Desenvolvimento de Jogos de Computador como Atividade Terapêutica no Tratamento de Dependentes Químicos M.L. Silva, A. F. Frère, H.A.D. Oliveira Núcleo de Pesquisas Tecnológicas (NPT), Laboratório de Dispositivos Assistenciais UMC – Universidade de Mogi das Cruzes, Mogi das Cruzes, Brasil Resumo: Este artigo apresenta um método que permite que dependentes químicos em tratamento desenvolvam jogos de computador durante sessões de Terapia Ocupacional. Com este método, o paciente juntamente ao terapeuta e outros integrantes do grupo desenvolve jogos utilizando o RPG Maker, dando inicio a um processo de comunicação não verbal a seu benefício, permitindo a externalização de sentimentos e pensamentos. Os resultados obtidos mostram que esse processo auxilia o dependente químico na conscientização e confronto de seus conflitos internos e suas dificuldades de realização, possibilitando a conciliação entre o mundo ideal e real. Palavras Chaves: jogos de computador, terapia ocupacional, dependentes químicos. Abstract: This article presents a method that allows that chemical dependents in treatment develop computer games during sessions of Occupational Therapy. With this method, the patient together to the therapist and other integrant ones of the group develop games using the RPG Maker, giving beginning to a process of not verbal communication its benefit, allowing the externalização of feelings and thoughts. The gotten results show that this ancillary proceeding the chemical dependent in the awareness and confrontation of its internal conflicts and its difficulties of accomplishment, making possible the conciliation between the ideal and real world. Key-words: games of computer, occupational therapy, chemical dependents. Introdução A conscientização pelo dependente químico em relação a sua dependência pela droga é um importante problema durante e após o tratamento. Sabe-se que a ansiedade, assim como a alegria, o medo, a tristeza, são emoções naturais do ser humano, mas dependendo do nível em que esta ansiedade se encontra, poderá ser utilizada como mola propulsora de motivação, impulsionando o indivíduo a satisfazer suas necessidades e/ ou desejo. No caso dos dependentes químicos esta poderá induzi-lo inconscientemente ao consumo da droga. A terapia ocupacional tem papel significante dentro deste tratamento devendo ser uma facilitadora de situações diversas que inclui o dependente e suas ações , sendo um espaço intermediário vivido durante a realização de atividades que auxiliam o paciente a experimentar novas formas de ser e se relacionar com objetos, pessoas e consigo mesmo. Este ambiente proporcionado é um mixto entre extrema organização e atrapalhação, cabendo, desarticulações, estruturação e criação. Este espaço é chamado de “setting terapêutico”. Neste momento inicia-se um processo de comunicação não verbal através da ação. O paciente externaliza assim seus sentimentos e pensamentos, favorecendo o contato com seu mundo interno. Isto é muito importante para os dependentes químicos, pois os mesmos tendem a projetar no mundo externo os seus problemas e a atividade constitui um facilitador para este confronto. Durante este processo ocorre também a conscientização das perdas e dos recursos disponíveis, ou seja, a possibilidade de encontrar formas diferentes para se expor, possibilitando o seu confronto com recursos internos, os quais eles muitas vezes não imaginam possuir e como conseqüência facilita a reflexão sobre perdas vividas durante o processo de intoxicação. O método que apresentamos neste trabalho permite que, criando jogos computadorizados, o paciente tem a oportunidade de viver em diferentes mundos, diferentes realidades e diferentes personagens e, à partir disso passará a sublimar e viver as suas próprias fantasias, ligadas aos seus desejos mais íntimos e secretos e poderá expressálos de forma saudável e aceitável em seu meio. Esses desejos de outra forma poderiam tomar rumos perigosos e prejudiciais a si e a sociedade.O paciente/jogador acaba sendo impulsionado para novas experiências, novas relações, da mesma forma que navega por novos mundos, novas realidades e novas personalidades. Outro fator essencial no desenvolvimento desta atividade é que a mesma oferece recursos que possibilitam ao dependente o reencontro com suas capacidades de realizar projetos para sua vida e, isto é fundamental para o reajuste de papéis abandonados em função da dependência química e o planejamento de novas ações que possam ser criativas e produtivas. O objetivo desse trabalho é implementar uma