HISTÓRIA DAS IDÉIAS SOBRE A ÉTICA E A JUSTIÇA

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HISTÓRIA DAS IDÉIAS SOBRE A ÉTICA E A JUSTIÇA
As concepções filosóficas existentes sobre ética são:
a) O retrato do que os diversos períodos vivenciam do ponto de vista ético;
b) A síntese diferenciada do que se pode conceber como sendo o conjunto das
abstrações e aspirações intelectuais, volitivas e éticas humanas;
c) O material intelectual que movimentou revoluções, mudanças morais, conquistou
direitos sociais, criticou e avaliou os vícios e as virtudes humanas em suas diversas
perspectivas e em diversos momentos sócio-histórico;
d) Aquilo que há de mais caro doa homem do ponto de vista especulativo, tendo em
vista que resumem anseios pessoais e sociais dos pensadores em torno do tema
ético;
e) O repositório de temas, abordagens, metodologias e idéias de que pode ser servir o
pensador atual para alçar maiores investigações ética.
Portanto, quanto ao interesse histórico filosófico, o omissis, com o auxilio da história
da filosofia, refletir (reflectere) possa significar fazer retroceder, aparecendo como um
exercício de volta e de busca. Ponderar, calcular, raciocinar... são atividades do pensamento
que não se fazem somente prospectivamente, sobretudo retrospectivamente. Assumido como
fonte de estudo e raciocínio, é em torno dele que se deitará toda a atividade reflexiva; cercarse-ão suas causas, suas aparições, seus efeitos, seus motivos... de modo que se estará
exercendo uma atividade que volta aos princípios da cadeia para compreender a totalidade do
problema e suas conseqüências práticas e futuras.
Refletir, portanto para o pesquisador, é uma necessidade, do qual se exime, em parte,
na medida em que se abre para dialogar com aqueles que já pensaram a respeito do problema.
Ter esses pontos de apoio pode representar, para o pesquisador da ética, ter resultados maiores
ou menores da quais possa discutir com maior embasamento a temática eleita como fulcro de
investigação, nas quais não devem obscurecer o projeto de se tratar por meio de um aperçu as
principais idéias a respeito da ética.
Para um conhecimento da totalidade da dimensão histórica, tem analisados os
pensamentos, movimentos, tendências, autores, escolas, um conjunto de contribuições, com
suas peculiaridades e suas ideologias, levando em questão e posterior aprofundamento de
várias discussões como:
Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro de Samos, Lúcio Aneu Sêneca, Cristianismo,
Baruch Espinoza, David Hume, Jeremy Bentham, Emmanuel Kant, George Edwaard Moore e
John Ralws, mas vamos falar de Sócrates, que interagiu com a escola sofistica de sua época,
conduz a discussão ética para a dimensão da sabedoria, cuidando de acentuar a preocupação
da ética com a formação e a educação para a morte.
Sócrates: ética, educação, virtude e obediência
A filosofia socrática e o testemunho ético.
Muito já se discutiu a respeito de Sócrates (469-399 a.C.) e de sua filosofia. Sua
vivência foi sua obra, e seu testemunho, grande contribuição ética e filosófica. Sócrates
conviveu com o povo ateniense do século V a.C. (século de Péricles), que inscreveu seu
método e suas preocupações em plena glória da civilização grega, e nas praças públicas e no
solo da cidade.
Sócrates é, sem dúvida alguma, divisor de águas para a filosofia antiga, sobretudo pelo
fato de situar seu campo de especulações não na cosmovisão das coisas e da natureza, mas na
natureza humana e em suas implicações ético-sociais. É, de fato, interagindo e reagindo ao
movimento dos sofistas, que faz seu pensamento um marco na história da ética, levando uma
linha de pensamento autônoma e originária que se voltasse contra o poder absoluto nesse
período da história grega.
Seu método maiêutico, baseado na ironia e no diálogo, possui como finalidade a
parturição de idéias, sendo sua tarefa primordial, a fim de despertar nas almas o
conhecimento, Isso porque todo erro é fruto da ignorância, e toda virtude é conhecimento.
Tendo como importância o reconhecimento que a maior luta humana deve ser pela educação
(Paidéia), e que a maior das virtudes (areté) é a de se saber que nada se sabe.
