POSIÇÕES FREIRIANAS SOBRE DIREITOS HUMANOS, CULTURA DE PAZ E EDUCAÇÃO PRISIONAL NO FEMININO: VIVÊNCIAS NO SERROTÃO/PB Fabíola Mônica da Silva Gonçalves1 (Universidade Estadual da Paraíba, doutora, [email protected]) Resumo: Relacionar direitos humanos, cultura de paz, educação prisional no feminino foi a proposta central deste trabalho. Em específico, tivemos a intenção de: (i) identificar como um grupo de jovens reeducandas, do presídio do Serrotão/PB percebe a função social da escola, e; (ii) encontrar indícios de promoção de uma cultura de paz e de direitos humanos, na prática educativa vivenciados neste grupo. Assumimos uma metodologia qualitativa de pesquisa na construção dos dados. Com base nos resultados, interpretamos haver tal relação. Palavras-chave: Direitos Humanos. Cultura de Paz. Educação Prisional. Introdução. Direitos humanos é um tema circulante na educação há algum tempo, problematizado sobre múltiplas perspectivas (BOBBIO, 1992; CALLO, 1977; BIDART, 1972). Gorczevski e Tauchen (2008), enfatiza a relação entre a educação em direitos humanos e a cultura de paz, tendo esta última como promotora de experiências favoráveis ao respeito à dignidade humana pautadas em atitude de igualdade, solidariedade e cooperação. Sobre a relação entre direitos humanos e a cultura de paz, embora não tenha encontrado escritos de Paulo Freire nesta direção, de modo explícito, produzimos, no conjunto de algumas das suas obras, inferências possíveis sobre esta relação. Em Freire (1992), constatamos que nós humanos somos “[...] do quefazer, já que fazer é reflexão. É práxis. É transformação do mundo. [....]” (p. 121). Localizamos a afirmação do esforço revolucionário acerca do reconhecimento de uma ação transformadora que fomenta a libertação do homem das forças opressoras que persistem nas relações sociais de uma sociedade capitalista composta por uma elite dominadora. Porém, o diálogo com as massas, para o autor, é uma exigência primordial para que se 1 Professora do departamento de Educação / Campus I: Campina Grande. Coordenadora do projeto de extensão “Leituras de gêneros textuais que regulam a comunicação forense: ação interventiva com apenadas do Serrotão”. Apoio: Programa de Concessão de Bolsas de Extensão – PROBEX/UEPB (Cota: 2015-2016). efetive a transformação social. Com isso, em termos da cultura de paz, podemos pensar que o diálogo, defendido por Freire, é um meio concreto em que os interlocutores criam possibilidades de emancipação social e política, em termos pessoal, gerando progressos para a convivência coletiva. Daí, quando se propicia a dialogicidade reciproca, a cultura de paz se estabelece, já que não há opressores e oprimidos, e sim, pessoas refletindo sobre sua condição existencial em uma dada sociedade. Desta maneira, é possível pensar nas relações coletivas que favoreçam a emancipação humana e assim numa cultura de paz como fundamento da relação entre os envolvidos em práticas culturais de superação da opressão. Já em Freire (2006) encontramos que “[...] Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é.” Desta forma: [...] Nas relações que o homem estabelece com o mundo há por isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade. E há também uma nota presente de criticidade. [...] e que por isso [...] existe [...] no tempo. Está dentro, Está fora. Herda. Incorpora. Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido a um hoje permanente e o esmaga, emerge dele. Banha-se nele. Temporaliza-se. (p.49) Sendo assim, se pensarmos numa perspectiva vivencial e intercultural num dado contexto social e histórico, a cultura de paz pode brotar e a prática pela liberdade humana pode acontecer, a ponto de se conviver com uma transformação cultural e existencial de um grupo social que compartilha saberes e modos de agir e intervir no mundo, por meio de um transitividade que caminha da passividade rumo aos processos cognoscitivos promotores de mudança radical da condição de submissão colonial para a emancipação do homem contemporâneo. Afirma Freire (1987), que um ato de conhecimento no processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de autêntico diálogo, pois