artrite reumatóide x mononeuropatia multiplex - BVS SMS-SP

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Hospital do Servidor Público Municipal
ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA
MULTIPLEX – RELATO DE CASO
CARINI IUMI OTSUZI
São Paulo
2012
Hospital do Servidor Público Municipal
ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA
MULTIPLEX – RELATO DE CASO
CARINI IUMI OTSUZI
São Paulo
2012
CARINI IUMI OTSUZI
ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA
MULTIPLEX – RELATO DE CASO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Comissão de Residência
Médica do Hospital do Servidor Público
Municipal, para obtenção do título de
Residência Médica
Área: Clínica Médica
Orientadora: Profa. Dra. Maria Vitória de Brito
São Paulo
2012
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU
PARCIAL
DESTE
TRABALHO,
POR
QUALQUER
MEIO
CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE E COMUNICADO AO
AUTOR A REFERÊNCIA DA CITAÇÃO.
São Paulo, ____/____/______
Assinatura do Autor:
___________________________________________________
E-mail do autor: [email protected]
FICHA CATALOGRÁFICA
OTSUZI, Carini Iumi
Artrite Reumatóide X Mononeuropatia Multiplex – Relato de caso/
Carini Iumi Otsuzi – São Paulo 2012
Trabalho de conclusão de curso apresentado à Comissão de Residência
Médica do HSPM – SP, para obter o título da Residência Médica, na área de
Clínica Médica.
Descritores:
1.
MONONEURITE
HIDROXICLOROQUINA/TOXICIDADE.
ADVERSOS 4. ARTRITE REUMATÓIDE
3.
MÚLTIPLA
2.
ANTIMALÁRICOS/EFEITOS
CARINI IUMI OTSUZI
ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA
MULTIPLEX – RELATO DE CASO
Hospital do Servidor Público Municipal
Clínica Médica
Dr. Claudio Capuano
HSPM
Dr. Carlos Saraiva Martins
HSPM
Dr. Artur Antônio Pereira
HSPM
Agradecimento(s)- À Dra. Maria Vitória que de forma atenciosa e
dedicada me orientou na realização deste trabalho.
RESUMO: A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória de origem
auto-imune que acomete as articulações e, com frequência, cursa com
comprometimento de outros órgãos. Entre as manifestações extra-articulares
da AR, destaca-se do ponto de vista neurológico a mononeuropatia múltipla
(multiplex) causada pela inflamação vascular dos vasa nervorum. A
hidroxicloroquina é um antimalárico amplamente prescrito no tratamento da AR,
porém registram-se de seu uso possíveis efeitos adversos, tendo sido mais
destacada a toxicidade ocular.
Contudo, um efeito adverso mais raro, é a
neuropatia periférica, que é grave e incapacitante em muitos casos. Este relato
pode ser a primeira documentação de um caso de uma paciente que
apresentou uma mononeuropatia multiplex como efeito da toxicidade da
hidroxicloroquina. É relevante o fato da mononeuropatia multiplex não ter sido
causada pela neuropatia vasculítica própria da manifestação extra-articular da
AR. A paciente apresentou, ainda, boa evolução com a suspensão do fármaco,
dado que contribui para que se incentive o diagnóstico deste efeito tóxico da
droga, já que se trata de um quadro potencialmente reversível.
PALAVRAS CHAVES: Mononeurite múltipla, hidroxicloroquina/toxicidade,
antimaláricos/efeitos adversos, artrite reumatóide.
