O Convênio de Taubaté e a Economia Cafeeira de Minas Gerais

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O Convênio de Taubaté e a Economia
Cafeeira de Minas Gerais – 1906/1929
Anderson Pires1
Resumo
O artigo utiliza-se de base bibliográfica para avaliar a importância e o
significado histórico da economia agrária de exportação que se
desenvolveu em Minas Gerais, na sua principal região produtora no
período de vigência da política de valorização cafeeira, a zona da mata
mineira. Utilizando instrumentos teóricos analíticos denominados de
“Global Commodity Chains” ( rede ou cadeia mundial de mercadorias),
posiciona essa economia além do contexto regional e nacional em que
se desenvolveu, mas também, e, principalmente, no âmbito do mercado
internacional. Por fim, regionaliza os seus efeitos e aponta para o
surgimento de centros urbanos importantes para o ulterior
desenvolvimento regional.
Palavras chave: Economia cafeeira-Minas gerais, História econômica,
cadeias produtivas.
1
Professor de História Econômica na Faculdade de Economia e Administração da
Universidade Federal de Juiz de Fora e do Programa de Pós-Gradução (especialização)
em História Econômica na mesma faculdade e do Mestrado em História no Instituto de
Ciências Humanas da UFJF. É mestre em História Agrária pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo
(USP). End: Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas e
Letras, Departamento de Historia. Campus Universitario s/n São Pedro 36035-010 - Juiz
de Fora, MG – Brasil. E-mail: apires@terra com br
Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional
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The Taubaté agreement and the coffee
economy of Minas Gerais (1906-1929)
Abstract
This paper, based on literature research, aims to assess the importance
and historical significance of the export agrarian economy which was
developed in Minas Gerais, in the main producing region during the
policy of coffee recovery, the “zona da mata mineira”. Using
theoretical analytical instruments known as "Global Commodity
Chains" (network or global chain of goods), it is possible to positionate
the regional and national economy the international market context.
Finally, analyses their effects in the regional area and points to the
emergence of major urban centres for further regional development.
Keywords: Coffee
production chains
economy,
Minas
Gerais,
economic
history,
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Introdução
Em tempos recentes tem havido um grande esforço de
reinterpretação das economias produtoras e exportadoras de café em
torno do mundo. Contrariando as antigas teorias do desenvolvimento e
dependência (que tinham no Estado Nacional seu ponto de partida mais
importante) e deslocando o objeto para as distintas relações que podem
se estabelecer entre o próprio produto de exportação, suas estruturas
de distribuição e consumo, a abordagem das redes (ou cadeias) globais
de mercadorias (“global commodity chains”) tem se mostrado uma
interpretação de grande potencial explicativo para aquelas economias
fundamentadas na exportação de produtos primários2.
Assim, é a percepção das formas de organização da produção,
sua relação com os agentes e unidades exportadoras e destas com
aqueles agentes e empresas responsáveis pela importação,
beneficiamento final e consumo do produto, ou seja, componentes e
processos que ocorrem “acima e abaixo do nível do Estado Nacional”,
que vão se constituir como os elementos centrais definidores de uma
“cadeia de mercadoria”, devidamente delimitados pela divisão
internacional do trabalho (GEREFFI E KORZENIEWICZ: 1994, p. 02).
Concebida desta forma, há uma historicidade implícita no
conceito. Como raramente estas redes3 mantêm as mesmas
características no correr do tempo, com substanciais modificações
desde a estrutura de demanda até a de produção, sua natureza
dinâmica é assumida como um pressuposto e, portanto, são
consideradas em si mesmas como um constructo histórico
(WALLERSTEIN: 1994). Para além das variações temporais, evidentes
em si mesmas quando pensamos no comércio internacional do café,
também ocorrem importantes alterações nos distintos elos dessas
cadeias se observarmos sua disseminação no espaço, em um mesmo
período, levando em conta a enorme diversidade em que vão se
concretizar (ROSEBERRY, GUDMUNDSON e KUTSCHBACH: 1995;
SAMPER: 2003; TOPICK e CLARENTH-SMITH 2003).
Também é importante entender a relevância que a abordagem
dá aos aspectos organizacionais e institucionais4, inserindo a economia
2
Para uma análise geral da interpretação ver Gereffi e Korzeniewicz: 1994; Hopkins e
Wallerstein: 1994. A rede global do café pode ser vista em Samper: 2003; Topick e
Clarenth-Smith: 2003.
3
O conceito foi tomado da sociologia, ressaltando os componentes interdisciplinares da
abordagem. Ver Gereffi e Korzeniewicz: 1994, p. 07 ss.
4
“Uma cadeia global de mercadoria consiste em grupos de redes organizacionais
agrupadas em torno de uma mercadoria ou produto de exportação, articulando firmas,
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em seu devido contexto social e antropológico5. Assim, a mobilização e
organização da força de trabalho, formas de distribuição da
propriedade da terra, arranjos de crédito, direitos de propriedade, a
presença e importância de unidades familiares (na produção e no
consumo), a evolução da demanda nos países consumidores, todos estes
elementos emergem e se impõem aos observadores na medida em que
delimitamos em toda a sua complexidade histórica os componentes da
cadeia de mercadoria do café.
Contudo, um outro aspecto da interpretação tem para nós
particular importância. As teorias da modernização e da dependência
levaram a generalizações acerca da economia agroexportadora em
vários países, dada a colocação da categoria Estado Nacional como o
único elemento importante na intermediação destas economias com o
mercado internacional. Muitas vezes, era a principal região produtora
deste ou daquele país que era considerada “tipificadora” e, desta
forma, muitas variações locais e regionais simplesmente
desapareciam, enquanto os elementos característicos da região tida
como predominante eram tomados como padrão para o conjunto dos
países (ROSEBERRY, GUDMUNDSON e KUTSCHBACH: 1995, p. 1516)6.
Ao contrário, a percepção de uma cadeia de mercadorias, em
sua insistência em explicar uma estrutura constituída pela trajetória de
um produto de exportação desde sua produção até seu consumo final,
são os condicionantes locais e regionais que se colocam como ponto de
partida. Formas pretéritas de organização da produção, de distribuição
e uso da terra, padrões de acumulação de capital, traços culturais, o
regime político e estrutura institucional herdados são tomados como
elementos explicativos da forma concreta que a rede global da
mercadoria vai assumir7. Em outras palavras, trata-se de compreender
famílias e estados entre si no interior da economia mundial. Estas redes são
específicas, socialmente construídas e localmente integradas, ressaltando a
incorporação social da organização econômica.” Gereffi e Korzeniewicz: 1994, p. 01
5
Para estas questões ver Roseberry, Gudmundson e Kutschbach: 1995; Stolcke: 1986
6
“A indústria cafeeira de São Paulo era o único setor bem estruturado, de peso e
dinâmico da economia interna ( …)” Holloway: 1978, p. 31
7
“Embora a Teoria da Modernização e da Dependência corretamente enfatizem que a
natureza do setor exportador moldou os sistemas nacionais que surgiram, impulsos
similares não implicam que todas as sociedades viriam a se tornar iguais. Aquele motor
não era um molde adaptando todos os participantes como peças de um quebra-cabeças.
Relações sociais locais, a História anterior, o legado cultural e o poder político
mediaram o impacto da cafeicultura. Desta forma, o estudo comparativo das sociedades
cafeeiras é revelador exatamente porque nos permite compreender a amplitude do
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como um processo global de acumulação de capital e reprodução
econômica, baseado na divisão internacional do trabalho, se configurou
localmente, ou de entender como algumas regiões específicas foram
incorporadas historicamente ao mercado mundial (SAMPER: 2003,
120-121; BRANDÃO: 2001, P. 04).
É a partir destas observações gerais da abordagem das redes de
mercadorias que podemos perceber a confluência de várias de suas
proposições (muitas tidas como novidades) com outras concepções
acerca da natureza das economias de exportação. A observação da
relevância de elementos como as características físicas do produto, da
organização social da produção, do papel determinante da natureza
institucional da economia e do universo local e regional pode ser
encontrada já na “antiga” Staple School canadense8, cuja maior
expressão é Harold Innis9, e, em sua forma mais elaborada, na teoria
dos efeitos de encadeamento de Albert Hirshman (HIRSCHMAN: 1985
e 1989)10.
