Respostas pró inflamatórias da mucosa à flagelina

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Disciplina: Bacteriologia e Virologia
Professora: Mônica Lomeli
Data: 22/09/2010
Alunas: Dominique Nicolaci, Jéssica Domingues, Karen de
Almeida, Lohanna Palhinha, Ludmila Vieira e Thalyta Borges
Hugo Cruz Ramos, Martin Rumbo e Jean-Claude Sirard
Equipe AVENIR-INSERM d’Immunite´ Anti-microbienne des Muqueuses, E0364, Institut Pasteur
de Lille, Institut de Biologie,
1 rue du Professeur Calmette, BP 447 – 59021 Lille, France
2Catedra de Inmunologia, Facultad de Ciencias Exactas, Universidad Nacional de La Plata, 47 y
115 (1900) La Plata, Argentina
Introdução
Diversas bactérias têm a capacidade de se locomover e, embora esta capacidade possa
estar associada a processo de deslizamento ou vesículas de gás, de um modo geral, a maioria
dos procariotos exibe esta habilidade por apresentar uma estrutura especializada denominada
Flagelo. Sendo assim, esta habilidade locomotora confere a capacidade de migração, o que é,
muitas vezes, crucial para a sobrevivência do organismo, pois deste modo, ele pode migrar em
diferentes direções, possibilitando o acesso a novos ambientes, novas possibilidades de
recursos, fuga, etc.
Os flagelos são estruturas longas, delgadas e relativamente rígidas, apresentando cerca
de 20 nm de espessura e 15 a 20 µm de comprimento. Devido à sua pequena espessura, os
flagelos somente podem ser visualizados por meio de colorações específicas (que aumentam
seu diâmetro), microscopia de campo escuro, ou por microscopia eletrônica, onde podem ser
observados mais facilmente. Estruturalmente, o flagelo pode ser subdivido em três principais
regiões: filamento, corpo basal e gancho, sendo estas duas últimas importantes para a inserção
e movimentação do filamento.
O filamento dos flagelos apresenta uma estrutura helicoidal, com comprimento de onda
característico para cada espécie. Este corresponde a um cilindro longo e oco, composto por
unidades repetitivas de uma proteína denominada flagelina, que é secretada através de um
canal central do flagelo em crescimento em uma estrutura helicoidal na extremidade distal,
cuja massa molecular varia entre 28-80KDa, dependendo do microrganismo. Sua extremidade
distal é revestida por uma proteína seladora, uma estrutura cap (de limitação), que promove
polimerização na ponta e impede a liberação de subunidades no ambiente bacteriano.
Alinhamentos de seqüência mostram as regiões conservadas terminais (resíduos N-W170 e 100
C-terminal) que flanqueiam uma região central da flagelina, é hipervariável tanto na
composição dos resíduos, quanto no tamanho. Cabe ressaltar que os domínios flagelina
(domínio D0, D1, D2 e D3, sendo os dois últimos hipervariáveis) são necessários não apenas
para a arquitetura e as funções de motilidade dos filamentos, mas também são muito
importante em processos de interação do flagelo com receptores das células do hospedeiro.
O gancho apresenta maior espessura que o filamento, sendo composto por diferentes
subunidades protéicas de uma única proteína, que é responsável por conectar o filamento à
região do motor flagelar. Por fim, o corpo basal corresponde à porção mais complexa do
flagelo, apresentando quatro anéis ligados a um bastão central (o motor flagelar que consiste
em um pequeno bastão central, um motor dependente da força próton motiva, que atravessa uma
série de anéis) em bactérias Gram negativas, e em Gram positivas são observados apenas dois
anéis. Onde, em organismos Gram negativos, uma anel externo ancora-se à camada
lipopolissacarídica, denominado anel L, um outro anel associa-se a fina camada de
peptideoglicano, anel P, enquanto um par de anéis internos,(anel MS, anel central), ancora-se
à membrana citoplasmática. Já em bactérias Gram positivas (que não possuem a membrana
externa, não possuem a camada de Lipopolissacarídeo), há apenas um par de anéis internos
associado à membrana citoplasmática (anel central MS). Além disso, ao redor deste anel central
existem proteínas ancoradas à membrana plasmática, denominadas Mot, que são, por sua vez,
responsáveis por promover a rotação do motor. E ainda, neste complexo basal, há também um
conjunto de proteínas chamadas Fli, que respondem a sinais intracelulares, alternando o
sentido de rotação do motor, e conseqüentemente alterando o sentido de rotação do flagelo,
logo alterando a direção e o sentido do movimento celular em resposta a estes sinais. E esta
regulação por sinais é fundamental para a vida do microorganismo no ambiente.
