2.5 Primeiro Princípio da Termodinâmica Vamos considerar o caso especial do princípio da conservação de energia, no qual a única variação na energia de um sistema é a variação na sua energia interna U, e os únicos mecanismos de transferência de energia são o calor Q e o trabalho W. Isso leva a uma equação chamada de primeiro princípio da termodinâmica, que pode se utilizada para analisar muitos problemas termodinâmicos. Essa equação da conservação de energia pode ser escrita como ∆U = Q − W (2.8) Q é a energia transferida para o sistema (para o gás) e W é o trabalho realizado pelo sistema (pelo gás). Significa que a variação da energia interna de um sistema é igual à soma da energia transferida através da fronteira do sistema pelo calor e a energia transferida pelo trabalho. Figura 2.11. O primeiro princípio da termodinâmica iguala a variação da energia interna num sistema à transferência de energia resultante para o sistema pelo calor Q e trabalho W. A Figura 2.11 mostra a transferência de energia e a variação da energia interna para um gás num cilindro, consistente com o primeiro princípio. Alguns problemas podem não se adequar às condições do primeiro princípio. Por exemplo, a energia interna das resistências numa torradeira não aumenta devido ao calor ou ao trabalho, mas sim, devido à transmissão de energia eléctrica. Lembre-se que o primeiro princípio é um caso especial da equação da conservação de energia geral, que abrange maior espectro de situações possíveis. Quando um sistema é submetido a uma mudança infinitesimal em seu estado, tal que uma pequena quantidade de energia dQ transferida pelo calor e uma pequena quantidade de trabalho dW realizado pelo sistema, a energia interna também varia de uma quantidade pequena dU. Logo, para processos infinitesimais, podemos expressar o primeiro princípio como: ∆U = dQ − dW (2.9) 27 Nota. Convenção de sinais. Alguns textos apresentam o primeiro princípio (ou primeira lei) da termodinâmica como U = Q + W . A razão disso é que o trabalho é definido como o trabalho Vf realizado sobre o gás (e não pelo gás) e W = − ∫ PdV . Vi É importante observar que dQ e dW não são diferenciais exactas porque ambos dependem da trajectória (Q e W não são varáveis de estado), embora dU seja uma diferencial exacta (é uma variável de estado). Podemos expressar essas diferenças escrevendo o primeiro princípio na forma dU = δQ − δW . Não existe uma distinção prática entre os resultados obtidos pelo calor e trabalho numa escala microscópica. Cada uma pode produzir a variação de energia interna num sistema. Embora as quantidades macroscópicas Q e W não sejam propriedades do sistema, elas estão relacionadas com a mudança da energia interna dum sistema estacionário por meio do primeiro princípio da termodinâmica. Uma vez que um processo ou trajectória é definido, Q e W podem ser calculados ou medidos e a variação na energia interna pode ser determinada a partir do primeiro princípio. 2.6 Algumas Aplicações do Primeiro Princípio da Termodinâmica Para aplicar o primeiro princípio da termodinâmica a sistemas específicos, é útil definir alguns processos termodinâmicos comuns. Identificamos quatro processos especiais que são utilizados como modelos simplificados próximos dos processos reais; são eles os processos: adiabático, isométrico (ou isocórico), isotérmico e o cíclico. Imaginamos para cada um desses processos o gás da Figura 2.11. • Processo adiabático Durante um processo adiabático nenhuma energia sai ou entra no sistema por meio do calor; isto é, Q=0. Para o pistão da Figura 2.11, imagine que todas as superfícies do pistão são isolantes perfeitos, de maneira que a transferência de energia pelo calor não existe. Uma outra maneira de obter um processo adiabático é realizá-lo muito rapidamente, uma vez que a transferência de energia pelo calor tende a ser relativamente lenta. Aplicando o primeiro princípio para este caso: ∆U = Q − W = 0 − W ou ∆U = −W (2.10) Com base nesse resultado, podemos concluir que quando o gás é comprimido adiabaticamente, tanto W quanto U são positivos – o trabalho realizado pelo gás é negativo, representando a transferência de energia para dentro do sistema, de maneira que a energia interna aumenta. E quando o gás se expande adiabaticamente, U é negativo. Os processos adiabáticos são muito importantes na prática de engenharia, como na expansão dos gases quentes num motor de combustão interna, a condensação de gases num sistema de refrigeração e a compressão num motor diesel. A expansão livre representada na Figura 