Obviamente que não se trata de afirmar uma convergência
completa entre estas interpretações. Várias são as nuances e
contrastes, envolvendo não apenas confrontos como também
superações (CÁRDENAS, OCAMPO e THORPE: 2000, pp. 6-8). No
entanto, muitos são os instrumentos e aspectos analíticos
compartilhados pelas abordagens. Assim, torna-se difícil avaliar, por
exemplo, o impacto das culturas de exportação em estruturas sociais
(local e historicamente delimitadas) sem levarmos em conta a noção de
efeitos de encadeamento (HIRSCHMAN: 1989). A própria forma em
que vão se concretizar vai ser em grande parte determinada
exatamente pelo choque entre as tendências que representam a
espaço de atuação de produtores locais e a diversidade de instituições e de relações
sociais presentes.” Topick e Clarenth-Smith: 2003, 04)
8
Ver Neill: 1991, pp. 129-148;
9
Drummon: 1998; a relação entre Innis e o “velho” instititucionalismo é analisada em
Baragar: 1996
10
De acordo com Topick e Clarence-Smith (2003, p.12): “Albert Hirschman parte da
‘staple theory’ enfatizando a noção de ‘linkages’. Diferentes mercadorias têm diferentes
efeitos de encadeamento e conseqüências sociais. Ele reconhece, assim, que o café tem
vida e possibilidades próprias, que são inerentes à agronomia e processos de produção
mais do que mero resultado da imposição da economia internacional ou de leis
econômicas em geral. Desta forma, Hirschman afirma que a natureza da produção e do
processamento do café estimulou empreendimentos e o desenvolvimento industrial e
não apenas exploração colonial e neocolonial. A natureza do produto, a demanda
interna e os efeitos de encadeamento em geral que geram se transformam nos
elementos centrais do desenvolvimento econômico e programas governamentais.”
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implantação e consolidação da economia de exportação e o ambiente
cultural, político e institucional pré-existente. Se lembrarmos a
amplitude que o conceito possui, através de suas dimensões políticas
(efeitos de encadeamentos fiscais), sociais (encadeamento de consumo)
e propriamente econômicas, podemos reconsiderar a articulações
entre os universos “micro”, regionalmente determinados, e “macro”,
sempre tendo em mente o mercado internacional e a importância das
alterações e oscilações na estrutura da demanda que emergem daí.
Também devemos destacar que para um produto com as
características de cultivo e de demanda como o café, o enfoque das
redes globais de mercadorias se torna particularmente revelador.
Considerada uma das primeiras “commodities” efetivamente globais, o
café esteve presente desde as origens do mercado internacional, ao
menos na forma em que conhecemos hoje. Particularmente sensível às
distintas condições de clima e solo, implicando em extremas variações
em seu tipo e qualidade, o café sempre esteve sujeito às “percepções
subjetivas” de consumidores e comerciantes, variando desde o
consumo de luxo até as necessidades básicas (TOPICK E CLARENTHSMITH: 2003, p. 22), o que torna os aspectos sociológicos e
antropológicos de seu consumo especialmente reveladores11.
A longa trajetória do produto no mercado internacional traz
com ela importantes elementos para sua análise histórica. Entre eles,
um se destaca em especial já que é extremamente elucidativo da
posterior expansão da produção e consolidação do consumo em âmbito
mundial: a evolução social da demanda e sua incorporação ao mercado
de consumo de massa que se constituiu com a estruturação capitalista
das economias industriais no núcleo do sistema mundial (JIMENEZ:
1995). Em que pese a importância do café de qualidade média e
superior (em particular para os países produtores da América Central
e Ásia) as inovações dos transportes, comercialização e beneficiamento
vão permitir uma gradual redução dos custos e diminuição dos preços.
Desta maneira, já no início do século XIX, há uma firme disseminação
social do consumo, com a contínua incorporação da camada de
trabalhadores assalariados, para quem a energia e vigor fornecido pela
bebida contribuíam, em muito, para a disciplina e exploração da força
de trabalho12. A “vida social” desta mercadoria (APPADURAI: 2003)
11
Uma análise geral da antropologia do consumo pode ser vista em Douglas e
Isherwood: 2004 e Appaduari: 2003, pp. 3-63; a antropologia do consumo do café foi
analisada em Jamieson: 2001
12
“A reestruturação do capitalismo industrial neste período disseminou o consumo do
café. A nova fase da industrialização, com novas tecnologias de energia e produção,
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ganharia uma nova dimensão e de uma especiaria de luxo o café havia
de se transformar em uma produto de consumo popular, cuja
incorporação aos hábitos alimentícios da população é inerente à forma
de produção e exploração do sistema capitalista
É importante notar o impacto que esta gigantesca expansão do
consumo no mercado mundial teve sobre a estruturação da cadeia
global cafeeira que temos em mente aqui. Ocorrida principalmente no
correr do século XIX e confluindo em particular com as formas de
exploração capitalistas, o café tem sido considerado uma mercadoria
responsável pela integração de muitas recém independentes nações da
América Latina ao mercado internacional, em que pese as experiências
anteriores de cultivo ainda no final do século XVIII (ROSEBERRY,
GUDMUNDSON e KUTSCHBACH: 1995, p. 3; GREENHILL: 1992, p.
143 ss. e 173 ss.). Na verdade, pode ser considerado um produto da
ideologia e prática do livre comércio, constituindo a rede global daí
decorrente a primeira que se estruturou na ausência de controle de
blocos coloniais ou imperiais. Se o século XIX marca a Era do
Liberalismo, não coincidentemente ele pode ser considerado o século
do café (SAMPER: 2003, P. 127; ROSEBERRY, GUDMUNDSON e
KUTSCHBACH: 1995, p. 10; JIMENEZ: 1995 pp. 39 ss).
Mas, dentro da América Latina, foi a expansão da produção no
Brasil a principal responsável, pelo lado da oferta, pelas
transformações aqui em pauta. Para termos uma idéia do processo,
entre 1820 e 1920 a quantidade negociada no mercado mundial saltou
de 90 mil toneladas para 1.600 mil, uma variação de mais de 1.500% no
período (ROSEBERRY, GUDMUNDSON e KUTSCHBACH: 1995, p. 03;
GREENHILL: 1992, p. 148). A produção brasileira era de 50% da
produção mundial em meados do século XIX; no início do século XX
correspondia a 5 vezes a produção do mundo reunida (TOPICK E
CLARENTH-SMIYH: 2003, p. 31). O país, isoladamente, foi
responsável por 80% da imensa expansão da produção ocorrida no
século XIX. Foram, assim, as condições em que ocorreu a expansão da
cultura da rubiácea no Brasil (com grande disponibilidade de terras e
mão de obra escrava, café de baixa qualidade e através de uma forma
de cultivo extensivo do solo), que permitiram o declínio dos preços do
produto e, portanto, a sua incorporação como parte integrante da
levou a uma crescente homogeneização das classes trabalhadoras quando a mão de
obra fabril foi uniformizada. A resultante unidade cultural e reunião de uma grande
parcela da população dos Estados Unidos tornou-se o núcleo de um mercado cada vez
mais consolidado e ampliado. (...)” Jiménez: 1995, p. 41.
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reprodução da mão de obra trabalhadora nos países centrais e sua
paulatina transformação como “bebida do capitalismo”.
Estabelecidos os parâmetros gerais da abordagem que
utilizaremos, bem como do processo de crescimento do consumo no
mercado mundial e da importância da oferta brasileira na integração
desta rede, é essencial verificarmos como ocorreu o movimento da
expansão da produção no país e, a partir daí, localizarmos o significado
e importância da produção de Minas Gerais, não só frente a outros
estados produtores, mas também em sua evolução e especificidades.