Esta motilidade bacteriana alterna entre uma corrida (com uma duração de alguns
segundos) e uma queda/tombo (que dura uma fração de segundo). Durante uma corrida, o
motor roda em sentido anti-horário, que forma um feixe de filamentos helicoidais flagelar e
impulsiona a célula para frente. O tombo é, por sua vez, causada pela rápida reversão de
rotação do motor, o que muda a direção.
As bactérias podem ser classificadas de acordo com o número e a distribuição dos
flagelos, como: atríquias (sem flagelos), monotríquias (um único flagelo), anfitríquias (um
flagelo em cada extremidade), lofotríquias (um tufo de flagelos em uma, ou ambas as
extremidades) e peritríquias (apresentando flagelos ao longo de todo o corpo bacteriano).
A síntese de flagelos é fortemente regulada, tanto por fatores metabólicos como por
sinais emitidos durante a divisão celular. Sendo assim, a atividade flagelar está acoplado à
maquinaria de quimiotaxia que detecta informações químicas e físicas ambientais e, a migração
orquestrada para o crescimento e sobrevivência bacteriano. De modo que nesta Review os
autores apresentam de forma sucinta, a organização estrutural e funcional do flagelo das
bactérias enteropatogênicas, Salmonela entérica serovar Typhimurium.
Contribuição do flagelo para a patogenicidade
O encontro entre uma bactéria patogênica e o tecido alvo, é um pré-requisito para que
a infecção aconteça. Em mamíferos, as superfícies mucosas são os principais locais em que
acontecem interações bactéria-hopedeiro. Nessa superfície mucosa, o flagelo é necessário não
apena para a mobilidade, mas também para adesão, invasão e secreção de fatores de virulência
pela bactéria.
A camada de glicocálice e a camada de muco, formam obstáculos para a bactéria
patógenica, porém processos dinâmicos como o peristaltismo favorecem a colonização pelo
patógeno. A mobilidade e a quimiotaxia auxiliam o agente patogênico a atingir o tecido mucoso
alvo. A mobilidade é crucial para a infecção produzida por algumas bactérias, pois ela aumenta
a ocorrência de interação entre patógeno e hospedeiro, de modo que essa contribuição do
flagelo é muito importante para patogênese.
Experimentos realizados mostraram que o flagelo desempenha importante papel na
invasão e adesão de superfícies mucosas. Como por exemplo, o estudo que mostrou que a
bactéria C. Difficile não flagelada possui uma taxa de associação ao tecido cecal 10 vezes menor
do que a taxa de associação de uma cepa flagelada, destacando o papel de adesão do flagelo
em uma superfície mucosa, em vivo.
O flagelo também pode executar a função de excreção de toxina. Em bactérias
patógenas, o sistema de secreção do tipo três (TTSS) injeta fatores de virulência no citosol de
células do hospedeiro. Os patógenos são introduzidos no citosol das células do hospedeiro para
matar ou colonizar essas células.
Na bactéria Salmonella, genes flagelares codificam fatores de virulência, sendo essa
codificação regulada por alguns fatores. Em V. Cholerae, a regulação do sitema ToxR, coordena
a trancrição de genes de mobilidade e genes específicos de virulência em resposta a condições
ambientais. Na Bordetella bronchiseptica, o sistema reprime a expressão de genes do flagelo e
ativa a expressão de fatores de virulencia. É provável que a expressão de flagelo é desligada,
pois na superficie mucosa, a bactéria patogênica se dissemina para tecidos mais profundos.