ABSTRACT: Rheumatoid arthritis (RA) is a systemic autoimmune inflammatory
disorder that primarily affects flexible joints, although it may frequently involve
other organs. Among the possible extra-articular manifestations of RA, from the
neurological point of view, one can highlight the multiple mononeuropathy
(multiplex), which is caused by vascular inflammation of vasa nervorum. The
antimalarial hydroxychloroquine is widely used in the treatment of RA despite its
reported adverse effects. Although ocular toxicity is the most common side
effect, the rare peripheral neuropathy is severe and potentially harmful. To the
best of our knowledge, present case report is the first record of a patient with
multiplex mononeuropathy resulting from Hydroxychloroquine toxicity. It is
remarkable that multiplex mononeuropathy was not caused by extra-articularRA intrinsic vasculitic neuropathy. The patient exhibited good clinical evolution
after drug interruption. Taken together, present data should encourage health
professionals to diagnose the toxic effects of hydroxychloroquine, since clinical
status is potentially reversible.
KEYWORDS:
Mononeuritis
multiple,
antimalarial/adverse effects, rheumatoid arthritis.
hidroxychloroquine/toxicity,
SUMÁRIO
1. Introdução............................................................................................
10
2. Relato de caso.....................................................................................
12
3. Discussão............................................................................................
17
4. Considerações finais...........................................................................
26
5. Referências bibliográficas.................................................................... 27
1.
Introdução
A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória crônica sistêmica
das
articulações,
de
evolução
progressiva,
auto-imune
e
de
causa
desconhecida. É caracterizada pela poliartrite de grandes e pequenas
articulações, simétrica, aditiva e com rigidez articular. Esta doença apresenta
diversas manifestações extra-articulares. Do ponto de vista neurológico,
destaca-se a neuropatia periférica compressiva e a neuropatia vasculítica que
cursa com o desenvolvimento de uma mononeurite múltipla (multiplex).1
O tratamento da AR é baseado em uma abordagem não farmacológica,
no uso de medicamentos sintomáticos, nas DARMD (Drogas Antirreumáticas
Modificadoras da Doença) e no uso dos agentes biológicos. Dentre as DARMD,
há a hidroxicloroquina (HCQ) e o difosfato de cloroquina (DCQ), que são
antimaláricos amplamente prescritos no tratamento da AR.
O DCQ foi originalmente desenvolvido para o tratamento da malária e
ainda hoje é utilizado na profilaxia desta doença. Foi também o primeiro
medicamento antimalárico amplamente usado no combate a doenças
inflamatórias, mas com o seu uso a longo prazo foram observados diversos
efeitos adversos. Em decorrência disso foi desenvolvida a hidroxicloroquina,
uma droga semelhante, mas que apresenta uma menor toxicidade.
O difosfato de cloroquina e a hidroxicloroquina tem como efeitos
adversos mais destacados as alterações oculares com retinotoxicidade e
depósitos corneanos.2 Além dos problemas oftalmológicos, foram observados
ainda, efeitos adversos na pele (alterações pigmentares da pele e mucosas,
10 fotossensibilidade, rash cutâneo, prurido), sintomas gastrointestinais (anorexia,
náusea, vômito, diarréia), sintomas neurológicos (nervosismo, tontura,
zumbido, visão borrada, cefaléia) e, menos comumente, problemas cardíacos
(distúrbios de condução com bloqueio de ramo, hipertrofia biventricular e
insuficiência
cardíaca),
hematológicos
(agranulocitose,
leucopenia,
trombocitopenia e granulações tóxicas reversíveis nos leucócitos).
Sob o ponto de vista neurotoxicológico, os antimaláricos podem afetar o
nervo periférico, o músculo, a junção neuromuscular e o sistema nervoso
central.3 Este acometimento neurológico costuma ser incomum, ocorrendo em
cerca de 1% dos pacientes a miopatia e, em uma porcentagem ainda menor, a
neuropatia periférica.4
O objetivo deste estudo foi apresentar um caso raro de uma paciente
com AR que desenvolveu quadro compatível com uma mononeuropatia
multiplex não relacionada à neuropatia vasculítica da artrite reumatóide, mas
ao uso de altas doses de hidroxicloroquina. A paciente apresentou boa
evolução clínica com melhora importante dos sinais e sintomas após três
meses da suspensão do medicamento.
