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A LEGITIMIDADE DO ABORTO EM CASOS DE MICROCEFALIA – uma
análise à luz da bioética
Alice Nader Fossa1
Marta Luiza Leszczynski Salib2
RESUMO
Este artigo aborda a legitimidade do aborto em casos de microcefalia fetal. O
objetivo do trabalho é propor uma reflexão acerca do aborto eugênico em casos
de microcefalia, considerando o embate entre ética e saúde pública e entre os
princípios constitucionais de direito à vida e dignidade da pessoa humana.
Discute-se a possibilidade de alteração do entendimento dos artigos 124 e 126 do
Código Penal, incluindo o aborto de fetos com microcefalia no rol das
possibilidades legais de interrupção da gestação. Através do conceito de bioética,
atenta-se para a necessidade da discussão em âmbitos da sociedade civil e do
Poder Público, por ser um tema atual, de relevância e grandes proporções, dado
o rápido avanço do vírus Zika, que pode acarretar a microcefalia durante a
gestação. Utiliza-se o método bibliográfico, analisando decisões judiciais,
doutrinas e posicionamentos de autores dos diversos ramos relacionados com a
Bioética e Direito, além de notícias provenientes dos grupos de comunicação do
Brasil e do mundo.
Palavras-chave: Aborto. Bioética. Direitos Fundamentais. Direito Constitucional.
ABSTRACT
This article discusses the legitimacy of abortion in cases of fetal microcephaly. The
objective is to propose a reflection about the eugenic abortion in cases of
microcephaly, considering the clash between ethics and public health and
between the constitutional principles of the right to life and human dignity. We
discuss the possibility of changing the understanding of articles 124 and 126 of the
Penal Code, including abortion of fetuses with microcephaly in the list of legal
possibilities of pregnancy interruption. Through the concept of bioethics, attentive
to the need for discussion on areas of civil society and the government, to be a
current topic of relevance and great proportions, given the rapid advance of Zika
virus, which can lead to microcephaly during gestation. It uses the bibliographical
1
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. E-mail: [email protected]
Docente do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Orientadora do trabalho. Email: [email protected]
2
Anais do I Congresso
Rondoniense de Carreiras
Jurídicas
Porto
Velho/RO
29 e 30 de
novembro
de 2016
P. 514 a 540
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
method, analyzing court decisions, doctrines and authors of positions of the
various branches related to bioethics and law, as well as news from the Brazil and
the world of communication groups.
Key-word: Abortion. Bioethics. Fundamental Rights. Constitutional Law.
INTRODUÇÃO
A microcefalia tem sido um tema presente na mídia e nas discussões dos
brasileiros nos últimos meses. Com a associação deste tipo de má-formação à
contaminação de gestantes pelo vírus Zika, a problema passou a ter status de
temor mundial – haja vista que a repercussão do tema ultrapassou as fronteiras
nacionais, atingindo 60 países, segundo informação da Organização Mundial da
Saúde gerando pânico e insegurança.
O Brasil, que há anos luta contra o mosquito Aedes aegypti, que, além da
Zika, ainda transmite Dengue, Febre Amarela e Chikungunya, passou a reforçar
campanhas de prevenção e conscientização – dando especial atenção às
gestantes. Os casos que antes se resumiam à região nordeste, agora se
espalham Brasil afora, aumentando dia após dia o medo de uma epidemia de
grande escala.
Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 14 de maio de 2016, foram
notificados 7.534 casos de contaminações pelo vírus – sendo que 1.384 casos
evoluíram para fetos portadores de microcefalia e/ou alteração do sistema
nervoso central, sugestivos de infecção congênita. Mas os dados são ainda mais
preocupantes, conforme mostra o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde:
Do total de casos notificados, 273 (3,6%) casos do total de
7.534 evoluíram para óbito fetal ou neonatal. Dos 273 óbitos fetais
ou neonatais notificados, 177 (64,8%) permanecem em
investigação, 59 (21,6%) foram confirmados para microcefalia
e/ou alteração do SNC sugestivos de infecção congênita e 37
(13,6%) foram descartados3.
3
Boletim
Epidemiológico
do
Zika
nº
26/2016.
Disponível
http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-desituacao/informe_microcefalia_epidemiologico26.pdf. Acesso em 20/05/2016.
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em:
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
Pesquisas recentes revelaram que o vírus destrói as células nervosas do
cérebro em formação, favorecendo lesões irreversíveis e, claro, a microcefalia. A
criança com microcefalia tem as chances de vida pós-parto reduzidas e,
sobrevivendo, terá que ter acompanhamento especial e multidisciplinar para toda
a vida, dadas as dificuldades de aprendizado e cognição. Além disso, a figura da
mãe, principalmente, tem boa parte da sua autonomia social e profissional
reduzida – quando não extinguida – em decorrência da grande dependência dos
portadores de microcefalia, que apresentam sequelas graves e necessidade de
constante acompanhamento.
Importante destacar, ainda, que muitas dessas mães de crianças com
microcefalia terão seu único suporte psicológico e de saúde voltados para a
Seguridade Social, na forma do Sistema Único de Saúde e da Assistência Social.
Ora, é notória a frágil situação em que se encontram estes sistemas, haja vista a
sua limitação estrutural e financeira, o que torna quase inviável o tratamento
multidisciplinar adequado para que esses bebês venham a se desenvolver da
melhor forma possível dentro de suas limitações. A figura da mãe, por sua vez,
também precisa de atenção psicológica, humanizada e que lhe garanta a
estabilidade emocional necessária para lidar com as dificuldades que virão ao
criar o filho com microcefalia.
Em meio a essa realidade, volta à cena o debate sobre a legalização do
aborto, especialmente em casos de diagnóstico de más-formações congênitas –
que inviabilizem a vida independente do indivíduo. É sabido que muitas mulheres
recorrem a clínicas clandestinas e outros métodos abortivos para interromper a
gestação nos casos não abrangidos pela Lei, tendo em vista a negativa do Direito
Brasileiro.
Em 2013, os abortos clandestinos foram considerados a quinta causa de
morte materna no Brasil, segundo dados do Conselho Federal de Medicina. A
falta de acesso ao tratamento adequado, o alto custo de clínicas clandestinas com
condições mínimas de higiene e a falta de uma política nacional de orientação e
informação sobre prevenção de gestações indesejadas são alguns dos fatores
que levam mulheres – em uma situação de absoluto desespero – a buscar
alternativas baratas e minimamente eficientes para interromper a gravidez.
É imprescindível reacender a discussão acerca do aborto, dados os
expressivos números de casos de abortos realizados sem qualquer fiscalização e,
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Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
tampouco, auxílio e orientação das autoridades – o que faz desta realidade uma
questão de saúde pública que não pode ser ignorada.
