REVISTA SBCCP - 39

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Artigo Original
Análise comparativa da incidência de câncer em
pacientes operados com e sem hipertireoidismo
Comparative analysis of cancer incidence in patients
operated with and without hyperthyroidism
Resumo
Daniel Marin Ramos 1
Renata Regina da Graça Lorencetti Mahmoud 2
Erivelto Martinho Volpi 3
Vergilius José Furtado Araújo Filho 4
Lenine Garcia Brandão 5
Abstract
Introdução: A incidência de câncer de tireoide em pacientes
operados por hipertireoidismo vem aumentando nos últimos anos.
A maioria desses casos é composta por tumores pequenos que
são achados no resultado anátomo-patológico, o que implica em
grande desafio ao cirurgião de cabeça e pescoço. Objetivo: Avaliar
a relação entre hipertireoidismo e câncer de tireoide. Método:
Estudo retrospectivo de pacientes operados em uma única
instituição entre 2004 e 2010. Foram identificados 1133 pacientes
submetidos à tireoidectomia dos quais 761 foram analisados. Os
pacientes foram divididos em 2 grupos, com e sem diagnóstico de
hipertireoidismo. Foi realizada revisão de prontuário com avaliação
de variáveis clínicas e patológicas. Realizada análise estatística
dos dados. Resultados: Do total de pacientes do estudo 8,3%
tinham diagnóstico pré-operatório de hipertireoidismo. Desses,
39,7% tinham doença de Graves, 49,2% bócio multinodular
tóxico e 11,1% doença de Plummer. A incidência de câncer foi
de 20,6% no grupo com hipertireoidismo e 38,7% no grupo sem
(p=0,024). Os pacientes com hipertireoidismo apresentaram
maior incidência de carcinoma micropapilífero (p=0,011) e
tireoidite (p=0,02), menor sensibilidade para detecção de doença
maligna na punção biópsia (50%) e congelação (25%). A maioria
dos pacientes foi submetido à tireoidectomia total, à exceção
dos pacientes com doença de Plummer (p<0,01). Conclusão:
Em nossa casuística os pacientes com hipertireoidismo
operados apresentaram incidência de malignidade menor
que a de pacientes sem hipertireoidismo, sendo acometidos
preferencialmente por microcarcinomas. Em grande parte dos
casos o diagnóstico foi realizado apenas no anátomo-patológico.
Punção biópsia e exame de congelação mostraram baixa
sensibilidade para diagnóstico de doença maligna nesse grupo.
Introduction: The incidence of thyroid cancer in patients
surgically treated for hyperthyroidism has increased in recent
years. Most of these cases are composed of small tumors
that are found only in the pathological analyze, which implies
a big challenge for the head and neck surgeon. Objective: To
evaluate the relationship between hyperthyroidism and thyroid
cancer. Method: A retrospective study of patients operated in
a single institution between 2004 and 2010. We identified 1133
patients underwent thyroidectomy of whom 761 cases were
analyzed. Patients were divided into two groups, with and without
diagnosis of hyperthyroidism. Chart review was performed with
assessment of clinical and pathological variables. Statistical
analysis of data was performed. Results: Among the patients
studied, 8.3% had diagnosis of hyperthyroidism. Of these,
39.7% had Graves’ disease, 49,2% toxic multinodular goiter
and 11.1% Plummer’s disease. The incidence of cancer was
20.6% in patients with hyperthyroidism and 38.7% in patients
without (p=0.024). Patients with hyperthyroidism showed higher
incidence of papillary thyroid microcarcinoma (p=0.011) and
thyroiditis (p=0.02), lower sensitivity for detecting malignancy
in fine needle aspiration (50%) and frozen section (25%). Most
patients underwent total thyroidectomy, except for patients with
Plummer’s disease (p<0.01). Conclusion: In our series the
patients with hyperthyroidism had lower incidence of malignancy,
and were mainly affected by papillary thyroid microcarcinoma. In
most cases diagnose was done only in pathological analyses.
Fine needle aspiration and frozen section examination showed
low sensitivity for diagnosis of malignancy in this group.