A abnegação pela causa da educação das almas, bem como pelo bem da cidade,
representou, como testemunho de vida, ao menos um dos maiores exemplos históricos de
autoconfiança e de certeza no que se dizia; condenado a beber cicuta (planta venenosa) pelo
tribunal ateniense, não se desviou da sentença e curvou-se ante o desvario decisório dos
homens de seu tempo. A acusação que prendia sobre sua cabeça era de que estaria
corrompendo a juventude e cultuando outros deuses e, apesar de ter-se dedicado a vida inteira
a pregar o contrário disso, aceitou a injustiça de seus acusadores, em nome do respeito à lei
que a todos regia em Atenas.
A partir dessas noções primordiais pode-se discutir qual o significado da ética para
Sócrates.
A ética socrática
O pensamento socrático é profundamente ético. Reveste-se, em todas aas suas
latitudes, de preocupações ético-sociais, envolvendo-se em seu método maiêutico todo tipo de
especulação temática impassível de solução (que é a justiça? que é o bem? que é a
coragem?...). O que se conhece de Sócrates é, portanto, mais fruto de leitura dos diálogos
platônicos, que de uma obra por ele escrita, extraindo muito menos respostas e muito mais
perguntas, e, assim mesmo, seu valor é inestimável para a história da ética, sobretudo tendo-se
vista que com Sócrates a filosofia se converteu em éthos.
Isso porque a filosofia socrática possuiu um método, e esse método faz o filósofo,
como homem, fixar-se por meio de laços morais aos homens em meio à cidade (polis). É do
convívio, da moralidade, dos hábitos e práticas coletivas, das atitudes do legislador, da
linguagem poética... que surgem os temas da filosofia socrática.
Sócrates, em verdade, pode ser dito o iniciador da filosofia moral e inspirador de toda
uma corrente de pensamento. Sua contribuição surge como uma forma de rivalidade:
a) Aos sofistas, pensadores da verve vocabular e da doutrina do relativismo das
coisas;
b) À cosmologia filosófica dos pré-socráticos;
Desta forma há que se dizer que Sócrates é referência primordial na filosofia grega,
exatamente pelo ato de romper a violação de contrato que provocou com a tradição e com os
ensinos de seu tempo.
O conhecimento, para Sócrates, reside no próprio interior do homem. Conhecendo-se a
si mesmo, pode-se conhecer melhor o mundo. O fato de Sócrates ter vislumbrado na
linguagem um grande manancial de dúvidas que gerou o apoio da necessidade de
conhecimento lógico-semântica do que se diz o que era exercitado em praça pública, com
discípulos ou terceiros, por meio da parturição discursiva das idéias.
Assim é que adotando essa metodologia de pensamentos, granjeou inúmeros
discípulos, bem como um sem-número de inimigos, que mais tarde haveriam de reunir forças
para sustentar a sua condenação popular.
Em poucas palavras, o ensinamento ético de Sócrates reside no conhecimento e na
felicidade. Em primeiro lugar, a ética significa conhecimento, tendo-se em vista que, na
medida em que se pratica o mal, se crê praticar algo que leve à felicidade, e normalmente,
esse juízo é enganado por impressões e aparências puramente externas. Para saber julgar
acerca do bem e do mal, é necessário conhecimento, este sim verdadeira sabedoria e
discernimento. Em segundo lugar, a felicidade, a busca de toda a ética, para Sócrates, pouco
tem que ver com a posse de bens materiais ou com o conforto e a boa situação entre os
homens; tem ela que ver com a semelhança com o que é valorizado pelos deuses, pois
parecem estes serem os mais devotos dos seres. O cultivo da verdadeira virtude, consistente
no controle efetivo das paixões e na condução das forças humanas para a realização do saber,
é o que conduz o homem à felicidade.
O primado da ética e coletivo sobre a ética do individual
A ética socrática impõe respeito, seja pela sua logicidade, seja pelo seu caráter. É certo
que se Sócrates desejasse, poderia ter fugido à aplicação da pena de morte que lhe havia sido
imposta, e os discípulos ao seu lado estavam para auxiliá-lo e acobertá-lo. A ética do respeito
às leis, não permitia que assim agisse. E também, se durante toda sua vida se distinguiu por
seguir os conselhos dos deuses, não seria no momento de sua morte que os desobedeceria.
