Lean nos serviços de saúde: um estudo de caso em uma rede de hospitais de São Paulo Denise Rauta Buiar (UTFPR) [email protected] Vanessa da Silva Couto (UTFPR) [email protected] Resumo: Desde sua criação e implantação, pela Toyota, o sistema lean tem sido disseminado e adaptado às mais diversas culturas e setores econômicos, pelo mundo afora. Há pouco tempo, este sistema tem sido aplicado no setor de saúde, especificamente nos hospitais. O sistema lean healthcare, como é chamado, tem como foco principal a identificação do valor para o paciente, eliminação dos desperdícios e minimização do tempo de tratamento com segurança. Neste contexto, o presente estudo analisa os resultados obtidos pela implantação do sistema lean no setor de saúde, por meio de um estudo de caso realizado em uma rede de hospitais do estado de São Paulo. Os problemas de saúde no Brasil são muito graves. De um lado, tem-se o envelhecimento da população, que por sua vez exige mais investimentos em saúde e, por outro, tem-se parcos recursos e má gestão do sistema. A implantação do sistema lean healthcare ainda é muito recente no país. Porém, os resultados alcançados têm sido surpreendentes, tanto do ponto de vista da redução do tempo e dos custos dos serviços prestados, bem como do aumento da satisfação do paciente, que é o cliente. Palavras chave: Produção enxuta, lean healthcare, hospital. Lean in healthcare: a case study on a network of São Paulo hospitals Abstract The lean system, since its creation and implementation by Toyota, was disseminated and adapted to different cultures and economic sectors worldwide. Not long ago, this system has been applied in the health sector, especially in hospitals. The lean healthcare system, as it is called, focuses mainly on the identification of value for the patient, waste elimination and reduction of treatment time with safety. In this context, the present study analyzes the results obtained by the implementation of lean system in the health sector, through a case study on a network of hospitals in the state of São Paulo. Health problems in Brazil are very serious. On one hand, there is an aging population, which requires more investment in health and, on another hand, there are scarce resources and poor system management. The implementation of lean healthcare is really recent in Brasil. However, the results achieved have been surprising, not only from the perspective of time and cost reduction of the services provided but also considering the increase of customer satisfaction. Key-words: Lean Production, lean healthcare, hospital. 1 Introdução A falta de recursos destinados à saúde é um problema grave nos países subdesenvolvidos e até em muitos países desenvolvidos. Os governos apontam para os índices de maior longevidade da população e de queda acentuada das taxas de natalidade. Para Kalache (2015), na década de 50, as pessoas com mais de 80 anos somavam, no mundo inteiro, 14 milhões. Em 2050, um século depois, serão 386 milhões, um aumento de quase 30 vezes. É uma sociedade em que a longevidade se torna regra. E, por outro lado, a taxa de fecundidade caiu vertiginosamente. Em 1975, o número médio de filhos que uma mulher brasileira tinha era 5,8 e hoje é de 1,7. São menos filhos que pais. O Brasil já está abaixo da reposição há quase dez anos. Com esse número cada vez menor de crianças, a pirâmide se transforma, tem-se cada vez mais velhos e menos jovens. Para Médici (2015), os gastos com a saúde formam a letra jota. No início da vida, as despesas são maiores pelos cuidados que as crianças exigem; depois dos primeiros anos e durante a juventude, são menores; no caminho da maturidade, voltam a subir; e na velhice escalam. Para o autor, o Brasil começou a subir o jota e o país ainda não sabe como financiar uma saúde de qualidade. Não é por falta de recursos que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem falhado em seus compromissos de garantir uma atenção médica de qualidade aos mais pobres, em todo o território nacional, mas sim, por não colocar a equidade e a eficiência no topo de suas prioridades (MÉDICI, 2015). Para Negreiros (2009), os serviços prestados nos hospitais públicos estão a cada dia mais ineficientes, o que acaba colocando em evidencia como a gestão é mal conduzida, esquecendo que o cliente (paciente) tem que estar em primeiro lugar. Um estudo desenvolvido pela Datafolha (2014) em parceria com o Conselho Federal de Medicina, mostra que 93% dos eleitores brasileiros