11 2.
Relato de Caso
Paciente feminina, com 51 anos, casada, assistente social, natural e
procedente de São Paulo deu entrada no PS do Hospital do Servidor Público
Municipal com queixa de dor, parestesia e diminuição de força em membros
superiores e, principalmente, em membros inferiores.
A paciente relatou ser portadora de artrite reumatóide há 16 meses. Há
aproximadamente um ano abandonou o tratamento que fazia no convênio e
sendo que há cerca de seis meses exibiu quadro de poliartrite aguda com
predomínio de mão, punhos, joelhos e pés. Neste momento, devido a estas
manifestações clínicas a paciente se auto medicou com 60mg de prednisona
ao dia associado à hidroxicloroquina 400mg 3x ao dia e cetoprofeno 100mg 3x
ao dia.
Após cerca de 2 meses do uso destas medicações, a paciente evoluiu
com diminuição da força, redução da sensibilidade e dor em membros
inferiores. Apresentou ainda diversos episódios de queda da própria altura.
Com estas queixas, e não mais conseguindo deambular, a paciente procurou o
PS em uso há 6 meses dessas medicações. E devido ao quadro de poliartrite
aguda, a paciente foi transferida para a Reumatologia, sendo de imediato
diminuída a dose da hidroxicloroquina e da prednisona para um terço da dose
total e foi suspenso o cetoprofeno.
Referiu hipertensão arterial há 15 anos em uso de Captopril 25mg de
8/8h, tabagismo 80 maços/ano e obesidade.
A mãe tem osteoartrose e
12 osteoporose, pai e irmãos saudáveis. Negou diabetes mellitus, etilismo ou
drogas.
Ao exame físico apresentava regular estado geral, orientada, lúcida,
acianótica, anictérica, afebril, hidratada, eupneica e sem linfadenomegalias.
Aparelho cardiovascular: Bulhas rítmicas normofonéticas sem sopros audíveis,
pressão arterial de 115x85mmHg, frequência cardíaca = 100bpm. À ausculta
pulmonar constatou-se murmúrio vesicular audível bilateralmente sem ruídos
adventícios, frequência respiratória de 18 ipm. Abdome globoso, flácido, indolor
à palpação superficial e profunda, sem visceromegalia, sem massas palpáveis
e descompressão brusca negativa. Os membros inferiores sem edemas,
panturrilhas livres e com pulsos periféricos palpáveis. Presença de equimose
em membro inferior direito associado à queda. O
exame
ginecológico
se
mostrou sem alterações.
O exame neurológico demonstrou paraparesia crural flácida com força
muscular grau 3 e arreflexia bilateral em membros inferiores. Sendo normal nos
membros superiores, com força muscular e sensibilidade preservadas.
Presença do reflexo cutâneo-plantar em flexão bilateralmente e paresia da
musculatura inervada pelo nervo fibular comum esquerdo levando ao pé caído.
Apresentava,
ainda,
diminuição
da
sensibilidade
em
pododáctilos,
bilateralmente. Exame das articulações com poliartrite em mãos e punhos.
Na internação foi feito diagnóstico de infecção do trato urinário com
urocultura
positiva
para
Escherichia
coli
tratada
com
sete
dias
de
Ciprofloxacino. Assim que a paciente foi admitida, a dose da hidroxicloroquina
foi reduzida para 400mg ao dia, sendo suspensa após quatro dias da
13 internação, devido a suspeita de intoxicação pela mesma e introduzido
carbamazepina 200mg de 8/8 horas e Leflunamida 20mg ao dia.
Como exames complementares apresentou eletrocardiograma com
taquicardia sinusal, sem sinais de sobrecarga atrial ou ventricular, discreto
desvio de eixo para esquerda, sem evidência de outras alterações; radiografia
de tórax dentro dos limites da normalidade, fundo de olho normal e TC de
coluna com fratura e achatamento do corpo vertebral em T11. O exame do
líquor exibiu celularidade normal, sem proteinorraquia, glicose adequada,
VRDL no líquor negativo e eletroforese de proteínas do líquor também dentro
da normalidade.
