Apresentação - Editora Contexto

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Apresentação
Marcus Maia
Prezado leitor, o livro que você tem agora em mãos lhe oferece uma visão introdutória da natureza e da abrangência de uma das mais fascinantes
disciplinas das Ciências Cognitivas contemporâneas. Embora se trate de uma
disciplina relativamente recente, as questões investigadas pela Psicolinguística remontam, pelo menos, aos filósofos da Antiguidade: Platão, no século
IV a.C., questiona sobre a aquisição do conhecimento, lançando as bases do
racionalismo – a corrente filosófica que sustenta a prioridade das representações mentais na cognição. O termo Psicolinguística teria sido usado pela
primeira vez apenas na primeira metade do século XX, mas já no final do
século XIX o psicólogo alemão Wilhelm Wundt realizou em seu laboratório,
na Universidade de Leipzig, vários estudos de interesse teórico e experimental
sobre a psicologia da sentença e outros temas de interesse psicolinguístico.
Na década de 1950, Noam Chomsky reconhece a tradição, representada
também na revolução científica da Idade Moderna por René Descartes, retomando o que chamará de “problema de Platão”, no âmbito da revolução
cognitivista: como podemos saber tanto se temos tão poucas evidências
externas? Em um contexto profundamente antimentalista, dominado pelos
modelos behavioristas, que consideravam a mente humana tabula rasa
inacessível, Chomsky propõe, ao contrário, que a mente humana seja rica
em estrutura, lançando o desafio de que a intuição linguística do falante
possa servir de meio para acessar o conhecimento linguístico internalizado, permitindo estudar esta faculdade mental humana, que nos capacita a
produzir e a compreender, criativamente, frases nunca antes ouvidas.
A revolução que se dá, então, é marcada, em Linguística, pela mudança do
foco dos estudos que, durante o período estruturalista, na primeira metade do
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Psicolinguística, psicolinguísticas
século XX, centrava-se, prioritariamente, nos dados produzidos reunidos em
corpora. O foco passava a ser, então, a investigação dos processos cognitivos
que geram tais dados, inaugurando-se, assim, uma nova fase explicitamente
mentalista da disciplina. O programa de linguística gerativa que aí se inicia
tem como grande meta, portanto, buscar investigar a faculdade mental da linguagem, que permite à espécie humana e somente a ela produzir e compreender um número infinito de frases gramaticais a partir de um conjunto finito de
princípios. Para conseguir estudar os processos linguísticos, Chomsky propõe
que, além de se analisarem os dados de corpora através dos procedimentos
de descoberta estruturalistas, então em voga, sejam obtidos julgamentos de
gramaticalidade por parte dos falantes, permitindo ao linguista avaliar não
só o que pode ser gerado, como também o que não pode. Chomsky propõe
mesmo, nesse período, que a Linguística seja parte da Psicologia, afirmando
o caráter necessariamente mentalista da disciplina. Sua célebre dicotomia
“competência/performance” baliza o campo, distinguindo de forma clara o
saber do fazer linguístico. Para se chegar à caracterização da competência,
havia que se investigar o desempenho, e foi o que os linguistas e psicolinguistas passaram a fazer a partir desse momento fundador.
Desde então, os estudos psicolinguísticos vêm contribuindo decisivamente para que ampliemos nosso conhecimento sobre a linguagem humana. No presente livro, o leitor terá uma primeira apreciação das múltiplas
angulações que esse estudo pode assumir. Os treze capítulos que compõem
a obra foram escritos por psicolinguistas atuantes nessas diferentes especialidades e apresentam de forma direta e clara suas principais questões e
métodos, sem perder, no entanto, o foco unificador – a Psicolinguística, a
ciência da cognição da linguagem.
O primeiro capítulo apresenta a disciplina Processamento de Frases.
Maia discute os fundamentos teóricos e metodológicos dessa especialidade
psicolinguística, substanciados na Teoria do Garden-Path, exemplificando
um dos seus princípios, a aposição local, com um estudo de rastreamento
ocular inédito de frases do português.
O segundo capítulo discute os procedimentos pelos quais a Computação Gramatical é realizada na produção e na compreensão de enunciados
linguísticos. Corrêa revê o conceito no quadro recente da teoria gramatical
minimalista, com precisão e concisão, percorrendo desde suas origens aos
desdobramentos na pesquisa psicolinguística, exemplificando como os
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fatores gramaticais definitude e aposição sintática são investigados, em
um experimento clássico de leitura automonitorada, que aduz evidências
em favor do princípio da aposição mínima.
No capítulo “Processamento Anafórico”, Leitão explica muito didaticamente como a relação entre dois ou mais elementos em um contexto
linguístico pode se dar através de processos correferenciais ou inferenciais.
A chamada penalidade do nome repetido, fenômeno que vem sendo sistematicamente examinado, em português, através de diferentes técnicas
experimentais, no grupo de pesquisa do autor, serve de exemplo para que
o leitor possa compreender com clareza essa importante especialidade dos
estudos psicolinguísticos.
No capítulo “Processamento de Palavras”, Garcia parte do questionamento sobre a noção de palavra, conduzindo o leitor através dos principais
modelos de estudo do léxico mental, os modelos decomposicionais, não
decomposicionais e os de dupla rota. A autora apresenta em detalhe o método de priming com decisão lexical, tradicionalmente usado na área, mas
revê também as técnicas mais recentes de rastreamento ocular e de eletro e
magnetoencefalografia que, permitindo resolução temporal mais fina, vêm
revelando estágios específicos durante o reconhecimento de uma palavra.
