entrevista Por Taciana Chiquetti Viver Bem em Revista: Quais as principais queixas das pessoas, atualmente, relacionadas à sexualidade? Maria Del Mar: Os casais reclamam de falta de ritmo, de libido, falta de prazer e de orgasmo, dificuldade de encontrar parceiros em nível de erotismo, mas principalmente há desencontros de satisfação e de diálogo. As pessoas pensam que falam muito sobre sexualidade, mas, realmente, não falam. VB: Há ainda muito desconhecimento? Sexualidade: o prazer de estar vivo A psicoterapeuta corporal e diretora da Escola de Psicoterapia Somática em Biossíntese, na Espanha e Portugal, Maria Del Mar Cervantes, esteve, recentemente, em Natal, realizando um workshop sobre os distúrbios da sexualidade na sociedade contemporânea. Ela faz a ponte aérea Brasil-Portugal frequentemente, levando a chamada “terapia do futuro” – a Biossíntese - para quem estiver aberto a recebê-la. O tema “sexualidade” continua mais atual do que nunca e - por incrível que pareça - muito pouco explorado. Dúvidas em relação aos relacionamentos, impotência sexual, dificul- 32 . em Revista . DEZ 2014 / JAN 2015 dade de se atingir o orgasmo, perversões, traumas sexuais, ponto G e também a recuperação da libido são recorrentes em sua prática clínica. Considerada internacionalmente como forma de desenvolvimento profundo, a Biossíntese, que significa “integração de vida”, oferece muitas respostas para uma real consciência da capacidade humana de autorregulação e de interação com tudo o que nos rodeia. Maria Del Mar compartilha algumas delas com a Viver Bem em Revista, proporcionando novos ângulos de visão sobre a sexualidade plena. MDM: A sexualidade não envolve somente ter orgasmo, envolve o corpo todo, o erotismo, o contato com todos os sentidos, o prazer de estar vivo, a própria satisfação de saborear tudo o que a vida tem para oferecer. Tudo isso vai nos fazendo seres mais espontâneos e capazes de falar sobre esse assunto e de viver também a sexualidade plena. Portanto, a repressão, ainda na infância, cria camadas e camadas de resistências, deixando as pessoas na superficialidade, apenas na sexualidade genital. O desenvolvimento de nossa sexualidade envolve muitos aspectos: nossas crenças, nossa própria história, formas e posturas, nossa forma de amar. VB: O que seria então a sexualidade plena? MDM: Ter bom contato com seu ser erótico, isto é, apaixonado pela vida, pelas coisas simples, pela satisfação dos sentidos, por expressar o que se sente, por ter uma consciência mais expandida, por ter bom contato com a compaixão, por adorar tudo que a vida oferece. Alguém que conhece bem seu corpo, sabe tocar, conhece bem o corpo do companheiro (a) não tem medo de dizer que tem vontade de fazer amor, procura saudavelmente o outro, não tem medo de explorar e ser criativo, procura e pesquisa novas formas de encontrar encantamento e, sobretudo, sabe dialogar – uma das coisas mais simples que envolvem a relação a dois – também tem uma sexualidade plena. Por ser tão natural e espontânea, essa pessoa com sexualidade plena é sedutora sem fazer nada específico, sem se produzir demasiadamente. A luz que emana pela satisfação pela vida é suficientemente sedutora. VB: Em que momento da vida a sexualidade de alguém pode ficar comprometida? MDM: Na Biossíntese, acreditamos que o ser humano começa, desde a vida intrauterina, a receber estímulos agradáveis e desagradáveis. Na primeira infância, a descoberta e a curiosidade da criança sobre o corpo, a masturbação e a família dizendo “não se toque” pode ser prejudicial. Desta forma, começa haver uma repressão e a criança passa a associar sexualidade com algo perigoso, sujo. Assim, se chega a uma adolescência desesperada em que há mais vontade de se fazer o ilícito, o escondido e sem informações. Então, se constrói um ser que anda desesperado por saber se o amor e a sexualidade podem estar juntos, se pode ou não pode fazer isto ou aquilo. São pessoas que têm somente o coito em si ou pouco mais do que isso, sem acesso a uma sexualidade mais abrangente. VB: Como podemos aumentar nossa capacidade de excitação? MDM: Quando estamos com um bom contato conosco mesmo e, ao mesmo tempo e consequentemente, com o outro e com o mundo, é possível se auto-observar, se autorregular e, portanto, não se ter medo de sentir. Assim, se começa a perceber quais são seus próprios recursos. Experimentando as coisas livremente e percebendo que não há locais “cegos” dentro de si, locais escuros os quais não se quer visitar, a pessoa vai perdendo o medo de sentir. Desta maneira, procuramos também encontrar outra polaridade em nós, porque uma pessoa com medo de sentir medo ou com medo de sentir tristeza, por exemplo, também fica com menos capacidade de sentir a alegria, polaridade oposta. Portanto, quando nós não temos medo de sentir nem alegria e nem tristeza, quando percebemos nossos recursos, quando nos permitimos, nos dedicamos a sentir as coisas boas e também as não tão boas, passamos a ter curiosidade sobre a vida, a explorá-la, a expressar-nos e a ter curiosidade sobre a vida, mesmo quando há dor. VB: Como equilibrar o “eu” e o “tu” para acontecer o “nós” de maneira saudável? MDM: Há muitos casais completamente co-dependentes e tudo da individualidade de cada um parece “ameaçar a relação”. Mas o casal saudável é aquele em que cada um tem suas crenças, seu espaço, suas vivências, cuida delas, as levam para o “nós” e as partilham com amor. Passa então a acontecer uma parceria, um “nós” saudável que não é fechado, que está em evolução. A relação a dois não é um local para se descansar ou para se abandonar, mas para evoluir, para pulsar juntos. Há casais que só têm o “nós”, perdem o indivíduo e sentem que não há nada único e saudável neles. E há aqueles que estão tão separados, com tanto medo do “nós”, que ficam distantes entre si. Portanto, o saudável é encontrar onde fica o meu espaço, onde partilho as minhas coisas com o outro, onde está o espaço do outro e onde nós caminhamos juntos, mas sem nos atrapalharmos. “O desenvolvimento de nossa sexualidade envolve muitos aspectos: nossas crenças, nossa própria história, formas e posturas, nossa forma de amar” DEZ 2014 / JAN 2015 . em Revista . 33