Na história recente do país, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a
possibilidade de interrupção da gravidez quando o feto for diagnosticado com
anencefalia, que é quando há uma ausência parcial do cérebro, resultante de uma
má-formação no desenvolvimento do tubo neural – precedente que enseja
discussão semelhante à que propomos. A decisão pôs fim ao sofrimento de
mulheres que, antes mesmo do parto, já tinham certeza da incompatibilidade de
seus filhos com a vida – drama que teve fim pelo julgamento da ADPF 54, em 13
de abril de 2012.
Importante lembrar que as gestantes que têm o diagnóstico definitivo de
alterações anatômicas e patologias graves se valem de tecnologia para exames
pré-natais inexistente na década de 40, quando o Código Penal vigente foi criado
– fato que abre precedentes para se discutir a precariedade do ordenamento
penal face às mudanças sociais e tecnológicas ocorridas nas décadas seguintes.
Na parte da ética, também se deve realizar um questionamento: se nos
casos de estupro a mulher pode abortar um feto saudável, com base no princípio
da dignidade da pessoa humana e tendo respaldo da Justiça, não caberia a
mesma aplicação principiológica no caso de feto sabidamente portador de máformação grave, incompatível com a vida saudável e independente, que
demandará especial atenção e cuidados por toda a sua vida?
Não se pode fechar os olhos para esses dilemas, haja vista a realidade
atual de inúmeras mulheres que sofrem com a desesperança e a negligência do
Estado na gerência de seu próprio corpo e futuro. Independentemente de crenças
e ideologias, é preciso discutir o tema, avaliar o direito à vida e à dignidade da
pessoa humana aplicada ao caso proposto por este trabalho.
Este trabalho se mostra relevante para buscar informações e dados que
possam promover uma reflexão crítica sobre a legitimidade do aborto eugênico
nos casos de microcefalia, assim como nas demais más-formações graves e
potencialmente incapacitantes. O tema é atual, pauta de inúmeras discussões e
que reflete diretamente na vida e na dignidade de milhares de mulheres
brasileiras que, frente a uma possível epidemia de proporções e consequências
ainda desconhecidas, temem pelo futuro.
517
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
1
DO DIREITO À VIDA E DO INÍCIO DA PERSONALIDADE NATURAL
Consagrado pela Constituição Federal de 1988, o direito à vida é um dos
mais importantes e complexos princípios fundamentais, tendo em vista que seu
conceito
aberto,
como
apresentado
na
Carta
Magna,
gera
inúmeras
interpretações – algumas em explícita contradição com outros princípios.
O Código Civil, em seu artigo 2º, declara: “a personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro” (BRASIL, 2002).
Já o conceito de pessoa natural, trazido por Carlos Roberto Gonçalves
(2015, p. 100), diz: “sujeito de direitos e obrigações, dotado de todos os
predicados que integram a sua individualidade, bastando, para alcançar essa
condição, nascer com vida”.
A Lei explicita a predileção do legislador pela teoria concepcionalista, que
entende o embrião como ser titular de expectativa de direitos desde sua
concepção. Sobre a proteção dos direitos do nascituro, Venosa (2015, p. 140)
alerta:
A questão é polêmica, ainda porque o embrião não se
apresenta de per si como uma forma de vida sempre viável. A
ciência ainda deve dar passos no sentido de fornecer ao jurista a
exata dimensão do embrião como titular de alguns direitos.
Parte da doutrina questiona a situação jurídica do nascituro, creditando a
ele, apenas direitos de natureza patrimonial: “(...) a discussão em torno do
enunciado leva à conclusão de que os direitos do nascituro referidos pela norma
são especificamente os direitos patrimoniais, dentre os quais o de receber
doações e o direito de sucessão” (NASCIMENTO FILHO, p. 82).
Na contrapartida, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e
Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p. 574) são categóricos ao afirmar que o
direito à vida é amplamente tutelado pelo Estado, independentemente do estágio
de desenvolvimento humano:
O elemento decisivo para se reconhecer e se proteger o
direito à vida é a verificação de que existe vida humana desde a
concepção, quer ela ocorra naturalmente, que in vitro. O nascituro
518
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
é um ser humano. Trata-se, indisputavelmente, de um ser vivo
distinto da mãe que o gerou, pertencente à espécie biológica do
homo sapiens. Isso é bastante para que seja titular do direito à
vida – apanágio de todo ser que surge do fenômeno da
fecundação humana.
Essa é a fundamentação que embasa a criminalização do aborto no
ordenamento jurídico brasileiro: ao afirmar que o nascituro tem expectativa de
direitos e, com a lei zelando por estes – entre eles o direito à vida e à dignidade
da pessoa humana –, qualquer conduta que abrevie o desenvolvimento saudável
do nascituro irá à contramão da Lei.
1.1
DO ABORTO
Aborto pode ser definido como a prática de interrupção da gestação, que
pode ocorrer de forma voluntária ou involuntária. No Brasil, até 2012, o Código
Penal permitia a modalidade voluntária nas hipóteses de gestação resultante de
estupro (aborto humanitário) e em casos de risco de vida à mãe (aborto
necessário), criminalizando todas as demais condutas abortivas, conforme se
observa nos artigos 124, 125, 126, 127 e 128 do Código Penal Brasileiro:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a três anos.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da
gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da
gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a
gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil
mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores
são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou
dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão
corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém à morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal (BRASIL, 1940).
519
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
Em 2012, no entanto, o Supremo Tribunal Federal incluiu no rol das
possibilidades legais de aborto aquele praticado quando o feto é diagnosticado
com anencefalia, através da ADPF nº 54, de 12 de abril de 2012. Em seu voto, o
relator, Ministro Marco Aurélio Mello, alegou que, por ser a vida extrauterina
inviável nestes casos, não há que se falar em crime ou lesão ao princípio
constitucional de direito à vida:
No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível. Na
expressão do Ministro Joaquim Barbosa, constante do voto que
chegou a elaborar no Habeas Corpus nº 84.025/RJ, o feto
anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de
células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de
proteção jurídica e, acrescento, principalmente de proteção
jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto
anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se
conduta atípica. (BRASIL, 2012, p. 30).
Frequentemente a legalização do aborto volta a ser pauta de discussões,
devendo ser analisada pelo Poder Público pela ótica da ética, da moral e do
Direito, uma vez que o Brasil é um Estado laico e, por essa razão, não deve tomar
decisões dessa magnitude por embasamento religioso. Como sabiamente alegou
o Ministro Marco Aurélio Mello (2012, p. 11) na ocasião do julgamento da ADPF
54: “o Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro”.
