Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ LABORATÓRIO DE TERMODINÂMICA APLICADA Experiência N° 5. DETERMINAÇÃO DO EQUIVALENTE MECÂNICO DO CALOR “J” 1. Introdução Se um corpo recebe energia térmica, então ocorre um aumento de sua energia interna e conseqüentemente, uma elevação de sua temperatura. Isto é válido se não ocorrem transformações de fase neste corpo. Entre a quantidade de energia térmica Q doada a uma corpo e a energia absorvida por ele, traduzida por um T, existe a proporcionalidade Q = T. A grandeza Q / T denomina-se capacidade térmica do corpo considerado. Ela é proporcional a massa m do corpo = c m e é, portanto, uma grandeza dependente do material. A capacidade térmica por unidade de massa c = /m é chamada de calor específico (equação 1) (Van Wylen, 1986): 1 Q c (1) m T A esta relação está associada a histórica definição de caloria ou kilocaloria (kcal), uma unidade tomada como referência para a medida de energia térmica. Ela é a quantidade de energia necessária para, a uma pressão de 760 Torr, variar a temperatura de um quilograma de água de 14,5 a 15,5oC. A kilocaloria é uma unidade de energia e corresponde na tabela de vapor, adotada a partir da 5a Conferência Internacional sobre as propriedades do vapor de 1956 em Londres, a 1 kcalIT = 1000 cal = 4,1868 103 J. Já em 1948 na Conferência Geral de Massas e Pesos foi adotado o Joule como unidade de energia térmica, de modo que a kilocaloria passou a ser uma unidade secundária. A questão da precisão do valor do ‘equivalente mecânico ou elétrico do calor” passou a ser irrelevante. Outras unidades de energia que caíram em desuso são:O erg (10 7 = 1 erg), O Btu (9,478 10-4 Btu = 1 J) e o eV (6,242 1018 eV = 1 J), Sistema Internacional de Unidades (1984). As principais unidades para expressar quantidade de energia utilizadas atualmente são: O Newton.metro (Nm), utilizado principalmente para trabalho mecânico (energia mecânica); o Joule (J), utilizado principalmente para calor (energia térmica); o Watt.segundo (Ws), utilizado principalmente para o trabalho elétrico (energia elétrica), Stoecker (1998). As unidades de energia são equivalentes entre si: 1Nm = 1 J = 1 Ws = 1 VAs = 1 kgm 2/s2. Isto significa que para fazer fluir uma corrente de 1 Ampere a uma tensão elétrica de 6 Volt durante 1 segundo, necessita-se exatamente a mesma quantidade de energia para elevar uma massa com a força de 6 Newton a uma altura de 1 metro. Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ O “equivalente mecânico do calor J” é um fator que representa a relação existente entre a energia mecânica e a térmica (expressa em caloria), quando uma se converte na outra. A conversão de energia mecânica em térmica é mais difícil de ser obtida experimentalmente do que a conversão de energia elétrica em térmica. No entanto, os resultados são equivalentes, uma vez que o fenômeno envolvido “efeito Joule” e “transporte de energia” são de mesma natureza. O experimento proposto simula a energia mecânica a partir da dissipação de energia térmica em um resistor submetido a uma diferença de potencial. Mesmo considerando a não utilidade do valor de “J” para cálculos de energia, consideramos o experimento de grande valia didática: - Os sistemas físicos envolvidos em experimentos podem ser interpretados a partir de técnicas de medições e através de diferentes métodos matemáticos analíticos, numéricos ou híbridos, Bassani et all (1998); - A aplicação de técnicas experimentais em sala de aula é fundamental para o processo ensino-aprendizagem, pois elas contribuem na formação profissional a medida que este desenvolve atitudes e hábitos coerentes com a metodologia científica , Kieckow, et all (1999); - A experimentação possibilita o confronto do modelo real com o teórico, assim como, a análise de erros e incertezas do sistema estudado. Este Laboratório tem como objetivo a modelagem matemática de fenômenos físicos a partir do experimento instrumentado. A proposta é: (a) mostrar como se modelam matematicamente sistemas físicos simples; (b) comparar os resultados de medições experimentais com os cálculos da modelagem analítica e (c) interpretar o fenômeno a partir das variáveis envolvidas no mesmo. 