consideram o serviço de saúde do país, tanto público quanto privado, como péssimo, ruim ou regular. Entre os usuários do SUS, a taxa de insatisfação é de 87%. Ao todo, foram entrevistadas 2.418 pessoas maiores de 16 anos e moradoras de regiões de todo o país. Mais da metade desses entrevistados considera que conseguir um serviço na rede pública de saúde é difícil ou muito difícil, principalmente no caso de cirurgias e procedimentos específicos, como hemodiálise e quimioterapia. Ainda segundo a pesquisa, uma das principais queixas em relação ao SUS é o tempo que leva para o usuário ser atendido. Segundo o estudo, 30% dos entrevistados estão na fila de espera da rede pública de saúde ou possuem algum familiar nessa situação. Das pessoas que aguardam atendimento, 29% esperam há pelo menos seis meses, sendo que metade delas está na fila há mais de um ano. Apenas 20% afirmam ter conseguido o serviço em menos de um mês após o pedido de consulta, exame ou cirurgia. Neste contexto de falta de recursos e ineficiência do sistema de saúde brasileiro é que este estudo se insere. O objetivo desta pesquisa concentra-se na análise dos resultados advindos da implantação do sistema de Produção Enxuta (lean) em hospitais, por meio de um estudo de caso em um dos mais importantes centros médicos do país, localizado em São Paulo. 2 Revisão Bibliográfica 2.1 Sistema de Saúde no Brasil Atualmente no Brasil, são oferecidos três tipos de serviços médicos-hospitalares. Os financiados pelo SUS (hospitais públicos), os serviços financiados pelos grupos de plano de saúde e o setor privado. O serviço público exerce uma função fundamental na manutenção da eficácia do sistema. Para Roeder (2008), o Estado tem a seu encargo sustentar o sistema, por várias razões, sendo que a principal, reside na garantia constitucional ao atendimento digno à saúde. Entretanto, o que se vivencia nos últimos anos, são problemas de toda a ordem na assistência à população, que são atendidos pelo serviço médico-hospitalar, na saúde pública. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o responsável pela integralidade das ações de saúde no serviço público no Brasil. Conforme Negreiros (2009), como o SUS não dispõe de uma estrutura para suprir o atendimento à população, utiliza-se da rede privada para complementar, o que é perfeitamente lícito e constitucional. O que se encontra na realidade da grande maioria dos hospitais públicos no Brasil, são corredores ladeados de doentes em macas e cadeiras, sem um leito digno para receber seu tratamento. A esse respeito, Martins e Vieira (2013) atestam que o problema não é a falta de médicos em si, e sim a distribuição deles pelo território. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo têm uma proporção de médicos acima da média de países ricos. A carência verificada no interior e nas periferias, deve-se às precárias condições de trabalho, à impossibilidade de atualização profissional, à ausência de um plano de carreira no serviço público e à falta de incentivos para atrair e fixar médicos. A partir da Constituição de 1988, o Brasil universalizou o acesso à saude, mas nunca resolveu os impasses sobre o custeio do SUS. Segundo Martins e Vieira (2013), o Senado Federal aprovou a regulamentação da Emenda 29 em 2011, que determina os gastos com saúde nos três níveis de governo, mas a bancada governista à epoca, evitou que o texto final obrigasse a União a investir 10% de sua receita na área. Contudo, esta questão do custeio também se torna um dos gargalos da saúde no Brasil. Para Leitão (2015), a saúde no Brasil é financiada por repasses da União, mais 12% da receita dos estados e 15% das receitas dos municípios. Estados e municípios mais ricos têm um volume maior de dinheiro para investir no setor. Médici (2015) exemplifica: Brasília tem um gasto em torno de US$ 450 per capita por ano e Alagoas, de US$ 150. O SUS de alguns estados funciona muito melhor que o de outros. A autora reconhece que o SUS foi um avanço, mas o Brasil não tem um sistema unificado no sentido que se imagina: universal e igualitário. Não existe um SUS, existem 27 SUS explica Médici (2015). Ainda para Leitão (2015) a saída para o Brasil seria a formação de uma espécie de consórcio de municípios que, juntos, cobrissem uma população de cerca de 200.000 habitantes. Do ponto de vista da tecnologia médica, o Brasil tem ilhas de excelência. Inúmeros profissionais estão no topo em muitas especialidades. O grande problema é de gestão, que tem raízes na