Por que as crianças devem usar os dedos na aula de matemática Evidências da neurociência sugerem que, longe de ser “criancice”, essa prática é essencial para o desempenho matemático JO BOALER AND LANG CHEN Algumas semanas atrás, eu (Jo Boaler) estava trabalhando no meu escritório em Stanford quando o silêncio do quarto foi interrompido por uma ligação. Uma mãe me ligou para contar que sua filha de 5 anos havia chegado da escola chorando porque a professora não a permitiu usar os dedos para contar. Esse não é um fato isolado- escolas em todo o país banem o uso dos dedos na sala de aula ou falam para os alunos que estão sendo criancinhas. Isso é contraposto por um ramo surpreendente da Neurosciência que mostra a importância de uma área do cérebro que “visualiza” os dedos, muito além do tempo e da idade que as pessoas usam os dedos para contar. Em um estudo publicado ano passado, os pesquisadores Ilaria Berteletti e James R. Booth analisaram uma região específica do nosso cérebro que é dedicada à percepção e representação dos dedos, conhecida como área somatosensorial do dedo. Incrivelmente, os pesquisadores sabem que “visualizamos” uma representação de nossos dedos em nosso cérebro mesmo quando não usamos os dedos ao calcular. Os pesquisadores descobriram que ao desafiarem jovens com idade entre 8 e 13 anos de idade com problemas complexos de subtração, a área somatosensora se ativava, mesmo se os dedos não fossem usados. A área de representação dos dedos, segundo a pesquisa, também era ativada quando os pesquisados eram desafiados com problemas mais complexos. Outros pesquisadores descobriram que os estudantes que tinham mais habilidade com o uso dos dedos na primeira série acabavam por ter notas mais altas na segunda série. Uma das recomendações dos neurocientistas conduzindo estes importantes estudos é que as escolas acabem com a discriminação do dedo – não apenas do contar nos dedos, mas também de ajudar os alunos a distinguirem seus dedos entre si. Infelizmente as escolas tipicamente prestam pouca ou nenhuma atenção a este tipo de discriminação, e até onde sabemos, nenhum currículo atual encoraja esse tipo de trabalho matemático. Ao invés disso, principalmente devido aos distritos escolares e à mídia, muitos professores são levados a crer que o uso dos dedos é inútil e é algo que deve ser abandonado o mais rápido possível. Kumon, por exemplo, um programa de tutoria no contraturno usado por milhares de famílias em muitos países, diz para pais que usar os dedos para contar deve ser evitado a todo custo, e se os pais observarem seus filhos fazendo isso eles devem alertar o instrutor. Até a percepção dos dedos em estudantes universitários ditavam suas notas. (Os pesquisadores analisaram se as crianças tinham uma boa noção de seus dedos tocando o dedo do aluno - sem que ele veja qual dedo está sendo tocado- e pedindo que identifique qual dedo é). Evidências tanto de estudos comportamentais quanto da neurociência demonstram que quando as pessoas recebem treinamento sobre como perceber e utilizar seus dedos, eles tornam-se melhores nesta prática, e em consequência alcançam maior nível de habilidade com matemática. As tarefas que desenvolvemos para serem utilizadas em escolas e casas (ver a baixo) são baseadas em programas de treinamento que pesquisadores utilizam para melhorar a qualidade de percepção dos dedos. Pesquisadores descobriram que crianças de 6 anos melhoraram seu conhecimento aritmético, especialmente habilidades como contagem e ordenação de números. Na verdade, a qualidade da representação dos dedos das crianças de 6 anos foi um melhor indicador de sua performance futura em testes matemáticos do que seus resultados em testes de processos cognitivos. Neurocientistas costumam debater porque o conhecimento dos dedos pode prever habilidades matemáticas, mas eles claramente estão de acordo em um ponto: Este conhecimento é crítico. Como escrito por Brian Butterworth, um pesquisador líder nesta área, se os estudantes não estão aprendendo sobre números utilizando seus dedos, “eles nunca terão uma representação normal no cérebro”. A necessidade e importância da percepção dos dedos pode até ser a razão pela qual pianistas e outros musicistas geralmente possuem um conhecimento matemático superior a pessoas que não aprenderam a tocar um instrumento. Professores devem incentivar e encorajar o uso dos dedos entre estudantes jovens e de todas as idades para fortalecer a capacidade do cérebro através da contagem e uso dos dedos. Isto pode ser alcançado através de práticas e exercícios na sala de aula ou em casa, como: Faça pontos coloridos nos dedos dos alunos e peça que eles toquem nas teclas correspondentes no piano: Proibir os estudantes de usarem seus dedos ao contarem poderia, de acordo com a nova pesquisa cerebral, ser prejudicial ao desenvolvimento matemático. Os dedos são provavelmente um de nossos recursos visuais mais uteis, e a área do cérebro relacionada a isso é usado também na fase adulta. Faça pontos coloridos nos dedos dos alunos e peça que eles sigam as linhas aumentando a dificuldade dos labirintos: (A relação completa das atividades está disponível aqui) A pesquisa dos dedos é parte de um grupo maior de estudos cognitivos e do cérebro que mostra a