2. Modelagem do sistema térmico O sistema térmico analisado é composto por um resistor, água e um calorímetro, Fig.(1). O sistema é isolado do ambiente pela fronteira de dois outros recipientes no entorno do calorímetro. A água é colocada no calorímetro e o resistor de resistência R é imerso nela. Uma tensão elétrica V é aplicada no resistor e ajustada a um valor fixo. Assim, ocorre uma dissipação constante de potência P no resistor. Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ Figura 1. Esquema de montagem da experiência Neste “Sistema Termodinâmico” ocorrem pelo menos três fenômenos físicos envolvendo a transferência de energia: Fenômeno 1: A energia elétrica converte-se em energia térmica no resistor devido ao efeito Joule (maioria dos resistores quando excitados com cc). Se transdutores conversores são dispositivos que convertem e transferem energia entre dois sistemas, Borchardt (1999), então o resistor é um transdutor conversor de energia elétrica em térmica, Fig. (2). Figura 2. Esquema do resistor como um transdutor conversor de energia. A energia elétrica é fornecida ao resistor através de uma fonte de tensão elétrica, Fig.(3). Se V é a tensão elétrica nos terminais da fonte e o resistor R está ligado aos terminais A e B, da fonte, então circulará uma corrente I através de R. A potência P dissipada em R será: P = V.I = V2/R (2) Esta potência elétrica é convertida principalmente em térmica no resistor R, que terá sua temperatura elevada. Este fenômeno é conhecido como “Efeito Joule”. Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ Figura 3. Fonte de energia elétrica e a sua conversão em energia térmica no resistor. Fenômeno 2: A energia interna da água e do calorímetro aumentam. Ocorre transferência de calor na fronteira entre o resistor e a água. Por conseguinte, o calorímetro e a água absorvem a energia térmica e esta é convertida em energia interna. Os fenômenos de transporte de energia envolvidos são convectivos e difusivos na água e difusivo nas paredes do calorímetro. Fenômeno 3: Se a água e o calorímetro estão a uma temperatura maior que a do ambiente, então hverá troca de energia com o ambiente (sistema não isolado). Considerando o balanço de energia para os fenômenos analisados, tem-se: Energia fornecida Energia absorvida ao sistema pelo sistema Energia tranferida ( Energia elétrica (energia int erna da pelo sistema fornecida e convertida água e do ( para o ambiente ) emtérmica) calorímetro Analisando-se cada um destes termos num intervalo de tempo dt tem-se: a) No primeiro bloco, a energia elétrica fornecida pelo resistor é E = V2/R dt (3) a qual é convertida em energia térmica. b) No segundo bloco, se T é a temperatura da água no tempo t e T0 a temperatura ambiente constante, define-se para o gradiente de temperatura a variável v = T – T0, e dv = dT: A energia térmica absorvida pela água para elevar sua temperatura de valor infinitesimal dT ou dv é c ma dv, onde c é o calor específico da água e ma é a massa de água. A energia térmica absorvida pelo calorímetro pode ser representada por um “equivalente em água” me definido por c me dv. A energia térmica total absorvida na forma de energia interna é: c ma dv + c me dv = c(ma + me) dv (4) c) No terceiro bloco, a transferência de energia para o ambiente ocorre por fenômeno de transporte condutivo ou convectivo. como o fluxo de calor é proporcional ao gradiente de temperatura v e a condutividade térmica k, a energia transportada no tempo dt é: Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ k(T – T0) dt = k v dt (5) O equivalente mecânico do calor J pode ser interpretado analisando-se o fenômeno físico envolvido. como deseja-se saber quanto vale a relação existente entre a quantidade de energia elétrica transformada em energia térmica, J equivale a: V2 R (6) J dv c(ma me ) kv dt Substituindo-se as Eq. (3), (4) e (5) no balanço geral de energia obtém-se