Key words: Thyroid Neoplasms; Hyperthyroidism; Thyroidectomy
Descritores: Neoplasias da Glândula Tireoide; Hipertireoidismo;
Tireoidectomia
1) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Colaborador do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
2) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Colaborador do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
3) Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Assistente do Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
4) Professor Doutor e Médico especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Livre Docente e Chefe do Grupo de Doenças Benignas da Tireoide da Disciplina e Cirurgia de Cabeça e
Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
5) Professor Doutor e Médico Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Médico Livre Docente e Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina
da USP.
Insituição: Grupo de Doenças Benignas da Glândula Tireoide da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
São Paulo / SP – Brasil.
Correspondência: Daniel Marin Ramos - Rua Afonso de Freitas, 523 - Apto. 74 - Paraíso - São Paulo / SP - Brasil - CEP 04006-052 - E-mail: [email protected]
Recebido em 16/05/2010; aceito para publicação em 14/09/2010; publicado online em 16/11/2010.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
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Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
Introdução
A incidência de câncer de tireoide tem aumentado
nos últimos 30 anos e atualmente é o sétimo mais frequente em mulheres. O carcinoma papilífero é o mais
comum, respondendo por cerca de 80% dos casos, seguido pelo carcinoma folicular, carcinoma de células de
Hurthle, carcinoma medular, carcinoma indiferenciado,
linfoma e outras neoplasias raras (carcinoma espinocelular, sarcomas, etc)1. Mas apesar do aumento na incidência houve diminuição na mortalidade nos últimos
anos (cerca de 21%), provavelmente devido ao diagnóstico mais precoce2.
Para o carcinoma bem diferenciado de tireoide (papilífero e folicular) os fatores prognósticos bem estabelecidos são idade, tamanho do tumor, grau de diferenciação,
extensão extra-tireoidiana e metástase à distância. Vários sistemas de estratificação foram desenvolvidos para
tentar predizer o risco individual de recidiva e orientar
a agressividade do tratamento (AMES, AGES, MACIS,
etc..).
O hipertireoidismo, porém, é um fator que não tem
claro seu papel no que se refere à influência na gênese
e desenvolvimento dos cânceres de tireoide, principalmente os bem diferenciados, e sua influência no comportamento da doença.
Na população em geral a incidência de câncer bem
diferenciado de tireoide é de 0.45% a 35.6%3 (achado
de autópsias). Em séries de pacientes operados por
suspeita de doença benigna da tireoide a incidência de
câncer de tireoide foi de 2% a 24%4,5,6. Já nos pacientes
operados por hipertireoidismo a incidência de câncer é
de 0,21% a 13,3%3,7, dependendo dos critérios de seleção dos pacientes e extensão do procedimento cirúrgico. Especificamente nos casos de doença de Graves a
incidência de malignidade na literatura varia de 0,3% a
16,6%8.
Esses dados sugerem que a relação entre câncer de
tireoide e hipertireoidismo não deve mais ser considerada rara. Howard Means disse em 1937 que hipertireoidismo era um seguro contra câncer de tireoide9, porém
atualmente estudos têm demonstrado que essa relação
pode sim ocorrer, e que a incidência vem aumentando,
provavelmente por maior cuidado na análise anátomopatológica3.
Parece haver 2 grupos distintos de pacientes quando analisamos casos de hipertireoidismo e carcinoma
bem diferenciado de tireoide: o primeiro grupo são os
pacientes sem nódulos palpáveis no pré-operatório, que
os estudos demonstram ter bom prognóstico10, incluído
doença de Graves11,12. Felizmente a maioria dos pacientes se enquadra nesse grupo13. O segundo grupo são os
pacientes com nódulos palpáveis, nos quais a doença
parece ser mais agressiva7,14, principalmente na doença
de Graves, com maior incidência de metástase regional,
distante e maior risco de recidiva15. Casos de carcinoma
indiferenciado também são descritos na literatura16.