No ano de 2015, com o aparecimento do vírus Zika, que pode causar
microcefalia durante a gestação, o tema passa a ser discutido novamente, pois o
número de casos desse tipo de má-formação neurológica, no Brasil, aumentou
significativamente em um curto espaço de tempo.
2 DA MICROCEFALIA
A microcefalia tem sido pauta de diversas matérias jornalísticas, pesquisas
e discussões da comunidade científica e da sociedade em geral nos últimos
meses. O fator desencadeante desse fenômeno é o surto de Zika – vírus que,
quando atinge gestantes, pode ocasionar microcefalia.
O Zika é um vírus transmitido pelo contato com o mosquito Aedes aegypti,
já conhecido dos brasileiros, uma vez que também transmite a Dengue e a
Chikungunya. A transmissão pode se dar, ainda, pelo contato com fluidos
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Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
corporais do infectado, como sangue, saliva, sêmen, leite materno e líquido
amniótico. A infecção em adultos causa sintomas considerados leves, como
conjuntivite, dor de cabeça, cansaço e febre, que normalmente desaparecem
alguns dias depois.
No entanto, ao final de 2015, motivado por um crescente número de recémnascidos diagnosticados com más-formações cranianas, a comunidade científica
descobriu que estas eram consequências de infecções maternas pelo vírus Zika.
O Ministério da Saúde, em seu site oficial, traz os números do início das
investigações sobre a relação do Zika com microcefalia:
Até o dia 09 de janeiro, foram notificados à Secretaria de
Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde 3.530 casos
suspeitos de microcefalia, identificados em 720 municípios de 21
estados do Brasil. O estado de Pernambuco mantém-se com o
maior número de casos (1.236), sendo o primeiro a identificar
aumento de microcefalia em sua região e que conta com o
acompanhamento de equipe do Ministério da Saúde desde o dia
22 de outubro. Em seguida, estão os estados de Paraíba (569),
Bahia (450) Ceará (192), Rio Grande do Norte (181), Sergipe
(155), Alagoas (149), Rio de Janeiro (122), Maranhão (119),
Tocantins (75), Piauí (62), Goiás (7), Distrito Federal (5) e Mato
Grosso do Sul (3)4.
A predominância de casos na região nordeste do país se mantém, mas,
registros de microcefalia causados pelo vírus se espalham pelo Brasil e pelo
mundo, tornando este um problema de magnitude internacional. Preocupada com
o avanço dos casos da doença, a comunidade científica internacional passou a
investigar a doença para, em auxílio às pesquisas em desenvolvimento no Brasil,
formular uma vacina em caráter de urgência.
2.1 CONCEITO, TRATAMENTO E EXPECTATIVA
O site “Portal Saúde”, do Governo Federal, conceitua a microcefalia da seguinte
forma:
4
Boletim
Epidemiológico
do
Zika
nº
26/2016.
http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-desituacao/informe_microcefalia_epidemiologico26.pdf. Acesso em 20/05/2016.
521
Disponível
em:
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
Trata-se de uma malformação congênita, em que o
cérebro não se desenvolve de maneira adequada. Neste caso, os
bebês nascem com perímetro cefálico (PC) menor que o normal,
que habitualmente é superior a 32 cm5.
O diagnóstico antes do nascimento é feito através de exames de imagem
típicos do pré-natal, como a ultrassonografia. A eficácia do exame para este fim,
no entanto, depende da fase da gestação em que a mãe é contaminada. Sabe-se,
contudo, que a infecção no primeiro trimestre da gravidez causa os efeitos mais
devastadores no feto, uma vez que é neste período que o sistema nervoso,
incluindo crânio e tubo neural, são formados.
O Ministério da Saúde enfatiza que o acompanhamento multidisciplinar é
necessário para garantir uma melhora na qualidade de vida da criança, a
depender das sequelas deixadas. O tratamento pode envolver serviços de
atenção básica, serviços especializados de reabilitação, serviços de exame e
diagnóstico e serviços hospitalares, além de órteses e próteses a serem
fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Não há tratamento específico para a microcefalia. Existem
ações de suporte que podem auxiliar no desenvolvimento do bebê
e da criança. Como cada criança desenvolve complicações
diferentes - entre elas respiratórias, neurológicas e motoras – o
acompanhamento por diferentes especialistas vai depender de
suas funções que ficarem comprometidas6.
Em seu “Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia
relacionada à infecção pelo vírus Zika”, editado pelo Governo Federal, por meio
do Ministério da Saúde, e direcionado à comunidade médica, há dados sobre a
ocorrência de óbito de bebês em decorrência do vírus, além de informações sobre
as sequelas possíveis, como se observa a seguir:
Cerca de 90% das microcefalias estão associadas com
retardo mental, exceto nas de origem familiar, que podem ter o
desenvolvimento cognitivo normal. O tipo e o nível de gravidade
5
Ministério
da
Saúde.
Portal
da
Saúde.
Disponível
em:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-interesse/1225-zika . Acesso em 20/09/2016.
6
Ministério
da
Saúde.
Portal
da
Saúde.
Disponível
em:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-interesse/1225-zika/21856-qual-o-tratamentodisponivel-para-a-microcefalia. Acesso em 20/09/2016.
522
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
da sequela vão variar caso a caso. Já há a constatação da
relação de infecção pelo vírus Zika com quadros graves e óbitos a
partir da identificação de casos que evoluíram para óbito em
estados diferentes e ambos com identificação do RNA viral do
Zika e resultados negativos para os demais vírus conhecidos,
como dengue, chikungunya entre outros7 .
Além do já mencionado, a literatura ainda atribui à microcefalia sintomas
recorrentes como epilepsia, paralisia cerebral, retardo no desenvolvimento
cognitivo, motor e fala, além de problemas de visão e audição.
No dia 20 de setembro de 2016, o Jornal Nacional exibiu uma matéria
sobre as primeiras crianças nascidas com microcefalia decorrente de Zika, que
estão completando um ano. Na reportagem, destaca-se que, nesses casos, o
acompanhamento mais frequente deve seguir até os cinco anos de idade.
Boa parte dos bebês está usando óculos especiais para
corrigir os problemas da visão. Aparelhos ortopédicos, auditivos,
fazem exercícios para a estimulação precoce, musicoterapia. Até
o nascimento dos primeiros dentes é monitorado8.
