Artigo Original Projeto de responsabilidade social do Instituto de Oncologia do Paraná: “Tabaco: uma questão de consciência” Project of social responsibility of Oncology Institute of Paraná: “Tobacco: a matter of consciousness” RESUMO Paola Andrea Galbiatti Pedruzzi1 José Clemente Linhares2 Johnny Camargo2 Gyl Henrique Albrech Ramos3 Benedito Valdecir de Oliveira2 Gianfabio Precoma4 ABSTRACT Introdução: De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o tabagismo é responsável por 30% das mortes por câncer. Contudo, o número de tabagistas está aumentando, especialmente entre os adolescentes. Curitiba é a segunda capital do Brasil em número de fumantes com idades igual ou superior a 15 anos. Objetivo: O Instituto de Oncologia do Paraná (IOP) idealizou a campanha de prevenção à adição nas escolas. Métodos: O projeto consiste em uma peça teatral educativa que aborda os males do tabaco na classe de aula, com o intuito de estimular a discussão entre alunos e professores. Conseqüentemente, as crianças e adolescentes podem desenvolver uma consciência crítica contra os males do tabaco. A peça “Tabaco: uma questão de consciência” foi apresentada em escolas públicas e privadas. No palco, um ator representa um garoto que está pensando em começar a fumar conversa com sua consciência, representada por uma atriz. Resultados: Até o momento, a peça foi apresentada em 15 escolas. Os estudantes mostraram-se interessados e motivados a debater o assunto. Atingindo o público jovem, esperamos prevenir, no futuro, inúmeras doenças relacionadas ao tabaco. Descritores: Tabagismo. Nicotina. Indústria do Tabaco. Política de Saúde. Abandono do Hábito de Fumar. Questionários. Estudantes. INTRODUÇÃO O tabaco é um problema de saúde pública. O tabagismo é fator de risco para seis das oito causas de morte no mundo, incluindo doença cardíaca isquêmica, doença cerebrovascular, infecção respiratória baixa, doença pulmonar obstrutiva crônica, tuberculose e câncer do pulmão1. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 100 milhões de mortes no século 20 foram causadas pelo tabagismo e, atualmente, ocorrem 5,4 milhões de mortes ao ano. A menos que uma ação de urgência seja tomada, em 2030, ocorrerão mais oito milhões de mortes todos os anos. Além disso, mais de 80% dessas mortes ocorrerão em países em desenvolvimento e um bilhão de mortes estimadas durante o século 211,2. O tabaco, isolado ou associado ao álcool, permanece como a maior causa de câncer, sendo responsável por aproximadamente um em cada três casos de câncer. Atualmente, há conhecimento suficiente para o desenvolvimento de ações de Introduction: According to the World Health Organization, tobacco is responsible for 30% of deaths from cancer. Even so, the number of users is increasing, especially among teenagers. Curitiba is the second Capital in Brazil in number of smokers aged 15 and over. Objective: the Institute of Oncology of Paraná idealized the prevention campaign of tobacco addiction in schools. Methods: It consists of performing an educative play about tobacco harms in the classrooms in order to stimulate the discussion about tobacco harms between students and teachers, as well as with the parents at home. Consequently, children can create a critical conscience against tobacco harms. The play “Tobacco: A question of conscience” is performed in public and private schools. On stage, a boy, represented by an actor, is thinking on starting smoking talks with his conscience, an actress. Results: Up to now, the play was performed in more than fifteen schools. The students have been quite motivated and interested in debating the subject. By reaching the young public, we hope to prevent innumerable tobacco related diseases in the future. Key words: Smoking. Nicotine. Tobacco Industry. Health Policy. Smoking Cessation. Questionnaires. Students. prevenção de uma grande proporção de cânceres. A maioria dos casos está associada a estilo de vida3. O aumento do tabagismo desde 1990 até meados de 1960 fez com que o câncer do pulmão passasse de uma doença rara para a maior causa de morte entre os tumores. Nas mulheres, o câncer do pulmão supera o câncer