Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 Teorias Marginais da Comunicação: Um Panorama das Abordagens que Bernard Berelson Considerou Menores1 Marcus GOMES2 Rafiza VARÃO3 Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF Resumo Este artigo apresenta um panorama e a contextualização das abordagens que Bernard Berelson (1959) apontou como “menores” em relação às teorias da comunicação desenvolvidas pelos pais fundadores dos estudos acadêmicos em comunicação (Harold Lasswell, Karl Hovland, Kurt Lewin e Paul Lazarsfeld). São estudos provenientes de outros campos, como a psicologia e ciência política, que são pouco ou nada conhecidos no Brasil. Quatro das abordagens apontadas por Berelson serão apresentadas (abordagem psicolinguística, psiquiátrica, jornalística e reformista). Conclui-se que é necessário um conhecimento mais profundo dessas abordagens, uma vez que trazem pontos de vista interessantes ao estudo da comunicação. Palavras-chave: comunicação; teorias da comunicação; história; Bernard Berelson. Introdução As primeiras teorias voltadas ao estudo da Comunicação nos Estados Unidos, mesmo que encomendadas pelo governo estadunidense na década de 1940, foram formuladas quase que sequencialmente, em um curto período de tempo. Outras áreas de estudo mais antigas, como a Ciência Política, Sociologia e Psicologia, foram fundamentais no processo que consistia em compreender os processos relacionados à comunicação de massa. Utilizando-se o conhecimento de outras ciências, as primeiras teorias e seus autores fundantes (Carl Hovland, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Paul Lazarsfeld) colaboram para a construção do campo. Entretanto, quando estudamos as teorias da comunicação durante a graduação não sabemos que o universo teórico da escola americana de pesquisa em comunicação é muito maior do que o apresentado. É importante ter em mente que a Escola de Chicago vai além dos fundadores. Devemos também considerar a existência de outras ideias sobre o campo 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior - XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Aluno do 8° semestre de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília, email: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Professora da Universidade Católica de Brasília, email: [email protected]. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 desenvolvidas por outros pesquisadores que não estão diretamente relacionadas às teorias desenvolvidas pelos pais fundadores. Usualmente, as universidades no Brasil adotam o livro Teorias das Comunicações de Massa (2003), de Mauro Wolf, como bibliografia básica. No entanto, esta obra contempla apenas uma parte da história da epistemologia e teorias da comunicação, sendo assim necessário trabalhos que englobem novas visões sobre a origem e o desenvolvimento do campo comunicacional. Entender as propostas dessas teorias e autores é relevante para o entendimento da história do campo comunicacional. O artigo The state of communication research (1959), de Bernard Berelson, descreve e explica o momento em que o trabalho dos autores fundantes ganharam relevância e outras pesquisas caíram no ostracismo. No mesmo trabalho, o autor referencia tais pesquisas que foram originalmente relevantes para essa história, mas depois foram caindo em desuso. São elas: The Reformist Approach (Abordagem Reformista); The Broad Historical Approach (Abordagem Histórica Ampla); The Journalistic Approach (Abordagem Jornalística); The Mathematical Approach (Abordagem Matemática); The Psycholinguistic Approach (Abordagem Psicolinguística) e The Psychiatric Approach (Abordagem Psiquiátrica). Este artigo abordará o conteúdo de quatro dessas seis teorias (Abordagem Psicolinguística, Abordagem Psiquiátrica, Abordagem Jornalística e Abordagem História Ampla). O intuito do artigo é apresentar as bases desses pensamentos que ajudaram na formação do campo comunicacional, para que possa servir de arcabouço teórico para outros trabalhos acadêmicos e para que possam apresentar novas possibilidades nos estudos da tradição do campo. É importante ter em mente que essas abordagens descritas por Berelson não