forma como se deu a separação entre público e privado. Não é com a lógica financeira que o país vai economizar na saúde. Será possível economizar recursos se o sistema for eficiente (LEITÃO, 2015). Alguns dos países mais desenvolvidos do mundo passaram por reformas recentes em seus sistemas de saúde, prezando sempre pela qualidade dos serviços e também na redução de custos na operação, de acordo com Brasil Econômico (2015). Isso foi feito de olho no futuro, buscando sustentabilidade e acessibilidade a todos. Esses países souberam interpretar um movimento mundial: envelhecimento da população, aumento dos custos com saúde, implementação de novas tecnologias e maior expectativa de vida. De acordo com os dados do jornal O Estado de São Paulo publicado em 26 de junho de 2015, o governo brasileiro investe 4,7% do PIB em saúde, índice muito inferior aos gastos de Canadá, França, Suíça e Reino Unido, onde os porcentuais de investimento variam de 7,6% a 9,0%. O gasto total do país per capita com saúde, contando investimentos públicos e privados, também está bem abaixo da média dos países desenvolvidos. Na Suíça, por exemplo, esse valor chega a U$ 9,276, enquanto o Brasil investe U$ 1,083 por habitante na área da saúde. 2.2. Lean Manufacturing aplicado à gestão hospitalar (Lean Healthcare) O Lean Manufacturing é uma ferramenta que pode ser adotada em qualquer organização. Baseada no Sistema Toyota de Produção e conhecida como uma filosofia que apresenta vantagens internas e externas, nas mais variadas organizações, por buscar soluções simples e de baixo custo. Para se obter sucesso na implantação do lean, tanto operacional como administrativo, faz-se necessário o total comprometimento de todos os colaboradores, buscando assim uma aproximação com as ferramentas de gestão e conduta (LOPES, 2008). Conforme Ferro (2008), lean é uma estratégia de negócios para aumentar a satisfação dos clientes através da melhor utilização dos recursos. A gestão lean procura fornecer, consistentemente, valor aos clientes com os custos mais baixos - PROPÓSITO, através da identificação de melhorias, motivadas e com iniciativa - PESSOAS. De acordo com os dados da Federação Brasileira de Hospitais de 2006, a gestão hospitalar vem avançando rapidamente e está descobrindo o poder do sistema lean que, quando aplicado de forma correta, reduz custos ao mesmo tempo em que aumenta a qualidade do atendimento. Para Pinto e Bataglia (2012), a ausência de funcionalidade é evidente em muitas organizações na área da saúde, por isso é extremamente importante o desenvolvimento desse tipo de sistema para que se obtenham melhores resultados nos atendimentos e processos. Mesmo trazendo tantos benefícios, a filosofia em questão também apresenta um importante desafio em sua implementação na saúde, pois nesta área há um sistema bem mais complexo do que no sistema industrial é preciso maior rigor no que tange às questões da segurança e eficiência nos serviços prestados, afinal os erros precisam ser o mais próximo de zero possível (SETIJONO, 2011). Para Bernardes (2015), os conceitos e princípios do lean “foram feitos sob medida para hospitais”. Princípio como: determinação de valor ao cliente, análise da cadeia de valor, conscientização do que o cliente quer (saber realmente quem é o cliente), fluxo contínuo e eliminação de gargalos, fazer somente o necessário na quantidade necessária e no momento necessário, análise e eliminação dos focos de desperdícios, saber diferenciar custos necessários de desperdícios, ir até o local onde está o problema e “sentir” porque ele ocorre, não se importar com quem resolva o problema desde que ele seja resolvido, e, principalmente, a melhoria contínua em busca da perfeição. O autor acredita que esta filosofia de gestão procura sempre “fazer mais com menos” ou ainda, procura mudar o culturalismo dos hospitais, pois, nas organizações hospitalares há uma tendência de classificar tudo que é errado como “cultural”, quando na verdade isso não tem a ver com cultura, no sentido acadêmico da palavra. Nesse sentido, o lean também tem a intenção de mudar a cultura (e acabar com os culturalismos) em prol de uma organização mais produtiva, sem que haja necessidade de investimentos em obras civis ou aquisição de equipamentos, contando apenas com treinamentos e o repensar dos processos. A transformação e o uso de uma nova filosofia de trabalho, só são possíveis com o envolvimento de todos, liderados pelo topo da empresa. É necessário que todos