Economias Agro-exportadoras e Variações Regionais: o
Complexo Cafeeiro em Minas – 1889/1930
Se a expansão da oferta brasileira é historicamente delimitada,
podendo ser considerada como a principal responsável pela integração
da cadeia de mercadoria do café, isso não quer dizer que tenha havido
homogeneidade nas condições de produção, como tantas análises
parecem indicar. Ao contrário, se lembrarmos a ênfase dada pela ótica
da rede de mercadorias aos aspectos regionais e locais, poderemos
considerar, a priori, a existência de inúmeras variantes que ocorrem
no âmbito da organização espacial da produção, diferentes condições
climáticas e de fertilidade da terra, a localização mais ou menos
próxima das redes de canalização comercial para o mercado externo, a
melhoria nas condições de transportes, etc.
É desta perspectiva que podemos perceber que, na verdade, a
mesma expansão da produção do Brasil ocorreu em distintas
dimensões temporais e espaciais, devidamente analisada em alguns
trabalhos com os quais convergimos na delimitação regional como
espaço privilegiado para pensarmos a economia agroexportadora no
país (CASTRO: 1971, cap. 4; MENDONÇA: 1997 p. 04 ss.; MELO: 1993).
O sistema de uso extensivo do solo, um dos componentes essenciais da
forma em que se organizou a produção (FRAGOSO: 1983), implicava
necessariamente na incorporação de terras virgens e no abandono
daquelas esgotadas permitindo a percepção intertemporal e interespacial que nos referimos acima. Mais especificamente, poderíamos
entender as economias cafeeiras a partir de três tempos e três espaços
distintos, mas que ocorrem simultaneamente, incluindo uma área de
fronteira, aquela em que o cafezal se encontra consolidado e
plenamente produtivo e a área em declínio, com a produção decadente,
terras esgotadas e não mais propícias à continuidade da produção
(MENDONÇA: 1997 p. 04 ss.).
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É curioso entender que esta ótica pode ser aplicada não apenas
em análises inter-regionais, mas também intra-regionais e, num certo
sentido, na dimensão microeconômica da economia, bastando para isso
lembrarmos a diferente tipologia das terras no interior das fazendas e
sua devida classificação em pastos, cafezais e matas virgens, estando
estas últimas em proporção direta com a própria possibilidade de
manutenção da produção (FRAGOSO: 1983). Como no caso das redes,
também aqui está implícito no conceito a idéia de variações regionais
no que se refere às condições de produção e dinâmica econômica,
essencial se quisermos entender seu distinto comportamento frente a
alguns fenômenos e processos sociais que caracterizam o período,
como a abolição da escravidão, a industrialização e a estruturação de
um mercado de trabalho (MENDONÇA: 1997; MELO: 1993).
Já são conhecidas as aplicações desta percepção e a colocação
do Oeste paulista como região pioneira e do Rio de Janeiro como área
de retaguarda na produção do país (CASTRO: 1971; MENDONÇA:
1997). A nós, aqui, cabe ressaltar a posição que Minas veio assumir
neste contexto geral, genericamente como área de produção
intermediária, sempre tendo em mente, com o risco de excessivo
simplismo, que o mesmo padrão pode ser devidamente aplicado no
interior dos espaços aqui delineados, enriquecendo-os como objeto de
estudo. Se somarmos a isto a dimensão política e distribuição regional
do poder, em especial com o advento da República e com a forma que o
federalismo de início assumiu entre nós, podemos avançar em muito no
esclarecimento das economias regionais de exportação que se
desenvolveram no sudeste do país.
Quando pensada a partir de seu contexto políticoadministrativo, a região da Mata mineira (aonde se concentrou a
grande parte da produção cafeeira de Minas), começa a tomar
contornos próprios e boa parte dos aspectos específicos em que se deu
sua integração ao mercado mundial ganham nitidez. Se o ritmo da
expansão cafeeira lhe garante a diferenciação com os principais
estados produtores, é a própria natureza exportadora de sua
agricultura que pode ser utilizada como parâmetro diferenciador no
contexto mineiro. Inserida em um estado tradicionalmente vinculado
com a produção agrícola de mercado interno, do qual ocupa apenas 5%
do território (VALVERDE: 1958), a economia cafeeira em Minas
destoa do restante do estado e não apenas pelo seu vínculo com o
mercado externo, mas também por suas linhas gerais de constituição
histórica. Ocorrida principalmente durante o século XIX, do qual herda
seus caracteres mais importantes (o liberalismo, a revolução dos
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transportes, a industrialização etc.), a evolução da Mata de Minas
rompe com a tradição histórica do século XVIII mineiro, no qual, como
se sabe, o estado mantém suas raízes mais importantes13. A
constituição e consolidação da região demonstram nitidamente a
existência do “mosaico mineiro”, entendido não apenas pela frágil
integração do território de Minas, mas principalmente, pela existência
de inúmeros processos de crescimento e desenvolvimento econômicos
se concretizando em “...linhas diferentes de tempo.” (WIRTH: 1982, pp.
30-31).
A restrição das condições da expansão do café para o conjunto
do estado inviabilizou sua homogeneização em torno da cultura
cafeeira, bem ao contrário do que ocorreu em São Paulo e Rio de
Janeiro. Mais que isso, deu a Minas uma configuração política
particularmente delicada, dada a diferenciação de suas elites, em
especial se pensarmos na capacidade e liberdade de intervenção dos
governos estaduais na condução da política econômica, principalmente
naqueles pontos diretamente relacionados aos interesses do café
(impostos sobre exportação, política de imigração, crédito agrícola, os
próprios planos de valorização, etc.).
Portanto, se o crescimento da economia cafeeira no país
implicou na formação de distintas economias regionais, delimitadas em
sua conformação específica no que diz respeito à disponibilidade de
recursos, maior ou menor potencial de geração de renda e consumo,
diversificação econômica e impulso urbano-industrial, o mesmo pode
ser dito em relação à zona da Mata mineira. A rede de mercadoria do
café que se estruturou no país entre meados do século XIX e o início do
século XX teve na zona da Mata de Minas um importante exemplo de
sua variação local e regional e a evolução de sua economia agrícola de
mercado externo demonstra bem a complexidade que assumiu o
processo geral de constituição do sistema capitalista no Brasil.
Assim, se observarmos especificamente o impacto e a forma em
que se deu a incorporação da região ao mercado internacional já
podemos
vislumbrar
alguns
componentes
fundamentais
demonstrativos desta economia de exportação. Longe de representar
13
(...) Esta zona é por vários motivos a que, no processo geral de desenvolvimento social
e econômico de Minas Gerais, se processou em último lugar. Ela surge com o século
XIX, do qual reflete todas as suas características. O liberalismo, a iniciativa privada, a
crença no progresso material trazido pela máquina a vapor e pela eletricidade, o
ecletismo do estilo arquitetônico e outras manifestações de uma mentalidade com
tendência a romper com o estabelecido até o fim da centúria anterior. (...) A zona da
Mata é uma ruptura com o passado histórico de Minas Gerais (...).” Pedrosa: 1962, p.
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um processo homogêneo e retilíneo, foi, na verdade, marcado por
continuidades e descontinuidades, rupturas e convergências,
assimetrias decorrentes de sua própria posição frente ao contexto geral
onde ocorreu a expansão da oferta brasileira. Sua inclusão no território
mineiro forneceu-lhe uma natureza interiorana que implicava em uma
contradição básica em se tratando de uma economia voltada para as
exportações: destituída de uma saída própria para o mar onde pudesse
canalizar os fluxos de sua produção, a zona da Mata sempre teve no Rio
o seu principal porto de comercialização externa (LIMA: 1981; PIRES:
1993). Além disto, até o final do século XIX, se vinculou ao esquema
comercial de exportação e importação que se aí se desenvolveu, com o
predomínio do comissário, aqui entendido não apenas como agente
comercial, mas também como elemento central nas relações de
financiamento existentes na economia (SWEIGART: 1980; FERREIRA:
1977). Criou-se, desta forma, uma assimetria nos fluxos de recursos
gerados localmente e que eram absorvidos por uma estrutura de
comercialização e de financiamento que se colocava em outro espaço
econômico.