são teorias propriamente ditas. São linhas de pesquisas que tem conteúdos em comum com o estudo do campo comunicacional. Quais são e o que dizem as correntes de pesquisa que já foram consideradas relevantes e que agora se encontram esquecidas? Quais são os pontos de confluência entre essas abordagens e a comunicação? Para construir esse panorama, o método utilizado será a pesquisa bibliográfica. Dessas seis abordagens, duas não serão contempladas no presente artigo. A teoria matemática, por se tratar do modelo de Shannon e Weaver, que é frequentemente encontrado na literatura sobre as teorias de comunicação. Também a Broad Historical Approach (Abordagem Histórica Ampla), de Harold Innis e David Riesman, pelo aprofundamento atual que está ocorrendo nesta linha de pensamento nas universidades brasileiras, como o artigo 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 “Pensamento comunicacional canadense: as contribuições de Innis e McLuhan” (2008), de Luiz C. Martino. Charles Osgood e a Abordagem Psicolinguística Bernard Berelson (1959) indica que a Abordagem Psicolinguística é representada por Charles Osgood e George Miller. Há a participação de outros autores no desenvolvimento de tal abordagem, que é importante para a comunicação pois busca entender o processo de significação das palavras por meio da psicologia, área de estudo de Osgood e Miller, mas não há uma obra-chave que explique o que é a Abordagem Psicolinguística. A psicolinguística é a intersecção entre a psicologia e a linguística. Na definição de Slama-Cazacu, “A psicolinguística trata diretamente dos processos de codificação e de descodificação enquanto relacionam estados da mensagem com estados dos comunicadores” (1979, p.42). A grande contribuição de Osgood para a comunicação foi o aprofundamento no estudo da semântica através da psicolinguística, do qual ele é considerado um dos fundadores, junto com John Bissell Carroll e o próprio George Miller (PINTO 2009). Também é utilizada por Osgood a ideia de estimulo-resposta, que vemos dentro do behaviorismo nas teorias da comunicação mais tradicionais, como a Abordagem Empírico-experimental. Além disso, Charles Osgood escreveu, junto com Thomas Sebeok, a obra considerada o marco inicial da psicolinguística; Psycholinguistics, A survey of theory and research problems (OSGOOD e SEBEOK, 1954). Segundo Osgood (1952), o ser humano determina os significados a partir das suas próprias percepções, interferindo na análise do objeto, podendo alterar o seu significado. Existem cinco métodos para conhecer os significados (fisiológicos, aprendizagem, percepção, associação e escalares) e um método, criado por Osgood, para entender os significados mais difíceis de descrever, o diferencial semântico. O diferencial semântico é um instrumento de avaliação psicológica. Nela, o indivíduo classifica um signo numa tabela de adjetivos antagônicos. Este signo provoca um estímulo no individuo, o sentido de associação. Atualmente o diferencial semântico é utilizado para avaliação de produtos. 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 FIGURA 1 - Exemplo do uso do diferencial semântico de Osgood na avaliação de duas marcas de café. Mais do que apenas “dar ferramentas” da psicologia à comunicação, Charles Osgood esteve, de fato, atuante em formulações no próprio campo. Juntamente com Wilbur Schramm, formulou um modelo de comunicação, conhecido como o “Modelo Osgood e Schramm”, publicado na obra How Communication Works (1954). Este modelo se diferencia do modelo linear de Laswell por levar em consideração a interação entre receptor e o emissor e tem como premissa a circularidade dos processos de comunicação. Os autores trabalham com a percepção da comunicação em termos interpessoais – o emissor/receptor passa a ser mais um ‘momento’ do que propriamente uma pessoa: qualquer um pode enviar ou receber uma mensagem sem necessariamente se situar em um ou outro lugar do processo de maneira permanente. Desse modo, há uma passagem da linearidade para a circularidade do processo comunicativo (MARTINO, 2009, p. 31). 