Os marcadores tumorais CA 15.3, alfa fetoproteína, CA 19.9, CEA e CA125 estavam normais. O ultrassom transvaginal era normal e a mamografia
com Birads 2.
Tabela – Exames laboratoriais
Exame
Valor de referência
Resultado
ALT
0-55 U/L
19
AST
5-34 U/L
21
Glicose
75-95 mg/dL
75
CK
29-168 U/L
41
DHL
125-220 U/L
320
Ácido úrico
2,6–6 mg/dL
5,6
Proteínas totais/ albumina
6,4-8,2/ 3,4-5 g/dL
5,8/2,7
Uréia
15-45 mg/dL
35
14 Creatinina
0,6-1,0 mg/dL
0,6
Eritrócitos
4 – 5 milhões
3,65
Hemoglobina
12–16 g/dL
10,9
Hematócrito
36-47%
31,9
VCM
80-100 fl
87,39
HCM
27-35 pg
29,86
CHCM
31-36 g/dL
34,16
RDW
11,8–15,6%
14,7
Plaquetas
150 -400 mil/mm3
544 mil
Leucócitos
3800-11000
13700 sem desvio
Granulações tóxicas ++
Tempo Tromboplastina
P.A.
TTPa: 20-40s
Rel: 0,8-1,25
TTPa=28s
Relação
paciente/normal= 0,9
Tempo de Protrombina
70 a 100%
0,8 a 1,25
TP=13,6s
AP=95%
INR=1,04
VHS 1 hora
Até 18 mm
112
Proteína C Reativa
<0,8 mg/dL
4,8
T4livre
0,89-1,76 ng/dL
1,59
TSH
0,4-4,0 mUl/mL
2,22
Anticorpos anti-ADN
Não reagente
Não reagente
FAN
Não reagente
Não reagente
Fator reumatoide
<15 UI/mL
1 100
Alfa 1 glicoproteína ácida
50-120 mg/dL
207
Anti-HIV ½
Não reagente
Não reagente
Perfil Hepatite B
Não reagente
Não reagente
Hepatite C
Não reagente
Não reagente
15 A eletroneuromiografia dos 4 membros apresentou neuropatia periférica
recente acentuadamente motora e sensitiva de padrão axonal, com
comprometimento de membros inferiores, médio-distal, com predomínio do
território do nervo fibular comum esquerdo; sugerindo mononeuropatia
multiplex confluente.
Este exame estava normal nos membros inferiores
proximal e também nos membros superiores. Teste da fatigabilidade negativo à
estimulação repetitiva.
A paciente teve alta após 10 dias de internação, com prescrição de
Leflunomida 20mg/dia, Prednisona 20mg/dia, Paracetamol 500mg 6/6h e
Carbamazepina 200mg de 12/12h. Após a suspensão da hidroxicloroquina,
paciente evoluiu com melhora lenta e progressiva do quadro neurológico. No
momento da alta após dez dias de internação, já apresentava redução da
queixa de dor e paresia de membros inferiores, e ao exame físico demonstrava
força muscular grau 4 em membros inferiores, com melhora importante do
quadro. Após três meses da suspensão do medicamento, já conseguia
deambular com apoio.
16 3.
Discussão
A artrite reumatóide (AR) é uma doença articular inflamatória crônica
sistêmica, auto-imune e de etiologia desconhecida. A doença tem evolução
progressiva e, se não tratada adequadamente, tende a causar deformidades
articulares irreversíveis e perda funcional gradativa.