Outro elemento importante e cujo funcionamento vai implicar
numa assimetria espacial de recursos será a forma como foi idealizada
e concretizada a questão da integração do estado e que envolveu a
criação e localização da nova capital, Belo Horizonte (BLASENHEIM:
1982). Em que pese a importância de um município como o de Juiz de
Fora, um dos principais centros comerciais e industriais do estado, sua
proximidade com o Rio de Janeiro inviabilizava sua colocação como
capital e pólo de reintegração do território mineiro. As economias
exportadoras de café que temos como padrões comparativos aqui (Rio
e São Paulo) constituem neste aspecto uma experiência bastante
diferente. Uma vez que a disponibilidade de recursos permitiu a
expansão da rubiácea para boa parte de seus territórios, mesmo que
em períodos distintos, a localização dos centros de decisão políticoadministrativos sempre ocorreu no interior do espaço destas
economias, permitindo um impacto muito maior dos investimentos
decorrentes dos impostos advindos do café, reconhecidamente os mais
importantes na composição fiscal dos estados cafeeiros. Mesmo que
possamos encontrar variações entre ambos os padrões comparativos14,
não deixa de ser relevante perceber suas diferenças com a experiência
de Minas Gerais, principalmente quando lembramos a importância que
14
Digno de nota seria a divisão entre o distrito federal e o estado do Rio de Janeiro
(Melo: 1993) e a diferenciação entre espaço portuário de Santos e a capital em São Paulo
(Saes: 1996)
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estes investimentos públicos poderiam representar para a dinamização
de economias regionais (construção de uma infraestrutura urbana,
adensamento populacional, a presença de uma burocracia, expansão do
mercado regional etc.).
A configuração dos dois pólos do que pode ser chamado de
efeitos de encadeamentos fiscais (a base de arrecadação do estado e o
destino final dos recursos) encontrou, no caso da economia
agroexportadora de Minas, uma concretização bastante singular. A
diversidade regional do estado e a ausência de uma integração
econômica mais efetiva implicaram, necessariamente, em uma
redistribuição dos recursos obtidos predominantemente na região
cafeeira (há que se lembrar que uma capital foi construída no período),
dissipando uma das principais forças que resultariam em
diversificação e dinamismo econômico em especial em seu município
mais importante, Juiz de Fora.
A delimitação histórica e regional da zona da Mata como
resultado de seu processo específico de integração à economia
internacional, merece assim a utilização de instrumentos analíticos que
se aproximem o máximo possível de sua realidade. Tomando de
empréstimo de alguns autores que têm sobre nossa análise uma visível
influência, mas que dos quais nos afastamos em princípio e,
particularmente, de sua aplicação concreta, a noção de “complexo
cafeeiro” é para nós especialmente reveladora (CANO: 1985;
BRANDÃO: 2001).
Idealizado para o estudo da economia cafeeira paulista no
período aqui considerado (portanto, essencialmente regional), o
conceito tem sido utilizado como parâmetro geral de comparação das
economias regionais agroexportadoras e, nesta concepção, quando
várias das características próprias daquela economia não são
encontradas em outras realidades há uma evidente desconsideração da
multiplicidade regional que vimos insistindo nesta análise15. A
utilização de regiões supostamente tipificadoras para a compreensão
do conjunto da realidade da cafeicultura no Brasil encontra aqui uma
da suas principais expressões e a utilização do termo
“paulistocêntricas” para estas interpretações nos parece bastante
apropriado (MENDONÇA: 1997, P. 01).
15
Não que o conceito tenha aí sua única formulação. A própria idéia de um “complexo
econômico” é extremamente generalizada (no tempo e no espaço) e sua utilização
muitas vezes é confundida com a definição econômica de região. Ver, por exemplo,
Brandão: 2001
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Esta observação é particularmente válida para o caso da zona
da Mata mineira. Quando avançaram para o estudo da região16, estes
autores deixaram uma herança que em grande parte ainda pode ser
considerada, por sua grande influência e abrangência, como uma das
mais importantes nos estudos acerca da economia regional. Baseados
em um grupo de fontes bastante limitado, já que quase exclusivamente
de natureza oficial (mensagens de presidente de província, censos,
relatórios de secretários do estado, etc.) estes autores caracterizaram a
realidade da Mata a partir de um ponto de vista alheio a ela própria,
questionável em sua concepção geral, elaboração teórica e
instrumentalização empírica.
Insistindo em uma percepção fundamentada em outros núcleos
de produção, esta tendência desconsidera a delimitação da região como
espaço próprio, uma vez que constituiria apenas uma espécie de
“extensão produtiva” da economia cafeeira que se desenvolvera no
Vale do Paraíba fluminense, da qual herdara características
importantes, especialmente o mesmo ciclo de produção e, portanto, de
consolidação e declínio (LIMA: 1981, CANO: 1985). Por outro lado,
aspectos importantes da estrutura produtiva da economia da Mata só
viriam a agravar sua posição subsidiária com relação àquela do Rio. Se
a estrutura comercial da capital do país já se colocava como
privilegiada na captação dos recursos originados no interior da região,
um regime fundiário marcado pelo predomínio de pequenas e médias
propriedades colocaria o produtor mais a mercê dos agentes da
comercialização, representados pelos comissários e outras casas
comerciais sediadas no Rio. O resultado é a percepção da região como
uma estrutura amorfa e sem identidade, impossibilitada de reter
recursos em seu espaço próprio e cuja incapacidade de concretização
do processo geral de acumulação do capital cafeeiro teria inviabilizado
os vetores mais importantes da transição para o capitalismo.
Ao menos duas conseqüências importantes para as análises da
economia regional decorrem desta interpretação. Uma, mais geral e
que não se reduz apenas a esta tendência, implicou na desconsideração
da importância do capital cafeeiro e da cafeicultura local para as
transformações que marcam o período, convergindo com algumas
análises presentes na própria historiografia mineira que minimizam
seu papel na formação histórica do estado e cuja expressão extrema
talvez seja sua colocação como uma economia de “enclave” no seio da
economia de Minas Gerais (MARTINS: 1980 E OLIVEIRA: 1991).
16
Ver em especial Lima: 1981 e Cano: 1985; Lana: 1985, Costa: 1978
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Outra, mais específica e evidente por si própria, está na inadequação
da realidade econômica agroexportadora da Mata ao conceito de
“complexo exportador”, uma vez que destituída de seus componentes
básicos de diversificação econômica e consolidação capitalista (CANO:
1985; LIMA: 1981).
No entanto, a zona da Mata tem sido objeto de inúmeros
trabalhos mais recentes e boa parte das afirmações e explicações
acima têm sido questionadas. Retomando aspectos essenciais da
economia de exportação regional e utilizando um universo de fontes
bem mais amplo, outros têm sido os caminhos apontados por esta
“nova” historiografia. Assim, em que pese a eventual importância da
presença de pequenas e médias unidades, o regime fundiário se
marcou por uma extrema concentração da propriedade da terra
(ANDRADE: 1991), redimensionando a natureza da articulação e
repartição de recursos entre os representantes sociais da esfera da
produção e distribuição e abrindo a possibilidade de retenção de
riquezas na própria esfera produtiva da economia regional (PIRES:
1993; ALMICO: 2001). Mais que isso, pesquisas mais detidas sobre as
condições da produção cafeeira na região demonstraram uma
capacidade de dinâmica bem maior que muitos trabalhos vinham
indicando (PIRES: 1993, CAP. 3)17.
Análises fundamentadas em inventários demonstraram que as
terras disponíveis para o cultivo e expansão do café ainda eram
bastante significativas no município de Juiz de Fora ainda no início do
século XX, o que é particularmente importante tendo em vista o fato de
que a cidade é uma das principais representantes de uma área de
ocupação mais antiga na região. Longe de compartilhar o mesmo ciclo
de produção que marcara a economia agroexportadora do Rio, Minas
Gerais possuía um ciclo próprio de cultivo e expansão cafeeira e seu
período de decadência e declínio não poderia ser identificado com
aquele. O impacto da abolição da escravidão ou da crise dos preços do
início do século não surtiu o mesmo efeito e, mantidas a capacidade de
dinamização do setor cafeeiro, outro seria o cenário para a ocorrência
do processo de transição capitalista na região.