importância de engajamento visual para matemática. Nosso cérebro é feito de “redes distribuídas”, e quando lidamos com conhecimento, áreas diferentes do cérebro comunicam-se entre si. Quando trabalhamos com matemática em particular, a atividade cerebral é distribuída entre várias redes diferentes, que incluem áreas ventrais e dorsais, ambas visuais. Neuroimagem demonstrou que mesmo quando pessoas fazem cálculos numéricos, como 12 x 25, com dígitos simbólicos (12 e 25) nosso processo de pensamento matemático estruturado em recursos visuais. Um exemplo claro da importância da matemática visual vem de um estudo que demonstra que após 15 minutos de uma sessão com um jogo baseado em uma linha de números, diferenças de conhecimento entre um estudante de baixa renda e um de renda superior são eliminadas. Representação da quantidade numérica em linha é considerada particularmente importante para o desenvolvimento de conhecimento numérico, e o aprendizado dos alunos sobre números em linha é considerado a base para o sucesso acadêmico de crianças. aos problemas. Quando o time youcubed (um centro em Stanford) criou uma relação aberta de aulas visuais de matemática para alunos da terceira a nona série no último verão, convidando os alunos a apreciarem a beleza da matemática. O programa foi baixado 250.000 vezes por professores e utilizados em todos os EUA e noventa por cento dos professores disseram que gostariam de mais atividades, e 89 por cento dos estudantes relataram que as atividades visuais melhoraram seu aprendizado em matemática. Enquanto isso, 94 por cento dos estudantes disseram que aprenderam a “não desistir mesmo que o trabalho seja duro e erros sejam cometidos”. Tais atividades não só oferecem maior engajamento, novas compreensões e atividade visual do cérebro, mas também demonstram a alunos que matemática pode ser uma matéria acessível e agradável, ao invés de algo fechado, inflexível e impenetrável. Matemática visual é algo poderoso para todos. A alguns anos atrás, Howard Gardner propôs uma teoria das inteligências múltiplas, sugerindo que as pessoas têm abordagens diferentes com relação ao aprendizado, tais como as pessoas mais visuais, sinestésicas ou lógicas. Esta ideia expandiu o pensamento das pessoas sobre a inteligência e competência, mas foi frequentemente usada de maneira inadequada nas escolas, levando a rotular alunos em tipos particulares de aprendizes que foram ensinados de certa maneiras diferentes. As pessoas que não são fortes pensadores visuais, entretanto, provavelmente necessitam de pensamento visual mais do que qualquer outro. Todos usam os caminhos visuais quando trabalham com matemática. O problema é que estes caminhos foram apresentados, por décadas, como parte de números e símbolos, ignorando o potencial da matemática visual para transformar a experiência dos estudantes e desenvolver seu caminho intelectual. Não é de se surpreender que alunos regularmente vejam a matemática com inacessível e desinteressante quando são jogados em um mundo de abstração e números. Os alunos são obrigados a memorizar fatos matemáticos, ligados a planilhas com números e com poucas representações visuais ou criativas da matemática, geralmente por causa das políticas diretivas das escolas e restrição da flexibilidade dos currículos. A essência padrão dos jardins de infância até a oitava série prega um maior foco no trabalho visual que outras formas de aprendizado, mas o conteúdo do ensino médio envolve em sua maioria pensamento numérico e abstrato. E é nesse ponto que o trabalho visual deve ser encorajado como uma ferramenta para o desenvolvimento do pensamento matemático e fortalecimento das redes cognitivas e visuais do cérebro, e não só uma base para o pensamento numérico e abstrato. Para que estudantes se envolvam em pensamento visual produtivo, eles devem ser questionados regularmente sobre como veem as ideias matemáticas, e como desenhar o que veem. Eles podem realizar atividades com questões visuais e podem ser orientados a indicar soluções visuais Alguns acadêmicos observaram que serão aqueles que desenvolveram seu pensamento visual que irão estar no “topo dos rankings” no mundo de trabalho high-tech que cada vez mais se trabalha com tecnologia e técnicas visuais, em negócios, na arte e na ciência. O raciocínio matemático utiliza diferentes áreas do cérebro e os estudantes precisam ter fortes habilidades em recursos visuais, numéricos, simbólicos e de palavras – mas as escolas não encorajam este amplo espectro de recursos matemáticos. Isto não acontece por falta de pesquisas sobre quais as melhores maneiras de ensinar e aprender matemática, mas sim porque este conhecimento não está sendo comunicado de forma acessível aos professores. Pesquisas sobre o cérebro geralmente não são muito acessíveis para o público em geral, mas se bem comunicado, pode ser a fagulha que espalhará o fogo produtivo que mudará a maneira como a matemática é ensinada por todo o país. REFERÊNCIA: THE ATLANTIC. Why Kids Should Use Their Fingers in Math Class. The Atlantic Monthly Group, 13 abr. 2016. Disponível em: <http://www.theatlantic.com/education/archive/2016/04/why-kids-should-use-their-fingers-in-mathclass/478053/>. Acesso em: 15 abr. 2016. Texto original de Jo Boaler e Lang Chen.