os sujeitos envolvidos vivenciam uma relação de reciprocidade na caminhada da aprendizagem, e, desta maneira, desde o início da ação pedagógica, os alfabetizandos assumem uma postura criativa frente ao conhecimento. “[...] Aprender a ler e escrever já não é, pois memorizar sílabas, palavras ou frases, mas refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da linguagem.” (p.49). A perspectiva de alfabetização defendida por Freire, concebe a palavra como ato humano denominada de palavração, logo, para ele, aprender a ler e escrever se constitui como oportunidade para que homens e mulheres percebam o significado de pronunciar palavras que é um comportamento típico do ser humano e envolve ação e reflexão ao mesmo tempo. “[...] Dizer a palavra, em sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar, recriar, de decidir, de optar. Como tal, não privilégio de uns poucos com que silenciam as maiorias [...]” (p. 49). Daí, pode-se articular este posicionamento freiriano à concepção de cultura de paz defendida por Gorczevski e Tauchen (2008) em termos do favorecimento dos respeito aos direitos humanos embasados em posturas de igualdade, solidariedade e cooperação, uma vez que a relação educador-educando é construída com os princípios da horizontalidade e da reciprocidade, tendo a palavra como elo de significação dos saberes produzidos pelos sujeitos integrantes do processo educativo. Assim, o educador humanista revolucionário deve empreender esforços em conjunto com os alunos para comprometer-se com o exercício do pensamento crítico numa busca mútua de humanização. Para conseguir resultados humanizados, o educador deve se colocar ao nível dos alunos em suas relações com eles, deve com isso, exercer a reciprocidade, porque: [...] A educação problematizadora está fundamentada sobre a criatividade e estimula ação e uma reflexão verdadeiras sobre a realidade, respondendo assim à vocação dos homens que não são seres autênticos senão quando se comprometem na procura e na transformação criadora [...]. (FREIRE, 1980; p. 51) Nesta obra, Freire destaca o caráter inacabado dos homens e a natureza evolutiva da realidade como demandantes de uma educação concebida como atividade contínua, sendo constantemente refeita pela práxis. Conotação esta, de educação revolucionária libertadora condizente com uma cultura de paz, promotora de liberdade de expressão e de oportunidade igualitária do direito a voz e a palavração, por aqueles que se relacionam nos espaços educativos com o conhecimento produzido historicamente. Para Freire (2001), ainda nesta linha de pensamento, a educação para os direitos humanos, na perspectiva da justiça, é exatamente aquela educação que desperta os dominados para a necessidade da luta, da organização, da mobilização crítica, justa, democrática, séria, rigorosa, disciplinada, sem manipulações, com vistas a reinvenção do mundo e a reinvenção do poder. Neste contexto, pensa-se a questão do poder como fenômeno educativo que implica uma participação crescente, crítica, efetiva dos grupos populares, não se trata de um poder coercitivo, imbuído de violência e assimetria doutrinária, e sim de um mecanismo capaz de favorecer a horizontalidade e uma compreensão diferente do desenvolvimento humano. Por meio desta práxis, a cultura de paz tende a se consolidar. Desta forma, Freire (2001) diz que essa educação libertadora, que se liga diretamente aos direitos humanos, tem que ser abrangente, totalizante, ela se constitui pelo conhecimento crítico do real e pela alegria de viver. Não pode ser vista apenas pela lente da rigorosidade da análise de como a sociedade caminha. Então, é necessário fazer uma análise crítica e não de forma ingênua, destituída dos condicionantes históricos que impõem limites e ao mesmo tempo permitem que se deslize para novas práticas com vistas a construção de uma cultura de paz. Na sequência das categorias destacadas neste trabalho, além dos direitos humanos e da cultura de paz, priorizou-se ainda a educação prisional e o gênero feminino em função deste tratar da educação de jovens internas, cumprindo pena em regime fechado no complexo prisional Raimundo Asfora, conhecido