Sócrates, de fato, dedicou-se a um valor absoluto, e por ele lutou até o ponto de
recusar a própria vida. E por isso porque a ética socrática não se prende a lei e ao respeito dos
deveres humanos em si por si. Transcende a isso tudo. A filosofia socrática prepara para o
bem viver após a morte. Isso significa dizer que nem toda virtude proclamada como tal
perante os homens há de ser considerada virtude perante os deuses, e que a verdade, a virtude
e a justiça devem ser buscadas com vistas a um fim maior, o bem viver post mortem.
Isso porque, para Sócrates, a morte representa apenas uma passagem, uma imigração,
e a continuidade há de ensinar quais valores são acertados, quais são errôneos.
A certeza socrática quanto ao porvir é a mesma que o movimentava para agir de
acordo com a lei (nómos). Sócrates está plenamente convicto de que a nómos (norma) é fruto
do artifício do humano, e não da natureza.
Isso porque Sócrates vislumbra nas leis um conjunto de preceitos de obediência
incontornável, não obstante possam estas sererem justas ou injustas. O direito, pois, aparece
como um instrumento humano de coesão social, que visa à realização do Bem Comum,
consistente no desenvolvimento integral de todas as potencialidades humanas, alcançável por
meio do cultivo das virtudes.
Enquanto os primeiros relevaram a efemeridade e a contingência das leis variáveis no
tempo e no espaço, Sócrates empenhou-se em restabelecer para a cidade o império do ideal
cívico, liame indissociável entre indivíduo e sociedade, sendo justamente, durante o governo
de restauração democrática que Sócrates foi condenado à morte e já também ele já sabia que,
durante seus anos de lição, havia despertado o rancor em muitos daqueles que interrogavam
por meio da arte de racionar e pelo processo pedagógico socrático que consiste em multiplicar
as perguntas, a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral
do objeto, de modo que estava plenamente consciente desse fato quando de sua defesa perante
o tribunal. Elaborou sua defesa, em que contraditou os argumentos de seus adversários, mas
ainda assim foi condenado a beber cicuta por negar as divindades da cidade, criando outras,
além de corromper a juventude com seus ensinamentos.
As leis que havia ensinado a obedecer contra ele se voltaram. Tal condenação só veio
a demonstrar a relatividade de todo julgamento humano não tornando firme no verdadeiro
senso de justiça, prova da própria imperfeição das leis atenienses da época.
Contudo, a injustiça do julgamento a que deram causa as acusações de Meleto, Anito e
Licon, Sócrates submeteu-se serenamente à sentença condenatória, deixando aos seus
discípulos mais um importante e supremo ensinamento: o valor da lei como elemento de
ordem do todo. Se em sua defesa poderia ter exposto fatos, discursos, palavras que
minimizassem a ira dos juízes contra si, ao invés de tentar conquistar a piedade e o
favoritismo humanos, impugnou pela verdade, e em momento algum recusou a causa que já
havia abraçado como missão atribuída pelos deuses, e apesar de não ter tentado seduzir o
corpo de juízes que o julgavam, provou à saciedade que seus ensinamentos não corrompiam a
juventude e nem contrariavam o culto tradicional dos deuses.
No lugar de se proteger com palavras emotivas, replicou aos que queriam lhe atribuir
crimes por ele não cometidos, certo de que não deveria se proteger, pois sua vida havia sido o
maior dos testemunhos de justiça, felicidade e retidão.
Dessa forma, não procurando revidar o injusto corporificado na sentença condenatória
com outro ato de injustiça para com a cidade, Sócrates consagrou valores que foram,
posteriormente, absorvidos por Platão e Aristóteles. O homem enquanto integrado ao modo
político de vida deve zelar pelo respeito absoluto, mesmo em detrimento da própria vida, às
leis comuns a todos, às normas políticas (nómos póleos). O homem, assim radicado
naturalmente na forma de vida comunitária, tem como dever o cumprimento de seu papel
como cidadão participativo, e, assim, integrado nos negócios públicos, deve buscar a
manutenção da sacralidade e da validade das instituições convencionadas que consentem o
desenvolvimento da harmonia comunitária.
O ato de descumprimento da sentença imposta pela cidade representava para Sócrates
a derrogação de um princípio básico do governo das leis. Coma eficácia das leis
comprometida, a desordem social haveria de reinar como princípio, uma vez que cada qual
cumpriria ou descumpriria as regras sociais de acordo com suas convicções próprias; mas,
para Sócrates, o débito social é incontornável. Sua atitude serviria de exemplo para que outros
também se esquivassem do cumprimento de seus deveres legais perante a cidade.