O tratamento cirúrgico para o hipertireoidismo é a
162 R��������������������������������������������������������
Ramos et al.
ressecção total ou parcial do tecido tireoidiano (tireoidectomia total, parcial ou subtotal), já nos casos de
câncer de tireoide o tratamento cirúrgico mais aceito é
a tireoidectomia total com ou sem esvaziamento cervical
(alguns serviços preconizam que em casos de microcarcinoma papilífero selecionados, apenas a lobectomia
pode ser realizada). Porém por se tratar de neoplasia
de evolução lenta (na maioria dos casos), o seu estudo
é muito difícil, e não há consenso na literatura sobre o
melhor tratamento em todos os casos1,2.
O objetivo do presente estudo é avaliar a relação entre hipertireoidismo e câncer de tireoide em pacientes
submetidos à tireoidectomia.
Método
Após aprovação pela Comissão de Ética, foi feito
estudo retrospectivo de pacientes consecutivos operados em Instituição única no período de janeiro de 2004 a
março de 2010 por hipertireoidismo.
Foram identificados 1133 pacientes submetidos à tireoidectomia no período de janeiro de 2004 a março de
2010, dos quais 72 tinham diagnóstico pré-operatório de
hipertireoidismo. Desses pacientes, 9 não apresentavam
dados suficientes para análise adequada do prontuário,
sendo excluídos do estudo, restando 63 pacientes submetidos a procedimento cirúrgico por hipertireoidismo.
Dos pacientes operados e sem diagnóstico de hipertireoidismo (1061), 363 não tinham dados suficientes em
prontuário para análise adequada, restando 698 pacientes para comparação.
Hipertireoidismo foi diagnosticado com base em avaliação clínica e quantificação de hormônios tireoidianos
séricos (TSH e T4 livre) e anticorpos (Trab).
Para fins descritivos e analíticos os pacientes com
hipertireoidismo foram divididos em 3 grupos conforme
o diagnóstico: Doença de Graves (cirurgias indicadas
por intratabilidade clínica, nódulos, exoftalmo intenso
ou sintomas compressivos/mergulhante); Bócio multinodular tóxico/BMT (cirurgias indicadas por intratabilidade
clínica, sintomas compressivos/mergulhante ou nódulos
suspeitos); e Doença de Plummer.
Foram coletados dados em prontuário referentes à
idade, sexo, raça, diagnóstico, resultado de exame de
punção aspirativa por agulha fina (PAAF), tratamento
cirúrgico (data e tipo de tratamento), exame de congelação e exame anátomo-patológico (AP), e realizada análise estatística dos dados.
Resultados
Os diagnósticos/indicações do tratamento cirúrgico
nos pacientes com hipertireoidismo foram: Doença de
Graves (25 casos – 3,28%); Bócio multinodular tóxico
(31 casos – 4,07%); e doença de Plummer (7 casos –
0,91%). As indicações cirúrgicas de todos os pacientes
são vistas na Tabela 1. Importante observar que classificamos o diagnóstico dos pacientes independente do
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
resultado da PAAF, portanto pacientes com punção suspeita ou sugestiva de doença maligna foram alocados
em grupos com base na presença de nódulos e função
tireoidiana. Somente pacientes que apresentavam metástase cervical como primeiro sintoma, e aqueles portadores de neoplasia endócrina múltipla (NEM I e II), foram
classificados em grupos separados.
Dos 63 pacientes com hipertireoidismo estudados,
55 são mulheres (87,30%) e 08 são homens (12,70%),
com relação de 6,8 : 1. A análise do sexo nos diferentes
grupos com diagnóstico de hipertireoidismo é mostrada
na Tabela 2.
A idade média dos pacientes com hipertireoidismo foi
de 44,07 anos (variação de 12 a 89 anos). Nos pacientes operados por doença de Graves a idade média foi
de 41,58 anos (12 a 89 anos). Nos operados por BMT a
média de idade foi de 51,58 anos (22 a 82 anos). Já nos
operados por doença de Plummer a média foi 36 anos
(23 a 51 anos).
