Boletim BE n.º31 de 22 out pub

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Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Boletim BE n.º31
Boletim das Bibliotecas | 31
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
José Xavier
Para saber mais sobre José Xavier:
Correia, C. (10 de novembro de 2014). Missão: Antártida. Obtido de Preguiça
Magazine: http://coimbra.preguicamagazine.com/2014/11/10/missao-antartida/
Lage, S. (20 de abril de 2012). José Xavier: “Dormir com pinguins é fácil”. Obtido
de Ciência Hoje. Jornal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo: http://
www.cienciahoje.pt/index.php?oid=53927&op=all
Teixeira, S. (11 de fevereiro de 2015). Antártida: reserva de ciência e de paz. Obtido de Notícias Magazine: http://www.noticiasmagazine.pt/2015/antartidareserva-de-ciencia-e-de-paz/?print=1
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica. Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva
Livro disponível
na Biblioteca
8
J
osé Carlos Caetano Xavier, que no dia 22 de
outubro voltará à nossa escola, é o cientista português que
mais tempo passou em investigação na Antártida.
Nascido em Azambuja, Vila
Franca de Xira, a 30 de Abril
de 1975, este biólogo marinho é doutorado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e investigador do
Instituto do Mar (IMAR) da
Universidade de Coimbra e da
British Antarctic Survey. É representante de Portugal nas reuniões do Tratado da Antártida e
em vários comités do Scientific
Committee for Antarctic Research (SCAR).
A excelência do seu trabalho
científico e de defesa ambiental
valeram-lhe o prémio internaci-
onal Martha T. Muse 2011 e o
Seeds of Science 2012.
Segundo ele, estas distinções
são o resultado de “ser um dos
cientistas portugueses que passou muito pouco tempo parado
nos últimos cinco anos”.
Desejamos, por isso, que o
seu exemplo nos anime a continuar a explorar e a conhecer.
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Ciência por paixão
Boletim BE n.º31
“Experiência Antárctica”- excertos
passo por elas… Não se ouve
literalmente nada, principalmente agora no Inverno, quando tudo começa a ficar coberto
de neve. É incrível como nos
apercebemos de pequenas coisas apenas quando notamos a
sua ausência. […]
Num destes dias, estava a
vestir-me com as normais quatro camadas de roupa para sair
da base, reparei nos fones para
ouvir música e tive a repentina
tentação de os levar. [...] Parei,
(...) e pensei um pouco. Estar
aqui no meio destes sons ao
vivo é um privilégio tão grande
que o melhor seria aproveitar.
Desde essa altura, os fones ficaram sempre na gaveta. Nunca
mais os levei para o campo…
Para mim, os sons dos animais
são música para os meus ouvidos. Os pinguins e os albatrozes
a piar, as focas a rosnar, os elefantes-marinhos a fazer ruídos
muito estranhos. Perder isto,
nem pensar!
O som da Antárctida
27 de Maio
O José Xavier tem no seu currículo sete viagens à Antártida...
Sim, desde 1997, passei mais de
dois anos e meio na região. A
maior expedição que fiz, em
O José Xavier é um biólogo ma- 2009, está documentada no
rinho. Foi sempre o seu sonho? livro Experiência Antárctica.
Eu, quando era pequeno, que- Como é que nasce uma expediria jogar futebol. Contudo, onde ção?
vivia (Azambuja) deixou de haver A Antártida, sendo o único conesse desporto e, por volta dos tinente que não pertence a ninmeus 13 anos, o sonho acabou. guém, é regida por um Tratado,
Como desde cedo adorava o assinado em 2010, que estipula
mar, em boa parte por os meus
que o seu território deve servir
pais me incutirem esse gosto,
a ciência e a paz.
enveredei pela Biologia MariAssim sendo, e porque lá estão
nha.
mais de 50 países a investigar
O que é, para si, fazer ciência? questões ambientais, todas as
Para mim, fazer ciência não é viagens são projetadas com
um ofício. É antes uma paixão e dois a três anos de antecedênum privilégio.
cia e planeadas ao dia.
José Xavier é uma referência
quando o tema é a Antártida.
Para melhor o conhecermos,
sintetizámos algumas informações que recolhemos.
2
Se na Antárctida não há árvores, como será o som do vento? Quando me recordo do som
do vento, lembro-me das árvores à frente da minha janela nos
dias de chuva do nosso Inverno
português, onde o som se passeia facilmente entre as folhas
das acácias ou entre as ramas
das oliveiras. O som é agudo,
forte e está presente, ouve-se
mesmo!