4 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 FIGURA 2 – Modelo de Osgood e Schramm (MARTINO, 2009, p.31) Este modelo está intrinsicamente presente na atual ideia de cibercultura, de Pierre Lévy. Todo receptor tem uma codificação e interpretação da mensagem. No caso de Lévy, o objeto de estudo é a interatividade individuais nos meios de comunicação contemporâneos, mas com proximidade ao modelo pensado em 1954. De fato, seria trivial mostrar que um receptor de informação, a menos que esteja morto, nunca é passivo. Mesmo sentado na frente de uma televisão sem controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de muitas maneiras, e sempre de forma diferente de seu vizinho (LÉVY, 1999, p. 79). George Miller realizou trabalhos notórios no campo da psicolinguística em duas frentes. A primeira se assemelhava a de Osgood, tratando dos processos de interpretação da linguagem. “[...] ele aplicava os conhecimentos e técnicas desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo dos anos pela Psicologia Experimental para observar a linguagem a partir de dados quantitativos” (SAMPAIO et al., 2015, p. 242). Miller também ganha notoriedade quando ele decide fazer suas pesquisas experimentais fora do behaviorismo. Seu mais conhecido trabalho é o livro The Magical Number Seven, Plus or Minus Two: Some Limits on our Capacity for Processing Information, de 1956, em que ele trata da capacidade de memorização das pessoas. Neste livro, ele apresenta a tese de que as pessoas só preservam uma determinada quantidade de informações na memória de curto prazo. Estudos publicados, por George Miller, em 1956, referiam-se a um ‘número mágico’ 7 ± 2. Sobre o qual, o sistema cognitivo humano somente consegue processar um número limitado de informações que variam entre 5 a 9 elementos por vez, ou seja, consegue-se assimilar, de maneira natural e satisfatória, de cinco a nove elementos de informação por vez. Uma vez excedidos esses limites, o raciocínio e a 5 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 aprendizagem ficam abaixo do desempenho esperado, sobrecarregando a estrutura cognitiva (SANTOS e TAROUCO, 2007, p.3). Esta abordagem tem afinidade com a semiótica4, especialmente quando usa o conceito de signo e significado. Tanto Osgood quanto Miller são considerados como fundadores da psicolinguística, talvez por isso Berelson os tenha classificados como os dois principais nomes dessa abordagem. Mesmo sem ter a intenção de realizar estudos comunicacionais (exceto quando Osgood participa de um modelo de comunicação), estes autores fazem parte da história deste campo. Abordagem Psiquiátrica Berelson (1959) aponta dois autores como os principais da abordagem psiquiátrica, Jurgen Ruesch e Gregory Bateson, que escreveram Communication: the Social Matrix of Psychiatry, em 1951. Segundo Alves (1999), esta obra foi influenciada pela Teoria Geral dos Sistemas (de Norbert Wiener5), que trouxe conceitos originais, como auto regulação, interdependência e feedback. Bateson era biólogo e antropólogo de formação. Seu interesse na comunicação surgiu na década de 1940, quando escreveu, juntamente com Margaret Mead6, o livro Balinense Character, onde ele buscava explorar o que caracterizava crianças balineses por meio de observações sociais, suas condutas de forma verbal e visual e a comunicação humana (SAMAIN, 2001). O que Bateson buscava nos anos 50 e o que deveria efetivamente desenvolver até sua morte em 1980? Procurava equacionar melhor a vasta interrogação sobre a comunicação humana nos termos de uma estrutura que pudesse ligar os “seres vivos” entre si – a natureza e o pensamento, a comunicação e a antropologia (SAMAIN, 2001). É justamente a comunicação humana o objeto de estudo de Bateson e Ruesch. Para eles, a comunicação não “[...] se refere somente à transmissão verbal, explícita e intencional de uma mensagem”, mas também “inclui todos os processos através dos quais as pessoas se influem mutuamente” (LANA, 2008, p. 239). A comunicação humana é o objeto de Communication: the Social Matrix of Psychiatry, pois é o ponto de encontro entre a comunicação e a psicopatologia, vertente da 4 Lembrando que a Semiótica é anterior à Psicolinguística Matemático e fundador da cibernética (1894-1964) 6 Antropóloga e ex-esposa de Bateson (1901-1978) 5 6 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 psiquiatria abordada no livro. Conforme Bateson e Ruesch (1965, p.17), “[...] a comunicação é a matriz em que estão cravadas todas as atividades humanas” (apud Lana, 2008). Juntos, Bateson e Ruesch realizam o trabalho com o propósito de encadear o individual e o social. A formulação ressalta a dinâmica interativa entre os indivíduos que, diante uns dos outros, percebem seus próprios atos, recebem impressões, modificam/moldam ações e retêm informações para ações futuras (LANA, 2008, p. 239). Algumas premissas relacionadas à comunicação são definidas pelos autores para o melhor entendimento da obra: comunicação interpessoal, intrapessoal e comunicação de massa. A interpessoal é designada pela presença de atos expressivos por parte de uma ou mais pessoas, pela percepção, consciente ou inconsciente, de terceiros de tais atos expressivos e a interferência na conduta, resultante da observação de que os atos foram notados. A comunicação intrapessoal é um caso especial da interpessoal e caracteriza-se pelo registro interno de experiências passadas de cada indivíduo, na qual é impossível saber se há falha na interpretação, pois é impossível avaliar e corrigir tais enganos (LANA, 2008). Na comunicação de massa, o sujeito sente que é parte de algo maior, um sistema supra pessoal, no entanto ele não é capaz de observar os efeitos das mensagens, não podendo, assim, ser corrigidas as distorções. Ruesch e Bateson vão além e, no capítulo três de sua obra, que trata sobre doenças psíquicas (psicopatias), eles desenvolvem a hipótese de que a comunicação humana pode trazer benefício no estado de saúde dos pacientes. Psiquiatras que dedicam seu tempo para psicoterapia acreditam na relação de pacientes que sofrem de psicopatologia, e pensam que o contato com os seres humanos é uma necessidade terapêutica. Se alguém tenta analisar os eventos que ocorrem em uma situação social, a interação entre paciente e médico, e os esforços direcionados a influenciar o paciente por meio de psicoterapia, deve-se chegar à conclusão de que estes eventos caem no âmbito da comunicação. Por conseguinte, é possível afirmar com certeza que os agentes terapeuticamente eficazes contidos em psicoterapia encontram-se em comunicação (RUESCH e BATESON, 1951, p. 80). O aprofundamento e as várias pesquisas realizadas por outros psiquiatras (incluindo os estudos de Kurt Lewin Dynamic Theory of Personality, de 1935) analisadas por Bateson e Ruesch, tornam a obra Communication: the Social Matrix of Psychiatry densa e rica em conhecimento científico no campo da psiquiatria. No entanto o estudo não se limita só a este campo e conecta a comunicação à cultura, relações humanas e antropologia. Estes estudos são melhores aproveitados na psiquiatria, embora o termo “comunicação” esteja presente no título e em quase todos os capítulos do livro. 7 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 Por tudo isso que foi apresentado, Bateson e Ruesch mereciam um olhar mais cuidadoso por parte dos estudiosos da comunicação. Abordagem jornalística Muito antes de se conceber o campo de estudos da comunicação, que, segundo a “história oficial”, tem o seu marco inicial em 1947 quando Wilbur Schramm cria o programa de doutorado em comunicação na universidade de Illinois (VARÃO, 2010), o jornalismo já tinha tomado forma e era alvo de estudo de várias áreas acadêmicas, como a sociologia, a política e a psicologia. A abordagem jornalística fala sobre como se deu o encontro entre o campo recém criado com o jornalismo praticado diariamente. A principal discussão é sobre os aspectos controladores da mídia e a comunicação de massa. O interesse no estudo da comunicação iniciou-se no final do século XIX, onde o termo comunicação já era utilizado, e no início do século XX. Para os estudiosos daquela época, a comunicação era apenas um interesse secundário (MEDITSCH, 2011, p.3). A comunicação também é uma categoria utilizada nas ciências sociais americanas pelo menos desde a primeira década do Século XX, como no livro de Charles H. Cooley que sustenta a sua significância para a organização social, e que antecipa algumas