conheçam na teoria e na prática, a utilidade de cada ferramenta, e sobre tudo que assimile a nova filosofia. Para Womack e Jones (2004), os pontos chave do Lean Manufacturing são: Qualidade total imediata. – Ir em busca do “zero defeito”, e detecção e solução dos problemas em sua origem; Minimização do desperdício. – Eliminação de todas as atividades que não têm valor agregado e redes de segurança, otimização do uso dos recursos escassos (capital, pessoas e espaço); Melhoria contínua. – Redução de custos, melhoria da qualidade, aumento da produtividade e compartilhamento da informação; Processos “pull”. – Os produtos são retirados pelo cliente final, e não empurrados para o fim da cadeia de produção; Flexibilidade. – Produzir rapidamente diferentes lotes de grande variedade de produtos, sem comprometer a eficiência devido a volumes menores de produção; Construção e manutenção de uma relação a longo prazo com os fornecedores, fechando acordos para compartilhar o risco, os custos e a informação. Spear (2005) chama a atenção para a importância da capacitação dos profissionais da saúde, para o sucesso da implantação do sistema lean. O profissional capacitado, segundo o autor, se torna capaz de detectar fontes de desperdício, tomar ações para eliminá-las e propor soluções mais eficazes para o desenvolvimento dos processos. Para Ferro (2005), o gestor da saúde pública no Brasil (governo) deveria cada vez mais buscar as ferramentas para o uso enxuto e consciente dos investimentos, uma vez que estes já são o mais reduzido possível. As organizações que adotam as ferramentas do sistema lean manufacturing conseguem mostrar excelentes resultados em redução de custo, produtividade, qualidade e satisfação dos clientes. Lean healthcare é uma filosofia baseada nos conceitos de lean production aplicada na saúde, que melhora a maneira como os serviços de saúde são organizados e gerenciados (GRABAN, 2009). Joosten, Bongers e Jansen (2009) corroboram com esta ideia e acrescentam que o pensamento lean na área da saúde deve ser visto como uma abordagem integrada, operacional (processos) e sócio-técnica (comportamento da equipe e tecnológica) de um sistema de valores, cujos objetivos principais são: maximizar o valor ao paciente e, eliminar o desperdício, através da criação de conhecimentos cumulativos em todos esses níveis. No modelo lean healthcare, os princípios estão fundamentados na assistência ao paciente que se traduzem em: foco nos pacientes ao invés do hospital ou o pessoal, identificação do valor para o paciente, eliminação dos desperdícios e minimização do tempo de tratamento (TOUSSAINT, 2012). Para o autor, quando um paciente da entrada em um hospital, os profissionais que nos atendem estão sobrecarregados por processos geradores de desperdícios e neste setor o significado disso é o erro que pode causar sequelas ou até a morte do paciente. Para Araujo (2009), o lean healthcare traz consigo métodos e ferramentas que têm sido usadas, refinadas e comprovadas por mais de 50 anos de uso na indústria e no setor de serviços para o setor da saúde. O autor descreve os sete tipos de desperdícios na área da Saúde: 1. Esperas: pela liberação de leitos, por “alta”, por tratamento, por testes de diagnóstico, por medicamentos, por aprovações, pelo médico ou pelo enfermeiro; 2. Excesso de papelada, processos e testes redundantes, aplicação intra-venosa desnecessária, múltiplas mudanças de leito e de serviços; 3. Estoques de amostras em laboratórios à espera de análise, pacientes de urgência à espera de um leito, pacientes à espera dos resultados dos testes de diagnóstico, excesso de materiais mantidos nas áreas; 4. Transportes de amostras de laboratórios, de pacientes, de medicamentos e de materiais; 5. Movimentações: para procurar documentos e materiais, para entregar medicamentos, enfermeiros que precisam tratar de doentes de diferentes alas; 6. Perdas do processo: preparar medicamentos antes da necessidade dos doentes; 7. Defeitos: erros de medicação/diagnóstico, identificação incorrecta de amostras, lesões causadas por medicação errada. Para Pinto e Battaglia (2012), os benefícios mais evidentes da utilização do lean aplicado à saúde tratam exatamente dos problemas mais comuns ao sistema: longas filas, custos crescentes e diversos tipos de desperdícios recorrentes em todos os sistemas de saúde. Pequenas iniciativas lean são capazes de reduzir filas; aumentar a agilidade e a documentação dos processos; reduzir erros e custos indiretos (estoques, administração, logística); eliminar diversas formas de desperdícios e otimizar a utilização dos recursos. Quando o lean se torna a estratégia organizacional, a transformação pode ser profunda. O ThedaCare, sistema de saúde com quatro hospitais e mais de cinco mil colaboradoes, no estado do Wisconsin, EUA é uma dessas organizações onde a transformação lean foi a base da estratégia da organização. Com isso o ThedaCare gerou em apenas dois anos, uma economia superior a 27 milhões de dólares. O modelo de cuidado colaborativo desenvolvido resultou em uma redução de 25% dos custos globais da assistência, com 100% de satisfação de seus clientes. Da mesma forma, até 2010, em dois de seus hospitais, 88% dos indicadores de qualidade e segurança haviam melhorado, 85% dos indicadores de satisfação dos clientes e 83% dos indicadores de satisfação dos colaboradores também melhoraram (EIROS E TORRES JUNIOR, 2015). Para Eiro e Torres Junior (2015), o ThedaCare é um sistema de saúde, que aplicou o modelo lean nos diversos setores e conseguiu alcançar resultados de maior qualidade e segurança dos pacientes. Com isso, a proporção de planos terapêuticos corretamente definidos na primeira visita dos pacientes subiu de 20% para 96%. E nos laboratórios, antes da aplicação do lean, somente 5% dos resultados de exames eram liberados em menos de quinze minutos – atualmente, 80% dos resultados saem em tempos menores do que esse. Além disso, o ThedaCare conseguiu reduzir também a rotatividade dos médicos de 7% ao ano, em 2006, antes do início da adoção do Lean, para 3%, em 2009. Essa instituição ao longo da experiência verificou que os melhores resultados seriam alcançados com um tratamento colaborativo, ou seja, os modelos contemporâneos de gerenciamento propõem uma gestão participativa na qual ocorre um maior envolvimento dos trabalhadores nos processo de tomada de decisão, dividindo a responsabilidade e compartilhando o poder, o que possibilita obter o comprometimento de todos na solução dos problemas. E as pesquisas revelaram que por essa mudança, 90% dos pacientes sentiam grande satisfação com a experiência geral de seu tratamento, contra 68% registrados antes da implantação do novo modelo. 3 Metodologia Este estudo tem como ponto focal a análise da implantação da mentalidade enxuta, numa rede de hospitais da cidade de São Paulo, com o intuito de identificar e eliminar desperdícios encontrados nos processos. A metodologia utilizada foi a de estudo de caso, por meio de observações “in loco”, entrevistas com colaboradores da rede hospitalar avaliada e por pesquisa secundária, feita com o Lean Institute, organização responsável pela implantação do modelo lean na rede. Foram realizadas 3 entrevistas com colaboradores da área gerencial do hospital. Cada entrevista demandou em média uma hora e continha 5 perguntas abertas, para que os entrevistados pudessem relatar o processo de implantação do modelo lean na rede de hospitais. 4 Apresentação e análise dos resultados A rede de hospitais estudada é a São Camilo do estado de São Paulo. Ela faz parte da Sociedade Beneficente São Camilo, uma das entidades que compreende a Ordem dos Ministros dos Enfermos (Camilianos), uma entidade religiosa presente em mais de 30 países, fundada pelo italiano Camilo de Lellis, há mais de 400 anos. É uma rede de hospitais gerais especializada em atendimento de urgência, emergência e tratamentos eletivos. Essa instituição soma mais de 4.000 funcionários e mais de 3.000 médicos de 69 especialidades, com 681 leitos para receber os pacientes. Segundo levantamento efetuado com o Lean Institute para a coleta dos dados para este trabalho, o Hospital São Camilo, localizado na cidade de São Paulo, foi o primeiro hospital brasileiro a adotar o lean, no ano de 2008, em sua Unidade Pompéia e obteve resultados positivos. Economizou 200 mil dólares ao aplicar o sistema no “Serviço de Apoio ao Diagnóstico e Tratamento” - SADT. A primeira etapa do processo consistiu em desenhar o “Mapeamento do Cadeia Produtiva” que representa o “Mapeamento do Fluxo de Valor” segundo a teoria Lean. Esta etapa envolveu um trabalho minucioso de entrevistas, análise detalhada de cada etapa do processo, compreensão de processos necessários de segurança da vida do paciente e também da segurança hospitalar. O objetivo principal era a eliminação dos desperdícios advindos dos processos que não agregavam valor. Essa metodologia foi implementada em seu pronto-socorro e desde então, o tempo