A AR está presente em todo o mundo acometendo cerca de 0,5 a 1% da
população mundial. 5 No Brasil, estima-se que existam cerca de 2 milhões de
pessoas com esta doença. A doença é duas a três vezes mais comum em
mulheres, sendo que esta diferença praticamente não existe em pacientes com
mais de 65 anos. É incomum em homens com menos de 45 anos de idade, e a
incidência nas mulheres cresce até os 45 anos de idade, alcançando um platô.5
Apesar de sua etiologia ser desconhecida, vários estudos sugerem que
uma combinação de fatores genéticos, hormonais, infecciosos e ambientais
estejam envolvidos no processo inflamatório que acomete a membrana sinovial
das articulações. Estima-se que os fatores genéticos contribuam de 53 a 65%
para o desenvolvimento de AR. Estudos epidemiológicos com gêmeos
monozigóticos demonstram uma taxa mais elevada de concordância para AR
(12 a 15%) que os dizigóticos ou não gêmeos (2 a 5%). Além disso, a relação
de risco para o desenvolvimento da doença nos parentes de primeiro grau de
um paciente com a AR é de cerca 1,5 vezes maior que em controles.1 O
gênero afeta a susceptibilidade para a AR, de forma que as mulheres são mais
acometidas, talvez pelo efeito estimulador do estrógeno no sistema imune.5
Tem se buscado uma causa infecciosa para a AR, mas sem sucesso. Dentre
17 as bactérias mais estudadas, destacam-se o Proteus Mirabilis e as espécies de
micoplasma. Vários vírus tem sido estudados, como o citomegalovírus, o
parvovírus B19, o HTLV-1, o Epstein-Barr, o vírus da rubéola, porém sem
resultados conclusivos até o momento. Dentre os fatores ambientais, o
tabagismo tem sido descrito como fator de risco para AR, principalmente em
homens com fator reumatóide positivo, ou que possuem anticorpos
antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP). Porém, o que se sabe hoje é que
nenhum desses fatores pode ser considerado isoladamente como suficiente
para causar a doença.1
As articulações particularmente acometidas são as de mãos, punhos,
joelhos e pés. Há a descrição clássica da chamada “mão reumatóide”:
alargamento dos punhos, atrofia da musculatura interóssea, edema de
metacarpo falangeano e interfalangeanas proximais, desvio ulnar dos dedos,
dedos de pescoço de cisne, botoneira e martelo. Muitas deformidades são
tardias, resultado de lesões irreversíveis à cartilagem e osso e, portanto,
devem ser evitadas com diagnóstico e tratamento precoces.5
Pode haver manifestações inespecíficas como febre, inapetência e
emagrecimento. Há dor, rigidez matinal prolongada de mais de uma hora de
duração e aumento de volume e da temperatura articular. Pode evoluir com
fibrose, contraturas e anquilose da articulação.1 A maioria dos pacientes evolui
de forma policíclica com períodos de melhora e piora, e somente 10 a 20%
evoluem de forma progressiva.1
Dentre as manifestações extra-articulares, destacam-se as cutâneas,
oftalmológicas, pulmonares, cardíacas, renais, vasculares e neurológicas. O
18 comprometimento neurológico pode se apresentar comumente através de
neuropatias periféricas compressivas, e também pela mononeurite múltipla.
A neuropatia periférica compressiva tende a se correlacionar com o grau
de gravidade da sinovite local, mas não com a duração, nível de atividade ou
gravidade das manifestações extra-articulares da AR. O ulnar, mediano, o tibial
posterior e o ramo interósseo do nervo radial são os nervos mais acometidos. A
dor e a parestesia originária do nervo afetado usualmente tem uma piora
noturna e podem difundir-se a partir do sítio de compressão.