A expectativa de vida de crianças com microcefalia depende de diversos
fatores, como tamanho do crânio, intensidade das sequelas e tratamento
recebido, principalmente nos primeiros anos de vida. É possível que tenha uma
vida longa e próxima da normalidade, mas, para isso, dependerá, além dos
fatores acima mencionados, da total dedicação e proximidade da família e das
equipes de saúde.
3 DA BIOÉTICA
A Bioética é a ciência que estuda a aplicação da ética aos recentes
avanços das ciências da vida (medicina, veterinária, genética, psicologia, etc.) e
7
Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia
relacionada
à
infecção
pelo
vírus
Zika.
Disponível
em:
http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/dezembro/09/Microcefalia---Protocolo-de-vigil-ncia-e-resposta---vers--o-1----09dez2015-8h.pdf. Acesso em: 20/09/2016.
8
JORNAL NACIONAL, veiculado em 20/09/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/jornalnacional/noticia/2016/09/primeira-geracao-de-criancas-com-microcefalia-completa-1-ano.html.
Acesso em 20/05/2016.
523
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
seus impactos na sociedade. Joaquim Clotet (2006, p. 22) conceitua a Bioética da
seguinte forma:
A Bioética é a resposta da ética aos novos casos e
situações originadas da ciência no âmbito da saúde. Poder-se-ia
definir a Bioética como a expressão crítica do nosso interesse em
usar convenientemente os poderes da medicina para conseguir
um atendimento eficaz dos problemas referentes à vida, saúde e
morte do ser humano.
Em sua obra, os organizadores Irani de Lima Argimon, Gabriel Chittó
Gauer e Margareth da Silva Oliveira (2009, p. 17), por sua vez, trazem definição
diversa:
A bioética surgiu como preocupação pelas incidências das
intervenções tecnológicas sobre o ambiente natural e como
resposta aos dilemas éticos da saúde humana provocados pelas
novas descobertas biológicas e pelos avanços tecnológicos da
medicina.
Com relação ao campo de atuação da Bioética, Clotet (2006, p. 22)
exemplifica aplicações atuais e polêmicas da ciência:
A bioética ocupa-se, principalmente, dos problemas éticos
referentes ao início e fim da vida humana, dos novos métodos de
fecundação, da seleção de sexo, da engenharia genética, da
maternidade substitutiva, das pesquisas em seres humanos, do
transplante de órgãos, dos pacientes terminais, das formas de
eutanásia, entre outros temas atuais.
Os estudos de Bioética tiveram início na década de 70, nos Estados
Unidos, motivados por inovações tecnológicas relacionadas à Medicina e, desde
então, vem ganhando destaque no universo acadêmico. No Brasil, centros
universitários e complexos hospitalares investem em institutos com o objetivo de
discutir a Bioética. Novas pesquisas, produções acadêmicas e bibliográficas
abordam o Bioética, vinculando-a com os mais diversos assuntos e tornando a
área fundamental como complemento às demais que estudam a vida, a morte e
as novas tecnologias relacionadas à saúde.
524
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
A Bioética possui princípios próprios que devem ser avaliados na análise
dos casos concretos, sendo desejável a harmonização entre eles, descritos
sucintamente da seguinte forma:
Trata-se de um discurso ético orientado por princípios que
pretendem oferecer um esquema teórico de moral para
identificação, análise e solução dos problemas morais enfrentados
pela medicina atual. Os princípios englobam certas considerações
morais: obrigações de respeitar os desejos de pessoas
competentes (respeito pelas pessoas ou pela sua autonomia);
obrigações de não provocar dano aos outros (não maleficência);
obrigações de produzir benefícios (beneficência); obrigações de
ponderar danos e benefícios (utilidade); obrigações de distribuir,
com equidade, danos e benefícios (justiça); obrigações de dizer a
verdade (veracidade); obrigações de não revelar informações, de
respeita a privacidade e de proteger informações confidenciais
(confidencialidade) (ARGIMON 2009; GAUER 2009; OLIVEIRA
2009, p. 19).
Em relação ao Direito, se faz necessária a correlação com a Bioética, uma
vez que a legislação não pode – nem deve – se manter engessada frente ao
dinamismo da sociedade e ao avanço da ciência. O estudo da ética confere ao
estudioso do Direito sensibilidade para compreender os fatos, analisar suas
motivações e consequências, tornando-o mais capaz de tomar decisões corretas
e, desejavelmente, neutras com relação aos mais variados temas.
4. DO EMBATE ÉTICO-JURÍDICO
O aborto é pauta de discussões das mais variadas magnitudes: desde
conversas informais entre amigos até impasses entre candidatos a cargos
políticos, juristas e membros do legislativo. Não frequente, o assunto se inicia no
âmbito da sociedade civil para, posteriormente, chegar ao legislativo, como se
observou no caso da legalização de aborto em casos de fetos anencefálicos em
2012. À época, muito se foi falado sobre essa situação, gerando precedentes para
que, nos anos seguintes, a legalização do aborto fosse novamente questionada.
Ocorre, agora, situação semelhante, com a temática do aborto novamente em
ebulição na sociedade.
Os frequentes casos de microcefalia, associada à infecção por Zika, trazem
o questionamento acerca da legitimidade da interrupção gestacional em casos
525
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
que, assim como a microcefalia, os fetos, apesar da viabilidade da vida,
demandarão cuidados intensos e constantes por toda a sua existência pósnascimento, com baixíssima autonomia e independência – mesmo após atingir a
vida adulta.
Diante disso, torna-se de grande relevância refletir a respeito dos diversos
aspectos que circundam o tema aborto.
4.1 DO CONFLITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
No âmbito do Direito, discute-se o conflito de princípios constitucionais,
uma vez que, a partir da ótica do jurista, pode-se chegar a diferentes
interpretações do texto constitucional, cabendo tão somente ao Supremo Tribunal
Federal pacificar determinado entendimento.
Todavia, é sabido que não há soberania de um princípio sobre outro, sendo
desejável a harmonização destes instrumentos jurídicos nas mesmas proporções
em aplicações práticas. Os que condenam o aborto alegam que o princípio de
direito à vida se sobrepõe ao da dignidade da pessoa humana da mãe ou da
família, pouco importando o contexto social, financeiro ou de integridade físiconeurológica das partes. Não raro, a formação ético-cristã, muito presente na
cultura do brasileiro, se apresenta como fator decisivo para essa concepção.
Por outro lado, os que defendem a legitimação do aborto possuem um
perfil mais dinâmico, uma vez que suas opiniões podem variar de acordo com o
caso em questão: uns defendem indefinidamente; outros apenas em um ou outro
determinado caso. Os que assim pensam priorizam o princípio da dignidade da
pessoa humana da mãe/família, sugerindo maior autonomia sobre o corpo
feminino – que ganha força com o avanço dos movimentos de valorização da
mulher e empoderamento feminino.