de espera caiu significativamente. Antes, os leitos do pronto-socorro ficavam lotados de quatro a cinco horas por dia, atualmente, esse período de pico baixou para duas horas, em média. Segundo dados obtidos através de pesquisa e divulgações da própria rede, no ano de 2009, apenas na área de imagens, o sistema lean diminuiu a quantidade de filmes em estoque de 8.557 para 2.283 filmes – uma economia de 71 mil reais. A aplicação do sistema também liberou dois espaços para o hospital: uma sala de 4,5 metros quadrados, onde ficava um almoxarifado, e outra de 4 metros quadrados, que armazenava suprimentos. No centro cirúrgico, a implementação piloto do sistema lean em uma das salas trouxe ganhos significativos em qualidade, produtividade, segurança, controle de demanda por tempo, economia de recursos e redução da possibilidade de erros. A eliminação de etapas desnecessárias no processo da cirurgia fez com que o intervalo de tempo entre as cirurgias caísse de 1h30min para 30min. Com isto, o hospital ganhou o equivalente a cinco salas cirúrgicas no horário nobre (7h às 19h). Os resultados estimados representam uma economia em processos de 2 milhões de reais e um aumento em até 30% na produtividade. “Desta forma foi possível atender à mesma demanda existente com a metade das salas cirúrgicas. Isso significou a capacidade de quase dobrar as cirurgias sem investimentos adicionais em infra-estrutura cirúrgica”, explica Emanuel Toscano, Diretor Administrativo da Unidade Pompéia. Segundo o diretor, depois do sucesso alcançado pela implantação do sistema lean, a rede São Camilo decidiu implantar a metodologia nas outras unidades da rede. Para tanto, a instituição treinou cerca de 250 colaboradores e já dispõe de 83 belts (especialistas na metodologia Lean) em seu quadro de pessoal. “O principal resultado do sistema lean está sendo a integração das pessoas. E a percepção do papel de cada um na cadeia de valor em que está inserido. Entendemos que esse seja o maior benefício de todos e o que dará sustentabilidade de longo prazo no uso da cultura lean, com reflexo na própria sustentabilidade da instituição”, afirma Emanuel Toscano. Ainda no levantamento efetuado junto ao material bibliográfico disponibilizado pela Assessoria de imprensa e o Setor de Comunicação do hospital, o sistema Kanban também foi implementado trazendo resultados satisfatórios. Antes de implementar o modelo Kanban, o planejamento para reposição do estoque de medicamentos era feito com base no “ponto de pedido”, um sistema baseado em previsões de demanda. Justamente por se basear em “previsões”, o processo estava sujeito à vulnerabilidade. Trabalho pioneiro do hospital na implantação do Kanban eliminou as faltas de medicamentos, reduziu o estoque, aprimorou fluxo da farmácia e possibilitou o uso racional de espaço e equipamentos. Na central de estoques de medicamentos, a Unidade Pompéia conseguiu obter uma economia de R$ 1,3 milhão em redução de estoque, além de melhorar significativamente o fluxo da farmácia com as áreas assistenciais do hospital. Com a introdução do Kanban, a “previsão da demanda” (também conhecida como “sistema empurrado”) foi substituída pela “demanda real” (“sistema puxado”). Este novo sistema trabalha com a solicitação de pedidos, de acordo com a demanda real existente para o consumo dos produtos. Cláudio Barban, chefe do Departamento de Suprimentos da Unidade Pompéia, conta que o hospital deixou de comprar medicamentos que não têm demanda garantida e com isto houve uma redução significativa dos estoques e afirma ainda que “O nível de serviço melhorou muito. Conseguimos hoje repor o medicamento muito antes de haver risco de falta no andar da unidade assistencial”. Para ele, as melhorias são visíveis. Hoje uma área pequena de aproximadamente 18m² sustenta todo o abastecimento de medicamentos dos cerca de 300 leitos do hospital e também dos prontos-socorros. Com a introdução do Kanban na farmácia, após calcular o consumo de um determinado medicamento, com base na demanda real, ou seja, no consumo diário, as caixas do medicamento são agrupadas na prateleira do estoque em três faixas coloridas: verde – faixa de consumo, equivalente a um dia de consumo sem compra; amarela - o medicamento precisa ser encomendado (três dias para reposição); e a vermelha - o estoque de segurança, equivalente a apenas um dia de estoque. Toda vez que o medicamento entra na faixa amarela, o assistente de farmácia responsável pela gestão visual retira o cartão