Outra forma de envolvimento neurológico constitui-se pela neuropatia
vasculítica causada pelo comprometimento dos vasa nervorum por um
processo inflamatório. A vasculite tende a ser multifocal, assimétrica, com o
desenvolvimento de uma mononeurite múltipla (multiplex). Em geral, as
manifestações sensitivas predominam no início do quadro, tendo o déficit motor
apresentação posterior. Esta neuropatia é tipicamente dolorosa, e a dor e
parestesias podem aparecer horas ou dias antes dos outros sintomas da
neuropatia. O envolvimento distal pode estar presente, particularmente se a
vasculite predominar nos pequenos vasos.6
A mononeurite multiplex se apresenta como síndromes clínicas
sensistivas e/ou motoras, ora com perda de sensibilidade e redução da força
muscular, e ora com parestesias e cãimbras.1 O diagnóstico baseia-se no
quadro clínico associado a eletroneuromiografia e a biópsia do nervo que
mostra infiltrado inflamatório perivascular ou intramural, focos de necrose
fibrinóide na parede do vaso, fibrose ou oclusão da luz vascular. O vaso
epineural é o local mais comumente acometido, com consequente perda de
19 fibras nervosas, principalmente nas regiões centrais, com graus variáveis de
lesão axonal e desmielinização segmentar. O tratamento é feito com
prednisona em altas doses, associado ou não a ciclofosfamida ou a outro
imunossupressor.
A neuropatia vasculítica pode estar associada com as vasculites
primárias
(notadamente,
as
vasculites
ANCA-relacionadas,
como
Granulomatose de Wegener, Poliangeíte microscópica, Angeíte de ChurgStrauss; também a poliarterite nodosa e a vasculite crioglobulinêmica) e com as
vasculites secundárias às doenças do tecido conjuntivo (lúpus eritematoso
sistêmico, AR e síndrome de Sjögren).1 Hellmann et al revisaram 35 casos de
mononeurite multiplex e como resultado obtiveram que 15 pacientes
apresentaram doença reumática, 1 tinha linfoma, mas 19 dos pacientes
investigados
não
apresentaram
nenhuma
causa
específica
para
a
mononeurite.6
A mononeurite multiplex descreve um padrão de acometimento do nervo
periférico que ocorre em diferentes nervos individuais e de forma assimétrica.
Muito embora este termo implique em um componente inflamatório, ele nem
sempre está presente, por isso o termo “mononeuropatia múltipla” tem sido
proposto. É comum estar presente nas síndromes vasculíticas, mas também
pode ocorrer nas neuropatias isquêmicas do diabetes mellitus, na hanseníase,
na sarcoidose, e em infiltrações de múltiplos nervos devido a linfoma, tumores
ou hemorragia.6
O diagnóstico da AR deve ser feito o mais precocemente possível para
evitar os desfechos desfavoráveis associados à progressão da doença. O
20 diagnóstico é fundamentalmente clínico, pois não se baseia em achados
específicos do exame físico ou de exames laboratoriais ou de imagem. Existem
sete critérios clínicos de classificação da artrite reumatóide elaborados pela
American College of Rheumatology, que são: rigidez matinal com duração de
pelo menos uma hora, artrite de três ou mais regiões articulares, artrite das
articulações das mãos, nódulos reumatóides, fator reumatóide positivo e
alterações radiográficas típicas. Com a presença de pelo menos quatro desses
critérios se faz o diagnóstico de AR. Os quatro primeiros critérios clínicos
citados devem estar presentes por pelo menos seis semanas. É relevante
destacar que a ausência destes quatro critérios não exclui o diagnóstico,
principalmente nas fases iniciais.
A abordagem não farmacológica envolve uma equipe multidisciplinar
capaz de recuperar a capacidade funcional e o condicionamento físico do
paciente, além de abordagem terapêutica quanto aos cuidados com a saúde
mental. Dentre os medicamentos sintomáticos destacam-se os analgésicos
simples (dipirona ou paracetamol) e os anti-inflamatórios não-esteróides. Além
destes, podem ser utilizados os corticosteróides que, apesar de serem usados
no alívio dos sintomas e na supressão da atividade da doença, seu uso é mais
bem aceito como medicamento “ponte” entre o início do uso dos DARMD e a
efetiva resposta terapêutica pelas mesmas.1
Os DARMD devem ser iniciados para todos os pacientes assim que
estabelecido o diagnóstico de AR. O metrotexato costuma ser a droga de
primeira escolha. Tem boa eficácia clínica e melhora radiológica associada a
um
custo
relativamente
baixo.