17
“Por volta de 1920 as melhores terras virgens foram se escasseando; mas, como nessa
época os preços do café tornaram-se altamente remuneradores, todas as áreas da
fazenda eram aproveitadas, até que praticamente as matas desapareceram e, com elas,
os cafezais nosso foram sumindo (...) é praticamente na terceira década do século que a
vida rural de Juiz de Fora entra na fase de tristeza e melancolia. E, talvez
coincidentemente com a crise universal da época (...)”. Filho: 1973, p. 27
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Sendo assim, enquanto a produção de café do estado do Rio caía
em importância no contexto do país e na dinamização de sua economia
interna, aquela de Minas teimava em manter um comportamento
ascendente no longo prazo, ocupando a segunda posição no país já no
final do século XIX (PIRES: 1993). O contraste entre os ritmos
diferenciados de produção agroexportadora e de compartilhamento de
uma mesma estrutura de comercialização e distribuição do café, vai
ser particularmente ilustrativa da evolução histórica da zona da Mata.
A partir dela é que podemos vislumbrar que à contínua
retração dos agentes comerciais e financeiros identificados com o Rio
de Janeiro18 (uma decorrência necessária da crise da economia
escravista com a qual se identificavam), a economia cafeeira da Mata
reagiu com um importante processo de diversificação setorial, em
grande parte refletindo os benefícios da internalização das condições
de dinâmica econômica presentes em seu setor agroexportador. Entre
o final da década de 1880 e o início da de 1890 o papel desempenhado
pelo município de Juiz de Fora como centro urbano de referência da
economia da região iria mudar significativamente. A partir deste
período este núcleo urbano vai se colocar paulatinamente como o
principal espaço para os investimentos dos recursos decorrentes da
produção cafeeira (MIRANDA: 1990). Entre estes, dois merecem
atenção especial, uma vez que correlatos à retração das funções
desempenhadas pelo capital comercial sediado no Rio.
O primeiro seria o próprio crescimento e consolidação do
capital comercial na cidade. Entre 1870 e 1920 o número de
estabelecimentos comerciais em Juiz de Fora cresceu cerca de 300%,
saltando de 153 para 716, correspondendo a uma média de 5,45% ao
ano (PIRES: 2004, CAP. 3; MIRANDA: 1990). Mais ainda, o perfil da
estrutura comercial do município demonstra uma presença cada vez
mais significativa de empresas atacadistas, correspondendo à sua
gradual consolidação como entreposto comercial e não apenas da
região da zona da Mata, mas para boa parte do território mineiro.
Dentre as empresas atacadistas, as que comercializavam alimentos e
gêneros merecem destaque, mas referências àquelas que negociavam
com importações (bens de consumo industrializados, máquinas,
implementos) são cada vez mais visíveis, ao menos através de anúncios
publicados em jornais locais.
No entanto, não deixa de ser curioso perceber que, em sua
configuração geral, não são encontradas em número significativo
18
Para estas questões ver Sweigart: 1980
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empresas locais que se dedicavam à comercialização do café, ao menos
como atividade especializada. A grande maioria de empresas que se
dedicavam ao comércio de café era do Rio de Janeiro e, gradualmente,
se assiste a um crescimento da importância de empresas exportadoras
estrangeiras, muitas radicadas na própria capital do país.
Comerciantes locais de café existem, mas atuam como representantes
de casas comerciais maiores e, em geral, com origem externa ao
município e região (PIRES: 2004, Cap. 3; GREENHILL: 1992, pp. 187
ss.).
Analisada assim em seu perfil geral, a estrutura e o capital
comercial da cidade refletiram suas especificidades como um núcleo
urbano de uma região predominantemente agroexportadora, mas
restrita à sua dimensão interiorana. No entanto, longe de representar
uma “fragilidade”, o capital comercial local assumiu as mesmas
funções que desempenhou em outros núcleos agroexportadores, com
um importante papel, por exemplo, em iniciativas de investimentos
como a industrialização do município, na diversificação da riqueza
local (ALMICO: 2001) e na criação de redes de crédito, muitas vezes
envolvendo várias cidades da Mata e de outras regiões de Minas.
Mais importante para os nossos objetivos é compreender que
estas mesmas empresas foram, desde o final do século XIX, capazes de
substituir as firmas comerciais do Rio de Janeiro no suprimento dos
bens para as fazendas de café, com a devida concessão de crédito,
como a pesquisa sobre a origem dos débitos dos fazendeiros (desta
feita fundamentada em inventários) nos tem indicado (PIRES: 1993,
Cap. 4). A diversificação urbano-industrial do município, aqui
entendida sob a ótica da expansão comercial, pode ser considerada
como responsável pelo rompimento de boa parte dos laços comerciais
que Juiz de Fora e região vinham estabelecendo tradicionalmente com
o Rio de Janeiro. Mais, sua gradual expansão como entreposto
comercial demonstra que a cidade chegou a desempenhar para com
outros núcleos urbanos da Mata a mesma função que o Rio vinha
estabelecendo com ela. A ruptura do elo que articulava a produção
local e a esfera de comercialização e distribuição do café durante o
século XIX havia se alterado substancialmente
Talvez mais importante ainda tenha sido a surgimento de um
sistema bancário na cidade e região (COSTA: 1978; PIRES: 1993 e
2004). Em que pese algumas experiências anteriores, o investimento
que resultou na criação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais em
1889 pode ser considerado, neste sentido, como o mais importante
(FILHO: 1966; SÁ: 1992; ALVARENGA FILHO: 1987). Com uma
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presença marcante de fazendeiros de café entre seus acionistas e
destinado a suprir crédito de longo prazo para lavoura cafeeira, o
Banco teve desde seu início fortes vínculos com o capital agrário
originado na economia de exportação, mais ainda se lembrarmos sua
estreita relação com o governo do estado como provedor de recursos
para a cafeicultura19 e a importância desta como base de arrecadação
de Minas. Desta maneira, desde sua fundação o Banco teve intensa
atuação como instrumento de financiamento agrícola, predominando
na oferta de financiamento da lavoura cafeeira local e regional e
substituindo o comissário e casas bancárias do Rio de Janeiro que,
também até o final do século XIX, mantinham predomínio visível na
estrutura de financiamento da economia de Juiz de Fora (PIRES:
2004).
Devemos deixar claro, assim, que foi em grande parte a
evolução estrutural interna da economia cafeeira da Mata a
responsável pela endogeneização de dois dos principais vetores
responsáveis pelo que chamamos aqui de assimetrias espaciais de
recursos, um dos componentes mais importantes para entender a
forma em que esta região vinha se articulando ao mercado mundial. É
a partir daí que começa a se esboçar, do ponto de vista da economia
regional, um esquema de circularidade espacial no mesmo fluxo de
recursos, uma idéia para nós essencial em sua consideração como um
complexo exportador. Também deve ser notado que não foi mera
coincidência que este crescente processo de diversificação econômica
tenha ocorrido a partir do final do século XIX, em especial a partir da
abolição, quando a reorganização social do processo de produção
implicara, de uma forma ou de outra, em um processo geral de
monetização e mercantilização das relações econômicas.
Dada a presença de condições de expansão da produção
cafeeira na Mata e a presença de um núcleo urbano de referência na
própria região, estavam garantidos os principais elementos para que as
distintas formas em que se concretizaram os efeitos de encadeamento
fossem internalizados e canalizados, ao menos em parte, em seu pólo
urbano mais importante. O próprio município de Juiz de Fora já vinha
desempenhando este papel, tendo em vista sua posição de centro de
entroncamento viário quando da expansão e melhoria do sistema de
transportes, de início com a rodovia União e Indústria e,
posteriormente, com a chegada das ferrovias (BLASENHEIM: 1994;
GIROLETTI: 1976). Os efeitos de encadeamento retrospectivos,
19
Ver especialmente Sá (1992)
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determinados pela necessidade de maior eficiência da integração de
uma área de fronteira e interiorana à estrutura comercial e portuária
do Rio, já vinha tendo na cidade um de seus principais espaços de
concretização.