Dos 63 pacientes do grupo com hipertireoidismo, 42
(66,66%) eram brancos, 11 (17,46%) pardos, 7 (11,11%)
negros, 1 (1,58%) amarelo e 2 (3,17%) não tinha dados
referentes à raça no prontuário. A análise da raça nos
diferentes grupos de pacientes com hipertireoidismo é
mostrada na Tabela 3.
A extensão da cirurgia realizada nos dois grupos
(com e sem hipertireoidismo) é mostrada na Tabela 4.
No teste qui-quadrado não foi possível detectar uma
diferença de proporção significativa da presença de hi-
Ramos et al.
pertireoidismo entre as diferentes extensões de tireoidectomia (p=0,151).
Especificamente no grupo de pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo, a extensão cirúrgica nos diferentes diagnósticos (Graves, BMT e BUT) é mostrada
na Tabela 5.
O teste qui-quadrado para a relação entre diferentes diagnósticos de hipertireoidismo e extensão cirúrgica
mostra resultado com significância estatística (p<0,01) na
comparação entre extensão cirúrgica (tireoidectomia total
Tabela 1. Indicações cirúrgicas nos pacientes com e
sem hipertireoidismo.
Indicação Cirúrgica
Pacientes
Com
Hipertireoidismo Doença de Graves
25 (3,3%)
Bócio multinodular tóxico
31 (4,1%)
Plummer
7 (0,9%)
Total com hipertireoidismo
operados
63 (8,3%)
Sem
Hipertireoidismo Bócio multinodular simples
468 (6,5%)
Bócio uninodular simples
206 (27,1%)
Metástase cervical
13 (1,7%)
NEM
11 (1,4%)
Total sem hipertireoidismo
operados
698 (91,7%)
Total
761 (100%)
Tabela 2. Indicações Cirúrgicas de pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo e sexo.
Indicação Cirúrgica
Total
Mulheres
Homens
Relação
Doença de Graves
BMT
Doença de Plummer
25 (39,7%)
31 (49,2%)
7 (11,1%)
20 (80%)
28 (90,3%)
7 (100%)
5 (20%)
3 (9,7%)
0
4:1
9,33 : 1
-
Total
63 (100%)
55 (87,3%)
8 (12,7%)
6,8 : 1
Tabela 3. Diagnóstico e Raça dos pacientes operados e com hipertireoidismo.
Branco
Negro
Pardo
Amarelo
Sem dados
Total
Graves
BMT
Plummer
16 (64%)
21 (67,7%)
5 (71,4%)
1 (4%)
6 (19,3%)
0
6 (24%)
3 (9,7%)
2 (28,6%)
1 (4%)
0
0
1 (4%)
1 (3,2%)
0
25
31
7
Total
42 (66,7%)
7 (11,1%)
11 (17,5%)
1 (1,6%)
2 (3,1%)
63
Tabela 4. Extensão cirúrgica nos pacientes operados com e sem diagnóstico de hipertireoidismo.
Extensão da tireoidectomia
Sem hipertireoidismo
Com hipertireoidismo
Total
Tireoidectomia total
Tireoidectomia parcial1
Tireoidectomia com esvaziamento2
460 (65,9%)
200 (28,6%)
38 (5,4%)
49 (77,7%)
13 (20,6%)
1 (1,5%)
509
213
39
Total
698 (100%)
63 (100%)
761
Legenda: 1. Pacientes submetidos à tireoidectomia subtotal, lobectomia direita ou esquerda, nodulectomia,
biópsia de tireoide e istmectomia; 2. Esvaziamento cervical central ou lateral.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
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Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
comparada com tireoidectomia parcial) entre os grupos
com Plummer e outros diagnósticos, sendo que os pacientes com Plummer foram submetidos a procedimentos
parciais em maior proporção que os outros dois grupos.
Os demais não apresentaram variação significante.
Dos pacientes operados com diagnóstico de hipertireoidismo, 50(79,36%) tiveram resultado benigno e
13(20,63%) resultado maligno. Já nos pacientes sem
diagnóstico de hipertireoidismo 428 (61,31%) tiveram resultado benigno e 270 (38,68%) tiveram resultado maligno. O resultado da análise anátomo-patológica de todos
os pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo
é mostrado na tabela 6.