Respostas pró inflamatórias da mucosa à flagelina
Existem barreiras que são enfrentadas pelas bactérias no momento da infecção do
hospedeiro; são elas: a renovação das células epiteliais, a função de barreira das junções
intercelulares e a produção de moléculas antimicrobianas, como lisozimas e defensinas. Antes
que estas barreiras sejam quebradas pelos patógenos, é preciso que os hospedeiros respondam
rápido para evitar a disseminação da bactéria. Esses primeiros sinais de resposta do hospedeiro
caracterizam a resposta pró inflamatória, que é estimulada pelas células que entram primeiro
em contato com o patógeno, como as células dendríticas, macrófagos, monócitos e,
principalmente, células da mucosa epitelial, que acabam sendo o primeiro contato da bactéria
com o corpo do hospedeiro.
Os patógenos exibem sequências específicas que são reconhecidas pelas célulassentinela, os MAMPs (Microbe-Associated Molecular Patterns), através dos PRRs (PatternRecognition Receptors). Um exemplo de PRR é a família do receptor Toll-like, que detecta intra
e extracelularmente os MAMPs de várias origens, como LPS, lipopeptídeos, peptidoglicanos e
DNA não metilado.
Através do domínio intracelular do TLR, são recrutadas várias proteínas adaptoras, como
o fator de diferenciação mielóide 88 (MyD88). Essa cascata de sinalização culmina na ativação
da via de NF-ᴋβ (nuclear factor) e MAPK (mitogen activated protein kinase), que modulam a
transcrição de genes que codificam mediadores imunológicos e pró inflamatórios (como o p38,
ERK1/2 e JNK). O domínio D1 da flagelina é um MAMP, sendo uma importante fonte de
identificação da infecção e desencadeamento da resposta. Somente monômeros de flagelina
são reconhecidos pelo TLR5, já que a região MAMP (que fica no domínio D1) é oculta quando
ela se encontra na forma filamentosa.
Monômeros de flagelina são os mediadores da resposta pró inflamatória na mucosa
A flagelina mesmo em baixas concentrações desencadeia a sinalização pró-inflamatória nas
células sentinelas. Monócitos e macrófagos produzem citocinas pró-inflamatórias (TNFα e
interleucina-6) e óxido nítrico. Nas células epiteliais a flagelina estimula a produção de NO
sintase e óxido nítrico, β-defensina 2 humana e quimiocinas. Nos tecidos da mucosa, esse
fatores participam da atividade microbicida no recrutamento de assassinos profissionais e
células fagocíticas que apresentam antígeno e na produção de mediadores inflamatórios que
estabelecem a ativação dessas células.
Nas células epiteliais o TLR5 é expresso na superfície basolateral e apical. Por isso o TLR5 é
capaz de detectar uma bactéria patogênica flagelada que penetra no tecido e a que está no
lúmen.
Os mecanismos pelos quais a flagelina é liberada pela bactéria durante a colonização do tecido
são importantes para as respostas mediadas pelo TLR5. A flagelina é geralmente reunida no
flagelo mas o vazamento ou não capeamento leva a secreção de monômeros de flagelina in
vitro. A flagelina pode ser liberada na mucosa pela secreção e por atividades realizadas pela
bactéria ou pelo hospedeiro. Por exemplo, Caulobacter crescentus ejeta seu flagelo quando ele
não é mais necessário para o ciclo de vida da bactéria. Flagelos podem ser retirados da
superfície da bactéria por proteases do hospedeiro ou detergentes tais como sais biliares e
surfactantes. Os monômeros de flagelina secretados são reconhecidos pelos receptores TLR5
que promovem uma sinalização intracelular provocando uma resposta pró inflamatória.
Modulação da resposta imune adaptativa da mucosa pela flagelina
Exemplo de via de ativação do sistema imune adaptativo: As células dendríticas imaturas
fagocitam os patógenos e degradam suas proteínas em pequenos pedaços e apresentam esses
fragmentos na sua superfície celular usando moléculas de MHC. Isso as torna ativadas. Após a
ativação ela viaja através da corrente sanguínea para o baço, ou através do sistema linfático
para um linfonodo, onde elas agem como apresentadoras de antígenos para os linfócitos T
helper (Th) e citotóxicos, ativando-os. Cada célula T helper é específica para um antígeno
específico, quando elas são ativadas secretam citocinas que ativam a célula infectada, fazendo
com que esta mate o patógeno. Os linfócitos Th também podem ativar os linfócitos B, liberando
citocinas como por exemplo as interleucinas (IL), fazendo com que estes fiquem ativos e
produzam anticorpos.