ideias sobre a mídia como extensão do homem e a aldeia global, que meio século depois seriam exploradas pelo canadense Marshall Macluhan. (MEDITSCH, 2011, p.4). Na década de 1930, Ralph Casey7 alertou que era necessário que as escolas de jornalismo abraçassem e desenvolvessem pesquisas sobre o seu principal objeto de estudo, o próprio jornalismo. Sem ser ouvido, Casey se aproximou dos cientistas sociais que tinham interesse na comunicação, especialmente de Malcolm Willey8, que desenvolveu um estudo sobre comunicação de massa publicado na revista Journalism Quartely, onde Casey era editor. Em um de seus artigos, Willey faz a sua conceituação de comunicação de massa. Comunicação de Massa é caracterizada pela possibilidade de estabelecer contatos com grande número de pessoas simultaneamente ou quase simultaneamente, a partir de um ou alguns pontos centrais de estimulação. [...] A singularidade de comunicação de massa atual está no facto de que com o uso de dispositivos mecânicos o tamanho da audiência é quase ilimitado, e assembleias físicas não são mais essenciais. No desenvolvimento da comunicação de massa moderna, o jornal periódico, o filme cinematográfico e o rádio são básicos, mas esses três são complementados por muitos outros meios de comunicação. Os dispositivos de comunicação de fio em geral (telégrafo e telefone), a estrada de ferro (pelo qual a correspondência e materiais impressos são distribuídos), veículos automotores (que também fazem a também distribuição de material impresso e facilitam a circulação dos seres humanos), e os 7 8 Professor na escola de jornalismo na Universidade de Minnesota (1890-1962). Professor de Sociologia na Universidade de Minnesota (1897-1974) 8 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 vários usos da máquina de impressão (além de jornal e usos periódicos) são todos parte da comunicação de massa. Sem os três, no entanto, a comunicação de massa básica em sua escala atual seria inconcebível (WILLEY 1935, p. 194)9. Sobre os meios de comunicação de massa (rádios, jornais, periódicos e cinema), Willey escreve seus efeitos10. Nota-se que a ideia de massa é muito semelhante a que se faz na teoria hipodérmica e na teoria crítica (escola de Frankfurt), ambos formulados na década de 1930. O jornal tem constantemente ampliado o âmbito dos seus esforços para trazer um mundo cada vez mais complexo para as mentes de seus leitores; o filme e o rádio permitem uma compreensão direta de eventos distantes que era inimaginável há uma geração. Mas para além destes efeitos sobre os seres humanos destacados é o fato de que essas novas agências unem indivíduos em resposta concertada a estímulos comuns. Mecanismos sociais já existem onde é possível impressionar o povo de um país inteiro em simultâneo. Qualquer uso desses mecanismos envolve inevitavelmente efeitos de longo alcance sobre atitudes e comportamentos sociais. Estes efeitos podem ser impremeditado por aqueles que detém o controle do funcionamento do mecanismo. Por outro lado, eles podem ser pré-determinado de acordo com os objetivos de interesse particular (WILLEY e RICE, 1933, p. 208209)11. No entanto, a contribuição de Willey para o campo da comunicação foi diminuída, quase apagada da história. Segundo Meditsch (2011), Schramm lançou uma série de obras relacionadas ao mesmo tema, mas sem citar na bibliografia os trabalhos de Willey “[...] assim, Schramm pôde aparecer como se ele e seu grupo houvessem inventado a roda” (MEDITSCH, 2011, p.11). Outro autor de relevância neste período, apontado por Berelson (1959), foi Raymond Nixon, que dedicou seus estudos ao problema da liberdade de imprensa. “Ele se propôs a No original “Mass Communication is characterized by the possibility of establishing contacts with large numbers of people simultaneously or virtually simultaneously, and from one or a few central points of stimulation. [...] The uniqueness of present-day mass communication is in the fact that with the use of mechanical devices the size of the audience is almost unlimited, and physical assemblage is no longer essential. In the development of modern mass communication the newspaper and periodical, the motion picture, and the radio are basic, but these three are supplemented by many other media of communication. The wire communication devices in general (telegraph and telephone), the railroad (whereby mail and printed matter is distributed), motor vehicles (also distributing printed matter, as well as facilitating the circulation of human beings), and the various uses of the printing press (in addition to newspaper and periodical uses) are all a part of mass communication. Without the basic three, however, mass communication on its present scale would be inconceivable”. Tradução do autor. 