2.10b é um processo adiabático único, em que nenhum trabalho é realizado sobre o gás. Como Q=0 e W=0, quando substituímos na equação 2.8, obtemos U. Isto significa que as energias internas inicial e 28 final de um gás são iguais numa expansão livre. Como a energia interna de um gás ideal depende somente da sua temperatura, não esperamos nenhuma variação na temperatura durante uma expansão livre adiabática. Isto concorda com os experimentos realizados a pressões baixas. Para gases reais a pressões altas, experimentos mostram um pequeno aumento (ou diminuição) da temperatura após a expansão por causa da interacção entre as moléculas. • Processo isobárico Um processo que ocorre a uma pressão constante é chamado de processo isobárico. Na Figura 2.11 quando o pistão está perfeitamente livre para se mover, a pressão do gás é devido à pressão atmosférica e ao peso do pistão. Num processo desse tipo, o trabalho realizado pelo gás corresponde a pressão constante, multiplicada pela variação de volume, ou W = P (V f − Vi ) . Num diagrama PV, um processo isobárico aparece como uma linha horizontal, como a segunda parte do processo na Figura 2.9a, ou a primeira parte do processo na Figura 2.9b. Teremos para esse processo ∆U = Q − W . • Processo isométrico (ou isocórico) Para a Figura 2.11, o processo isométrico é criado segurando-se o pistão de maneira que ele não se mova. Num processo desse tipo, o trabalho realizado é nulo porque o volume não se altera. Substituindo W=0 na equação 2.8, obtém-se ∆U = Q − W = Q + 0 ou ∆U = Q (2.11) Esta equação nos diz que, se a energia for adicionada ao sistema por meio do calor, toda a energia vai para o aumento da energia interna do sistema – nenhuma energia entra ou sai do sistema por meio do trabalho. Por exemplo, quando uma lata de aerossol é jogada no fogo, a energia entra no sistema (o gás dentro da lata) pelo calor através das paredes de metal da lata. Consequentemente, a temperatura e a pressão do gás sobem até que a lata possivelmente estoure. Num diagrama PV, um processo isocórico aparece como uma linha vertical, como a primeira parte do processo na Figura 2.9a ou a segunda parte do processo da Figura 2.9b. • Processo isotérmico Um processo que ocorre a uma temperatura constante é chamado de processo isotérmico. Uma vez que a energia interna de um gás ideal é uma função apenas da temperatura, num processo isotérmico para um gás ideal, ∆U = 0 . Substituindo na equação 2.8 ∆U = Q − W ⇒ 0 = Q − W ⇒ W = Q O que significa que num processo isotérmico qualquer energia que entre no gás por meio do trabalho sai do gás por meio do calor, de modo que a energia interna permanece fixa. 29 Num diagrama PV, um processo isotérmico aparece como uma linha curva, como na Figura 2.12. Podemos calcular o trabalho realizado sobre um gás ideal num processo isotérmico. Vf O trabalho realizado pelo gás é: W = ∫ PdV . Sabemos que para um gás ideal Vi PV = nRT . Então P = Vf nRT , substituímos na integral. Assim: V Vf Vf nRT 1 V W = ∫ PdV = ∫ dV = nRT ∫ dV = nRT ln V V f = nRT (ln V f − ln Vi ) i V V Vi Vi Vi ou V W = nRT ln f Vi (2.12) Isoterma Figura 2.12. Diagrama PV para uma expansão isotérmica de um gás ideal de um estado inicial até um estado final. A curva é uma hipérbole. • Processo cíclico Agora vamos considerar o processo cíclico, no qual um sistema não isolado começa e termina no mesmo estado. Neste caso a variação da energia interna deve ser nula, porque a energia interna é uma variável de estado, e os estados inicial e final são idênticos. A energia adicionada ao sistema na forma de calor, deve ser igual e negativo do trabalho realizado sobre o sistema durante o ciclo. Assim num processo cíclico, ∆U = 0 ⇒ Q =W O trabalho resultante realizado por ciclo é igual à área circunscrita pela trajectória representando o processo num diagrama PV (Figura 2.13). Os processos cíclicos são muito importantes na descrição das máquinas térmicas. 30 Figura 2.13. Processo cíclico. 