Mais visível ainda seria o processo em que se deu os efeitos de
encadeamento de consumo. A compreensão da presença de um ritmo
próprio no processo de expansão da produção na região tem permitido
análises que dimensionam devidamente a extrema complexidade que
assumiram as relações de produção com o fim do escravismo
(SARAIVA: 2002). Deslocado do movimento geral de declínio e
decadência da produção fluminense, mas ao mesmo tempo bastante
distante do dinamismo apresentado por São Paulo, a zona da Mata
apresentou relações de produção que se variaram muito em sua
organização social, sempre tiveram na remuneração monetária uma
característica. Assim, ao seu modo, a economia regional conseguiu
construir um espaço social de demanda de bens manufaturados que se
constituirá como um dos mais importantes eixos do processo de
industrialização de Juiz de Fora, tão intenso que implicou num
crescimento de 413% no número de unidades industriais entre 1905,
quando possui 45 fábricas, e 1920, quando tem 186 unidades fabris
(PIRES: 2004). Neste último ano o número de indústrias em Juiz de
Fora era praticamente o dobro daquele que possuía Campinas (91),
também um importante centro cafeeiro e interiorano (SEMEGHINI:
1991, p. 77). O complexo cafeeiro local teve no setor industrial um de
seus componentes mais emblemáticos e foi responsável pela colocação
de seu núcleo urbano como principal centro industrial de todo o estado
de Minas Gerais até a década de 1920.
Foram, portanto, os elementos determinantes da transição
capitalista na região, concretizados em forças sociais e econômicas
conhecidas como efeitos de encadeamento, os responsáveis pelo
processo de diversificação econômica que permitem sua colocação
como um complexo exportador. Foi através deles que a cidade de Juiz
de Fora testemunhou o nascimento, crescimento e consolidação de
setores tão importantes como o financeiro-bancário, de agricultura de
mercado interno (DESTRO: 2005; SOUZA: 1998), de infraestrutura
urbana, transportes, comércio, além do próprio setor industrial. Em
outras palavras trata-se de um processo que percebido em seu
delineamento geral correspondia a uma gradual internalização das
condições de reprodução da economia cafeeira, mesmo que tenha
ficado longe de se completar.
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No entanto, dada a questão estratégica dos fluxos interregionais de recursos para a delimitação histórica da região, mais
importante do que a mera presença de distintas atividades econômicas
é a inter-relação que vai se estabelecer entre elas que demonstra a
existência da “circularidade” de fundos que estamos ressaltando. Aqui
entendida como a capacidade de retenção e reaplicação de recursos em
um mesmo espaço econômico, a própria diversificação estrutural da
economia local indica seu funcionamento. É a partir dela que vemos,
por exemplo, a importância das empresas atacadistas da cidade na
distribuição da produção industrial local através de suas articulações
com centenas de unidades comerciais varejistas que se embrenhavam
pelo interior da área rural do município e região; o significado da
riqueza mantida nas mãos de fazendeiros e sua aplicação em
financiamentos diretos a outros fazendeiros e industriais, constituindo
um dos mais importantes agentes sociais na composição da oferta e
dinamização do mercado hipotecário; a presença de setores industriais
com a maior parcela de produção destinada ao mercado local e
regional, incluindo máquinas agrícolas e insumos industriais; ou, por
fim, a função estratégica do Banco de Crédito Real não apenas no
financiamento agrícola, mas também como fornecedor de crédito de
curto prazo para empresas industriais, essencial em um momento em
que estas vinham financiando seus próprios investimentos e
crescimento por meio de retenção de seus lucros (ALMICO: 2001;
PIRES: 2004).
Mas se mantivermos a análise nas condições em que se
estruturou este complexo cafeeiro também devem ser destacadas
aquelas que evidenciam os limites nos quais se desenvolveu. O
entendimento da região sob esta ótica é essencial uma vez que muito de
suas especificidades aparecem e sua natureza periférica se revela com
nitidez. Sua posição relativa frente ao principal porto de exportação e a
destituição de seu espaço urbano como centro político-administrativo
do estado não se modificaram com a gradual evolução estrutural da
economia regional como um complexo exportador. Apenas estas
características já seriam suficientes para demonstrar sua posição
periférica no quadro geral das economias cafeeiras do período. Para
além destes deve ser relembrado ainda que a participação da produção
da região no contexto do país, mesmo que positiva no longo prazo e
significativa pelo comportamento da série, esteve muito aquém da
mesma participação de São Paulo, a tal ponto que também aqui sua
colocação como área de produção marginal pode ser considerada
bastante elucidativa (PIRES: 1993, tabela 19, p. 84).
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Não que estes elementos demonstrativos da natureza periférica
do complexo da Mata tenham rompido com a idéia de circularidade
que traçamos. Se houve evasão de recursos pela própria forma como se
dava a organização espacial da economia de Minas, isto só ocorreu pela
importância que as exportações cafeeiras tinham na composição da
base fiscal do estado e, mais, não significa obviamente que sua
principal região produtora não tenha recebido recursos. O governo do
estado de Minas teve papel ativo em várias circunstâncias cruciais
para o desenvolvimento da lavoura cafeeira, incluindo distribuição de
crédito, financiamento da construção de estradas de ferro e obras de
infraestrutura e, mais importante neste trabalho, na concessão de
recursos em diversas ocasiões em que esteve envolvido com os planos
de valorização do café.
Também a localização do principal porto de exportação de sua
produção fora de seu espaço econômico, se extremamente revelador de
sua posição periférica, não altera sua configuração como um complexo,
tendo em vista a internalização de parte das funções desempenhadas
pela estrutura comercial local e, especialmente, pelo surgimento de um
sistema financeiro e bancário próprio. A participação da produção
mineira nas exportações realizadas pelo porto do Rio (o segundo porto
de exportação cafeeira do mundo), deixa claro sua a importância para
a estrutura de comercialização e exportação cafeeira dali (MELO:
1993; HOLOWAY: 1978, p. 19), mas quando pensamos nas taxas que
eram cobradas a título de comissão (entre 3 a 5% do valor da produção)
e as considerarmos como a parcela canalizada para a capital do país,
podemos imaginar o que pode ter significado a retração do aparelho
comercial do Rio de Janeiro e, ao contrário, como a retenção destes
recursos pode ter beneficiado a economia local.
A presença de um espaço regional delimitado, sua colocação em
um território político administrativo diferenciado, um ritmo próprio de
expansão cafeeira e a internalização de boa parte do processo de
diversificação urbano-industrial em um núcleo urbano de
convergência localizado no mesmo espaço econômico constituíram
para o caso da zona da Mata os fundamentos de um “complexo
econômico” original porque periférico e que traçara uma linha única
no processo de transição capitalista no Brasil.
Minas e os Planos de Valorização de Café
O Convênio de Taubaté (1906) já foi estudado em vários de seus
aspectos, havendo já uma imensa bibliografia que direta ou
indiretamente se debruçou sobre ele e os planos de valorização em
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geral20. Mas, também aqui, esta produção historiográfica se voltou
quase que exclusivamente para a cafeicultura paulista e a posição de
São Paulo no acordo, em detrimento de outros estados produtores
(MENDONÇA: 1997). Apenas recentemente surgiram trabalhos que
respeitaram as especificidades regionais, especialmente Rio e Minas21,
o que tem feito emergir outros elementos importantes da participação
destes estados e reorientando o próprio entendimento do arranjo
político-institucional geral que resultou na intervenção do governo no
mercado cafeeiro. No caso de Minas Gerais, o maior conhecimento das
singularidades e do relativo vigor de sua cafeicultura permitiu
explicações mais aprofundadas que destacam novas articulações entre
as elites cafeeiras e outras orientações na participação mineira no
primeiro plano de valorização (VISCARDI: 2001, cap. 3).
Nossa análise vai privilegiar outros componentes que julgamos
importantes na avaliação do impacto que a intervenção brasileira teve
em Minas Gerais. Nosso padrão de comparação será principalmente o
Rio de Janeiro, não apenas pelas estreitas ligações entre suas
estruturas de exportação, mas, principalmente, por estarem ambas
fora do núcleo “hegemônico” da expansão da produção no Brasil.
Importa, assim, avaliar os efeitos da manutenção de preços
artificialmente elevados em regiões com um padrão de acumulação do
capital cafeeiro completamente diferente do caso de São Paulo, ou de
verificar o impacto do controle de preços naquelas regiões que se
colocariam como “retaguarda” do movimento pioneiro, fora do
dinamismo do processo paulista, uma lacuna ainda nos trabalhos que
lidam com a questão e com o período.