Se
houver
contra-indicação,
indica-se
21 sulfassalazina ou leflunomida. Os antimaláricos devem ser indicados para
pacientes com doença leve ou artrite indiferenciada com baixo potencial
erosivo. A terapia biológica consiste no uso de drogas como adalimumabe,
etanercepte, infliximab e outros.1
A hidroxicloroquina e o difosfato de cloroquina são derivadas das 4aminoquinolinas e são estruturalmente semelhantes, diferindo apenas pela
substituição de um grupo etil em cloroquina com um grupo hidroxietil em
hidroxicloroquina.7 Essas drogas são totalmente absorvidas pelo trato
gastrointestinal. Sua excreção pelos rins ocorre de forma lenta e pode levar de
3 a 6 meses, mas cerca de 15 a 30% da cloroquina é oxidada no fígado em
metabólitos inativos e, então, eliminada. Há relatos de que, após cinco anos de
interrupção da droga, foram achados traços de cloroquina no plasma,
eritrócitos e urina de indivíduos com retinopatia.8
Por ser menos tóxica e apresentar a mesma eficácia que a DCQ, a HCQ
é atualmente a mais usada na maioria dos países.9 Ela compreende 95% de
todas as prescrições de antimaláricos no tratamento das doenças reumáticas10,
porém a DCQ continua sendo predominante nos países pobres devido ao baixo
custo desta droga.11 Por decorrência, supõe-se que as complicações
decorrentes desta droga também sejam maiores nas populações de países
menos desenvolvidos.
Sugere-se que a HCQ apresenta melhor perfil de segurança, sobretudo
quanto ao comprometimento oftalmológico. Este acometimento tem bastante
destaque na avalição quanto aos efeitos colaterais dos antimaláricos.
Recomenda-se exame oftalmológico rotineiro no intuito de prevenir a toxicidade
22 ocular.12 Segundo a Academia Americana de Oftalmologia os fatores de risco
para a maculopatia por antimaláricos são dosagem de cloroquina maior que
3mg/kg/dia, dosagem de hidroxicloroquina >6,5 mg/kg/dia, uso da droga por
mais de cinco anos, alto teor de gordura corporal, doença renal e/ou hepática,
idade maior que 60 anos e fatores genéticos.8
Quanto ao músculo, a cloroquina pode induzir a miopatia, tendo sido
descrita pela primeira vez em 1963. O quadro clássico é de uma miopatia com
debilidade proximal nas extremidades inferiores. A dose de cloroquina nos
pacientes que apresentaram miopatia situa-se entre 100-1000mg. A duração
do tratamento e a dose acumulada pareceram fatores decisivos.3 Como
fisiopatologia acredita-se que a cloroquina produza uma miopatia vacuolar na
musculatura esquelética, causada pela inibição das enzimas lisossomais
envolvidas no metabolismo do glicogênio e das proteínas que provocam o
acúmulo de corpos mielóides, glicogênio e corpos curvilíneos.3 A biópsia
muscular é característica e confirma o diagnóstico da miopatia por cloroquina
pela presença do fármaco. A análise por microscópio óptico mostra a miopatia
vacuolar, mas não é específica, pois os achados estão presentes em pacientes
com lúpus eritematoso sistêmico sem tratamento com antimaláricos e também
em pacientes que estão recebendo essas drogas e que não tem a
miotoxicidade. Na análise por microscópio eletrônico aparecem corpos
curvilíneos e corpos mielóides indicando toxicidade lisossomal. 13
Em relação ao acometimento do nervo periférico, a intoxicação pela
cloroquina leva a uma neuropatia sensitiva-motora de predomínio distal, com
diminuição ou abolição dos reflexos. Quanto à fisiopatologia, segundo C.