Na Antárctida, o som é bastante diferente. […] Há quase
sempre vento, uma leve brisa
ou então ventos muito fortes,
com rajadas a ultrapassar os
cem quilómetros por hora.
Mas, quando o vento pára, é
um autêntico paraíso. É nesses
dias de ausência de vento que
penso no som. É um silêncio,
como quem pode mas não quer
falar. Apenas ouço os meus
passos a trespassar a neve, ou
os sons das otárias como que
dizendo-me «Bom dia» quando
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.91-93.
7
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
“Experiência Antárctica”- excertos
recolhidas há meses. Voltei à
colónia dos pinguins e fiz uma
visita a uma parte da ilha chamada Wanderer Ridge, para
rever os albatrozes-viajantes. E
de repente era tempo para jantar… Neste lugar do mundo, o
tempo voa!
Não existe tempo perdido
em transportes (excepto o de
andar a pé entre as colónias de
animais), não há tanto tempo
de secretária (mas há ainda numerosos e-mails para ver e responder) … mas, por incrível que
possa parecer, há aqui sempre
muito trabalho. O que é diferente? Não se vê tanta gente
(somos apenas cinco pessoas
numa ilha com milhares de albatrozes, pinguins e mamíferos
marinhos), vive-se num autêntico jardim zoológico privado
com animais lindíssimos, o cinema tem lugar duas vezes por
semana e o bar tem menos de
um metro.
Um dia na vida
de um cientista polar!
19 de Maio
Como é o dia de um cientista
polar numa ilha da Antárctida
rodeado por pinguins, focas e
albatrozes? Um dia normal?
Não, nem sempre. Por exemplo, este domingo acordei bem
cedinho. Aqui trabalha-se todos
os dias, a começar por volta das
oito da manhã (é de noite até
às nove da manhã no mês de
Maio). A ciência não pode parar. Aliás, seria engraçado ver
artigos científicos com gráficos
com pontos de interrogação de
cinco em cinco dias (por os dados não terem sido recolhidos
nos fins de semana, pois claro!).
[...]Temos de estar sempre
prontos. [...]
De seguida, apressei-me a ir
à colónia de pinguins-gentoo, a
cinco minutos da base, para
fazer uma contagem antes de o
sol nascer. (…) A tarde foi passada no laboratório a ver umas
amostras da dieta de albatrozes
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.87, 88.
6
Boletim BE n.º31
Vida na Antártida
É fácil viver na Antártida?
Estar na Antártida, onde por
vezes é de dia durante 24 horas, à primeira vista pode parecer difícil, mas não é. A minha
estratégia é fechar a persiana e
obrigar-me a dormir. É uma
questão de hábito.
Também passar dias com apenas três horas de luz solar, como acontece no Inverno, não
me deprime, pois o calendário
de atividades está muito bem
planeado e há a preocupação
de conseguir obter tudo o que
se pretende da missão .
Dormir com os pinguins é igualmente fácil, porque eles acalmam durante a noite, e os albatrozes só fazem barulho quando
chega um filhote à procura da
mãe.
Assim, a maior dificuldade em
fazer ciência no continente
mais frio e seco da Terra é a
possibilidade de se ver alterado, várias vezes, o plano de investigação, devido às condições
meteorológicas.
A nível pessoal, só dói estar longe da família e dos amigos, por
exemplo no Natal e Ano Novo.
3
O que se vê na Antártida?
Eu julgava que só havia gelo,
uns pinguins e pouco mais...
Estava errado!
O que mais me impressionou
foi, na chegada à Antártida, os
icebergues. Depois foi o ecossistema a transbordar de vida,
com os albatrozes no ar, os pinguins e as focas na água. É como estar num jardim zoológico,
em que os cientistas é que estão a ser observados.
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Expedições
xes, lulas, camarões ou outros.
Por exemplo, na missão que terminou em fevereiro de 2012,
testei como duas espécies de
pinguins, uma vivendo habitualmente mais a norte e outra a
sul, estão a alterar comportamentos com as alterações climáticas. Verifiquei que a do norte
está a deslocar-se mais para sul
e a que está a sul não tem para
onde ir, pelo que ambas têm de
competir por alimento e espaço.
Faz preparação física para as
suas expedições?
Sou grande adepto de atividades
ao ar livre e exercício físico.
Mesmo quando não me preparo
para uma expedição, nado duas
vezes por semana, jogo futebol
outras duas, faço surf aos sábados e bicicleta aos domingos.
Que género de pesquisas tem
desenvolvido?
De uma forma geral, todo o trabalho que executo está relacionado com as alterações climáticas e como estas afetam o planeta. Quero perceber como é
que os animais que dependem
do mar são afetados, como lidam com isso e perceber também o que vai acontecer aos recursos marinhos, sejam eles pei-
Durante estas missões apanhou
algum susto?