Compreende-se que, para uma maior efetividade dos
direitos sexuais e reprodutivos, vistos como direitos humanos,
devem ocorrer ações de parceria entre a família, a sociedade e o
Estado, fazendo com que a criação de novas políticas continue
assegurando-os livres de preconceitos e dando prioridade para a
autonomia dos indivíduos, principalmente no que diz respeito a
sua capacidade de decidir sobre o seu corpo (LOCH, 2014, p.
129).
526
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
Com uma rápida análise sobre as duas correntes torna-se possível obter
uma certeza: o assunto deve voltar à pauta dos Poderes Legislativo e Judiciário,
dada à relevância social. A Constituição, Lei Maior de nosso ordenamento, deve
manter suas bases morais e principiológicas, preservando sua essência
democrática. Todavia, deve-se atentar para o fato de que uma lei que data de
1988 (assim como ocorre com demais leis, como o Código Penal, de 1940) está
sujeita às incompatibilidades normativas em relação à atualidade. Carlos Ayres
Britto (2016, p. 99) enfatiza a importância de a Carta Magna preservar o passado,
respeitar o presente e pensar no futuro:
Mais do que ser a Lei Fundamental do Estado é de todo o
povo brasileiro, a Constituição é a Lei Fundamental de toda a
nação brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que
faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é
instituição que engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o
povo de amanhã. Logo, à semelhança de cada família em
particular, nação é um misto de ideia e sentimento que faz a
contemporaneidade não perder de vista a ancestralidade nem
deixar de se antenar com a posteridade.
Mas a apreciação do tema na esfera jurídica deve se dar com mais
cautela, combinando informações da realidade social, delimitação da pauta,
avaliação do texto constitucional e a sua eficácia e correta aplicação para a
sociedade atual, eliminando qualquer influência religiosa, em respeito à laicidade
do Estado, e ao próprio conceito de justiça que é algo "essencialmente humano",
como já preconizava Aristóteles (2009, p. 136).
Ao negar a legitimidade do aborto em todo e qualquer caso, nega-se
também o conceito de justiça, que é a aplicação do justo, do correto, do adequado
ao caso concreto. A fragilidade do assunto demanda que o Direito não se
mantenha engessado, permitindo a constante atualização da promoção da justiça,
frente às mudanças sociais. Por isso, a discussão do aborto deve ser realizada
para que se conceitue o que é justo para cada caso, gerando precedentes
coerentes e condizentes com o tempo em que vivemos.
527
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
4.2 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana está sedimentado na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, III, como um dos cinco
fundamentos do Estado Democrático e de Direito. Magalhães (2012, p. 97) traz o
conceito de dignidade da pessoa humana:
O princípio da dignidade da pessoa humana é o
fundamento filosófico e jurídico dos direitos humanos e se
expressa nestes direitos, funciona também como metanorma,
indicando como devem ser interpretadas e aplicadas as outras
normas e princípios, em especial as normas definidoras de
direitos fundamentais, ampliando o seu sentido, reduzindo-os ou
auxiliando em conflitos entre direitos fundamentais. A dignidade
da pessoa humana é a chave de interpretação material das
demais normas.
Complementando o conceito do princípio, o Ministro do STF Luis Roberto
Barroso (2010, p. 10) explica a origem e a natureza jurídica da dignidade da
pessoa humana:
A dignidade da pessoa humana tem seu berço secular na
filosofia. Constitui, assim, em primeiro lugar, um valor, que é um
conceito axiológico, ligado à ideia de bom, justo, virtuoso. Nessa
condição, ela se situa ao lado de outros valores centrais para o
Direito, como justiça, segurança e solidariedade. (...) Ao viajar da
filosofia para o Direito, a dignidade humana, sem deixar de ser um
valor moral fundamental, ganha também o status de princípio
jurídico.
Não restam dúvidas sobre a relevância da dignidade humana enquanto
fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, tampouco se deve
questionar a necessidade de sua aplicação e constante proteção nas normas
editadas pelo legislador, assim como nas decisões tomadas pelo Poder Público.
Nos temas relacionados à Bioética e aos Direitos Humanos, a dignidade passa a
ser o princípio que conduz as discussões, como observa Magalhães (2012, p. 72):
“A dignidade da pessoa humana é a pedra angular de toda teoria dos direitos
humanos e das questões bioéticas referentes ao direito à vida“.
Ingo Sarlet (CANOTILHO [et al.] 2013, p.343) traz, por sua vez, o porquê
da dignidade ocupar um lugar de destaque na Constituição Federal de 1988:
528
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um
dos fundamentos do Estado Democrático (e social) de Direito (art.
1º, III), a CF de 1988, além de ter tomado uma decisão
fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação
do próprio Estado e do exercício do poder estatal, reconheceu
categoricamente que o Estado existe em função da pessoa
humana, e não o contrário. Da mesma forma, não foi por acidente
que a dignidade não constou no rol dos direitos e garantias
fundamentais, tendo sido consagrada em primeira linha como
princípio (e valor) fundamental, que, como tal, deve servir de norte
ao intérprete, ao qual incumbe a missão de assegurar-lhe a
necessária força normativa.
Quando falamos em aborto nos casos de microcefalia, falamos em
preservar a dignidade da mãe e dos demais membros da família diretamente
afetados pelo prosseguimento da gestação. Ao obrigar a mulher a levar a termo a
gravidez de uma criança com tamanho comprometimento neurológico e motor,
fazendo-a abrir mão de sua vida profissional, social e, não raro, da sua
estabilidade emocional, o Estado fere uma de suas mais importantes
prerrogativas constitucionais.
A dignidade deve ser compreendida, neste caso, como a possibilidade de
ter uma vida plena, feliz, de acordo com as suas decisões pessoais e familiares –
conceito que não condiz com a atuação opressora do Poder Público ao negar o
aborto nessas circunstâncias, conduzindo mulheres que se encontram nessa
situação a uma potencial infelicidade, tristeza constante e frustração pessoal e
familiar.
Sendo assim, a dignidade da pessoa humana deve ser vista como o fim em
todas as normas e decisões que envolvam indivíduos, buscando sempre o bemestar pessoal e coletivo, a realização e a felicidade plena.
4.3 DA REALIDADE SOCIAL
Com a negativa do legislador em relação ao aborto eletivo fora das
hipóteses permitidas no Código Penal, um número expressivo de brasileiras
recorre a medidas alternativas para efetivar o aborto. Os motivos vão desde a
insuficiência financeira para sustentar dignamente uma criança até vergonha por
uma gestação precoce e/ou não desejada.