10 Alinhando-se à tradição de estudo dos efeitos 11 No original: “The newspaper has constantly expanded the scope of its endeavors to bring an ever more complex world to the minds of its readers; the motion picture and the radio permit a direct comprehension of distant events that was unimaginable a generation ago. But beyond these effects upon detached human beings is the fact that these new agencies unite individuals in concerted response to common stimuli. Social mechanisms now exist whereby it is possible to impress the people of an entire country simultaneously. Any use of these mechanisms inevitably involves far-reaching effects upon social attitudes and behavior. These effects may be unpremeditated by those in whose control the operation of the mechanism rests. On the other hand, they may be predetermined in keeping with objectives of private interest.” Tradução do autor. 9 9 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 analisar comparativamente os sistemas de liberdade de imprensa no cenário internacional, privilegiando variáveis econômicas e culturais” (MELO, 1998, p. 152). Nixon também foi editor da revista Journalism Quartely durante 25 anos e, nesta função, teve papel importante na construção do campo da comunicação nos Estados Unidos, uma vez que muitos dos seus alunos ao redor do mundo poderiam ter acesso a suas obras para continuar os estudos acadêmicos em comunicação (MELO, 1998). A abordagem jornalística passa por pesquisadores e obras além dos descritos por Berelson (1959) e pelo presente artigo, como Stuart Rice, Charles Cooley e Douglas Waples por exemplo. A Journalism Quartely também esteve presente em todo o processo, pois era o meio de publicação no campo da Comunicação que reuniu os pensamentos dos primórdios do campo. Esses documentos originais hoje permitem que pesquisadores atuais tenham acesso aos clássicos da comunicação, sejam estes clássicos reconhecidos ou não. Abordagem Reformista A Abordagem Reformista é mais uma corrente preocupada com a comunicação de massa. É a única abordagem a que Berelson se dedica a escrever um parágrafo dando explicações, dizendo que seus autores estão “Preocupados com a organização, estrutura e controle de meios de comunicação, e em particular, com as considerações de ordem pública12” (Berelson, 1959, p.4). Os autores referências desta abordagem fazem parte de um grupo de estudiosos denominado Comission on the Freedom of Press, escolhidos pelo reitor da Universidade de Chicago, Robert Hutchins. Financiados pela revista Time e apoiados pela Enciclopédia Britânica, o objetivo era reconhecer o “atual estado e as perspectivas futuras da liberdade de imprensa”. A Comission on the Freedom of Press também ficou conhecida como Comissão Hutchins. Além de Hutchins, outros doze acadêmicos fizeram parte da comissão13, entre eles Harold Lasswell, um dos pais fundadores do campo comunicacional, e Charles Merriam, No original “Concerned with organization, structure, and control of the mass media, and particularly with considerations of public policy.” Tradução do autor. 13 John M. Klark (professor de economia da Universidade de Columbia); John Dickinson (professor de direito da Universidade de Pensilvânia); Willian Hocking (professor-emérito de Filosofia da Universidade de Harvard); Archibald Macleish (secretário-assistente do Estado); Reinhold Niebuhr (professor de ética e filosofia da religião na Union Theological Seminary); Robert Redfield (professor de antropologia na Universidade de Chicago; Beardsley Ruml (presidente do Federal Reserve Bank of New York); Arhur Schlesinger (professor de história na Universidade de Harvard); George Shuster (presidente do Hunter College). 