Realizada a partição do teste qui-quadrado nos dois
casos (AP benigno e maligno), observa-se diferença
com significado estatístico para os casos de Bócio e Tireoidite (AP benigno), sendo estes mais prevalentes no
grupo com hipertireoidismo (p=0,002). Porém ao comparar a soma dos pacientes com bócio e tireoidite entre os
dois grupos (com e sem hipertireoidismo) não notamos
diferença significante (p=0,225).
Ramos et al.
Para os casos malignos houve diferença significativa entre os casos de CA Papilífero (mais prevalente
nos pacientes sem hipertireoidismo) e Micropapilífero
(mais prevalente nos pacientes com hipertireoidismo,
p=0,011). Porém quando comparamos os pacientes com
AP de carcinoma papilífero e micropapilífero entre os
grupos com e sem hipertireoidismo não notamos diferença significante (p=0,532).
Quando analisamos a incidência de doença maligna
nos diferentes diagnósticos dos pacientes com hipertireoidismo notamos 16% de casos malignos nos pacientes com Graves, 29,03% nos pacientes com BMT e nenhum caso maligno nos pacientes com Plummer (gráfico
1).
Ao analisarmos os pacientes com resultado anátomo-patológico de câncer no grupo com diagnóstico de
hipertireoidismo, observamos os resultados obtidos na
Tabela 7.
O resultado de PAAF dos pacientes dos grupos com
e sem diagnóstico de hipertireoidismo são mostrados na
Tabela 8.
Tabela 5. Indicação e extensão da cirurgia no grupo de pacientes operados por
hipertireoidismo.
Graves
BMT
Plummer
Total
Tireoidectomia total
Tireoidectomia parcial1
Tireoidectomia com esvaziamento2
Extensão da tireoidectomia
21 (84%)
4 (16%)
0
28 (90,3%)
2 (6,4%)
1 (3,2%)
0
7 (100%)
0
49
13
1
Total
25 (100%)
31 (100%)
7 (100%)
63
Legenda: 1. Lobectomia direita, esquerda e tireoidectomia subtotal (2 casos no grupo
com doença de Graves). 2. Esvaziamento cervical central.
Tabela 6. Resultado da análise anátomo-patológica dos
pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo.
AP
Com Sem
hipertireoidismo hipertireoidismo Diagnóstico
Bócio
Hiperplasia
Tireoidite
Adenoma
Cisto
Normal
38 (60,3%)
3 (4,8%)
9 (14,3%)
-
-
-
353 (50,5%) 6 (0,8%) 25 (3,6%) 33 (4,7%) 1 (0,1%) 10 (1,4%) Total benigno
50 (79,4%)
428 (61,3%) p=0,010
Ca papilífero
3 (4,8%)
177 (25,3%) Ca micropapilífero 8 (12,7%)
66 (9,4%) Ca folicular
2 (3,2%)
17 (2,4%) Ca insular
-
3 (0,4%) Ca medular
-
5 (0,7%) Linfoma
-
1 (0,1%) Ca células claras
-
1 (0,1%) Total maligno
13 (20,6%)
Tabela 7. Resultado anátomo-patológico dos pacientes
com diagnóstico de hipertireoidismo e resultado de
câncer.
BMT
Graves
Peso glandular médio
109,6g
41,2g
Variação do peso
24g-410g
23g-82g
Tipo histológico Ca Papilífero
2
2
Ca Micropapilífero
5
2
Tamanho médio do tumor 1,2cm
0,5cm
Variação do tamanho
0,3cm-2,5cm
0,1cm-1,2cm
Multicentricidade Sim
2
Não
7
4
Total
9
4
270 (38,7%) p=0,024
164 R��������������������������������������������������������
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
Ramos et al.
Tabela 8. Resultado de PAAF dos pacientes com e sem diagnóstico de hipertireoidismo.
