Microcefalia – Um Agravo Antigo Diminuição do perímetro cefálico com mais de dois desvios-padrões abaixo da média para sexo e idade gestacional define microcefalia. Sendo que alguns termos, por vezes, são usados como sinônimos, Microcrania; Microencefalia e Microcéfalo. Nessa condição relativamente rara, a calvária e o encéfalo são pequenos, mas a face tende a ter tamanho dentro da normalidade. E os recém-nascidos (RN) acometidos têm um retardo mental grave, pois os seus encéfalos são subdesenvolvidos. O desenvolvimento e crescimento da calvária são induzidos, em grande parte, pela pressão exercida pelo encéfalo em expansão. Assim, a microcefalia resulta em uma microcrania, o que diferencia da microcefalia de crânios pequenos, decorrente de craniossinostoses, na qual o tratamento cirúrgico pode melhorar o desenvolvimento cerebral. Não é uma entidade única e depende de vários fatores para que ocorra, sendo sua causa frequentemente incerta. Alguns casos parecem ter origem genética (autossômica recessiva), e outros são causados por fatores ambientais. A exposição a grandes quantidades de radiação ionizante, intoxicação por cobre, agentes infecciosos (Citomegalovírus, Herpes simples, Vírus da rubéola, vírus do tipo 1 da imunodeficiência humana adquirida (HIV-1) in utero e Toxoplasma gondii), e algumas drogas (alcoolismo materno, causando Síndrome Alcóolica Fetal) durante o período fetal, de organogênese e crescimento, são os fatores contribuintes em alguns casos. O encéfalo origina-se da região que se prolonga do tubo neural cefálico ao quarto par de somitos. A fusão das pregas neurais da região cefálica e o fechamento do neurosporo rostral formam três vesículas encefálicas primárias, as quais são: Prosencéfalo (encéfalo anterior); Mesencéfalo (encéfalo médio); Rombencéfalo (encéfalo posterior). A partir dessas vesículas tem origem o encéfalo. Anormalidades que acometem o prosencéfalo como é o caso da megaleucefalia (grande volume encefálico) e da microcefalia, (pequeno volume encefálico) são razoavelmente raras, sendo que a microcefalia é de longe a mais comum entre as duas. Sendo postulado que a anormalidade subjacente é a redução do número de neurônios que alcançam o neocórtex, levando a uma simplificação das dobras dos giros, modelo este sustentado por resultados encontrados em análises experimentais com animais (murinos). Os dados epidemiológicos são escassos, mas os resultados disponíveis exibem prevalência sul-americana de Defeitos no Tubo Neural (DTN) em torno de 0,83/1.000 a 1,87/1.000 nascimentos, e esses números tendem a crescer com o passar dos anos, seja pelo aumento no número de nascimentos, principalmente nos países subdesenvolvidos, seja pelo acometimento de doenças infecciosas e exposição a elementos teratogênicos durante a gestação. Dados do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) sugerem que a microcefalia tem incidência de 11/125 DTN e de 3,25-7,3/15.500 partos. Casos graves de microcefalia definidos com mais de três desvios-padrões abaixo da média, podem ser esperados somente em 0,14% dos neonatos e 0,1% das crianças. No entanto, atualmente o Brasil destoa desses dados devido a alterações no padrão de ocorrência de microcefalia, sendo então declarada situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Dessa forma, instituiu-se o sistema de notificações imediatas para a ocorrência de microcefalia. Foram divulgados informes epidemiológicos no decorrer do ano com o intuito de monitorar os casos de microcefalia no Brasil. Como exemplifica o trecho a seguir retirado do primeiro informe publicado: Até 21 de novembro de 2015, foram notificados 739 casos suspeitos de microcefalia, identificados em 190 municípios de nove estados do Brasil. Na Semana Epidemiológica 46/2015, apenas o estado de Goiás notificou caso fora da região nordeste. Os casos seguem a seguinte distribuição: Pernambuco (487 casos; 65,9%), Paraíba (96 casos; 13,0%), Sergipe (54 casos; 7,3%), Rio Grande do Norte (47 casos; 6,4%), Piauí (27 casos; 3,7%), Alagoas (10 casos; 1,4%), Ceará (9 casos, 1,2%), Bahia (8 casos; 1,1%) e Goiás (1 caso; 0,1%). Entre o 1 total de casos, foi notificado um óbito suspeito no estado do Rio Grande do Norte. Diante do quadro alarmante de novos casos, iniciou-se uma corrida pela pesquisa do fator etiológico, o que foi confirmado com a detecção do genoma do Zika Vírus (ZIKV) realizada pelo Instituto Osvaldo Cruz em líquido amniótico de duas mulheres grávidas de fetos com microcefalia, seguida da detecção do ZIKV pelo Instituto Evandro Chagas em neonato (caso fatal) com microcefalia, proporcionando à ciência o reconhecimento da associação entre ZIKV e os casos de microcefalia, ora observados no Brasil. No entanto, não há como afirmar que a presença do ZIKV durante a gestação leva, inevitavelmente, ao desenvolvimento de microcefalia no feto. A exemplo de outras infecções congênitas, o desenvolvimento dessas anomalias depende de diferentes fatores, que podem estar relacionados a carga viral, fatores do hospedeiro, momento da infecção ou presença de outros fatores e condições desconhecidas até o momento. Para o diagnóstico de microcefalia o médico utiliza como base a medida do Perímetro Cefálico (PC) ou Circunferência Occipitofrontal (COF) do RN, que deve ser acompanhada em todas as crianças em fase de crescimento. Como regra, a COF de crianças normais deve ser proporcional à distância craniocaudal. 