uma equação diferencial não homogênea que rege o sistema físico: V2 (7) dt J c (ma me ) dv J k v dt R Em termos de potência obtém-se: V2 dv (8) P J c (ma me ) J k v R dt Discussão A energia trocada entre o calorímetro e o ambiente só será zero se: a) k = 0, ou seja, o calorímetro é um isolante perfeito, ou, b) v = 0, ou seja, o calorímetro está a temperatura ambiente. Assim, aquecendo-se o calorímetro a partir da temperatura ambiente, é de se esperar que a temperatura em função do tempo apresente a função mostrada na Fig. (4), onde a inclinação inicial da função dv/dt é: dv P (9) dt J c(ma me ) Figura 4. Função que descreve a variação da temperatura com o tempo. Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ Se vf é a temperatura final de equilíbrio, então prevalece o último termo da equação (7) e (dv/dt) 0. Neste caso: P P = j k vf v f (10) Jk No entorno da origem prevalece o primeiro termo e muito afastado da origem deve prevalecer o segundo termo da equação do balanço de energia. Para medir o equivalente mecânico do calor convêm escolher um calorímetro ou operar com calorímetro com um valor desprezível do termo referente a troca de calor. Isto pode ser realizado na prática usando –se um calorímetro imperfeito (k 0) que opere no entorno da temperatura ambiente. Por esta razão para esta experiência convêm iniciar com a temperatura da água um pouco menor que a ambiente e aquecê-la até uma temperatura simétrica e pouco maior que a ambiente. Isto nos garantirá que é válida a equação: V2 v (11) P J c (ma me ) R t e o valor do equivalente térmico é determinado por: P (12) J v c (ma me ) t Assim pode-se determinar J através das medições de P (ou R e V), ma (ou o volume de água posta no calorímetro), me (a massa equivalente em água do calorímetro), v (a variação da temperatura) e t (o tempo decorrido). Quanto a massa equivalente em água do calorímetro (me), se o calorímetro está a temperatura ambiente T0, e uma massa de água mb a uma temperatura Tb é adicionada, a temperatura final do equilíbrio será Tf. Para a “massa equivalente em água” do calorímetro me a equação do balanço energético para esta situação é: c mb Tb + c me Ta = c(mb + me)Tf (13) ou seja, tendo-se mb, Tb, e Tf pode-se determinar me através desta equação. 3. Procedimento experimental 3.1. Considerações gerais O calorímetro é construído com um recipiente metálico (p.ex. lata de alumínio) tendo sua parte superior aberta. Este recipiente é colocado no interior de um outro material polimérico (p.ex. fundo de garrafa PET). Na parte superior do material polimérico externo e sobre a lata de refrigerante é colocada uma tampa circular de acrílico para garantir o isolamento térmico do calorímetro, Fig. (1). Um resistor comum de chuveiro de potência nominal de 400 W e de alguns “Ohm” é utilizado. Os seus terminais são soldados a dois fios comuns. O resistor é posicionado próximo ao fundo da lata. Os fios são ligados a fonte de tensão estabilizada ca ou cc. Um voltímetro indica a diferença de potencial V e um Amperímetro a corrente elétrica de I. A potência dissipada é calculada pela relação V.I. Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ Uma quantidade de massa ma é posta no calorímetro. Essa quantidade é medida através do volume correspondente em um Becker graduado. Convém usar água deionizada. A temperatura da água no calorímetro é medida com um termômetro tipo termopar inserido através da tampa de acrílico do recipiente metálico. 