Como enfatiza a abordagem das redes de mercadorias, o
entendimento da articulação de regiões produtoras ao mercado
mundial através da comercialização de uma commodity específica
implica na consideração de suas características físicas e agronômicas,
que vão se colocar como importantes componentes para o
entendimento do comportamento deste mercado em sua longa
trajetória histórica. Suas grandes alterações de qualidade,
sensibilidade à percepção subjetiva e vida social implicaram em uma
enorme segmentação de mercado, com o comportamento da demanda
variando extremamente entre em função de distintos segmentos sociais
(SAMPER: 2003, p.126). Por outro lado, como é notoriamente sabido, o
20
Ver, entre tantos, Bacha: 1992, pp. 15-58; Neto: 1959; Holloway: 1978; Topick: 1987,
Cap. 3, Viscardi: 2001
21
Ver Mendonça: 1997 para o caso do Rio de Janeiro e Wirth: 1982 e Viscardi: 2001 para
o caso de Minas Gerais
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café é uma cultura perene, de altos custos fixos, cuja produção
demanda 5 anos para se tornar produtiva, o que desde já o torna uma
mercadoria cujos fluxos de oferta reagem muito lentamente às
variações de preço22. No médio e longo prazo esta característica
(conhecida como inelasticidade-preço de demanda) torna o
funcionamento deste mercado inerentemente instável, com grandes
defasagens entre o aumento dos preços e da produção, que quando
chega ao mercado invariavelmente ultrapassa a capacidade da
demanda e provoca, por sua vez, longos períodos de quedas dos
preços23.
Assim pensado, não deixa de ser curioso, ou mesmo
contraditório, que a “bebida do capitalismo”, inerente e protagonista
do apogeu do “laissez fair”, essencial para a disciplina e aumento de
produtividade do trabalho, tenha uma “inadaptabilidade natural”,
“orgânica”, ao funcionamento do mecanismo de mercado, em especial
em sua constituição histórica específica no período do “mercado livre”,
por definição, fundamentado na liberdade de atuação dos agentes e das
forças de oferta e demanda na determinação dos preços
(ROSEBERRY, GUDMUNDSON e KUTSCHBACH: 1995, p. 11).
Mais ainda quando lembramos que se por suas características
físicas e agronômicas o café mal se adapta ao mecanismo de mercado,
o mesmo não se aplica ao comportamento dos agentes sociais de sua
produção, que mediante qualquer estímulo de alta de preços reagem
imediatamente com a expansão da área de cultivo, seja pela ocupação
de áreas internas às fazendas ou de novas fronteiras abertas.
Desnecessário dizer que, nas condições de oferta de recursos que
possuía o país, este fato só viria agravar a instabilidade que caracteriza
o funcionamento do mercado global do café no período.
A evolução e desenvolvimento do mercado internacional para
esta mercadoria são, assim, marcados por grandes oscilações
decorrentes da própria natureza do cultivo da planta (NETO: 1956 E
BACHA: 1992). Desconsiderando as fases iniciais das origens e
consolidação deste mercado (quando houve substanciais alterações
entre as principais regiões produtoras mundiais), em torno da década
22
Ver, entre tantos, Bacha (1992); Neto (1956); Topick e Clarenth-Smith (2003);
Holloway: 1978 especialmente Cap. 2, Machione Saes: 1997.
23
“um período de preços altos estimularia a produção por vários anos até que a oferta
reagisse planamente; e, tão logo os cafezais começassem a produzir, haveria a
tendência à superprodução, pois seria necessário um longo período de preços inferiores
aos custos diretos para que os produtores decidissem abandonar seus investimentos”
Machione Saes: 1997, p. 51
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de 1840 o Brasil firma sua posição de principal produtor mundial. A
partir daí, responsável já por cerca de metade da produção do mundo,
o Brasil passava a internalizar uma parte importante dos imensos
recursos envolvidos com a comercialização do café no mercado
internacional e, portanto, a se colocar como um importante elo da
articulação produção/distribuição/consumo da rede mundial da
commodity cafeeira. Assim, boa parte dos ganhos decorrentes do
aumento dos preços que ocorre desde meados do século XIX até a
década de 1890 e do imenso crescimento da produção havia sido
realizada em condições brasileiras. A concentração da produção
mundial do café em um único país, na proporção em que ocorreu, terá
implicações óbvias na trajetória histórica e desfecho desta rede de
mercadoria no período aqui considerado.
Em outras palavras, a imensa disponibilidade de recursos, a
desigual mas efetiva solução do problema da mão de obra no pósabolição e a incompleta incapacidade dos aparelhos de estado em
controlar as decisões de ampliação de cultivo por parte dos fazendeiros
fez com que, já no fim do século XIX, se estabelecesse uma das piores
crises de superprodução que o país iria sofrer, resultante de uma
enorme defasagem (desta feita única porque sistêmica) entre o fluxo
da oferta e a evolução da demanda do produto no mercado mundial. Ao
crescimento dos preços do produto no mercado externo, somou-se uma
crise monetária e cambial no principal país produtor, ampliando mais
ainda os preços internos do produto e provocando um aumento, por
exemplo, de 264% nas exportações de café de Minas Gerais entre 1890
e 1897 (COSTA: 1978, p. 245). Se a depreciação cambial que o país
sofreu no início da década de 1890 não foi importante para região de
ocupação de fronteiras do oeste paulista (que teve no fluxo de
imigrantes um fator de depreciação salarial e ampliação dos lucros24),
ela teve um papel essencial naquelas áreas que compunham a
retaguarda do movimento de expansão, com menor fluxo de trabalho
imigrante, menor produtividade média e condições de custos
relativamente mais altas25.
A crise dos preços do café que se inicia em torno de 1896 possui
assim um significado histórico especial para aqueles interessados na
historia econômica e social do café e já foi estudada nos diversos
aspectos em que se desenvolveu e em suas conseqüências mais
24
Ver em especial Bacha: 1992, p. 26
25
Topick estima um crescimento de 15% dos lucros nas áreas de terras cansadas e de 25
a 35% nas de terras novas com o controle de preços. Ver Topick: 1987, p. 105
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importantes. Marca, como afirma um economista, a origem de todo o
problema cafeeiro que o Brasil sofreria até meados do século XX
(NETO: 1956). Para os objetivos que temos aqui basta entender que,
por seu impacto, extensão e instrumentos que foram idealizados para
seu manejo, foi se tornando paulatinamente claro que, no caso de um
produto como o café, o simples funcionamento das forças do mercado
era completamente insuficiente para uma distribuição mundial da
produção com preços razoavelmente equilibrados e que a presença da
instância regulatória do estado era imprescindível.
Neste sentido, o convênio de Taubaté, talvez, apenas tenha sido
o resultado inicial de uma série de intervenções que não deixam de
revelar a gradual consciência por parte das elites e a conseqüente
reação institucional do governo a este fato (HOLLOWAY: 1978;
TOPICK: 1987). A forma em que estas intervenções foram executadas
(basicamente através do controle do fluxo da produção e conseqüente
melhoria dos preços) reconhecidamente geraram as mesmas condições
que justificaram sua implementação e esta “profecia auto-realizável”,
uma vez que foram todas bem sucedidas, fornecem uma perspectiva
para a transformação paulatina dos programas de valorização em
políticas de confronto do país com outros grupos sociais e setoriais (em
geral estrangeiros) conflitantes na distribuição dos ganhos da rede
mundial cafeeira do período26.
A valorização de 1906 foi, assim, um marco indelével na
evolução da cadeia de mercadoria do café que se estruturou entre
meados do século XIX e o início do século XX27. A partir dela alterou-se
significativamente as condições do comércio internacional, dando
início a um outro período na evolução geral do mercado para a
commodity cafeeira. A partir de então, na iminência de um
desequilíbrio, os preços seriam artificialmente elevados e o impacto
destas mudanças nas distintas regiões produtoras do país alteraria em
muito o seu curso futuro. Novamente, aqui, cabe-nos destacar as
articulações e correlações existentes entre os padrões e mudanças
ocorridas entre as macroestruturas representadas pelo mercado
26
Neste sentido é importante notar a reação do governo norte americano aos planos de
valorização do café. Ver Pendergrast: 1999; Roseberry, Gudmundson e Kutschbach:
1995. p. 45
27
Topick afirma que a intervenção do governo sobre o mercado de café caracterizou o
mercado mundial mais do que qualquer outra mercadoria (Topick e Clarenth-Smith:
2003, p. 46). Rowe, economista norte-americano, também afirma em um trabalho de
1932: “O café brasileiro tem sido sujeito ao controle artificial de uma forma mais
deliberada, profunda e prolongada do que qualquer outra matéria-prima importante.”