2.6. Mecanismos de Transferência de Energia Neste capítulo discutimos o trabalho e o calor, que na realidade corresponde a uma parte responsável pela variação da energia total de um sistema. Nesta secção estudaremos com mais detalhe o calor e mais outros dois métodos de transferência de energia que frequentemente estão relacionados às variações de temperatura: convecção (uma forma de transferência de matéria) e radiação electromagnética. • Condução O processo de transferência de energia pelo calor também pode ser chamado de condução ou condução térmica. Nesse processo, o mecanismo de transferência pode ser visto em escala atómica como uma troca de energia cinética entre moléculas, na qual as moléculas menos energéticas ganham energia colidindo. Por exemplo se segurarmos numa das extremidades de uma longa barra de metal e inserirmos a outra extremidade numa chama, a temperatura do metal na nossa mão eleva-se rapidamente. A energia alcança a nossa mão por condução. Pode-se entender como isso ocorre examinando-se o que está acontecendo com os átomos do metal. Inicialmente, antes de se inserir a barras na chama, os átomos estão vibrando em torno de suas posições de equilíbrio. À medida que a chama fornece energia à barra, os átomos próximos à chama começam a vibrar com amplitudes cada vez maiores, e, por sua vez, colidem com seus vizinhos e transferem um pouco de sua energia nas colisões. Lentamente, os átomos do metal cada vez mais distantes da chama aumentam a sua própria amplitude de vibração, até que eventualmente aqueles próximos a nossa mão sejam afectados. A vibração aumentada representa uma elevação de temperatura do metal (e possivelmente a mão queimada). Figura 2.14. Condução térmica Embora a transferência de energia através do material possa ser parcialmente explicada pelas vibrações atómicas, a taxa de condução também depende das propriedades da substância. Por exemplo, é possível segurar um pedaço de amianto 31 numa chama indefinidamente. O que significa que muito pouca energia está sendo conduzida por meio do amianto. Geralmente os metais são bons condutores térmicos porque eles contêm um grande número de electrões que são relativamente livres para se mover através do metal e podem transportar energia de uma região para outra. Logo um bom condutor térmico, como o cobre, a condução ocorre pela vibração dos átomos e pelo movimento dos electrões livres. Materiais como o amianto, rolha, papel e fibra de vidro são maus condutores. Os gases também são maus condutores térmicos por causa das grandes distâncias entre as moléculas. A condução ocorre apenas se as temperaturas forem diferentes nas duas partes do meio condutor. A diferença de temperatura impulsiona o fluxo de energia. Considere um bloco cujo material tem espessura ∆x e uma secção de área A, cujas faces opostas têm temperaturas T1 e T2, onde T1> T2 (Figura 2.15). O bloco permite que a energia seja transferida da região de alta temperatura para a região de baixa temperatura por meio da condução térmica. A taxa de transferência de energia pelo calor, H = Q / ∆t , é proporcional à área da secção A e à diferença de temperatura e inversamente proporcional à espessura do bloco: H= Q ∆T αA ∆t ∆x Quando Q está em Joules e ∆t em segundos, temos H em Watts. Isso não é surpreendente, uma vez que H é potência – a taxa de transferência de energia pelo calor. T1 T2 T1 T2 Figura 2.15. Condução térmica através de um bloco. Figura 2.16. Condução térmica através de uma barra. Para um bloco de espessura infinitesimal dx e diferença de temperatura dT, podemos escrever a lei da condução como dT (2.13) H = kA dx onde a constante de proporcionalidade k é chamada de condutividade térmica do material e dT / dx é o gradiente de temperatura (variação da temperatura com a posição). É o facto da condutividade térmica do metal ser maior do que a condutividade térmica do papel cartão, que faz com que o recipiente de gelo pareça mais frio do que o pacote de papel cartão, da discussão anterior no Capítulo1. 32 Suponha que uma substância esteja na forma de uma barra longa e uniforme e de comprimento L, como indica a Figura 2.16, e seja isolada de modo que a energia não possa escapar pelo calor a partir da sua superfície excepto nas extremidades, que estão em contacto térmico com reservatórios que têm temperaturas T1 e T2. Quando o estado estacionário é alcançado, a temperatura em cada ponto ao longo da barra é constante no tempo. Neste caso, o gradiente de temperatura é o mesmo em qualquer ponto da barra e é dado por dT T2 − T1 = dx L Logo, a taxa de transferência de energia pelo calor H = kA T2 − T1 L (2.14) As substâncias que são boas condutoras térmicas têm valores grandes de condutividade térmica, enquanto os bons isolantes térmicos têm valores pequenos de condutividade térmica. A Tabela 2.3 relaciona as condutividades térmicas para várias substâncias. • Convecção Podemos aquecer nossas mãos colocando-as sobre uma chama. Em tal situação, o ar directamente acima da chama é aquecido e se expande – resultando numa diminuição da densidade do ar, e ele sobe. A massa de ar aquecida transfere energia pelo calor para as