529
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
Não obstante a criminalização do aborto na legislação
brasileira, aliada à forte campanha da Igreja Católica e de
organizações conservadoras, tem-se verificado um alto índice de
interrupção voluntária de gravidez, que leva milhares, todos os
anos, a procurarem o sistema público de saúde, na busca do
tratamento das complicações pela prática de aborto inseguro. A
conclusão é óbvia: temos uma lei que, por não impedir aquilo a
que se propõe, é inócua, mas que leva um número considerável
de mulheres - notadamente mulheres das camadas mais pobres
da população - à morte, justamente pela prática insegura a que
são submetidas (NASCIMENTO FILHO, p. 133).
Os métodos variam de acordo com a condição socioeconômica da
gestante, uma vez que existem desde clínicas clandestinas com o devido conforto
e assistência médica necessária até medicamentos para a autoindução. Evidente
que o alto custo da primeira opção a torna inviável para a maior parte das
mulheres, o que as leva a buscar meios alternativos e baratos que, não
raramente, causam complicações ou deixam sequelas irreversíveis, tornando o
aborto clandestino um problema social e de saúde pública.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde 9 , mais de 65 mil
mulheres morreram no Brasil durante ou após o parto em decorrência de práticas
abortivas no ano de 2013. Se considerássemos os abortos ilegais que foram bemsucedidos e guardados em segredo e que, por essa razão, dificilmente aparecem
em dados oficiais, o número seria ainda mais assustador.
Em agosto de 2015, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
divulgou uma ampla pesquisa sobre o aborto no país10, concluindo que mais de
um milhão de brasileiras, entre 18 e 49 anos, recorreram ao aborto ao menos uma
vez na vida. Só em 2013 foram mais de 150 mil casos de internações motivadas
por complicações decorrentes de abortos.
No estudo, fica claro que se trata de um problema social, uma vez que
predomina entre as mulheres pardas e negras, com baixa ou nenhuma instrução
e que habitam as regiões mais pobres do país: os casos avaliados pelo IBGE
9
Centro Regional de Informações das Nações Unidas. OMS - segundo um novo estudo, o
panorama em termos de saúde sexual e reprodutiva é muito sombrio. Disponível em:
http://www.unric.org/pt/actualidade/7120http://www.unric.org/pt/actualidade/7120.
Acesso
em:
18/10/2016.
10
IBGE.
Pesquisa
Nacional
de
Saúde
2013.
Disponível
em:
http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pns/default.asp?o=23&i=P. Acesso em: 20/09/2016.
530
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
ocorrem em maior número na região nordeste (39,2%), contra menos de 7% na
região sul, por exemplo. Quanto ao nível de instrução, apenas 10% das
entrevistadas possui curso superior completo, sendo 33% delas sem instrução
alguma.
Antes de integrar as estatísticas do aborto feito às escuras, muitas
gestantes tentam uma autorização judicial para realizar a interrupção da gravidez
com a tutela do Estado e a segurança necessária para este tipo de procedimento.
Debora Diniz (2003, p. 02) acredita que, com o advento de novas tecnologias para
exames pré-natais, como a ecografia, a discussão sobre o aborto se fortaleceu
em decorrência da certeza de más-formações fetais. Por consequência, o número
de ações judiciais pleiteando o direito de abortar aumentou: “Estima-se que mais
de dois mil pedidos judiciais já foram feitos para autorizar interrupções seletivas
da gestação no país, a grande maioria realizada em hospitais públicos” (DINIZ,
2003, p. 02).
As frequentes judicializações do aborto, aliás, levaram à legalização do
procedimento nos casos de anencefalia. Agora, observamos, novamente, essas
condutas de grávidas recorrendo ao Poder Judiciário para buscar uma
autorização para o aborto em casos de más formações congênitas graves – como
é o caso da microcefalia.
4.4
DA LEGITIMIDADE DO ABORTO NOS CASOS DE MICROCEFALIA
A discussão acerca da legitimidade do aborto nos casos de microcefalia
tem como objeto a promoção e manutenção da dignidade da mãe. A gestante
com diagnóstico de feto microencefálico tem perante si um prognóstico que gera
inúmeras consequências. Embora a vida seja potencialmente viável, a criança
nascida com essa condição neurológica terá um desenvolvimento limitado,
necessitando de acompanhamento multidisciplinar, medicamentos de alto custo,
além de eventuais próteses e órteses.
Evidente que, com o adequado tratamento, a sobrevida é possível,
podendo, inclusive, proporcionar desenvolvimento satisfatório, dada à gravidade
da condição. Contudo, o alto custo do tratamento e a precariedade do Sistema
Único de Saúde (SUS), torna difícil atingir este nível de tratamento, na sua
integralidade. A situação do SUS é tão crítica, que, em junho de 2016, o déficit do
531
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
sistema já alcançava R$ 50 bilhões11. Já em agosto do mesmo ano, foi anunciado
que, desde 2012, o Governo Federal deixou de repassar R$ 3,5 bilhões ao SUS
por causa da difícil situação fiscal que assola a União12, sobrecarregando estados
e municípios, que também se encontram em complicada situação financeira.
Em setembro deste ano, o Procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
defendeu o aborto para grávidas infectadas pelo Zika através de um parecer
enviado ao STF13. No documento, caracteriza a situação atual como justificação
genérica de estado de necessidade e traça um paralelo com a decisão tomada
pelo Supremo em 2012, autorizando a interrupção gestacional em casos de fetos
anencéfalos. Segundo Janot, a decisão da ADPF 54 também deve valer em casos
de diagnóstico de infecção do Zika, visando tutelar a saúde física e mental da
mulher e sua autonomia reprodutiva. O Procurador-geral classifica como
constitucional esse tipo de aborto. Em seu parecer, ele afirma que, nos casos de
gravidez decorrente de estupro, há um estado de evidente e excepcional
sofrimento e desamparo – idêntico nível, afirma, de sofrimento e desamparo
gerado nos casos de microcefalia decorrentes da infecção pelo Zika. Este
sofrimento, alega Janot, seria em grande parte por causa da omissão do Estado
que falha ao proteger as mulheres nessas condições e que não pode ser
responsável pelo sofrimento das mulheres.
Por razões semelhantes, a Tailândia decidiu, em outubro de 2016, pela
legalização do aborto em casos de más-formações congênitas decorrentes da
infecção por Zika14.
11
SUS já amarga déficit de R$ 50 bilhões e pode perder mais. JC Online. Publicado em
05/06/2016.