Apud Id. id. p. 406
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internacional e as microestruturas representadas pela distribuição
espacial e regional da produção no Brasil.
Como nossa intenção é marcar as variações entre regiões que
são tomadas neste momento da análise como áreas satélites e
declinantes (Minas Gerais e Rio de Janeiro), devemos esclarecer que
se temos considerado até este momento as condições da economia
cafeeira do Rio de Janeiro genericamente como decadentes, isto se deu
pelo fato de termos abstraído as condições internas dos principais
espaços agroexportadores que temos como parâmetro. Neste momento
final da análise, cabe retomar a idéia do desenvolvimento cafeeiro em
três tempos e espaços e aplicá-lo no interior das regiões aqui em pauta.
Desta perspectiva outras realidades surgem e a decantada
“decadência” da cafeicultura fluminense pode assumir a natureza de
um processo histórico (MELO: 1993).
Trabalhos
recentes
têm
demonstrado
uma
grande
complexidade neste processo de decadência, quando percebido numa
trajetória de longo prazo, não estando ausentes a manutenção do
dinamismo econômico típico da produção cafeeira (através dos efeitos
de encadeamento) decorrente do crescimento da produção em algumas
regiões e a conseqüente dinamização das economias que lhe são
próximas. A percepção dos sistemas agroexportadores pela ótica dos
três tempos e espaços, quando aplicada em análises intra-regionais do
estado do Rio revelou a existência de terras intermediárias e mesmo de
fronteiras que implicaram em crescimento da produção nas suas
respectivas áreas de influência (MELO: 1993).
No entanto estas áreas não foram suficientes para reverter a
tendência geral de queda da produção do conjunto do estado (como
demonstram várias séries)28 e, se foram importantes para a
manutenção da estrutura comercial, financeira e portuária
especificamente vinculada ao comércio do café, não impediu a
tendência de atrofia de seu famoso “capital comercial cafeeiro”. A
manutenção de preços artificiais para o café de qualidades inferiores,
uma vez superado o impasse político de sua inclusão ao esquema de
valorização não foi suficiente para reverter o curso do complexo
cafeeiro da economia fluminense, que teve, como se sabe, na
28
“Mesmo considerando a elevação dos preços do café promovida pela retenção dos
estoques iniciada em 1909, tal benefício deve ser relativizado em se tratando de uma
área de retaguarda cafeeira, uma vez que diante de condições de produção e
produtividade tão díspares, os mesmos preços responsáveis por lucros consideráveis em
zonas consolidadas, permitiram, tão somente, a sobrevida do café no Rio de Janeiro.”
Mendonça: 1997, p. 10
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diversificação agrícola e na posição da cidade como capital e centro
portuário do país a base de uma evolução que, percebida como um
todo, esteve longe de um processo de declínio ou decadência (LEVY:
1994).
Outro é o contexto quando analisamos a evolução e distribuição
espacial da expansão cafeeira na Mata mineira. Em sua área sul, onde
se deu o início da produção na região, a posição relativa ao porto de
exportação e a conseqüente elevação dos custos dos transportes, em
que pese a existência de inúmeros produtores, fez com que a
integração produtiva da região à zona Rio só se efetivasse de fato a
partir de meados do século XIX, quando do início do processo de
melhoria do sistema de transportes. Este aspecto deve ser ressaltado
uma vez que provocou uma “defasagem” entre o ciclo geral de
produção de ambas as regiões, o suficiente para fornecer-lhes ritmos
diferenciados no processo geral de expansão da produção
agroexportadora no período, visivelmente perceptível nas séries de
produção de ambos os estados (PIRES: 1993)29. Para efeitos
ilustrativos, podemos dizer que se a produção do Rio de Janeiro atingiu
o montante de 1 milhão de arrobas ainda na década de 1830, Minas
Gerais só atinge este montante na década de 1860; em 1885 a produção
do município de Barra Mansa, isoladamente, correspondia a 85% de
toda a produção da província de Minas (PIRES: 1993, P. 106).
A percepção da instância micro, local e regional, desta cadeia global de
mercadoria quando aplicada á zona da Mata não é apenas reveladora
como também contrastante com todos os outros casos. Se sua área de
incorporação mais antiga ocorrera na forma como se deu (uma
decorrência da posição da região em relação ao pólo exportador), a
zona da Mata ainda conseguiu sustentar um processo de expansão
produtiva que estenderia por suas áreas mais ao centro e ao sul, de
incorporação relativamente recente uma vez que o fechamento da
fronteira na região só vem ocorrer no início do século XX. Se levarmos
em conta as características físicas, agronômicas e de vida útil da
planta, estas condições permitiram um ciclo geral de produção que
pode ter perpassado a crise de 1929.
Não é assim surpreendente que Minas Gerais ultrapasse o Rio
de Janeiro como segundo produtor do país já na década de 1890,
mantendo um ritmo de crescimento que acompanha o do país (PIRES:
1993). Os esquemas de valorização do preço do café encontraram em
Minas um cenário bastante diferenciado e seu impacto determinou
29
Ver em especial tabela 24 p. 97 e tabela 25, p. 99
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uma outra trajetória para a economia agroexportadora de Minas. Neste
cenário historicamente único, o controle artificial dos preços permitiu
uma espécie de “recuperação agroexportadora” que foi vital na
dinamização dos mercados locais e dos circuitos que envolviam a
constituição do complexo cafeeiro regional. A manutenção dos fluxos
de renda decorrentes das exportações cafeeiras da zona da Mata
permitiu a dinamização de toda a estrutura econômica que lhe estava
associada e garantiu a ocorrência do processo de transição capitalista
na região no que ele mantém de específico, local e regionalmente
delimitado.
Nossa proposta de entendimento da economia cafeeira de Minas
Gerais no período aqui considerado como um “complexo
agroexportador” converge completamente com algumas análises mais
recentes que valorizam a importância de uma outra perspectiva para
algumas transformações gerais presentes na economia brasileira no
período. Estas têm sido estudadas a partir de casos paradigmáticos e
supostamente tipificadores para o conjunto do país, mas, na verdade se
realizam “...em múltiplos processos e movimentos no interior da
estrutura produtiva nacional.” (MELO: 1993, p. 02) Sendo assim, são
processos que só se realizam em espaços sociais e históricos concretos,
cuja dimensão regional e local é inerente ao ponto de vista do
observador. Dessa maneira a inserção da região de produção cafeeira
de Minas ao contexto agroexportador do país, para ser entendido em
todas as suas especificidades, resultou na construção de uma economia
agroexportadora extremamente diversificada, em sua constituição
estrutural interna, a ponto de construir em torno de seus fluxos de
recursos gerados pelas exportações circuitos comerciais e financeiros
cujo funcionamento pelo mecanismo de mercado permitirá sua
realização em um mesmo espaço econômico; e um ritmo próprio, mas
dinâmico a ponto de realizar ainda em seu espaço econômico boa parte
das transformações inerentes à transição capitalista. Na configuração
que assumiu na economia cafeeira mineira a transição assumiu
características únicas.
A ausência do núcleo político de tomadas de decisões e mesmo
da infraestrutura portuária no espaço da região não devem ser
entendidos, assim, meramente como elementos que venham destituir a
região de sua devida identidade própria. Esta condição indica uma
trajetória extremamente complexa e que não é senão o resultado da
articulação micro/macro para a cadeia global da mercadoria cafeeira
quando aplicada ao universo regional. É condição que denota a posição
periférica de uma estrutura específica e dinâmica, que exatamente por
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possuir esta posição se coloca como de particular interesse para outros
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