∈ Q (polinômios “constantes”), os polinômios de grau 1 são aX + b com a, b ∈ Q e a 6= 0, os polinômios de grau 2 são aX 2 + bX + c com a, b, c ∈ Q e a 6= 0, etc. Pn Pn i i Dois polinômios P1 (X) = i=0 bi X são iguais i=0 ai X , P2 (X) = exatamente quando são iguais as funções correspondentes f (i) = ai , g(i) = bi , ou seja exatamente quando ai = bi para todo i ∈ N. Esse fato é as vezes chamado de “principio de identidade dos polinômios”, se trata de uma consequência imediata da definição de polinômio. Podemos introduzir duas operações entre polinômios. • Soma. n X ai X i + m X i=0 bi X i = i=0 n X (ai + bi )X i i=0 onde max{n, m} = n. • Produto. Se trata da regra X i X j = X i+j extendida por distributividade, ou seja ! ! n m n+m X X X X ai X i · bi X i := ai bj X k . i=0 i=0 k=0 1 i+j=k 2 Por exemplo (X 3 + 2X 2 − X + 1)(X 2 + X + 3) = (1)X 5 + (1 · 1 + 2 · 1)X 4 + (1 · 3 + 2 · 1 − 1 · 1)X 3 + +(2 · 3 − 1 · 1 + 1 · 1)X 2 + (−1 · 3 + 1 · 1)X + (3)1 = X 5 + 3X 4 + 4X 3 + 6X 2 − 2X + 3. Observe que se P (X) e Q(X) são dois polinômios não nulos de Pngraus ni e m, o grau de P (X)Q(X) é n + m. De fato escrevendo P (X) = i=0 ai X Pm i e Q(X) = i=0 bi X com an 6= 0, bm 6= 0 temos que P (X)Q(X) = an bm X n+m + J(X) com J(X) de grau menor que n + m, logo o grau de P (X)Q(X) é n + m (observe que an bm 6= 0 sendo an , bn ∈ Q, an 6= 0 e bm 6= 0). O conjunto de todos os polinômios com coeficientes racionais é indicado por Q[X]. Se trata de um grupo comutativo com a operação de soma. Existe um elemento neutro do produto, o polinômio 1, mas em geral os elementos não admitem inverso multiplicativo, por exemplo consideramos o polinômio X. Não existe nenhum polinômio P (X) tal que XP (X) = 1, sendo o grau de XP (X) igual a 1 + n onde n é o grau de P (X), e 1 + n ≥ 1. Em outras palavras, o inverso de X seria 1/X mas 1/X não pertence a Q[X] porque não é um polinômio. Logo Q[X] com a operação de produto não é um grupo. Temos então uma analogia entre Z e Q[X]: eles têm duas operações associativas e comutativas (soma e produto), são grupos aditivos (ou seja, são grupos com a operação de soma), eles têm elemento neutro do produto (1 nos dois casos), e não todo elemento admite inverso multiplicativo (por exemplo X não admite inverso multiplicativo em Q[X] pois 1/X não é um polinômio, e 2 não admite inverso multiplicativo em Z pois 1/2 não é um inteiro). Além disso, Q[X] e Z têm a propriedade distributiva, ou seja se a, b, c são inteiros quaisquer, ou polinômios quaisquer, então a(b + c) = ab + ac. Nas próximas aulas daremos o nome de “anel comutativo” às estruturas algébricas com essas propriedades. O que queremos fazer agora é extender tal analogia até o algoritmo de Euclides. Teorema (Divisão com resto para polinômios.). Sejam A(X), B(X) ∈ Q[X] dois polinômios não nulos. Existem Q(X), R(X) em Q[X] (quociente e resto) polinômios com R(X) nulo ou de grau menor que o grau de B(X), tais que A(X) = Q(X)B(X) + R(X). 