ferramenta para dependentes químicos desenvolverem jogos computadorizados à distância como atividade terapêutica para a redução do nível da ansiedade, adquirindo um caráter preventivo e facilitador do tratamento. Resultados Fig 1 - tela do jogo desenvolvida durante sessão de T.O. Materiais e Métodos Para realização deste trabalho foi necessário a implementação de um guia de comandos básicos e bibliotecas para que os pacientes elaborassem facilmente jogos e histórias. Para tanto utilizamos o RPG Maker, o qual é um programa de criação de jogos de computador, de fácil acesso e que não exige experiência com programação, nem conhecimentos profundos de informática. Foi utilizado um computador PC Pentium 233 MMX com 32 MB de RAM, 04 MB de vídeo e CD ROOM de 8 x e software do RPG Maker. O RPG Maker 2003 é um programa fantástico, ele permite muitas opções: como a mudança de menus e conta com um database apurado e completo. Toda programação é feita de maneira fácil e a quantidade de eventos é suficiente para aproveitar a criatividade do paciente. Enfim, é um super programa que foi feito pela softhouse japonesa Ascii® e traduzido para o inglês. Com esse programa não é necessário ter conhecimento de linguagem de programação como Visual Basic ou qualquer outro e nem conhecimento de computação gráfica entre outras coisas, só precisa ter criatividade e montar seu jogo com os tiles (pedaços de chipsets), charas (personagens), É possível escrever diálogos, colocar a música que quiser, criar até 5000 objetos, 5000 tipos de magias e 5000 personagens diferentes, assim como definir as habilidades e as fraquezas dos atores. Em resumo, é possível programar tudo o que um jogo normal de RPG deve ter. Para facilitar a implementação do jogo foram desenvolvidas bibliotecas, onde cenários prontos foram gravados. Fig 2 – tela do jogo desenvolvida durante sessão de T.O A facilidade de criar jogos de computador foi testada com 03 dependentes químicos de drogas lícitas e ilicítas em sessões de Terapia Ocupacional durante tratamento em regime de semi internação, em hospital dia. Todos do sexo masculino e faixa etária dos 17 aos 38 anos. Para a realização dessa atividade, os grupos foram formados por afinidades, e neste caso a dependência química é a afinidade mais importante entre eles. As situações imaginadas por cada paciente, que o personagem do jogo deve enfrentar em cada cenário foram facilmente implementadas com a ferramenta, pois puderam de forma espontânea e sem receios de se serem discriminados, estigmatizados e/ou avaliados expor, estravazando suas vontades, necessidades, pensamentos e agressividades. Inicialmente os pacientes foram orientados pela terapeuta ocupacional sobre o manuseio da ferramenta e estimulados a desenvolverem situações onde o personagem principal encontra desafios relacionados à patologia apresentada pelos mesmos. Um dos jogos elaborados espontaneamente durante as sessões utilizou como tema, as trajetórias de vida de um dependente químico. O jogo contou com uma primeira fase onde o jovem/personagem aparece bebendo (drogas lícitas) com colegas de turma, e posteriormente surge a escolha de usar ou não outros tipos de drogas (ilícitas), ainda e, durante esta fase do jogo o grupo optou por implementar situações estressoras a serem vividas pelo personagem como por exemplo, situações familiares e sociais dos seus cotidianos que podem ou não estimulá-lo ao uso. Em fase posterior (fig 1), o personagem tem a opção de escolha de qual caminho quer para sua vida e, entre as opções estão: um cemitério, uma penitenciária, um manicômio e uma clínica de tratamento. Diante da escolha realizada, o personagem era orientado quanto a direção que deveria seguir para chegar ao local, sendo remetido a um cenário com características referentes ao local escolhido e submetido às conseqüências do mesmo. No caso do cemitério, fig(2), o personagem passa por várias etapas até chegar a morte e não tem opção de ganhar o jogo, pois o fim desta etapa é sempre uma tela com as palavras “game over” decoradas com gotas de sangue. Na opção do manicômio, ao entrar o jogador não consegue realizar nenhuma ação se usar a lógica, a crítica, pois é como se fosse um mundo imaginário, sem regras, onde o personagem é remetido a cenários de extremas loucuras e idéias delirantes, como falar com seres alienígenas, existência de poderes sobrenaturais, conseqüentemente também chega ao “game over”, pois pela lógica não consegue realizar as tarefas e desafios. Já no caso da penitenciária, o jogador é remetido a um cenário onde o personagem esta