Sustos há sempre. Já atravessei
a Antártida num navio com mais
de 100 metros de comprimento
que abanava como uma casca
de noz. Na verdade, na Antártida, o ambiente é quem dita as
regras. O mais valioso é a entreajuda de todos.
4
Boletim BE n.º31
“Experiência Antárctica”- excertos
Os primeiros icebergues
17 de Março
LATITUDE: 60° Sul
LONGITUDE: 48º Oeste
Vi o meu primeiro icebergue
este ano! Por mais icebergues
que eu veja na vida, nunca me
vou fartar deles… são como cornetos de chocolate num dia de
verão! Nos icebergues existe
uma magia de cores, uma elegância na sua flutuação, que
desperta em nós o desejo de
nadar até lá e pisar aquele gelo
e neve que nunca ninguém pisou […]. Já vi icebergues bem
maiores… mas este foi o primeiro deste ano. Deveria ter qualquer coisa entre os 500 metros e
um quilómetro de comprimento
e uns 30-50 metros de altura. O
sol que se tinha atrevido a passar por entre as nuvens, fez com
que houvesse nuances diferentes de brancos, que o tornaram
ainda mais belo. [...]
Na altura em que vos escrevo, já estamos a 60º sul, no meio
5
do Oceano Antárctico. Vamos
continuar mais para sul e a probabilidade de vermos mais e
maiores icebergues irá aumentar. No cruzeiro do ano passado
(que decorreu mais cedo, de Dezembro a Janeiro de 2008), o
barco nesta latitude já estava
rodeado de icebergues. Julgo
que, por estarmos no fim do verão austral, muitos dos icebergues já derreteram…
Temos muitas baleias comuns, de nome científico Balaenoptera physalus, otárias-doantárctico (Arctocephalus gazella), albatrozes (incluindo o
albatroz-viajante que vou estudar em Bird Island, e o albatrozde-cabeça-cinzenta), aos quais
tirei numerosas fotografias. De
momento, eles têm estado um
pouco distantes do navio devido
ao estado do mar, mas quando
este se acalmar, vai ser uma alegria.
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.41, 42.
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Expedições
xes, lulas, camarões ou outros.
Por exemplo, na missão que terminou em fevereiro de 2012,
testei como duas espécies de
pinguins, uma vivendo habitualmente mais a norte e outra a
sul, estão a alterar comportamentos com as alterações climáticas. Verifiquei que a do norte
está a deslocar-se mais para sul
e a que está a sul não tem para
onde ir, pelo que ambas têm de
competir por alimento e espaço.
Faz preparação física para as
suas expedições?
Sou grande adepto de atividades
ao ar livre e exercício físico.
Mesmo quando não me preparo
para uma expedição, nado duas
vezes por semana, jogo futebol
outras duas, faço surf aos sábados e bicicleta aos domingos.
Que género de pesquisas tem
desenvolvido?
De uma forma geral, todo o trabalho que executo está relacionado com as alterações climáticas e como estas afetam o planeta. Quero perceber como é
que os animais que dependem
do mar são afetados, como lidam com isso e perceber também o que vai acontecer aos recursos marinhos, sejam eles pei-
Durante estas missões apanhou
algum susto?
Sustos há sempre. Já atravessei
a Antártida num navio com mais
de 100 metros de comprimento
que abanava como uma casca
de noz. Na verdade, na Antártida, o ambiente é quem dita as
regras. O mais valioso é a entreajuda de todos.
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Boletim BE n.º31
“Experiência Antárctica”- excertos
Os primeiros icebergues
17 de Março
LATITUDE: 60° Sul
LONGITUDE: 48º Oeste
Vi o meu primeiro icebergue
este ano! Por mais icebergues
que eu veja na vida, nunca me
vou fartar deles… são como cornetos de chocolate num dia de
verão! Nos icebergues existe
uma magia de cores, uma elegância na sua flutuação, que
desperta em nós o desejo de
nadar até lá e pisar aquele gelo
e neve que nunca ninguém pisou […]. Já vi icebergues bem
maiores… mas este foi o primeiro deste ano. Deveria ter qualquer coisa entre os 500 metros e
um quilómetro de comprimento
e uns 30-50 metros de altura. O
sol que se tinha atrevido a passar por entre as nuvens, fez com
que houvesse nuances diferentes de brancos, que o tornaram
ainda mais belo. [...]