12 10 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 criador do behaviorismo e orientador de Lasswell na sua mais conhecida obra, “Técnica de Propaganda na Guerra Mundial”. Juntos, estes pesquisadores realizaram estudos sobre a liberdade de imprensa e, em 1947, lançaram o relatório final intitulado A Free and Responsible Press – A General Report on Mass Communication, Newspaper, Radio, Motion Pictures, Magazines, and Books, que traz à tona questões sobre responsabilidade social e crítica da mídia. Dentre os pontos principais estavam discussões sobre a Teoria da Responsabilidade Social da Imprensa14, propôs a criação de um órgão para analisar a atuação da mídia com o intuito de mostrar aos meios de comunicação a sua responsabilidade dentro da sociedade. O relatório apontou também a preocupação com o monopólio midiático, que poderia causar um monopólio de ideias. “Este relatório trata das responsabilidades dos proprietários e gerentes de imprensa com suas consciências e do bem comum para a formação da opinião pública. [...] Eles são, tomados em conjunto, a influência mais poderosa hoje15” (HUTCHINS, 1947, p. VII). Este estudo deixou grandes legados e reflexões sobre o poder da comunicação. Inspiraram algumas regras da Federal Communication Commission (FCC)16 nos Estados Unidos (PAULINO, 2008), é citado nos manuais de ética e deontologia (OLIVEIRA, 2007, p.164) e inspirou diferentes mecanismos de crítica de mídia, sendo um deles o ombudsman, posteriormente desenvolvido na Suécia (BITTENCOURT e SILVA, 2015, p. 10). Considerações finais Foram apresentados neste trabalho quatro linhas de pesquisa que fazem parte da história do campo comunicacional, mas que, por motivos apresentados pelo próprio Berelson, por Varão (2010) e outros autores, foram consideradas menores nas décadas de 1940 e 50. Osgood e Miller se aproximam da semiótica, além do modelo desenvolvido por Osgood e Schramm. Bateson e Ruesch se preocupam com a comunicação humana e realizam o estudo aprofundando o relacionamento entre comunicação e psiquiatria. No que chamamos de abordagem jornalística, Casey, Nixon, Schramm, Willey e outros deixaram, por meio da 14 Criada em 1942 para decidir as responsabilidades da imprensa na sociedade. No original: “This report deals with the responsibilities of the owners and managers of the press to their consciences and the common good for the formation of public opinion. [...] They are, taken together, however, probably the most powerful single influence today.” Tradução do autor. 16 Órgão regulador das telecomunicações dos Estados Unidos, criado em 1934 15 11 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 revista Journalism Quartely, um grande legado: os estudos pioneiros em comunicação. E na Comissão Hutchins, os melhores acadêmicos da década de 1940 levantaram questões importantes sobre a liberdade e o papel da imprensa. Questões essas que são discutidas até hoje. No entanto, é difícil imaginar que estas abordagens não são levadas em consideração nos estudos acadêmicos no Brasil, visto que elas trazem, cada uma a seu modo, desdobramentos até os tempos atuais e tangem assuntos muito estudados. Estas abordagens dialogam com conteúdos apresentados nas universidades brasileiras. Tais abordagens, juntamente com as teorias já consagradas, tem potencial para trabalhar a multidisciplinaridade dentro dos cursos de Comunicação Social. Quando se fala de cibercultura, é importante deixar claro que tal ideia não surge apenas com o advento de aparelhos tecnológicos. A concepção do fenômeno comunicacional neste caso é semelhante à ideia pensada 50 anos antes, mas aplicável numa outra ferramenta. O mesmo acontece quando abrimos os olhos para a preocupação com a liberdade de expressão e crítica da mídia. A comissão Hutchins trouxe os primeiros questionamentos e os primeiros problemas, o que acarretou em grandes ações por parte dos próprios meios de comunicação e da sociedade. Para que a discussão sobre o tema da liberdade e responsabilidade da mídia seja ainda mais sólido, é necessário conhecer a história. Rever outras extensões e