3 Por exemplo se A(X) = X 2 + X + 2 e B(X) = X o problema da divisão com resto é reduzida a “colocar X em evidência”: A(X) = X(X + 1) + 2 = (X + 1)B(X) + 2 logo Q(X) = X + 1 e R(X) = 2. Observe que R(X) tem grau zero, e B(X) tem grau 1, o que faz sentido pois 0 < 1. X2 Um outro exemplo fácil é A(X) = X 2 + 1, B(X) = X + 1, neste caso + 1 = (X − 1)(X + 1) + 2 logo Q(X) = X − 1 e R(X) = 2. Para resolver exemplos mais complicados precisamos de um algoritmo de divisão. O algoritmo para fazer a divisão com resto entre A(X) e B(X) é o seguinte. Sejam n o grau de A(X), m o grau de B(X), daı́ existem polinômios H(X) (de grau menor que n) e J(X) (de grau menor que m) tais que A(X) = an X n + H(X) e B(X) = bm X m + J(X). A(X) = an X n + H(X) B(X) = bm X m + J(X) Q1 (X)B(X) Q1 (X) = an n−m bm X A(X) − Q1 (X)B(X) Feito isso, o algoritmo continua com A(X) − Q1 (X)B(X) no lugar de A(X). Isso nos dá um “segundo quociente” Q2 (X), etc. No final teremos que o resto da divisão é o último polinômio da primeira coluna e o quociente é Q1 (X) + Q2 (X) + . . . Observe que o polinômio bamn X n−m é um elemento de Q[X], e isso explica porque escolhemos Q como conjunto dos coeficientes e não Z por exemplo: porque se an , bm ∈ Q com bm 6= 0 então an /bm ∈ Q (o que não seria verdade se tivesse Z no lugar de Q). O conjunto dos polinômios com coeficientes inteiros, Z[X], não admite divisão com resto. Exemplo. Sejam A(X) = X 4 + X 2 + 1, B(X) = X 2 + X em Q[X]. Faremos a divisão com resto entre A(X) e B(X). X2 + X X4 + X2 + 1 4 3 X +X X2 − X + 2 −X 3 + X 2 + 1 −X 3 − X 2 2X 2 + 1 2X 2 + 2X −2X + 1 Obtemos que A(X) = B(X)Q(X) + R(X) onde Q(X) = X 2 − X + 2 (quociente) e R(X) = −2X + 1 (resto). 4 Exemplo. Sejam A(X) = X 5 + 10, B(X) = X 3 + X − 1 em Q[X]. Faremos a divisão com resto entre A(X) e B(X). X 5 + 10 X3 + X − 1 3 2 +X −X X2 − 1 −X 3 + X 2 + 10 −X 3 − X + 1 X2 + X + 9 Obtemos que A(X) = B(X)Q(X) + R(X) onde Q(X) = X 2 − 1 e R(X) = X 2 + X + 9. X5 Exemplo. Sejam A(X) = X 4 − 2X 3 + X 2 − X − 1 e B(X) = 3X 2 + X. Faremos a divisão com resto entre A(X) e B(X). X 4 − 2X 3 + X 2 − X − 1 X 4 + 13 X 3 7 3 − 3 X + X2 − X − 1 − 73 X 3 − 97 X 2 16 2 9 X −X −1 16 2 16 9 X + 27 X 43 − 27 X − 1 3X 2 + X − 79 X + 1 2 3X 16 27 Obtemos que A(X) = B(X)Q(X) + R(X) onde Q(X) = 13 X 2 − 97 X + 43 (quociente) e R(X) = − 27 X − 1 (resto). 16 27 Tendo divisão com resto, podemos aplicar o algoritmo de Euclides exatamente como o aplicamos no conjunto Z. Por exemplo aplicaremos o algoritmo de Euclides a A(X) = X 5 − 3 e B(X) = X 2 + 2 mostrando em particular que eles são coprimos. Encontraremos dois polinômios G(X), H(X) em Q[X] tais que A(X)G(X) + B(X)H(X) = 1. X2 + 2 X5 − 3 1 0 X5 − 3 0 1 X2 + 2 3 1 −X + 2X 4X − 3 −(X/4 + 3/16) 1 + (X/4 + 3/16)(X 3 − 2X) 41/16 Os quocientes são X 3 − 2X e X/4 + 3/16. Logo escolhendo G0 (X) = −(X/4 + 3/16), H0 (X) = 1 + (X/4 + 3/16)(X 3 − 2X) temos A(X)G0 (X) + B(X)H0 (X) = 41/16, daı́ escolhendo G(X) = (16/41)G0 (X) e H(X) = (16/41)H0 (X) obtemos A(X)G(X) + B(X)H(X) = 1. 5 Exercı́cios. (1) Faça a divisão com resto entre X 6 − X e 2X 2 + X + 1. (2) Faça a divisão com resto entre X 12 − 1 e X 3 − 1. (3) Encontre dois polinômios G(X), H(X) ∈ Q[X] tais que G(X)(X 3 + 2) + H(X)(X 2 + X + 1) = 1. (4) Encontre dois polinômios G(X), H(X) ∈ Q[X] tais que G(X)(X 2 − 5X + 6) + H(X)(X 3 − 4X) = X − 2. (5) Mostre por indução que se n ∈ N existe An (X) ∈ Q[X] tal que X n − 1 = (X − 1)An (X). (6) Existe uma formula para o grau de A(X) + B(X) que depende só dos graus de A(X) e B(X)? (7) Seja P (X) um polinômio de Q[X] e seja a ∈ Q. Mostre que se P (a) = 0 então X − a divide P (X). [Dica: faça a divisão com resto de P (X) por X − a.]