A inderrogabilidade do valor das leis ganhou força de princípio autoritário, limitado e
vinculativo para todo aquele que se pudesse considerar um bom cidadão, um cidadão virtuoso.
A justiça política que se fazia viva por meio das leis positivas, representou entre os gregos, e
mesmo entre outros povos da Antiguidade, a orientação da vida do próprio indivíduo.
As leis eram amplamente restritivas da liberdade individual, intercedendo
profundamente na vida privada dos indivíduos, em algumas cidades gregas.
Sócrates serviu-se de sua própria experiência para fazer com que a verdade acerca do
justo e do injusto viesse à tona. A lei interna que encontra guarida no interior de cada ser, lei
moral por excelência, poderia julgar acerca da justiça ou da injustiça de uma lei positiva, e a
respeito disso opinar, mas esse juízo não poderia ultrapassar os limites da crítica a ponto de se
lesar a legislação política pelo descumprimento. Em outras palavras, para Sócrates, com base
num juízo moral, não se podem derrogar leis positivas. O foro interior e individual deveria
submeter-se ao exterior e geral em benefício da coletividade.
Assim, pode-se dizer que a sua submissão à sentença condenatória representou não só
a confirmação de seus ensinamentos, mas também a revitalização dos valores sócio-religiosos
acordantes com os que foram à base da construção da própria cidade-estado grega, quando da
transição de um estado gentílico ao político. Obedecer aos deuses era o mesmo que obedecer
à cidade, e vice-versa. Moralidade e legalidade caminham juntas para a realização do alvo
social, dentro da ordem das leis divinas, as quais Sócrates insistia sublinhar como parâmetro
do correto julgamento do próprio ser.
A atitude desprendida do filósofo relativamente à sua própria vida conferiu novo
fôlego ao princípio do respeito às leis da cidade. Se essa decisão foi salutar, do ponto de vista
político e ético, não foram poucos os motivos que inspiraram Sócrates em sua decisão,
podendo-se enumerar, entre outros, os seguintes:
1 – o momento histórico decadencial vivido pela mais célebre cidade-estado grega
após haver vencido às forças espartanas na Guerra do Peloponeso, carecendo-se, portando, de
atitudes e posturas favoráveis à democracia e ao respeito às leis;
2 – a concatenação da lei moral com legislação cívica;
3 – o respeito às normas e a religião que governavam a comunidade, no sentido do
sacrifício da parte pela subsistência do todo;
4 – a importância e imperatividade da lei em favor da coletividade e da ordem do todo;
5 – a substituição do princípio da reciprocidade, segundo o qual se respondia ao
injusto com injustiça, pelo princípio da anulação de um mal com seu contrário, assim, da
injustiça com um ato de justiça;
6 – o reconhecimento da sobrevivência da alma, para um julgamento definitivo pelos
deuses, responsável pelo verdadeiro veredicto dos atos humanos.
Conclusões
A ética socrática é uma ética teológica, e sua contribuição consiste em vislumbrar na
felicidade o fim da ação, tendo por fito a preparação do homem para conhece-se, uma vez que
o conhecimento é a base do agir ético; só erra quem desconhece, de modo que a ignorância e
o maior dos males. Mas, conhecer não é fiar-se nas aparências e nos enganos e desenganos
humanos, e sim fiar-se no que há de verdadeiro e certo. Erradicar a ignorância, portanto, por
meio da educação (paidéia) é tarefa do filósofo, que, na certeza desses princípios, abdica até
mesmo de sua vida para re-afirmar sua lição e seu compromisso com a divindade.
Portanto, uns misteriosos conjuntos de elementos éticos, sociais e religiosos
permearam os ensinamentos socráticos, que permaneceram como princípios perenes e
modelares, apesar de não terem sido reduzidos a escrito, mas que se transmitiram e se
consubstanciaram principalmente no pensamento platônico, surtindo seus reflexos nas demais
escolas que se firmaram na doutrina socrática.
Ao contrário de fomentar a desordem, o caos, a insurreição, sua filosofia prima pela
submissão, uma vez que a ética do coletivo está acima da ética do indivíduo. Seu testemunho
de vida bem provou essa convicção no acerto da renúncia em prol da cidade-estado (polis).
Onde esta virtude está à felicidade e isso independentemente dos julgamentos humanos a
respeito.
Referencia:
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: Ética geral e profissional. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
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