PAAF
Sem hipertireoidismo1
Com hipertireoidismo2
Total Benigno
Bócio
Tireoidite
Cisto
119 (21,5%)
2 (0,3%)
1 (0,2%)
12 (50%)
0
0
131 2 1 Total benigno
122
12
144
p=1,000
Maligno/ suspeito Ca Papilífero
101 (18,3%)
2 (8,3%)
103 p<0,001
Ca Folicular
0
2 (8,3%)
2p<0,001
Hurthle ou suspeito
24 (4,3%)
0
24
p=0,331
Total maligno/ suspeito
125
4
129
p=0,001
Indeterminado
Indeterminado
27 (4,9%)
1 (4,2%)
28 Folicular
278 (50,4%)
7 (29,2%)
285 Total indeterminado
Não realizado 305
8
313
146
39
185
p=0,532
Legenda: 1. Percentual referente ao total de pacientes sem hipertireoidismo que realizaram PAAF (552); 2. Percentual referente ao total de pacientes com hipertireoidismo que realizaram PAAF (24).
Os resultados de PAAF nos diferentes diagnósticos
dos pacientes com hipertireoidismo operados são mostrados na Tabela 9.
Ao correlacionarmos os resultados de PAAF e anátomo-patológico no grupo com hipertireoidismo obtivemos
os dados da Tabela 10.
Dos 4 pacientes com PAAF sugestivo de malignidade no grupo com hipertireoidismo, 2 tinham resultado indicando Ca folicular (1 com AP de Ca folicular e outro de
tireoidite), e 2 com resultado indicando Ca papilífero (1
com AP de Ca papilífero e outro de bócio).
O cálculo da sensibilidade, especificidade e acurácia
da PAAF para detectar resultado maligno no AP é mostrado na Tabela 11.
Quando correlacionamos o resultado do exame
intra-operatório de congelação e o resultado do anátomo-patológico dos pacientes com e sem diagnóstico de
hipertireoidismo, obtivemos os resultados mostrados na
Tabela 12.
O cálculo da sensibilidade, especificidade e acurácia
da congelação para detectar resultado maligno no AP é
mostrado na Tabela 13.
Ao avaliarmos a concordância dos exames de congelação e de punção, mostrando o mesmo diagnóstico
(benigno ou suspeito/maligno), obtivemos os resultados
mostrados na Tabela 14.
Ao analisarmos a concordância da PAAF e da congelação apontando para resultado maligno ou suspeito,
obtemos sensibilidade, especificidade e acurácia mostrados na Tabela 15.
Discussão
Em nossa casuística os pacientes submetidos à tireoidectomia com diagnóstico de hipertireoidismo corresponderam a 8,3% do total (3,9% com doença de Graves, 4,1% com BMT e 0,9% com Plummer – Tabela 1).
Tabela 9. Resultado de PAAF nos pacientes operados
com diagnóstico de hipertireoidismo estratificado pela
indicação cirúrgica.
PAAF
Bócio
Folicular
Inconclusivo
Ca folicular
Ca papilifero
Não realizado
Graves
BMT
Plummer
Total
1
4
-
1
2
17
9
2
1
1
-
18
2
1
-
-
-
4
12
7
1
2
2
39
Tabela 10. Correlação entre PAAF e anátomo-patológico
nos grupos com e sem hipertireoidismo.
Hipertireoidismo PAAF
AP
AP
Total
Benigno Maligno
Não
Suspeito/ Maligno
26
99
125
Benigno
104
18
122
Inconclusivo
189
116
305
Não realizado
109
37
146
Sim
Suspeito/ Maligno
2
2
4
Benigno
10
2
12
Inconclusivo
4
4
8
Não realizado
35
4
39
Tabela 11. Cálculo da especificidade, sensibilidade e
acurácia da PAAF em detectar resultados malignos no
AP dos grupos com e sem hipertireoidismo.
PAAF X AP maligno
Sensibilidade
Especificidade
Acurácia
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
Sem hipertireoidismo
Com
hipertireoidismo
0,846
0,800
0,822
0,500
0,833
0,750
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 165
Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
Tabela 12. Correlação entre resultado de congelação e
anátomo-patológico nos grupos com e sem hipertireoidismo.