como presídio do Serrotão, localizado na cidade de Campina Grande/PB, participantes de um projeto de extensão com ênfase na leitura de gêneros textuais que regulam a comunicação forense. Conforme Adorno (2000), as prisões não se efetivam como instrumentos de reeducação de cidadãos condenados pela justiça. E, para Silva (1997), o que perduram, na vida do sujeito após o processo de institucionalização vivenciado no cárcere, são os danos provocado à identidade, a imposição do estigma, a internalização do sentimento de inferioridade e subjugação, e a elevada baixa na autoestima. Sendo que para Cunha (2010), estas consequências apontadas por Silva (1997), se exacerbam ainda mais no caso das mulheres infratoras por conta do fenômeno sexista vivenciado por elas em situações sociais cotidianas. Graciano e Schilling (2008) traz a questão da educação escolar prisional como invisível aos olhos da legislação educacional, por não se constituir em modalidade de ensino reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9304/96), incorrendo numa possível interpretação de que a educação voltada para os privados de liberdade, se insere na modalidade de Educação de Jovens e Adultos da Educação Básica, disposta na Seção V do capítulo II da LDB vigente. Ainda, perante este autores, as autoridades responsáveis pelas diretrizes educacionais do país, não enveredam esforços expressivos para que ações educativas destinadas à população jovem e adulta atendam aos potenciais dos estudantes do sistema prisional, dentre outros aspectos, dado ao tamanho da população carcerária brasileira que atinge mais de 622 mil detentos. (INFOPEN, 2014) No entanto, as iniciativas pela implementação de escolas prisionais, vem se intensificando pelo Brasil afora. Conforme Sena (2004), tendo por base dados do Ministério da Justiça de 1997, apenas Tocantins e Espírito Santos não ofertam o Ensino Fundamental, enquanto que nas prisões do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Acre; em São Paulo e Goiás há oferta do Ensino Médio, realizado por meio dos exames de certificação. Neste contexto atual de oferta da educação básica no sistema prisional a Paraíba se insere, em regime de colaboração com a Secretaria de Educação Estadual (SEDUC) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), disponibilizando à população carcerária o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, bem como programas educacionais como o Enem prisional (JUNIOR, et. al; s.d.), Projovem prisional (SEDUC e Secretaria de administração penitenciaria da Paraíba) o Pronatec prisional matriculados em 2013: 124 alunos, e em 2014: 878 alunos. (Ministério da Justiça e Cidadania). Diante do exposto, temos questionado: quais as relações possíveis entre a educação prisional no feminino, direitos humanos, cultura de paz? Que possibilidades, a literatura freriana nos aponta como elemento de transformação e de libertação pela prática educativa no interior das prisões? Como jovens reeducandas tem percebido a função social da escola em suas vidas? Será que a educação prisional pode promover uma cultura de paz com jovens reeducandas que dela participa? Sendo assim, o trabalho em relevo tem como objetivo geral analisar possíveis relações entre a educação prisional no feminino, direitos humanos e cultura de paz. E, como objetivos específicos: (i) identificar como um grupo de jovens reeducandas, do presídio do Serrotão/PB tem percebido a função social da escola em suas vidas, e; (ii) encontrar indícios de promoção de uma cultura de paz e da garantia dos direitos humanos, na prática educativa vivenciadas por este grupo de jovens. Metodologia A abordagem qualitativa de pesquisa constitui a perspectiva assumida, uma vez que favorece um entendimento mais aprofundado por meio de elos estabelecidos entre os elementos, endereçados à compreensão da manifestação do objeto de estudo (MINAYO, 2007). É configurada pela empiria e pela sistematização progressiva do conhecimento até a compreensão do fenômeno estudado (TURATO, 2005). Consoante com a perpectiva qualitativa aqui assumida, optou-se pela metodologia de trabalho conhecida como Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), sendo