outros pensamentos da escola de Chicago nos leva a pensar em novas questões acadêmicas e nos dá ainda mais suporte para continuar avançando, ou seja, amplia nossa visão vertical e horizontalmente. É necessário voltar os olhares para além dos consagrados clássicos, pois ainda há caminhos a serem descobertos que dialogam com a nossa realidade e têm muito a contribuir para as futuras pesquisas. REFERÊNCIAS ALVES, A.; Ciências da Comunicação, Área Interdisciplinar in Comunicação e Sociedade, 1, [Cadernos do Noroeste, Série Comunicação, vol. 12 (1-2)], Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, 1999, 5-18. BATESON, G.; RUESCH, J. Communication: The Social Matrix of Psychiatry, New York, W.W. Norton & Company, 1951. BATESON, G.; RUESCH, J. Comunicacion: la matriz social de la psiquiatria Buenos Aires: Paidos, 1965. BERELSON, B. The State of Communication Research, The public opinion quartel, Vol. 23, No. 01, pp 1-6, 1959. Published by Oxford University. 12 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 BITTENCOURT, W. C.; SILVA, G.; Apontamentos históricos sobre crítica de mídia noticiosa, Revista Novos Olhares, Vol. 4, N° 2, 2015. HUTCHINS, R. M. et al. A free and responsible press a general report on mass communication: newspapers, radio, motion pictures, magazines, and books by the commission on freedom of the press. Chicago: University of Chicago Press, 1947. LANA, L. C. C. Gregory Bateson e o processo comunicativo, Revista Em Questão, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 235 - 245, jul./dez. 2008. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. MARTINO, L. M. S, Teoria da Comunicação: Ideias, Conceitos e Métodos. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009. MEDITSCH, E. A chegada da Comunicação ao campo do jornalismo: Ralph Casey, Malcolm Willey e a Journalism Quaterly nos anos 1930. Anais do IX Congresso da SBPjor. Rio de Janeiro, 2011. MELO, J. M.; Lembrando Raymond Nixon, o tecedor da comunidade acadêmica internacional das Ciências da Comunicação; Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, Vol. XXI, n° 1, pág. 151-155, jan/jun. 1998. OLIVEIRA, M. M. C. Metajornalismo... ou quando o jornalismo é sujeito do próprio discurso. 347 f. Tese (Doutoramento) – Universidade do Minho, Braga, 2007. OSGOOD, C. Método e Teoria na Psicologia Experimental. Lisboa; Ed, Fundação Calouste, 1953. OSGOOD, C. The Nature and measurement of meaning. The Psychological Bulletin, v.9, p. 197237, 1952. PAULINO, F. O.; Responsabilidade social da mídia: análise conceitual e perspectivas de aplicação no Brasil, em Portugal e na Espanha. In: CHRISTOFOLETTI, R. Vitrine e vidraça: crítica de mídia e qualidade no jornalismo. Covilhã: Labcom Books, 2010. p. 35-52. PINTO, M. G. L. C. A linguagem ao vivo. Porto: Ed. Universidade do Porto, 2009. SAMAIN, E. Gregory Bateson: Rumo a uma epistemologia da comunicação. Disponível em <http://www.ciberlegenda.uff.br/index.php/revista/article/viewFile/309/191> Acesso em: 29 mai. 2016. SAMPAIO, T. O. M.; FRANÇA, A. I.; MAIA, M. A.R. Linguística, Psicologia e Neurociência: a União Inescapável Dessas Três Disciplinas. Revista Linguística / Revista do Programa de PósGraduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 11, número 1, junho de 2015. SANTOS, L. M. A.; TAROUCO, L. M. R.; A Importância do estudo da Teoria da Carga Cognitiva em uma educação tecnológica. RENOTE – Revista Novas tecnologias na educação, CINTED/UFRGS: Porto Alegre - RS, V.5, N.1, Jul. 2007. SLAMA-CAZACU, T. 1979. Psicolinguística aplicada ao ensino de línguas. São Paulo: Livraria Pioneira. Tradução de L. Scliar-Cabral. Versão original: 1978. 13 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 VARÃO, R. Notas sobre o mito dos quatro fundadores do campo comunicacional: coisas que ninguém nunca viu antes e pensamentos que ninguém teve; Líbero – São Paulo – v.13, n.25, p.77-86, 2010. WILLEY, M. M.; Communication Agencies and the Volume of Propaganda. Annals of the American Academy of Political and Social Science.Vol 179. (Pressure Groups and Prop-aganda), 1935 p. 194-200. WILLEY, M. M.; RICE, S. A. Communication Agencies and Social Life. New York: McGrawHill, 1933. 14