da mama como principal causa de morte por câncer. Entre os tumores causados pelo tabaco o câncer do pulmão é o mais importante, porém, há outras topografias de importância como a boca, esôfago, laringe, pâncreas e bexiga3. A freqüência do tabagismo no Brasil, entre 13 e 15 anos, é de aproximadamente 17,2% nos homens e 15,7% nas mulheres. Acima de 18 anos, 16,2% da população fuma; sendo 20,3% de homens e 12,8% de mulheres1. Curitiba é a segunda capital do Brasil em número de fumantes com idade de 15 ou mais. Aproximadamente 21% da população de Curitiba fumam e, entre os adolescentes, aproximadamente 40% dos meninos e mais de 50% das meninas já experimentaram o tabaco. Essa informação é do inquérito domiciliar feito pelo Instituto Nacional 1) Mestre em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo/SP, Brasil. Oncologista do Instituto de Oncologia do Paraná – Curitiba/PR, Brasil. 2) Oncologista do Instituto de Oncologia do Paraná – Curitiba/PR, Brasil. 3) Oncologista do Instituto de Oncologia do Paraná – Curitiba/PR, Brasil. Mestre em Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Curso de Pós-Graduação do Hospital Heliópolis, São Paulo/SP, Brasil. 4) Psicólogo. Consultor do Instituto de Oncologia do Paraná – Curitiba/PR, Brasil. Correspondência: Paola Andrea Galbiatti Pedruzzi, Rua Atílio Bório, 120 apt. 601 Curitiba/PR, Brasil. E-mail [email protected] Recebido em: 01/06/2008; aceito para publicação em: 08/08/2008; publicado on-line em: 15/09/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 172 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 172 -174, julho / agosto / setembro 2008 do Câncer entre 2002 e 2003, incluindo 15 capitais no Brasil4. A cessação do tabagismo é importante e, mesmo que seja conseguida em idade mais avançada, é eficaz na redução do risco de câncer. Entretanto, o risco em ex-fumantes permanece elevado em comparação ao risco de câncer dos não fumantes. Esse efeito, combinado à continuidade do tabagismo em parte da população, significa que, apesar do sucesso das campanhas de prevenção e programas de cessação do tabagismo, os tumores associados ao tabaco permanecerão um problema de saúde pública por décadas3. A maioria dos fumantes adultos inicia a adição durante a adolescência e a infância. Os alertas contra os malefícios do tabaco podem alterar a imagem do tabaco, especialmente para as crianças e adolescentes. Por esse motivo, o Instituto de Oncologia do Paraná idealizou o projeto piloto de prevenção a adição do tabaco nas escolas. O projeto consiste em uma peça teatral educativa na classe de aula. O objetivo do estudo é estimular a discussão dos malefícios do tabaco na classe de aula entre professores e professores tentando criar uma conscientização crítica. Da mesma forma, espera levar a informação para a casa dos estudantes. MÉTODOS O projeto, iniciado em janeiro de 2007, consiste em uma peça teatral educativa focada na prevenção do tabagismo nas escolas. Foi apresentada em 15 escolas públicas e privadas de Curitiba e o público-alvo são crianças acima dos 10 anos e adolescentes. No palco há dois personagens: um ator que representa um adolescente que, influenciado por um grupo de amigos, pensa em fumar e uma atriz que representa a consciência do adolescente. Como o adolescente está em fase de contestação, o tabaco representa essa rebeldia. A peça alerta contra as substâncias tóxicas do tabaco, estratégias das indústrias para conquistar novos fumantes, tabagismo passivo e formas de auxiliar as pessoas a parar de fumar. Após a peça, os estudantes são motivados a iniciar uma discussão com os professores e a preencher o questionário, que incluiu as perguntas: você já experimentou o tabaco (sim/não), você é fumante (não/sim), seus pais fumam (não/sim), o que você achou da peça teatral (regular/boa/excelente). Além disso, foi deixado um espaço em branco para eventuais anotações. RESULTADOS Até o momento, a peça foi apresentada em 15 escolas e o questionário foi preenchido por 349 estudantes. Dos estudantes que preencheram o questionário e identificaram-se quanto ao gênero, 117 (50%) eram mulheres e 117 (50%) homens. A idade variou de 8 a 15 