de solicitação do medicamento localizado na prateleira e o deposita no espaço de solicitações do Painel de Compras Kanban (painel fixado na parede). Os cartões trazem no verso a descrição do medicamento, código, quantidade a ser comprada, de forma a agilizar o pedido de compra. Assim que o pedido é efetuado, o cartão é então colocado na data estipulada para o recebimento do medicamento. Este sistema possibilita também um controle externo sobre o trabalho de entrega do fornecedor. Na data prevista para o recebimento do medicamento, caso o produto não tenha chegado, o atendente do estoque liga para o fornecedor e pede que o medicamento seja entregue no mesmo dia. Os ganhos do Kanban são significativos. Um ano após o uso do Kanban (período entre janeiro e dezembro de 2009), houve uma economia de R$ 1,3 milhão. Recursos estes que puderam ser investidos em outras áreas do hospital. O uso racional de espaço e equipamentos é outra grande vantagem. Antes do Kanban entrar em funcionamento, o estoque estava superlotado, precisava ser ampliado e adquirir mais duas geladeiras. Após as novas práticas, há sobra de espaço nas prateleiras. E a compra das geladeiras foram suspensas. Um dos resultados mais expressivos proporcionados pelo Kanban, no entanto, foi o aprimoramento do fluxo da farmácia. Foi possível eliminar os problemas de falta de medicamentos padronizados e o estresse entre a farmácia e as unidades assistenciais do hospital, um problema que atingia toda instituição hospitalar. Depois do sucesso na Unidade Pompéia, o Kanban foi implantado em outras Unidades da Rede São Camilo (Santana e Ipiranga). Para os gestores da rede São Camilo, o sucesso alcançado pela implantação do mapeamento de valor e do Kanban, sinalizaram os erros, desperdícios, repetição de tarefas, deslocamentos e armazenamentos desnecessários, dentre outros. Na opinião deles, quanto mais resultados positivos se alcança, maior é o incentivo para que a equipe se comprometa em atingir novos desafios. É um circulo virtuoso de melhorias. Para os gestores do hospital São Camilo, a implantação do sistema lean nas demais unidades da rede foi muito mais rápida e eficaz, considerando que o aprendizado do processo já tinha ocorrido por ocasião da implantação pioneira na unidade Pompéia. De outra forma, para eles, o processo realmente se propagou para toda a rede com troca de informações e até competição das melhorias atingidas. A Rede D’Or São Luiz e Albert Einstein ambos de São Paulo, são outros exemplos de hospitais no Brasil que utilizam a filosofia lean, para a diminuição de lotação em prontossocorros, melhorando assim a gestão. No hospital São Luiz, ao invés do paciente aguardar e esperar o médico chamar, é o médico que se desloca até uma sala para atender o paciente. Após este atendimento, o profissional passa para outra consulta e já tem uma enfermeira esperando para ajudar o paciente, se houver necessidade. De acordo com a equipe treinada, a ala de medicina diagnóstica do São Luiz, tem um controle interno rígido e monitorado e caso seja extrapolado este limite, que é um tempo padrão, é acionado uma equipe especializada para detectar o erro (poka-yoke) e resolvê-lo. O pronto socorro é a área que mais tinha problema com o desperdício de tempo, mas como o hospital mudou a forma de atendimento, o tempo de espera teve uma mudança drástica, caindo de duas horas de espera, para apenas 15 minutos. Para alcançar estes significativos resultados, foram instalados boxes ou salas onde o próprio médico faz uma breve análise da situação do paciente, aumentando o fluxo de pessoas e diminuindo o tempo de espera na sala de espera. "O paciente é atendido por um médico que fica no box e faz uma análise inicial. Na sequência, ele é encaminhado para fazer exames, passar por um especialista ou já recebe alta. Em 90% dos casos no Pronto Socorro, o diagnóstico é simples: os boxes não têm uma mesa separando o médico do paciente”, afirma Rodrigo Gavina, Diretor Geral da Rede D'Or São Luiz. Há uma maca para que o médico examine e toque o paciente. “É importante o paciente sentir que está sendo atendido e não parado na sala de espera", acrescenta o médico Jorge Moll, Presidente da Rede D'Or São Luiz. Houve um aumento no número de atendimentos de 21% já no primeiro mês de implantação da filosofia. No hospital Albert Einstein, a filosofia lean foi implantada em 2009. O tempo de espera no pronto-socorro caiu cerca de 30%. "Tentamos eliminar etapas que não agregam valor e muitas vezes