esta, “[...] uma estratégia em que os estudantes trabalham com o objetivo de solucionar um problema [...]” (GIL, 2006; p. 176), sendo portanto centrada no crescimento da pessoa em situação de aprendizagem, o qual deixa de ser um mero expectador passivo do processo de ensino-aprendizagem e assume um papel ativo e coresponsável pelo seu desenvolvimento pleno no que tange as dimensões sociais, cognitivas e afetivas do homem. Esta metodologia, embora em sua origem tenha sido criada para o ensino superior (ALBANESE; MITCHELL, 1993), é aqui neste contexto da atividade de extensão, tomada como percurso metodológico para o andamento do trabalho interventivo. Além da ABP, trabalhou-se com parte dos métodos e técnicas da pesquisa-ação, uma vez que esta, também propõe um trabalho voltado para o conhecimento da realidade social em que o problema será submetido a intervenção condizente com a dinâmica social e comportamental dos participantes do grupo em que o trabalho será desenvolvido (BALDISSERA, 2001; TRIPP, 2005). A contrução destes dados aconteceu no período de março a setembro de 2016, com frequência quinzenal. O local dos encontros foi uma das salas de aula do Campus Avançados da UEPB, que funciona na unidade feminina dentro do Presídio do Serrotão, localizado na cidade de Campina Grande/PB. O material analisado aqui foi registrado por meio de fichas avaliativas, respondidas pelas participantes sempre ao final de cada encontro. Além deste instrumento escrito, os encontros são pautados com base na metodologia freiriana da palavração, abordagem esta que trabalha na perspectiva de apreensão de sentidos e significados compartilhados entre educador e educando. A palavração, como método interventivo, é trabalhada com o grupo, por meio da dialogicidade entre as reeducandas, a professora coordenadora do projeto e os universitários extensionistas, consoante com a proposta metodológica da ABP. Nos momentos de leitura coletiva, vamos solicitando delas, a partir do universo vocabular contido no gênero lido, quais as palavras que chamou atenção e o que elas acham que significam, dentro daquele contexto do texto, indo além do significado dicionarizado. Este exercício de significação, promove um processo simultâneo de reflexão e ação do sujeito, o que implica na práxis, no Ser Mais, que Freire nos convoca a praticar, no sentido de alcançarmos patamares de liberdade de pensamento e ação, de humanização, de conscientização política e sócio-histórica, tendo como princípio norteador a comunicação, o diálogo. Logo a horizontalidade no uso da palavra entre os sujeitos envolvidos na situação de ensino-aprendizagem é praticada, vivenciada. (FREIRE, 2006; 2001; 1992; 1987; 1983). Durante os encontros participaram doze (12) jovens reeducandas com faixa etária compreendida entre 22 e 34 anos; com nível de escolaridade mínima do Ensino Fundamental, no entanto, duas delas informaram ter Ensino Médio incompleto e outra ter o Ensino Superior incompleto. O tempo de permanencia destas jovens nesta instituição prisional varia de seis meses a um ano e meio de reclusão. Sobre a frequência das participantes nos encontros, das doze inscritas no projeto de extensão, seis são mais presentes enquanto que as demais não mantiveram a assiduidade na maioria dos encontros em razão de motivos variados: assistência judicial, exames clínicos e médicos, assistência odontológica, encontro íntimo, e por não serem chamadas pelas agentes penitenciárias em função de alguma ocorrência inusitada. Assim passeremos aos resultados e discussão dos dados construídos no período já informado. Resultados e discussão No momento final de cada encontro, cada participante respondia uma ficha avaliativa, registrando: (i) o que aprendera naquele encontro; (ii) qual o ponto que teve mais dificuldade de entender, e; (iii) o que acredita que precisa estudar mais um pouco. Além desse registro escrito, havia a oportunidade para cada uma delas expressarem seus entendimentos e suas necessidades de mais esclarecimentos, as indagações era uma prática constante tanto por parte das reenducandas em busca de novos entendimentos, de trocas de saberes