Na altura em que vos escrevo, já estamos a 60º sul, no meio
5
do Oceano Antárctico. Vamos
continuar mais para sul e a probabilidade de vermos mais e
maiores icebergues irá aumentar. No cruzeiro do ano passado
(que decorreu mais cedo, de Dezembro a Janeiro de 2008), o
barco nesta latitude já estava
rodeado de icebergues. Julgo
que, por estarmos no fim do verão austral, muitos dos icebergues já derreteram…
Temos muitas baleias comuns, de nome científico Balaenoptera physalus, otárias-doantárctico (Arctocephalus gazella), albatrozes (incluindo o
albatroz-viajante que vou estudar em Bird Island, e o albatrozde-cabeça-cinzenta), aos quais
tirei numerosas fotografias. De
momento, eles têm estado um
pouco distantes do navio devido
ao estado do mar, mas quando
este se acalmar, vai ser uma alegria.
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.41, 42.
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
“Experiência Antárctica”- excertos
recolhidas há meses. Voltei à
colónia dos pinguins e fiz uma
visita a uma parte da ilha chamada Wanderer Ridge, para
rever os albatrozes-viajantes. E
de repente era tempo para jantar… Neste lugar do mundo, o
tempo voa!
Não existe tempo perdido
em transportes (excepto o de
andar a pé entre as colónias de
animais), não há tanto tempo
de secretária (mas há ainda numerosos e-mails para ver e responder) … mas, por incrível que
possa parecer, há aqui sempre
muito trabalho. O que é diferente? Não se vê tanta gente
(somos apenas cinco pessoas
numa ilha com milhares de albatrozes, pinguins e mamíferos
marinhos), vive-se num autêntico jardim zoológico privado
com animais lindíssimos, o cinema tem lugar duas vezes por
semana e o bar tem menos de
um metro.
Um dia na vida
de um cientista polar!
19 de Maio
Como é o dia de um cientista
polar numa ilha da Antárctida
rodeado por pinguins, focas e
albatrozes? Um dia normal?
Não, nem sempre. Por exemplo, este domingo acordei bem
cedinho. Aqui trabalha-se todos
os dias, a começar por volta das
oito da manhã (é de noite até
às nove da manhã no mês de
Maio). A ciência não pode parar. Aliás, seria engraçado ver
artigos científicos com gráficos
com pontos de interrogação de
cinco em cinco dias (por os dados não terem sido recolhidos
nos fins de semana, pois claro!).
[...]Temos de estar sempre
prontos. [...]
De seguida, apressei-me a ir
à colónia de pinguins-gentoo, a
cinco minutos da base, para
fazer uma contagem antes de o
sol nascer. (…) A tarde foi passada no laboratório a ver umas
amostras da dieta de albatrozes
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.87, 88.
6
Boletim BE n.º31
Vida na Antártida
É fácil viver na Antártida?
Estar na Antártida, onde por
vezes é de dia durante 24 horas, à primeira vista pode parecer difícil, mas não é. A minha
estratégia é fechar a persiana e
obrigar-me a dormir. É uma
questão de hábito.
Também passar dias com apenas três horas de luz solar, como acontece no Inverno, não
me deprime, pois o calendário
de atividades está muito bem
planeado e há a preocupação
de conseguir obter tudo o que
se pretende da missão .
Dormir com os pinguins é igualmente fácil, porque eles acalmam durante a noite, e os albatrozes só fazem barulho quando
chega um filhote à procura da
mãe.
Assim, a maior dificuldade em
fazer ciência no continente
mais frio e seco da Terra é a
possibilidade de se ver alterado, várias vezes, o plano de investigação, devido às condições
meteorológicas.
A nível pessoal, só dói estar longe da família e dos amigos, por
exemplo no Natal e Ano Novo.
3
O que se vê na Antártida?
Eu julgava que só havia gelo,
uns pinguins e pouco mais...
Estava errado!
O que mais me impressionou
foi, na chegada à Antártida, os
icebergues. Depois foi o ecossistema a transbordar de vida,
com os albatrozes no ar, os pinguins e as focas na água. É como estar num jardim zoológico,
em que os cientistas é que estão a ser observados.
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Ciência por paixão
Boletim BE n.º31
“Experiência Antárctica”- excertos
passo por elas… Não se ouve
literalmente nada, principalmente agora no Inverno, quando tudo começa a ficar coberto
de neve. É incrível como nos
apercebemos de pequenas coisas apenas quando notamos a
sua ausência. […]
Num destes dias, estava a
vestir-me com as normais quatro camadas de roupa para sair
da base, reparei nos fones para
ouvir música e tive a repentina
tentação de os levar. [...] Parei,
(...) e pensei um pouco. Estar
aqui no meio destes sons ao
vivo é um privilégio tão grande
que o melhor seria aproveitar.