23 Masson et. al. a cloroquina constitui uma droga desmielinizante, tem tropismo e
provoca a inibição da atividade da enzima lisossomal das células de Schwann
por aumentar o pH intra-lisossomal. Os antimaláricos são bases fracas que
aumentam o pH interferindo na função fisiológica dependente do pH ácido.4
Deste modo, há acúmulo de lipídes nos lisossomos que incapacitam as células
de produzirem bainhas de mielina em torno do axônio.13 O diagnóstico baseiase na eletroneuromiografia e no achado do fármaco na biópsia do nervo.
O tratamento do quadro neurológico induzido pela cloroquina constitui-se
na da retirada da droga antimalárica, o que acarreta em melhora parcial ou total
dos sinais e sintomas, em geral, entre 3 (três) a 6 (seis) meses.3
No caso relatado, destaca-se o fato de a paciente ter apresentado um
quadro
incomum
de
mononeurite
multiplex
causada
pelo
uso
de
hidroxicloroquina e não relacionada à neuropatia vasculítica da artrite
reumatóide. A paciente havia feito uso de 60mg de Prednisona ao dia por seis
meses, dose que seria terapêutica no tratamento da mononeuropatia multiplex
secundária à vasculite da AR. Além disso, a paciente utilizou dose de
1200mg/dia de hidroxicloroquina por seis meses, tendo esta dose sido
aumentada por conta própria. Considera-se que a dose máxima para a HCQ
seja de 6mg/kg/dia, sendo o peso da paciente de 80kg, a dose máxima seria de
480mg/dia. Portanto, a paciente utilizou dose bem mais elevada que a dose
máxima para o seu peso.
Como diagnósticos diferenciais foram descartadas causas metabólicas
através de exames laboratoriais com glicemia de jejum, função renal, função da
tireóide, PTH normais;
síndrome paraneoplásica com investigação de
24 neoplasias comuns para a idade e sexo da paciente; causas infecciosas sendo
descartado HIV e hepatites B e C; apresentava ainda CPK normal afastando
miopatias inflamatórias e ainda líquor normal, pensando-se no diagnóstico
diferencial de polirradiculoneurite aguda.
O diagnóstico foi baseado pelo quadro clínico neurológico, associado à
história
de
uso
de
altas
doses
de
hidroxicloroquina
e
a
uma
eletroneuromiografia sugestiva, aliada a uma busca exaustiva no sentido de
afastar uma causa primária para o quadro neuropático.
É importante, portanto, que frente a uma suspeita de intoxicação por
antimalárico seja realizada anamnese e exame físico investigando sintomas de
intoxicação, determinando o tempo e a posologia do uso da droga. Devem-se,
ainda, buscar outros sinais e sintomas associados aos efeitos adversos do uso
dessas drogas. A paciente não apresentava comprometimento oftalmológico,
nem alterações dermatológicas, gastrointestinais, cardíacas ou hematológicas
características da toxicidade pelos antimaláricos.
Destaca-se, ainda, a evolução favorável após a suspensão da
medicação, dado que corrobora com a literatura vigente. A paciente teve a
medicação suspensa na internação, sendo que após três meses apresentou
melhora parcial importante da fraqueza de membros inferiores retornando a
deambular.
25 4. Considerações Finais
A cloroquina e hidroxicloroquina podem induzir a lesão do nervo
periférico, sendo esta complicação grave e potencialmente reversível com a
suspensão da droga. Destaca-se a importância de que o médico que
acompanha o paciente em uso desses medicamentos, frente a um exame
clínico e neurológico sugestivo, levante a hipótese de intoxicação, e faça o
diagnóstico utilizando como exames complementares a eletroneuromiografia e
a biópsia do nervo.
26 5. Referências Bibliográficas
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