1 Informe Epidemiológico nº 01/2015 – Semana Epidemiológica 46 (15 A 21/11/2015) Monitoramento dos casos de microcefalia no Brasil A medição do PC é feita com fita métrica não extensível, sendo os valores obtidos registrados em gráficos de crescimento craniano, tabela de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) simplificada, para medida do PC, permitindo a construção da curva de cada criança e a comparação com os valores de referência. Mudanças no padrão de crescimento e valores anormalmente pequenos para idade e o peso devem ser investigados. Atualmente se usa pontos de corte fixos que dividem os RN em sexo e em nascidos a termo (≥37 semanas) e prematuro (<37 semanas). Os RN a termo têm ponto de corte do PC fixo em 32 cm, o que é percentil 2.6 para meninos e 5.6 para meninas, tanto no gráfico de PC adotado pela OMS quanto pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC). E RN vivo com menos de 37 semanas de idade gestacional, apresentando medida do perímetro cefálico abaixo do percentil 3.0, segundo a curva de Fenton, para o sexo. A microcefalia pode ser detectada ainda in utero por varredura ultrassonográfica feita durante a gestação. Outros exames de imagem têm caráter investigativo e após o enquadramento do RN como microcefálico são solicitados, sendo eles: Ultrassonografia transfontanela (US-TF), que é primeira opção de exame após a confirmação clínica; Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, sem contraste, necessária apenas se a US-TF apresente sinostose prematura das suturas cranianas. Cerca de 90% das microcefalias estão associadas com retardo mental, exceto nas de origem familiar - fenotípica, que podem ter o desenvolvimento cognitivo normal. O tipo e o nível de gravidade da sequela variam caso a caso. Algumas morbidades podem acompanhar a microcefalia como: epilepsia, paralisia cerebral, retardo no desenvolvimento cognitivo, motor e fala, além de problemas de visão e audição. Diante desses acometimentos é estabelecida uma triagem neonatal como a realização do teste do pezinho, orelhinha e olhinho, com o intuito de diferenciar os principais agentes causais. A Triagem Auditiva Neonatal (TAN) – teste da orelhinha – deve ser realizada nas primeiras 24-48hs de vida do RN. Em crianças com microcefalia deve-se realizar o exame Potencial Evocado de Tronco Encefálico (PEATE) como primeira escolha para diagnóstico de perda auditiva. A Triagem Ocular Neonatal (TON) - teste do olhinho – faz parte do exame físico do RN e deve ser feito ainda na maternidade, contemplando a inspeção e o Teste do Reflexo Vermelho (TRV) da retina, por meio de fecho de luz. A Triagem Neonatal Biológica (TNB) – teste do pezinho – é rotina em 85% das maternidades e inclui investigação para doenças como a Fenilcetonúria, Hipotireoidismo congênito, Doença falciforme e outras hemoglobinopatias, Fibrose cística, Hiperplasia adrenal congênita e Deficiência de biotinidase. Não há tratamento específico para a microcefalia. Existem ações de suporte que podem auxiliar no desenvolvimento do neonato e da criança, e este acompanhamento deve ser preconizado. Como cada criança desenvolve complicações diferentes entre elas respiratórias e neurológicas, o acompanhamento por diferentes especialistas vai depender de suas funções que ficarem comprometidas. O acolhimento e o cuidado as crianças com microcefalia e suas famílias são essenciais para que se conquiste o maior ganho funcional possível nos primeiros anos de vida, fase em que a formação de habilidades primordiais e a plasticidade neuronal estão fortemente presentes, proporcionando amplitude e flexibilidade para progressão do desenvolvimento nas áreas motoras, cognitiva e de linguagem. O prognóstico da microcefalia é incerto, mas a doença tem o caráter incapacitante e de predisposição ao retardo mental, já que ocorre um subdesenvolvimento de áreas corticais essenciais, como o prosencéfalo, responsável por grande parte das habilidades de interação humana. Com isso, compreende-se que a microcefalia é uma doença que acomete há muito tempo a sociedade, tendo sido descrita inicialmente em conjunto com várias síndromes, como a Síndrome de Seckel e Hallermann-Streiff. Mas que atualmente está em alta no Brasil devido a descoberta de sua ligação com a infecção pelo Zika vírus. Prof. Dr. Gerardo Cristino Filho Acd. Thomas Dominik de Souza dos Reis Referências bibliográficas o ROSEMBERG, Sergio. Neuropediatria. São Paulo: Sarvier, 2010. 424 p. ISBN 9788573782004; o GREENBERG, Mark S. Manual de neurocirurgia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. xxii, 1474 p. ISBN 9788536326412; o GREENBERG, David A.; AMINOFF, Michael J.; SIMON, Roger P. Neurologia clínica. 8. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 2014. 478 p. ISBN 9788580553543; o CAMPBELL, William W.; DEJONG, Russell N. Dejong, o exame neurológico. 7.ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, c2014. x, 563 p. ISBN 9788527725132; o Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo de Vigilância e Resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo Vírus Zika. Disponível em http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/dezembro/09/Microcefalia---Protocolo-de-vigil-ncia-eresposta---vers--o-1----09dez2015-8h.pdf.