Hipertireoidismo Congelação
AP
AP
Total
Benigno Maligno
Não
Suspeito / Maligno
4
93
97
Benigno
192
31
223
Inconclusivo
106
73
179
Não realizado
126
73
199
Sim
Suspeito / Maligno
0
1
1
Benigno
14
3
17
Inconclusivo
3
4
7
Não realizado
33
5
38
Tabela 13. Cálculo da especificidade, sensibilidade e
acurácia da congelação em detectar resultados malignos no AP dos grupos com e sem hipertireoidismo.
Congelação x AP maligno
Sem Com
hipertireoidismo hipertireoidismo
Sensibilidade
Especificidade
Acurácia
0,750
0,980
0,891
0,250
1,000
0,833
Tabela 14. Correlação entre resultado da congelação e
PAAF, e resultado anátomo-patológico, nos grupos com
e sem diagnóstico de hipertireoidismo.
Hipertireoidismo Congelação + PAAF
AP
Benigno
AP
Maligno
Não
Suspeito / Maligno
2
60
Benigno
49
3
Sim
Suspeito / Maligno
0
0
Benigno
1
0
Tabela 15. Sensibilidade, especificidade e acurácia da
congelação e PAAF quando ambos apontam para resultado anátomo-patológico maligno ou suspeito.
Estatística
Sensibilidade
Especificidade
Acurácia
Sem Com
hipertireoidismo hipertireoidismo
0,952
0,961
0,956
-*
-*
-*
Legenda: * Não foi possível realizar análise estatística neste
caso, pelo baixo número de pacientes com PAAF e congelação.
A maioria dos pacientes desse grupo é do sexo feminino
e raça branca (tabelas 2 e 3). A média de idade dos pacientes com hipertireoidismo foi de: Plummer 36 anos,
Graves 44 anos e BMT 51,5 anos.
A incidência de câncer nos pacientes com diagnóstico pré-operatório de hipertireoidismo foi de 20,6% (Ta166 R��������������������������������������������������������
Ramos et al.
bela 6), bem acima da encontrada na literatura3,7. Isso
pode ter ocorrido por viés de seleção dos pacientes, visto que nosso serviço é referencia e recebe maior fluxo
de pacientes com câncer. O fato da incidência de câncer
no grupo sem diagnóstico de hipertireoidismo (38,6%)
também ter sido maior que a relatada na literatura4,5,6,
corrobora com essa tese. Porém, esses dados também
favorecem a tendência de aumento na incidência de
câncer em pacientes com hipertireoidismo, e justificam
estudos específicos.
Em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo, os pacientes com esse diagnóstico demonstraram menor incidência de câncer (p=0,024%), o que está
de acordo com outras séries3,7.
Em contraste com a literatura, que demonstra maior
chance de malignidade em nódulos autônomos17 (principalmente quando dominantes) do que nos casos de
doença de Graves ou BMT, na nossa casuística todos os
pacientes (7) operados por doença de Plummer tiveram
resultado benigno (gráfico 1). Isso pode ter ocorrido pelo
baixo número de pacientes nesse grupo.
Em concordância com a literatura, nossos dados favorecem a maior incidência de tumores pequenos nos
pacientes com hipertireoidismo, sendo que dos 13 casos
operados com anátomo-patológico mostrando câncer,
8 (61,5%) apresentaram tumores menores que 1 cm (7
papilíferos e 1 folicular, tabelas 6 e 7). A análise estatística mostra maior incidência de micropapilífero nos
pacientes com hipertireoidismo em comparação com os
pacientes sem esse diagnóstico (p=0,011). Isso provavelmente implica em melhor prognóstico, porém impõe
grande desafio para o cirurgião que tem grande dificuldade em estabelecer o diagnóstico de câncer no pré ou
intra-operatório.