Disponível
em:
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/nacional/noticia/2016/06/05/sus-ja-amarga-deficitde-r-50-bilhoes-e-pode-perder-mais-238755.php. Acesso em: 23/09/2016.
12
Governo deixou de repassar R$ 3,5 bi para o SUS desde 2012, diz Geddel. Globo.
Publicado em 23/08/2016. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/governoacumula-deficit-de-r-35-bi-em-repasses-do-sus-diz-geddel.html. Acesso em 23/09/2016.
13
Janot defende aborto para grávidas infectadas pelo vírus do zika. Globo. Disponível em:
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/09/janot-defende-aborto-para-gravidas-infectadas-pelozika-virus.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1. Publicado em
07/09/2016. Acesso em: 09/09/2016
14
Tailândia permitirá aborto em casos de microcefalia ligada ao zika. O Globo. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/rio/tailandia-permitira-aborto-em-casos-de-microcefalia-ligada-ao-zika20248418. Publicado em 06/10/2016. Acesso em: 07/10/2016.
532
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
Assim como no Brasil, o aborto na Tailândia é ilegal, salvo em casos
específicos, como em decorrência de estupro. A decisão deve servir de opção às
mulheres do país, que já contabilizou 392 casos confirmados da doença somente
neste ano.
A temática do aborto também tem gerado polêmicas na Irlanda, onde, em
junho de 2016, o Comitê de Direitos Humanos da ONU classificou como
“desumana” a lei local que não permite a interrupção da gestação em casos de
más-formações fetais 15 . Esta foi a primeira manifestação de um organismo
internacional de direitos humanos no sentido de condenar um Estado pela
criminalização do aborto, sob os argumentos de que a norma violaria os direitos
humanos, classificando-a, ainda, como “discriminatória e responsável pela
submissão de mulheres a tratamento cruel, desumano e degradante”.
A condição socioeconômica da família, nesse caso, é um fator
determinante do impacto que a microcefalia causará nesse núcleo, uma vez que,
dificilmente a mãe poderá retornar ao mercado de trabalho com a dedicação e a
disponibilidade necessárias à realização profissional. Os resultados podem ser
dois: frustração pelo afastamento da vida profissional; e/ou comprometimento do
orçamento familiar, prejudicando os demais membros da família.
(...) proibir toda interrupção de gravidez é obrigar muitas
mulheres a gerar, mesmo que elas vivam essa gravidez como
gravemente contraindicada, ou mais, como comprometendo
importantes valores de vida. E o que representa para a criança
esta primeira oposição? O que permite pensar que forçando a
mulher a levar a termo uma gravidez, a aceitação e o acolhimento
ausentes no início irão nela desabrochar? (PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2014, p. 350)
Importante salientar que o surto de microcefalia que ocorre no Brasil, como
consequência do vírus Zika, é uma situação nova, e, como tal, deve o Estado ser
provocado a tomar atitudes em relação às consequências que estão surgindo, sob
pena de negligenciar uma situação de grande relevância social. Mister lembrar
que o Direito, na sua função de promover a justiça, tem de adequar suas normas
15
Proibição da Irlanda sobre o aborto viola os direitos humanos – uma decisão inovadora das
Nações Unidas. Anistia Internacional Brasil. Disponível em: https://anistia.org.br/noticias/proibicaoda-irlanda-sobre-o-aborto-viola-os-direitos-humanos-uma-decisao-inovadora-das-nacoes-unidas.
Publicado em 09/06/2016. Acesso em: 18/10/2016.
533
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
para a correta aplicação aos casos concretos, permitindo uma "oxigenação" da
Lei e evitando que está se torne engessada e pouco efetiva frente à realidade
social. Norberto Bobbio (2014, p. 18) explica a possibilidade de uma eventual
arcaicidade normativa: “O que parece fundamental numa época histórica e numa
determinada civilização não é fundamental em outras épocas e culturas”.
Em "Ética a Nicômaco”, Aristóteles traz o conceito do caráter equitativo e
destaca a importância de sua incorporação à justiça, na forma de retificações na
Lei, de modo a preencher lacunas que surgem por omissão do legislador ou
mudança dos tempos e da sociedade.
O fundamento para tal função retificadora resulta de,
embora toda a lei seja universal, haver, contudo, casos a respeito
dos quais não é possível aplicá-los na sua totalidade de modo
correto, a lei tem em consideração apenas o que se passa o mais
das vezes, não ignorando, por isso, à margem para o erro, mas
não deixando, contudo, por outro lado, de atuar menos
corretamente (ARISTÓTELES, 2009, p. 125).
A situação em tela diferencia-se do aborto eletivo de feto saudável, quando
a gestação indesejada poderia ter sido evitada por meio dos diversos e eficazes
métodos anticoncepcionais e, por quaisquer razões, não foi feita. Tampouco se
assemelha ao conceito de eugenia abordado na Alemanha nazista (1933-1945),
que objetivava a aniquilação de qualquer forma de anomalia para promover a
"pureza" da raça ariana.
Trata-se aqui de uma situação específica, de grandes proporções, início
súbito, consequências particularmente graves para o indivíduo e a família, além
da notável fragilidade estatal para prover os tratamentos de saúde a que se
propôs na Constituição Federal, conforme se observa no artigo 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Apesar da redação aparentemente simples do legislador constitucional, a
aplicação prática do dispositivo deve ter o maior alcance possível, com
534
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
características de proteção e manutenção da saúde, com atenção às mudanças
sociais e tecnológicas que venham a ocorrer.
O direito à saúde encontra-se, portanto, relacionado a
inúmeros fatores que muitas vezes não são previamente
identificáveis, como avanços tecnológicos que redundam em
novos e mais eficientes tratamentos, surtos epidêmicos que
demandam imediata reação por parte do Poder Público,
modificações estruturais da sociedade que exijam o repensar do
planejamento sanitário. Desse modo, a relativamente baixa
densidade normativa do conteúdo constitucional não pode ser
compreendida como baixo nível de vinculação jurídica: pelo
contrário, a natureza principiológica da norma é condição para
que sua realização e proteção alcancem níveis adequados, de
acordo com as peculiaridades as especificidades de cada região e
a partir das ações e serviços de saúde existentes em dado
momento histórico (PIVETTA, 2014, p. 58).