Nesta parte da revisão, foi mostrado que flagelina isolada da Salmonela adelaide pode ser um
potente estimulador de anticorpos pela via de ativação dos linfócitos Th2, Mas quando a
estrutura da flagelina está mutada, a produção de anticorpos é feita pela via de ativação dos
linfócitos Th1. Ver figura 4 do artigo.
O receptor para a flagelina é um receptor PRRs do tipo TLR5 que se encontra na superfície de
células dendriticas e inicia a produção de anticorpos envolvendo a ativação dos linfócitos Th2,
como no exemplo da via de ativação do sistema imune adaptativo dado acima.
A flagelina induz a ativação de células dendriticas que possuem o receptor TLR5, essa ativação
das células dendríticas leva a ativação de linfócitos Th2 que produzem IL-4 e estimulam o
linfócito B a produzir anticorpos.
Tinha-se a hipótese de que o receptor TLR5 estava envolvido na ativação de Th2 ou na inibição
de Th1, e como não foi observado um aumento nos níveis de IL-12 nas células e esse é o
principal fator para a ativação de Th1, eles propuseram que isso fosse favorável a via de Th2
que acontecia nas células.
Respostas adaptativas dependentes de Toll-Like Receptor 5 (TLR5): recrutamento de células
dendriticas
Para que ocorra a estimulação imune da mucosa é necessário que haja a ativação e
reconhecimento via antigenos pela lâmina própria das células dendriticas, o que ocorre - ainda
que ainda que com restrições, com por exemplo nas placas de Peyer – a partir do transporte
das bactérias por células M do lumen até a região da lamina própria.
Uma outra forma da estimulação da mucosa é a partir de protusões das membranas das células
dendriticas até o lumen, onde, então, podem interagir diretamente com as bactérias por toda a
membrana; sendo sugerido que este tipo de de estimulação pela flagelina possa participar na
diferenciação Th2, a qual promove respostas que utilizam anticorpos.
É necessário ressaltar que a ativação de células epiteliais possivelmente têm um papel na
reposta imune induzida por flagelina, uma vez que esta leva a ativação de uma quemoquina
específica de célula dendritica (CCL20) de forma transiente. Esta mesma quemoquina, nas
placas de Peyer, tem uma expressão constitutiva, a qual é associada ao posicionamento subepitelial de células dendriticas que possuem um receptor para o CCL20.
Também foi observado que células epiteliais em contato com as flagelinas secretam IL-8 e
recrutam neutrófilos, o que proporciona um microambiente favorável de sinais próinflamatórios que vão atuar na maturação das células dendriticas; ainda, que ao contrário do
que é observado no epitélio das placas de Peyer quando há ativação de NF-kB2 por linfotoxinaB , nas células epiteliais em que há ativação de NF-kB1 por TLR5, é visto uma reduzida
expressão de CCL20.
Pode-se então, expandir o que foi descrito para as células dendriticas das placas de Peyer e
estabelecer um “condicionamento” epitelial mediado por TLR feito por células dendriticas a
partir das respostas da mucosa.
Conclusões
A presença de flagelina em diferentes tipos bacterianos é acompanhada de mecanismos de
reconhecimento em eucariotos adquiridos aleatoriamente durante a evolução e selecionados
de acordo com essa capacidade.
A utilização de técnicas de biologia estrutural e animais trangênicos vem permitindo o
entendimento do papel do Toll-Like Receptor 5 (TLR5) da mucosa e do epitélio.
O entendimento da interação flagelina bacterial com o TLR5 pode permitir que hajam novas
oportunidades de controle e manipulação do sistema imune inato da mucosa em humanos.
Uma caracterização dos acontecimentos após a ativação de TLR na mucosa são essenciais para
compreender a resposta imune adapitativa e permitir o desenvolvimento de novas estratégias
para terapias na mucosa.
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