mãos, à medida que flúi através delas. A transferência de energia da chama para as mãos é realizada por meio de transferência de matéria – a energia se propaga com o ar. A energia transferida pelo movimento de um fluido é um processo chamado de convecção. Quando o movimento resulta de diferença de densidade, como no exemplo do ar em torno de uma fogueira, o processo é chamado de convecção natural. Quando o fluido é forçado a se mover por um fole ou uma bomba, como em alguns sistemas de aquecimento de ar e água, o processo é chamado de convecção forçada. O padrão de circulação do fluxo de ar numa praia é um exemplo de convecção na natureza. A mistura que ocorre à medida que a água é arrefecida e eventualmente congelada na superfície do lago é outro exemplo. Se não fosse pelas correntes de convecção, seria muito difícil ferver a água. À medida que a água é aquecida numa panela, as camadas inferiores são aquecidas primeiras (Figura 2.17a). Essas regiões se expandem e sobem porque tem uma densidade menor que a da água fria. Ao mesmo tempo, a água mais fria e mais densa vai para o fundo da panela e aí pode ser aquecida. O mesmo processo ocorre numa sala aquecida por um aquecedor (Figura 2.17b). O aquecedor aquece o ar nas regiões inferiores da sala pelo calor da interface entre a superfície do aquecedor e o ar. O ar quente se expande e flúi até o teto devido a sua baixa densidade, estabelecendo um padrão de corrente de ar. 33 (a) (b) Figura 2.17. a) Correntes de convecção na água; b) As correntes de convecção no ar. • Radiação Outro método de transferência de energia que pode ser relacionado com a variação de temperatura é a radiação electromagnética. Todos os corpos irradiam energia continuamente na forma de ondas electromagnéticas. A origem da radiação electromagnética é a aceleração de cargas eléctricas. Da discussão sobre a temperatura, sabemos que a temperatura corresponde ao movimento aleatório das moléculas que estão mudando de direcção constantemente, e portanto acelerando. Uma vez que as moléculas contêm cargas eléctricas, as cargas também aceleram. Logo, qualquer corpo emite radiação electromagnética devido ao movimento térmico de suas moléculas. Esta radiação é chamada de radiação térmica. Aproximadamente 1340 J da energia do Sol atingem, por meio da radiação electromagnética, cada metro quadrado da parte superior da atmosfera da Terra a cada segundo (ver Figura 2.18). Uma parte dessa radiação é reflectida de volta para o espaço e uma parte é absorvida pela atmosfera, mas o suficiente chega à superfície da Terra a cada dia para suprir acima de centenas de vezes nossa necessidade de energia – se ela pudesse ser capturada e usada com eficiência. O crescimento do número de casa com energia solar é um exemplo da tentativa de se fazer uso dessa energia abundante. A taxa de emissão de energia de um corpo por meio da radiação térmica a partir da superfície é proporcional à quarta potência de sua temperatura superficial absoluta. Esse princípio, conhecido como a lei de Stefan, é expresso na forma de equação como H = σAeT 4 (2.15) onde H é a potência irradiada pelo corpo em watts, σ é a constante de StefanBoltzmann, e σ = 5.6696 × 10−8 W/m2⋅K4, A é a área da superfície do corpo em metros quadrados, e é uma constante chamada emissividade e T é a temperatura da superfície do corpo em kelvins. 34 Figura 2.18. Radiação térmica. O valor de e varia entre 0 e 1, dependendo das propriedades do corpo. A emissividade é igual a fracção da radiação incidente que é absorvida pela superfície. Ao mesmo tempo que irradia, um corpo também absorve radiação electromagnética do ambiente. Se o segundo processo não ocorresse, um corpo irradiaria constantemente sua energia e sua temperatura diminuiria espontaneamente até o zero absoluto. Se um corpo estiver na temperatura T e o exterior estiver na temperatura T0, a taxa resultante de variação da energia para o corpo em consequência da radiação é ( H resultante = σAe T 4 − T04 ) (2.36) Quando um corpo está em equilíbrio com o exterior, irradia e absorve energia à mesma taxa, de maneira que sua temperatura permanece constante – este é o modelo de sistema não isolado em estado estacionário. Quando um corpo está mais quente que o exterior, irradia mais energia do que absorve e arrefece – este é o modelo do sistema não isolado. Enigma 2.2. Se você observar, uma geada numa manhã fria, verá que ela tende a se formar mais nas superfícies superiores dos corpos, como a caixa do correio de metal ou no carro, do que nas superfícies laterais. Porque? 35