preso por grades e submetido a situações estressoras e, assim também chega ao “game over”. Resta ao personagem a opção pela clínica, onde o jogador tenta sobreviver à sua dependência e dar continuidade a sua história de vida. Para a realização dessa atividade, os grupos foram formados por afinidades, e neste caso a dependência química é a afinidade mais importante entre eles. Observou-se que durante a realização desta atividade o paciente/jogador deparou-se diversas vezes com questões fundamentais em seu tratamento como por exemplo: situações de risco, de limites, de experimentação de comportamentos, possibilidade de criação de hábitos saudáveis para a vida e possibilidade de elaborarem e construírem seus projetos. Percebeu-se que esta atividade não só desempenha papel na comunicação de sentimentos usando outros recursos que não a linguagem verbal, mas também possibilita que o resultado de sua atividade, produção, tenha um significado e, assim facilita a articulação do afeto e ação, do mundo subjetivo e mundo real. Durante esta atividade, o paciente/jogador que estiver descontente e não estiver disposto a expor suas fantasias e ansiedades, é logo identificado pelo grupo perturbando o jogo e o desenrolar da história. Jogar naturalmente, levará o paciente/jogador a uma comunicação mais espontânea Discussão É importante salientar que o uso da droga representa uma resposta frente a situações de conflitos e/ou sentimentos negativos e estímulos estressores. No comportamento do dependente os fatores determinantes são: a vulnerabilidade dos estressores déficit ou excessos comportamentais, história de vida e demandas sociais. O processo de recuperação da dependência é lento, doloroso e repleto de obstáculos, portanto prever e criar formas lúdicas de lidar com esses obstáculos e limites é uma das alternativas de tratamento, no contexto da Terapia Ocupacional. Além da ambientação e da integração social junto aos colegas de grupo, outro aspecto terapêutico fundamental e talvez o mais importante está na criação de seus personagens, pois nesta atividade, o paciente/ jogador descarrega todos os seus sonhos, frustrações, desejos e ansiedades. O método apresentado neste trabalho proporcionou ao paciente/jogador imaginar, criar, destruir para reconstruir, através de cenas virtuais que remetem à realidade, com personagens e situações que despertam reflexões e críticas acerca de seu cotidiano. Conclusão Através do desenvolvimento e utilização de jogos de computador pelo RPG Maker por pacientes dependentes químicos em sessões de Terapia Ocupacional é proporcionado ao paciente/jogador o caminho à sua maturação em relação a sua dependência pela droga, onde este indivíduo passa desde a dependência absoluta para a dependência relativa, almejando a busca de sua independência, reforçando assim suas capacidades, competências e a sua auto-estima sempre com a noção do “eu sou / eu faço”, pois é através de exercícios constantes da imaginação que lhes é proporcionado instrumentos poderosos na sua interação com a realidade. É após experimentar diversas fantasias, diversas realidades, várias maneiras de ser e de fazer através de inúmeras situações e experiências, o paciente estará munido de um rico repertório de ações, pensamentos, reações, emoções no enfrentamento com o mundo real. Portanto a realidade será para este paciente/jogador um universo de múltiplas possibilidades, do que é possível e do que não é possível, identificando ao mesmo a condição de sair da posição “ eu + droga” para a posição de um indivíduo com limitações, mas com possibilidades de interagir criativamente para com o mundo. Agradecimentos À FAEP (Fundação de Amparo ao Ensino e Pesquisa) pelo auxílio financeiro. Referências AMANCIO, F. “O RPG no mercado Editorial Brasileiro”. Monografia de bacharelado em Comunicação Social, Universidade de São Paulo, 1997. ANDRADE, F.M. " RPG: Fantasias e Socialização". Akritó Editora,1997. BENETTON, M.J. Trilhas associativas; ampliando recursos na clínica as psicose. São Paulo: Lemos Editora, 1991. FERREIRA, R.C. A terapia ocupacional junto ao dependente químico: “Então é possível construir algo?”. Grupo Interdisciplinar de Estudos em Alcool e Drogas – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. MAXIMINO, V.S. O atendimento em grupos de Terapia Ocupacional. Caderno de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, 1 (2):27-32, 1991. TEDESCO, S. A prática da terapia ocupacional em farmacodependência. Brincando na roda de fogo. Revista do Centro de Estudos de Terapia ocupacional, 1: 50-52, 1995.