Outro fator a ser considerado no tocante ao aborto nos casos de
microcefalia é que em 1940, época da promulgação do Código Penal vigente, não
dispúnhamos da tecnologia de diagnósticos que hoje é rotineiramente utilizada
nos exames pré-natais, como a ultrassonografia, por exemplo, que permite avaliar
o desenvolvimento e a morfologia do feto por meio de imagens. A ausência do
recurso tornava esse tipo de interrupção da gestação inviável, uma vez que era
impossível saber se a criança tinha microcefalia até o momento do nascimento. A
ultrassonografia é fornecida pelo SUS desde 2010 e integra a relação de exames
necessários durante a gestação, por orientação do Ministério da Saúde. Hoje,
com o correto acompanhamento médico e a realização dos exames pré-natais, é
possível diagnosticar a microcefalia com precisão ainda na gravidez, o que
viabilizaria materialmente a interrupção sem assumir o risco de prejudicar um feto
saudável.
Cumpre destacar, ainda, que a Lei permite o aborto nos casos de estupro
(art. 128, II do Código Penal). Está prerrogativa visa preservar a dignidade da
mãe que, outrora violentada, sofreria em demasia por ter de conviver com o fruto
deste crime. Vê-se aqui que o legislador optou por priorizar um princípio a outro:
dignidade ante a vida. Note-se, ainda, que o feto a ser abortado não precisa de
nenhum diagnóstico comprovando a inviabilidade da vida, pelo contrário, pode ser
absolutamente saudável e com potencial para nascer e crescer normalmente,
com toda expectativa de direito que lhe é inerente. A análise dessa situação
comprova que o legislador não hierarquiza os princípios constitucionais, devendo
535
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
valorá-los à luz do caso concreto, objetivando, sempre que possível, a sua
harmonização.
O prognóstico da disseminação do vírus Zika não parece bom, uma vez
que o mosquito transmissor, Aedes aegypti, há anos atormenta o país com
doenças como a Dengue e a Febre Amarela. Embora a repercussão internacional
tenha estimulado inúmeros estudos por todo mundo com objetivo de formular uma
imunização, o procedimento de aprovação de vacinas é longo e burocrático,
podendo levar anos até que chegue efetivamente à população. O clima do Brasil,
especialmente nas regiões norte e nordeste, é adequado à reprodução do
mosquito transmissor, por ser quente e úmido - não à toa, essas são as regiões
com maiores índices de microcefalia associada à contaminação por Zika.
Diante de todos esses fatos, o aborto nestes casos especificamente passa
a ser uma alternativa a ser discutida pela sociedade e pelas autoridades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aborto deve ser tratado com a atenção e o cuidado que o assunto
necessita, dada à fragilidade do tema e o impacto prático na vida das pessoas. No
entanto, é certo que o Poder Público deve discutir e deliberar sobre essa situação
o quanto antes, uma vez que a realidade do Brasil demanda, cada vez mais, uma
postura do Estado. O Direito deve, quando necessário, renovar o entendimento
legal e as normas que balizam a vida das pessoas, proporcionando, assim,
atualização e adequação à realidade social. As retificações legais são a essência
da prerrogativa de promoção da justiça, inerente ao Direito.
No caso do aborto, deve-se tratar do tema focando na gestação de feto
com microcefalia, uma vez que a legalização de toda forma de aborto, tornando-o
eletivo para todos os casos, é uma discussão diversa, com outros objetivos e que
implica em outras consequências. No caso em tela, temos um cenário inédito,
preocupante e com grandes repercussões, e que, ao contrário do aborto eletivo
de feto saudável, não foi resultado de uma ação impensada dos pais, gerando
consequências por eles inimagináveis.
A interrupção de uma gestação sempre é algo complicado, seja pelo
procedimento em si, seja pelo abalo emocional de privar uma vida em potencial.
536
Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas
No entanto, é admissível, neste caso específico, que se pesem as consequências
de levar adiante uma gravidez nessas condições para fazer a escolha.
A mulher que decide prosseguir ou interromper uma
gravidez não o faz ou não deveria fazê-lo, a não ser em nome da
possibilidade ou impossibilidade de suscitar humanamente a vida,
isto é, a decisão de ter um filho deverá ser devidamente pesada
em todos os seus riscos e responsabilidades (PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2014, p. 350).
Ciente dos riscos, do desenvolvimento de uma criança com microcefalia,
da taxa de mortalidade e dos cuidados vitalícios a serem dispensados ao portador
de microcefalia, os genitores terão condições necessárias de decidirem o melhor
rumo a ser dado para o seu núcleo familiar.
Zelar pela vida é por demasia simples, devendo ser compreendido da
seguinte forma: zelar por uma vida digna. O aborto nos casos de microcefalia não
se trata de uma irresponsabilidade, mas de uma casualidade associada à falência
do Estado no combate de uma endemia de grandes consequências. Deve este
mesmo Estado prover a atenção necessária às famílias atingidas, respeitando
suas escolhas e fornecendo as informações necessárias e as condições seguras
para a realização do procedimento, salvando, dessa forma, inúmeras mulheres
dos perigos da clandestinidade.
Mais do que defender a legalização do aborto nos casos de microcefalia,
devemos defender a discussão da legitimidade do aborto. A principal ferramenta
da Bioética é, exatamente, a discussão, que permite buscar alternativas justas e
adequadas às novas situações que surgem com o avanço dos tempos e das
tecnologias, em especial, da medicina:
A bioética não é um código jurídico de deveres e muito
menos um receituário de soluções morais. Ela é um fórum de
discussão de cunho pluralista e multidisciplinar, pautado pela
argumentação ética e pelo diálogo crítico entre os diferentes
posicionamentos morais, participantes da solução de um
problema, do equacionamento de um dilema ou da resposta a um
desafio que tenham como base a vida e a saúde. Portanto, ela
não se pauta pela perspectiva jurídica de um código de leis, mas
pela sabedoria prudencial do discernimento ético (ARGIMON;
GAUER; OLIVEIRA, 2009, p. 18).
537
Alice Nader Fossa e Marta Luiza Leszczynski Salib
Não deve o Estado ignorar o alto número de procedimentos clandestinos; o
expressivo número de mortes maternas em consequência de interrupções de
gestação ilegais; a própria falência na promoção e manutenção da saúde,
especialmente no que se refere a um tratamento particularmente caro, longo e
complexo. Nas palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos
Ayres Britto (2016, p. 66), é importante que os operadores do Direito atuem
associando o "senso de justiça real, material. Que não é senão sensibilidade
social à flor da pele (...) sem, contudo perder de vistas as coordenadas mentais
do Direito legislado". Pelas razões supracitadas, entende-se que deve ser
alterado o entendimento da norma penal, ampliando seus efeitos para que
permita a interrupção da gestação nos casos de feto com microcefalia.
Discorrer acerta do assunto com legisladores, doutrinadores e brasileiros
em geral é a chave para a atualização da Lei de acordo com as demandas
populares, mantendo a coerência e a adequação do nosso ordenamento jurídico.
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