3.2. Considerações úteis na realização do experimento Material necessário - Calorímetro com termopares tipo T e uma resistência de chuveiro de 400 W de potência nominal. - Voltímetro (ca ou cc) - Fonte de tensão estabilizada ajustável o fixa com transformador (ca ou cc) - Copo de Becker graduado e água Observações - Pode-se utilizar energia elétrica ca ou cc. Para cada uma destas fontes utilizar um voltímetro adequado. - O resistor R deve estar dentro da água ao ser ligada a energia elétrica. - Não utilizar mais do que 15 W de potência elétrica para aquecer os resistores os quais tem 400 W de potência nominal. As fontes disponíveis não devem ser sobrecarregadas. - Agitar periódica e suavemente a água no calorímetro, durante seu aquecimento, aguardando sua estabilização de temperatura para sua medida (podem ocorrer gradientes térmicos no interior do calorímetro). Obs: a energia introduzida pelo movimento faz parte do erro experimental. - Medir a tensão elétrica várias vezes durante o experimento e observar se ocorrem variações significativas. Este parâmetro é o mais crítico, pois a potência elétrica é proporcional ao quadrado da tensão. - Uma das medições mais críticas é do equivalente em água do calorímetro (me). Para diminuir as incertezas a valores aceitáveis, sugere-se que várias medições sejam realizadas em diferentes condições iniciais de temperatura. Um valor médio deve ser adotado. - Não utilizar menos de 300 ml de água no calorímetro. - Variar a temperatura da água em torno da temperatura ambiente (exemplo: -10 e +10oC). - Escolher os valores da potência elétrica de aquecimento de modo que o tempo de aquecimento não seja inferior a 30 minutos, minimizando gradientes térmicos no sistema. 4. Resultados extraídos da literatura Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ Os cinco resultados de medições do “equivalente mecânico do calor J” abaixo apresentados são amostras representativas de experimentos realizados em aulas práticas por alunos de diferentes instituições e com equipamentos de medição distintos. Foi utilizado sempre o mesmo procedimento experimental. As amostragens são: 1. (4,0 0,3) J/cal (Tamb = 29oC) (ITA 1974 – S. José dos Campos – SP). 2. (4,1 0,1) J/cal (Tamb = 24oC) (PPGEMM 1979 – P. .Alegre -RS). 3. (4,13 0,05) J/cal (Tamb = 26oC) (Idem 1980). 4. (4,1 0,1) J/cal (Tamb = 30oC) (URI 1997 – S. Ângelo – RS). 5. (4,2 0,3) J/cal (Tamb = 29oC) (UNISINOS 1999 – S. Leopoldo – RS). Para confronto cita-se abaixo alguns resultados encontrados por Osborne, Stimson e Ginnigs (1939), citados e discutidos no livro de Zemanky (1964): J = 4,2177 J/cal (a 0oC) J = 4,1922 J/cal (a 10oC) J = 4,1819 J/cal (a 20oC) J = 4,1796 J/cal (a 25oC) J = 4,1785 J/cal (a 30oC) J = 4,1782 J/cal (a 35oC) Estes pesquisadores utilizaram o sensível método de fornecer energia elétrica e observar a correspondente elevação de temperatura de uma grande massa de água. As medidas de diferença de potencial e corrente foram referenciadas diretamente aos padrões da National Bureau Standards, medindo-se a temperatura na escala internacional e prestando-se especial atenção ao isolamento térmico do calorímetro. 5. Análise dos resultados da experiência Os estudantes são obrigados a responder estas perguntas e incluídas no relatório final. - O modelo matemático usado é consistente? - Quais são as principais causas de erros? - Qual a estimativa de cálculo de incerteza nas medições realizadas e quais as variáveis mais críticas? 6. Exemplo de cálculo de incerteza: Se as incertezas dos parâmetros medidos na experiência (obtidas normalmente dos fabricantes dos instrumentos ou sensores) são: V 0,03 , I 0,01 , (ma me ) 1,5g , (v) 0,1o C , (t ) 6,0 s . P (V V )( I I ) J max , J v v (v) c (ma me ) Cpagua (ma me (ma me )) t t (t ) Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos ________________________________________________________________________________________________ J min (V V )( I I ) v (v) Cpagua (ma me (ma me )) t (t ) , Onde: J J max J min 2 Assim: Incerteza J J min , portanto: Je J Incerteza . Onde: - “Je” será o valor do equivalente mecânico do calor obtido na experiência, com as incertezas de medição. 6. Referências Borchardt, I. G., Bassani, I. A., Kieckow, I., Mechanical Equivalent of heat “J” – A Physical phenomena and its analytical description, COBEM2001, Uberlândia, Nov. 26-30, 2001, Brasil. Laboratório organizado pelo Laboratório de Energia e Sistemas Térmicos (LEST) e os seguintes Professores: Prof Oscar Saul Hernandez Mendonza, Enio Pedone Bandarra Filho e Tiong Hiap Ong Faculdade de Engenharia Mecânica – Universidade Federal de Uberlândia – FEMEC – UFU