e de interpretações, bem como por parte da professora e dos universitários extensionistas que se valiam desta estratégia didática a fim de se acompanhar o processo educativo construído pelo grupo. O tema central trabalhado durante os encontros circulou em torno da leitura de gêneros de textos que regulam a comunicação forense, por defendermos a posição de que o gênero textual regula as práticas sociais entre grupos e espaços institucionalizados compartilhados entre interlocutores, a exemplo da família, da escola, do trabalho, da religião, e no caso do nosso projeto: da instituição prisional. Para que a leitura fluísse, foram trabalhados com as reeducandas, concepções de texto, de gênero textual, sequências textuais, portadores textuais, até introduzirmos dois gêneros circulantes na esfera judiciária: o despacho judicial e a intimação judicial. No entanto os resultados analisados aqui, diz respeito ao tópico “o que você acredita que precisa estudar mais um pouco” relacionado ao período de estudo dos temas que antecederam a prática de leitura dos dois gêneros textuais mencionados. Com efeito, as participantes são citadas com nomes de flores a fim de se manter a identidade civil em sigilo. No quadro síntese a seguir, encontram-se as colocações de cada participante acerca do tópico destacado para análise. Quadro síntese com as respostas do grupo de jovens reeducandas Participante Acácia “O que você acredita que precisa estudar mais um pouco” “Um pouco mais de tudo, pois tudo isso é muito novo para mim, não terminei o fundamental, cursei o 9º ano e não terminei. Mas Azaléia tenho uma boa observação dos conteúdos citados em aula.” “Preciso aprender um pouco mais sobre outros tipos de gêneros, mas acho que aos poucos vou entender. Preciso aprender um pouco Camélia Dália mais de tudo.” “Tudo que eu puder entender sobre produção textual” “Tudo, pois nunca é demais aprender, pois no dia a dia da gente Gardênia sempre (sic) uma coisa nova” “Sobre tipologias e gêneros, pois sempre é bom adquirir mais Hortência conhecimentos” “Eu tenho um pouco de dificuldade para escrever, eu sou muito Jasmim Magnólia lenta” “Tudo que eu possa aprender” “Sempre quem estuda tem mais e mais conhecimento. No dia a dia, Margarida Orquídea Rosa Violeta a vida é uma escola. Por isso, temos que aprender mais e mais!” “Eu preciso estudar um monte de coisas” “Me aprofundar em mais informações de gênero textual” “Tudo” “Tudo sobre gênero textual” A partir das respostas formuladas pelas participantes, verificamos que há uma disposição unânime entre elas para ir em busca do conhecimento “[...]Um pouco mais de tudo, pois tudo isso é muito novo para mim [...] Mas tenho uma boa observação dos conteúdos [...]” (Acácia); “[...] Preciso aprender [..]. vou entender. Preciso aprender um pouco mais de tudo [...]” (Azaléia); “[...] Tudo que eu puder entender [...]” (Camélia); “[...] Tudo, pois nunca é demais aprender [...]” (Dália); “[...] sempre é bom adquirir mais conhecimentos [...]” (Gardênia); “[...] tenho um pouco de dificuldade para escrever [...]” (Hortência); “[...] Tudo que eu possa aprender [...]” (Jasmim); “[...] Sempre quem estuda tem mais e mais conhecimento [...] a vida é uma escola [...] temos que aprender mais e mais! [...]” (Magnólia); “[...] Me aprofundar [...]” (Orquídea); “Tudo” (Rosa), e; ““Tudo sobre gênero textual” (Violeta). Observamos, conforme os trechos destacados, reenducandas abertas ao aprendizado, por meio da expressão de palavras que favorecem a emancipação, a ação e reflexão simultânea por parte das pessoas que as enunciam. Apesar de estarem imersas num contexto de privação de liberdade, a mercê de toda sorte que o cárcere impõe a vida de uma pessoa, estas jovens assumem uma posição emancipadora frente ao conhecimento acadêmico escolarizado. (FREIRE, 1992) Parecem apostar numa ação educativa como algo capaz de transformar suas vidas, apesar do confinamento e restrição social, do direito de ir e vir, ter sido cerceado, uma vez que a prisão não controla a curiosidade, o sentimento de mudança que situações de ensino-aprendizagem podem promover no ser humano, mesmo sob condições adversas. Pensamos, a partir