anos e a idade média foi de 11 anos. Noventa e seis (27,5%) estudantes tinham 10 anos, 74 (21,2%) tinham 12 anos, 60 (17,2%) 13 anos, 29 (8,3%) apresentavam idade inferior a 10 anos e 17 (4,9%) tinham mais que 13 anos, enquanto 339 (97,1%) estudantes relataram que nunca experimentaram cigarro e 10 (2,9%) já o fizeram. Apenas dois (0,6%) estudantes relataram que são fumantes. Quando questionados a respeito dos pais, 271 (77,7%) relataram que não são fumantes atuais e 78 (22,3%) dos estudantes relataram que os pais são fumantes. Entre os 347 estudantes que preencheram o item relacionado à opinião quanto à qualidade da peça teatral, 258 (74,4%) relataram como excelente, 83 (23,9%) disseram que foi boa e seis (1,7%) acreditaram que foi regular. O espaço deixado para observações foi preenchido por 114 (32,7%) estudantes. Entre os 271 estudantes cujos pais não fumam, 82 (30,2%) não fizeram observações e, entre os outros 78, filhos de pais fumantes, 32 (41%) preencheram o espaço das observações. DISCUSSÃO O tabaco é a causa mais comum de doenças e mortes que podem ser evitadas. Apenas 5% da população mundial moram em países que possuem leis de controle do tabaco e promoção de ambientes livres do tabaco1,5. A OMS estabeleceu e publicou o MPOWER, um relatório que ressalta um pacote das medidas mais importantes e efetivas na política de controle do tabagismo: aumento das taxas e preços, combate e extinção da propaganda, promoção e financiamento de campanhas, proteção das pessoas contra o tabagismo passivo, alerta a população quanto aos malefícios do tabaco, auxílio a pessoas que desejam parar de fumar, monitoramento da epidemia e das políticas de prevenção. Essas medidas demonstraram ser efetivas na diminuição do uso do tabaco. Nesse relatório, há importantes tópicos. O documento alerta que mais da metade dos países não tem informações mínimas de monitoramento do tabagismo, poucos tabagistas têm ajuda para cessar o hábito e tratamento e apenas poucos países apresentam pacotes e medidas de alerta1. O controle efetivo do tabaco necessita de múltiplas estratégias que ainda não foram implantadas em sua totalidade na maioria dos países2. Aproximadamente metade das crianças do mundo mora em países que não proíbem a distribuição indiscriminada de produtos derivados do tabaco1. Apesar dos 22 milhões de tabagistas existentes do Brasil, o tabagismo tem diminuído nos últimos 15 anos 5 . Aproximadamente 80% dos tabagistas adultos começaram a fumar antes dos 18 anos de idade. Da mesma forma, o tabagismo entre os adolescentes está aumentando em todo o mundo, principalmente entre as meninas e nos países em desenvolvimento. Estima-se que, nos Estados Unidos, três milhões de adolescentes fumem com 3000 novos fumantes adolescentes a cada dia e que, destes, aproximadamente um terço morrerá prematuramente e doenças tabaco relacionadas de acordo com a Sociedade Americana de Câncer6. A estimativa do número de mortes causadas pelo tabaco, para o ano de 2020, é duas vezes maior que a atual, passando de cinco para 10 milhões, podendo ser ainda maior devido ao aumento do tabagismo em crianças7. As maiores taxas de tabagismo nos homens adultos estão em países da Ásia, sendo de 67% na China, 65% na Coréia e 53% no Japão. Há outros países com taxas elevadas como exemplo a Rússia (63%) e o México (51%). Em quase todas as nações, as mulheres fumam menos que os homens. Os Estados Unidos estão entre os países com as mais altas taxas de tabagismo entre as mulheres7. Houve aumento da prevalência do tabagis7 mo, entre os 18 e 24 anos, de 23% em 1991 para 27% em 2007 . As influências sociais são as maiores determinantes do uso do tabaco entre os jovens e a prevenção apresenta eficácia maior se abordar essas influências sociais8. Segundo a Sociedade Americana de Câncer, quanto mais cedo o indivíduo começar a fumar, mais suscetível está à adição à nicotina, maior o risco de desenvolver doenças e mais difícil será parar. Pouco se conhece a respeito das tendências do tabagismo nos adolescentes. O aumento das taxas no colégio parece ser conseqüência do aumento de adolescentes que fumavam em meados dos anos de 19906. Outro problema é que