são simples, como pedir para o paciente preencher um cadastro duas vezes", afirma Éderson Pereira de Almeida, Gerente de Melhoria de Processos do Hospital Albert Einstein. Para Gut (2012), consultor em lean, os hospitais, implantando a filosofia e fazendo pequenas mudanças, conseguem reduzir entre 30% e 50% o tempo de espera. Há muita gordura que pode ser eliminada, uma pequena mudança no preenchimento de formulários deixando de ser preenchidos diversas vezes, diminui o custo do hospital. A movimentação desnecessária entre pacientes e colaboradores é um alvo fácil de desperdícios e o lean tem ajudado muito na redução do tempo de espera, porém ainda não representa a solução definitiva para a lotação em hospitais. Os hospitais que implantaram o sistema lean relatam uma mudança profunda na cultura das pessoas que passam a “enxergar” o mesmo processo rotineiro, mas de maneira diferente. Focando os desperdícios, repetições, retrabalhos, movimentações desnecessárias e consequentemente tempo e custo maiores. Estes erros passam a não ser tolerados e a razão de ser das operações passa a ser a qualidade total para melhoria da qualidade no serviço prestado, que no caso dos hospitais é a saúde dos pacientes. Tendo como pano de fundo o máximo valor agregado do serviço prestado. 5 Considerações Finais O sistema de saúde pública no Brasil tem diversos problemas, desde baixos investimentos à má gestão dos recursos. Além disto, a ineficiência presente nos hospitais brasileiros faz com que os poucos recursos gerem ainda menos valor para o cliente final, os pacientes. O sistema lean Manufacturing, que teve origem na indústria automotiva, tem sido implementado também em ambientes hospitalares e tem trazido resultados significativos. Araujo (2009) descreve diversos desperdícios presentes na área da Saúde como: espera por leitos e procedimentos, alta quantidade de estoques de medicamentos, excesso de papelada, testes redundantes, transportes e movimentações excessivas dentro do hospital, além de defeitos como erro em diagnóticos e medicação. Com o foco em maximar o valor para o cliente e eliminar desperdícios, o lean Healthcare tem trazido muitas economias financeiras e melhorado a satisfação dos pacientes. Este artigo teve como objetivo mostrar os resultados obtidos com a implementação da filosofia lean, por meio de um estudo de caso em uma rede de hospitais de São Paulo, o São Camilo. Com a implementação do “mapeamento do fluxo de valor”, a unidade piloto conseguiu balancear melhor os leitos, reduzir os horários de picos bem como o tempo de atendimento. Também trouxe melhorias no tempo de espera e eficiência nos processos cirúgicos. Desta forma, conseguiu aumentar a quantidade de procedimemtos cirúrgicos realizados com a mesma quantidade de recursos, reduzindo em um terço o tempo de espera entre cirurgias, além de agregar mais segurança e redução de desvios com um melhor controle dos processos. Por outro lado, a aplicação do sistema kanban, gerou uma economia na central de estoques de medicamentos de 1,3 milhão, além de melhorar o fluxo da farmácia com as demais áreas hospitalares. Os resultados na unidade piloto foram tão positivos que os gestores da rede decidiram expandir a metodologia para as demais unidades da rede. A principal constatação da equipe que ficou responsável por essa implementação, foi de que o processo foi mais rápido e eficaz, tendo em vista o aprendizado que ocorreu por conta da experiência piloto da unidade. Para estes gestores, o sucesso da implementação de metodologias como mapeamento do fluxo de valor e kanban, trouxeram ganhos que incentivaram a equipe a se comprometer com desafios ainda maiores, gerando um círculo virtuoso de melhorias. Por fim, os resultados obtidos por meio do sistema lean, na área da sáude, tem mostrado ganhos mesmo depois da implementação do sistema, pois ele tem trazido mudanças culturais. No relato dos gestores entrevistados, os colaboradores mudaram a perspectiva sobre os procedimentos diários, reduzindo a tolerência com erros e desperdícios comuns e rotineiros. O foco principal destes colaboradores passou a ser não apenas a necessidade de se reduzir custos mas, a importância da geração de mais valor aos pacientes. Referências ARAUJO, M.M.A. Lean nos Serviços de Saúde. Dissertação de Mestrado de 2009 da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. BERNARDES, J. G. Lean Healthcare: Mentalidade Enxuta Nos Hospitais. 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