Desde essa altura, os fones ficaram sempre na gaveta. Nunca
mais os levei para o campo…
Para mim, os sons dos animais
são música para os meus ouvidos. Os pinguins e os albatrozes
a piar, as focas a rosnar, os elefantes-marinhos a fazer ruídos
muito estranhos. Perder isto,
nem pensar!
O som da Antárctida
27 de Maio
O José Xavier tem no seu currículo sete viagens à Antártida...
Sim, desde 1997, passei mais de
dois anos e meio na região. A
maior expedição que fiz, em
O José Xavier é um biólogo ma- 2009, está documentada no
rinho. Foi sempre o seu sonho? livro Experiência Antárctica.
Eu, quando era pequeno, que- Como é que nasce uma expediria jogar futebol. Contudo, onde ção?
vivia (Azambuja) deixou de haver A Antártida, sendo o único conesse desporto e, por volta dos tinente que não pertence a ninmeus 13 anos, o sonho acabou. guém, é regida por um Tratado,
Como desde cedo adorava o assinado em 2010, que estipula
mar, em boa parte por os meus
que o seu território deve servir
pais me incutirem esse gosto,
a ciência e a paz.
enveredei pela Biologia MariAssim sendo, e porque lá estão
nha.
mais de 50 países a investigar
O que é, para si, fazer ciência? questões ambientais, todas as
Para mim, fazer ciência não é viagens são projetadas com
um ofício. É antes uma paixão e dois a três anos de antecedênum privilégio.
cia e planeadas ao dia.
José Xavier é uma referência
quando o tema é a Antártida.
Para melhor o conhecermos,
sintetizámos algumas informações que recolhemos.
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Se na Antárctida não há árvores, como será o som do vento? Quando me recordo do som
do vento, lembro-me das árvores à frente da minha janela nos
dias de chuva do nosso Inverno
português, onde o som se passeia facilmente entre as folhas
das acácias ou entre as ramas
das oliveiras. O som é agudo,
forte e está presente, ouve-se
mesmo!
Na Antárctida, o som é bastante diferente. […] Há quase
sempre vento, uma leve brisa
ou então ventos muito fortes,
com rajadas a ultrapassar os
cem quilómetros por hora.
Mas, quando o vento pára, é
um autêntico paraíso. É nesses
dias de ausência de vento que
penso no som. É um silêncio,
como quem pode mas não quer
falar. Apenas ouço os meus
passos a trespassar a neve, ou
os sons das otárias como que
dizendo-me «Bom dia» quando
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica.
Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva, pp.91-93.
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Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
Boletim BE n.º31
Boletim das Bibliotecas | 31
Bibliotecas Escolares de Mira, outubro de 2015
José Xavier
Para saber mais sobre José Xavier:
Correia, C. (10 de novembro de 2014). Missão: Antártida. Obtido de Preguiça
Magazine: http://coimbra.preguicamagazine.com/2014/11/10/missao-antartida/
Lage, S. (20 de abril de 2012). José Xavier: “Dormir com pinguins é fácil”. Obtido
de Ciência Hoje. Jornal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo: http://
www.cienciahoje.pt/index.php?oid=53927&op=all
Teixeira, S. (11 de fevereiro de 2015). Antártida: reserva de ciência e de paz. Obtido de Notícias Magazine: http://www.noticiasmagazine.pt/2015/antartidareserva-de-ciencia-e-de-paz/?print=1
Xavier, J. (2014). Experiência Antárctica. Relatos de um Cientista Polar Português.
Lisboa: Gradiva
Livro disponível
na Biblioteca
8
J
osé Carlos Caetano Xavier, que no dia 22 de
outubro voltará à nossa escola, é o cientista português que
mais tempo passou em investigação na Antártida.
Nascido em Azambuja, Vila
Franca de Xira, a 30 de Abril
de 1975, este biólogo marinho é doutorado pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e investigador do
Instituto do Mar (IMAR) da
Universidade de Coimbra e da
British Antarctic Survey. É representante de Portugal nas reuniões do Tratado da Antártida e
em vários comités do Scientific
Committee for Antarctic Research (SCAR).
A excelência do seu trabalho
científico e de defesa ambiental
valeram-lhe o prémio internaci-
onal Martha T. Muse 2011 e o
Seeds of Science 2012.
Segundo ele, estas distinções
são o resultado de “ser um dos
cientistas portugueses que passou muito pouco tempo parado
nos últimos cinco anos”.
Desejamos, por isso, que o
seu exemplo nos anime a continuar a explorar e a conhecer.
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