o tabaco pode predispor a criança e o jovem ao uso de outras drogas como o álcool, a maconha e outras drogas ilegais. Os dados da Austrália mostram que a idade do uso da primeira droga ilegal varia dos 18 aos 24 anos. As drogas inalatórias e a maconha são em geral iniciadas mais precocemente, aos 18 anos, e o uso da cocaína é mais tardia, em média aos 23 anos9. Wechsler et al. estudaram as mudanças no tabagismo em estudantes entre 1993 e 1997. Houve um aumento de 28% no tabagismo nesse período (p = 0.001) e diminuição do número de estudantes que pararam de fumar no último ano. Nesse grupo, o aumento do tabagismo não esteve associado ao uso Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 172 -174, julho / agosto / setembro 2008 173 do álcool ou da maconha. Os autores reforçaram a importância do fortalecimento das medidas de prevenção em todos os níveis da escola6. O risco para a criança é maior quando os pais fumam. No estudo aqui apresentado, apesar de 22,3% dos estudantes relatarem o tabagismo entre os pais, foi observada uma baixa prevalência de fumantes atuais entre os estudantes. Um dos fumantes do estudo é um adolescente de 12 anos, cujos pais são fumantes e o outro é uma menina, que não relatou história de tabagismo entre os pais e deixou no questionário a seguinte observação: “Parabéns, eu nunca mais vou fumar!”. Wechsler et al. relataram que os debates a respeito das políticas de combate ao fumo devem estender-se aos adolescentes e às crianças6. A maioria dos estudantes mostrou-se motivada a respeito do tema e muitos citaram o interesse em transmitir a informação aos seus familiares. A porcentagem de estudantes que deixaram alguma citação no questionário foi maior naqueles cujos pais fumavam. Possivelmente, eles estejam mais interessados em ajudar seus pais a abandonarem o vício. A prevenção primária inclui a prevenção à iniciação do hábito e o auxílio aos tabagistas a pararem de fumar e a escola é o local ideal para a realização da prevenção primária, uma vez que os próprios alunos transmitem as informações recebidas à família. CONCLUSÃO Esse estudo é um estímulo aos profissionais interessados em combater o tabaco entre crianças e adolescentes. Os dados do estudo sugerem que os estudantes apresentam motivação a participarem ativamente do projeto, através da discussão do assunto em sala de aula e disseminando as informações adquiridas em sua comunidade. Atingindo o público jovem podemos promover a prevenção primária com eficácia e baixo custo. 174 REFERÊNCIAS 1. Word Heath Organization report on the global tobacco epidemic, 2008. http://www.who.int/tobacco/mpower/en/index.html. 2. Schroeder SA. Tobacco control in the wake of the 1998 master settlement agreement. N Engl J Med. 2004;350(3):293-301. 3. Henderson BE, Ross RK, Pike MC. Toward the Primary Prevention of Cancer. Science. 2007;254:1131-8. 4. Ministério da Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Inquérito domiciliar sobre o comportamento de risco e morbidade referida de doenças e agravos e agravos nãotransmissíveis: Brasil, 15 capitais e Distrito Federal, 2002-2003. INCA, Rio de Janeiro. 2004. 5. A situação do câncer no Brasil / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância. – INCA, Rio de Janeiro. 2006. 6. Wechsler H, Rigotti NA, Gledhill-Hoyt J, Lee H. Increased levels of cigarette use among college students: a cause for national concern. JAMA. 1998;280(19):1673-8. 7. Warren CW, Jones NR, Peruga A, Chauvin J, Baptiste JP, Costa de Silva V, el Awa F, Tsouros A, Rahman K, Fishburn B, Bettcher DW, Asma S; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Global youth tobacco surveillance, 2000-2007. MMWR Surveill Summ. 2008;57(1):128. 8. Sussman S, Dent CW, Burton D, Stacy AW, Flay BR. Developing School-based Tobacco Use Prevention and Cessation Programs. National Criminal Justice Reference Service. 1995. http://www.ncjrs.gov/App/Publications/abstract.aspx?ID=159996. 9. Statistics on Drug Use in Australia 2004. Australian Institute on Health and Welfare, 2005. Drug statistics series, no.15. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 3, p. 172 -174, julho / agosto / setembro 2008