Dos pacientes com hipertireoidismo e diagnóstico
anátomo-patológico de câncer que realizaram PAAF na
avaliação pré-operatória (9), apenas 3 tiveram resultado
sugestivo ou suspeito para malignidade (33%). Em dois
casos o resultado foi benigno e em 4 casos inconclusivo
(Tabela 10). Isso demonstra a dificuldade em estabelecer o diagnóstico de câncer no pré-operatório, e está em
concordância com alguns trabalhos que mostram índices de diagnóstico incidental de até 90%18,19. Esse achado deve motivar cirurgiões a uma análise minuciosa da
glândula no intra-operatório para buscar esse diagnóstico e poder oferecer tratamento adequado no momento
da primeira intervenção.
Interessante observar que os pacientes com diagnóstico de hipertireoidismo tiveram menor incidência
de PAAF sugestivo de Ca papilífero (p<0,001), e maior
incidência de Ca folicular (p<0,001) em comparação
com pacientes operados sem esse diagnóstico (Tabela
8). Dos 2 casos desse grupo suspeitos de Ca folicular,
1 teve esse resultado no AP (50%) e dos 2 suspeitos
de Ca papilífero, também 1 teve esse resultado no AP
(50%). Esses dados também demonstram a dificuldade
do exame de PAAF em demonstrar malignidade nos pacientes com hipertireoidismo.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.39, nº 3, p. 161-168, julho / agosto / setembro 2010
Análise comparativa da incidência de câncer em pacientes operados com e sem hipertireoidismo.
A sensibilidade do PAAF em predizer AP maligno
(PAAF maligno ou suspeito) quando há diagnóstico de
hipertireoidismo foi sensivelmente menor do que nos
casos sem hipertireoidismo (50% com hipertireoidismo
contra 84% sem hipertireoidismo), e a acurácia também foi pouco menor (75% contra 82%, Tabela 11).
Isso também demonstra a dificuldade em definir malignidade no pré-operatório dos pacientes com hipertireoidismo, e pode estar relacionado com processo
inflamatório intenso (maior incidência de anátomo-patológico de tireoidite nos pacientes com hipertireoidismo – p=0,002), que dificulta tanto a identificação dos
nódulos suspeitos quanto à interpretação dos achados
citológicos.
O exame intra-operatório de congelação também demonstrou pouca capacidade de definir malignidade no
grupo com hipertireoidismo, sendo que, dos pacientes
com hipertireoidismo e resultado de câncer que realizaram esse exame (8), apenas 1 teve resultado suspeito
para malignidade (12,5%). Em três casos o resultado foi
benigno e em 4 inconclusivo (Tabela 12). A sensibilidade
para detecção de doença maligna (maligno ou suspeito)
foi menor no grupo com hipertireoidismo (25%) do que
no grupo sem hipertireoidismo (75%, Tabela 13). Esses
dados apontam para a necessidade de melhor avaliação pré-operatória (com PAAF de todos os nódulos), desenvolvimento de novas formas de avaliação citológica
(imunocitoquímica), análise com ultra-som doppler para
estratificação de risco de malignidade e avaliação clínica
adequada.
Quando tanto a PAAF quanto a congelação apontaram para resultado maligno, houve melhora da sensibilidade, especificidade e acurácia no grupo sem hipertireoidismo. Porém não foi possível a análise no grupo
com hipertireoidismo pelo baixo número de pacientes
(Tabelas 14 e 15).
Visivelmente notamos preferência pela tireoidectomia total nos dois grupos (com e sem hipertireoidismo),
à exceção dos pacientes no grupo com hipertireoidismo
e doença de Plummer que foram todos submetidos à lobectomia + istmectomia (p<0,01, Tabelas 4 e 5).
Conclusão
Em nossa casuística os pacientes com hipertireoidismo operados mostraram incidência de malignidade
menor em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo, com a maioria dos casos sendo de tumores
pequenos (menores que 1 cm).
O diagnóstico de malignidade no pré-operatório
(PAAF) e intra-operatório (congelação) é mais difícil no
grupo de pacientes com hipertireoidismo em comparação com os pacientes sem hipertireoidismo.
Ramos et al.
A extensão da cirurgia realizada não difere entre os
pacientes com e sem hipertireoidismo, com preferência
pela tireoidectomia total. Exceção são os pacientes operados por doença de Plummer que preferencialmente
foram submetidos à tireoidectomia parcial.
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