destes dados, em relações possíveis entre educação prisional no feminino, direitos humanos e cultura de paz. Como primeiro ponto, podemos ressaltar a função cultural que a escola tem a oportunidade de cumprir no contexto social da reclusão prisional. Para além das respostas elencadas no quadro síntese acima, em muitos momentos, durante os encontros, as jovens deram muitos depoimentos do quanto se sentem satisfeitas de estarem participando das atividades planejadas e vivenciadas no projeto de extensão, pois alegam não sentirem a hora passar, dado este bem compreensivo, uma vez que a prisão leva ao sujeito a ociosidade, a estagnação e a subjugação. (SILVA, 1997; CUNHA 2010) Outro depoimento frequente, diz respeito ao fato de terem oportunidade de estarem estudando algo significativo para a vida delas, daí inferimos que se tem significado subjetivo, tem força transformadora, pois a práxis social está sendo ativada, uma vez que significamos aquilo que agimos e refletimos ao mesmo tempo. (FREIRE, 1987, 1993) Um segundo ponto assumido, é que podemos considerar a necessidade de se consolidar processos educativos tanto formal que certifica os níveis de escolarização, como informal que traz situações de aprendizagem com ênfase na (re)construção da cidadania, de uma atividade de trabalho que possa vir a gerar renda para as futuras expresidiárias, é de estimada valia por assegurar o direito humano que é o de aprender, o direito de Ser Mais. (GRACIANO; SCHILLING, 2008) Ao tomar a educação prisional como direito humano, como uma atividade que resgata autoestima, pois sua palavra é valorizada, é compartilhada pelo grupo, sendo portanto instaurada uma cultura de paz por conta das relações interpessoais acontecerem embasadas na igualdade, na solidariedade e na cooperação. (GORCZEVSKI; TAUCHEN, 2008) Por último, a educação escolar é concebida por este grupo de jovens reeducandas como oportunidade de mudança social, já que participaram ativamente dos encontros, opinaram, se comprometeram em entender, em se engajar nas atividades, em expressar o que sentem, o que sabem e o que gostariam de aprender mais. A palavra “Tudo” apareceu nas repostas de sete das doze participantes, o que evidencia uma avidez por parte delas para o conhecimento formal tratado no espaço escolar. Assim, consideramos que a escola tem relevância social para estas participantes e que pode se tornar um instrumento de transformação sócio-histórica com ênfase em processos de humanização e emancipação no contexto prisional, como potência para a prática de uma cultura de paz. Conclusão . A produção deste trabalho partiu da intenção de analisar possíveis relações entre a educação prisional no feminino, direitos humanos e cultura de paz. Para isto, buscamos na literatura freiriana possíveis indícios que apontassem para tais relações, ademais, recorremos a outras referências que tratam dos temas aqui destacados. Deste modo, chegamos à conclusão de que há sim uma aproximação e um diálogo fértil que pode ser fomentado entre as referências de Freire com outras perspectivas que abordam as temáticas destacas neste trabalho. Como também, observamos que a escola é um espaço promotor de mudança social para pessoas em regime de reclusão prisional, por trazer um momento dinâmico, ativo e reflexivo a vida das pessoas que se encontram privadas de liberdade. Por último, entendemos da necessidade de avanço em termos de estudos direcionados a população carcerária com vistas a descoberta das potencialidades das pessoas, do favorecimento de ações sociais para a prática da liberdade humana, para os direitos humanos e para uma cultura de paz. Referências ADORNO, S. Ética e violência: adolescentes, crime e violência. In: ABRAMO, H.W.; FREITAS, M.V.; SPÓSITO, M.P. (Org.). Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000. p. 97-110. ALBANASE, M. A.; MITCHELL, S. Problem-basead learning: a review of literature on its outcomes and implementation issues. Academic Medicine. V, 68, nº 1, p. 52-81. 1993. BIDART, Adolfo Gelsi. Crisis y afirmación de Derechos Humanos. Revista de la Facultad de Derecho de México. 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