Em “Psicolinguística da Aquisição da Linguagem”, Name inicia o leitor
de forma segura no campo fascinante da Aquisição da Linguagem, revendo
suas principais questões e metodologias. A autora exemplifica a pesquisa
experimental na área relatando estudos recentes com bebês, baseados nas
técnicas de sucção não nutritiva e de olhar preferencial, sendo este último
realizado em seu laboratório, para investigar a sensibilidade de bebês a
fronteiras entoacionais.
O sexto capítulo do livro é dedicado à “Produção da Linguagem”. Rodrigues apresenta com objetividade e clareza os componentes fundamentais
do processo de produção linguística, desde o nível da conceptualização da
mensagem até a sua articulação na fala, por meio dos processos de codificação gramatical, morfológica e fonética. O estudo da produção espontânea é contrastado com técnicas experimentais, entre as quais a produção
induzida de lapsos, a nomeação de imagens e o priming estrutural. A autora
resume, então, as três principais linhas de investigação: a natureza modular
ou interativa da produção, a sua incrementalidade e as equivalências entre
os modelos formais e de processamento.
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Psicolinguística, psicolinguísticas
O capítulo “Distúrbios da linguagem” apresenta uma síntese dos
componentes da cognição humana que podem ser comprometidos por
causas genéticas ou adquiridas, caracterizando, com precisão, os modos
específicos de investigação desses déficits pela Psicolinguística e pela
Neurolinguística. Hübner revê, então, as principais metodologias empregadas na investigação dos distúrbios da linguagem: o estudo de caso, as
técnicas comportamentais e eletromagnéticas de neuroimagem funcional,
as técnicas hemodinâmicas e a estimulação magnética transcraniana.
Considerando a importância de uma abordagem holística no estudo dos
déficits linguísticos, a autora ilustra a pesquisa sobre processamento da
linguagem num caso de afasia.
Os dois capítulos seguintes tratam de temas complementares, de grande
relevância educacional. Escrito por Leonor Scliar-Cabral, “Psicolinguística
e alfabetização” conduz o leitor com segurança na apreciação da literatura
sobre os processos de aprendizagem da leitura e da escrita, fornecendo
vasta exemplificação. Apontando as discrepâncias entre os sistemas alfabéticos e o processamento neuronal na visão, Scliar-Cabral conclui, então,
advogando em favor de um ensino-aprendizagem mais sistemático, bem
fundamentado nos achados recentes sobre o processamento da linguagem
verbal oral e escrita. O capítulo “Psicolinguística e leitura”, de Morais e
Kolinsky, também examina os mecanismos cognitivos de processamento
da informação durante a leitura, discutindo suas implicações sociais e
aprofundando a revisão da pesquisa de natureza experimental. Os autores
detalham os paradigmas de priming com decisão lexical, rastreamento
ocular, mencionando também pesquisas de natureza eletroencefalográfica
e baseadas na modelagem computacional. O texto conclui indicando importantes linhas de pesquisa em pleno desenvolvimento hoje, tais como
a relação entre leitura e oralidade, a aquisição simultânea da leitura e da
escrita, a descrição dos processos cognitivos e neurais e, finalmente, a
urgência da pesquisa sobre o cérebro não leitor.
No capítulo “Psicolinguística na Descrição Gramatical”, Kenedy explora o que chama de uma “terceira margem” para as pesquisas voltadas
para a descrição e análise gramaticais, além dos métodos etnográfico e
introspectivo: a experimentação. Após singularizar o método experimental,
detalhando seu modus operandi, o autor argumenta em favor da abordagem
psicolinguística, contrastando-a com as outras duas metodologias, através
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do relato de uma pesquisa sobre a língua brasileira de sinais, baseada no
paradigma de produção induzida.
No capítulo “Processamento de segunda língua”, Finger discute o
conceito de bilinguismo e apresenta as principais questões e métodos no
estudo da interação interlinguística nos níveis do reconhecimento e produção de palavras, do processamento da percepção e da produção de sons, e
do processamento de frases. A autora ilustra a pesquisa na área reportando
um interessante estudo, realizado em seu laboratório, com 53 crianças falantes de português e de inglês, em uma tarefa de decisão lexical, que lhe
permitiu demonstrar facilitação no reconhecimento de palavras cognatas
em comparação com as não cognatas, pelas crianças bilíngues, quando
realizavam a tarefa em sua L2.
Encerrando o volume, dois capítulos tratam da desafiante relação
entre a linguagem e o cérebro. Em “Neurociência da Linguagem”,
França, pioneira no Brasil na pesquisa nessa área, apresenta ao leitor,
muito didaticamente, a constituição da nova disciplina que, ainda que
iniciada na década de 1980, com alguma defasagem em relação ao
estudo das demais cognições, tem feito descobertas espetaculares nas
últimas três décadas, impactando significativamente o conhecimento
sobre as atividades cognitivas realizadas durante o processamento da
linguagem. França relata um estudo de 2014 em que o escaneamento
do cérebro de crianças monolíngues e bilíngues deixa claro que a informação linguística adquirida precocemente se mantém no cérebro
por toda a vida, corroborando a hipótese do período crítico que, até
hoje, não havia sido tão diretamente verificada, como avalia a autora.
Em “Psicolinguística e Neurociência Cognitiva”, Buchweitz e Teixeira
apresentam a perspectiva neurocognitiva sobre o funcionamento cerebral, revisando estudos que, usando ferramentas de neuroimagem não
invasivas, vêm desvelando o funcionamento do pensamento humano.
Os autores exemplificam com um estudo sobre a influência combinada
de fatores genéticos e ambientais na aprendizagem da leitura e outro
sobre as bases neurais de estruturas sintáticas.
Com a publicação do presente livro, os autores estão confiantes de
entregar ao público universitário brasileiro chaves importantes para abrir
as portas e começar a explorar com segurança os múltiplos caminhos da
Psicolinguística, essa ciência fundamental para entendermos quem somos.
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