Hospital do Servidor Público Municipal ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA MULTIPLEX – RELATO DE CASO CARINI IUMI OTSUZI São Paulo 2012 Hospital do Servidor Público Municipal ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA MULTIPLEX – RELATO DE CASO CARINI IUMI OTSUZI São Paulo 2012 CARINI IUMI OTSUZI ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA MULTIPLEX – RELATO DE CASO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Residência Médica do Hospital do Servidor Público Municipal, para obtenção do título de Residência Médica Área: Clínica Médica Orientadora: Profa. Dra. Maria Vitória de Brito São Paulo 2012 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE E COMUNICADO AO AUTOR A REFERÊNCIA DA CITAÇÃO. São Paulo, ____/____/______ Assinatura do Autor: ___________________________________________________ E-mail do autor: [email protected] FICHA CATALOGRÁFICA OTSUZI, Carini Iumi Artrite Reumatóide X Mononeuropatia Multiplex – Relato de caso/ Carini Iumi Otsuzi – São Paulo 2012 Trabalho de conclusão de curso apresentado à Comissão de Residência Médica do HSPM – SP, para obter o título da Residência Médica, na área de Clínica Médica. Descritores: 1. MONONEURITE HIDROXICLOROQUINA/TOXICIDADE. ADVERSOS 4. ARTRITE REUMATÓIDE 3. MÚLTIPLA 2. ANTIMALÁRICOS/EFEITOS CARINI IUMI OTSUZI ARTRITE REUMATÓIDE X MONONEUROPATIA MULTIPLEX – RELATO DE CASO Hospital do Servidor Público Municipal Clínica Médica Dr. Claudio Capuano HSPM Dr. Carlos Saraiva Martins HSPM Dr. Artur Antônio Pereira HSPM Agradecimento(s)- À Dra. Maria Vitória que de forma atenciosa e dedicada me orientou na realização deste trabalho. RESUMO: A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória de origem auto-imune que acomete as articulações e, com frequência, cursa com comprometimento de outros órgãos. Entre as manifestações extra-articulares da AR, destaca-se do ponto de vista neurológico a mononeuropatia múltipla (multiplex) causada pela inflamação vascular dos vasa nervorum. A hidroxicloroquina é um antimalárico amplamente prescrito no tratamento da AR, porém registram-se de seu uso possíveis efeitos adversos, tendo sido mais destacada a toxicidade ocular. Contudo, um efeito adverso mais raro, é a neuropatia periférica, que é grave e incapacitante em muitos casos. Este relato pode ser a primeira documentação de um caso de uma paciente que apresentou uma mononeuropatia multiplex como efeito da toxicidade da hidroxicloroquina. É relevante o fato da mononeuropatia multiplex não ter sido causada pela neuropatia vasculítica própria da manifestação extra-articular da AR. A paciente apresentou, ainda, boa evolução com a suspensão do fármaco, dado que contribui para que se incentive o diagnóstico deste efeito tóxico da droga, já que se trata de um quadro potencialmente reversível. PALAVRAS CHAVES: Mononeurite múltipla, hidroxicloroquina/toxicidade, antimaláricos/efeitos adversos, artrite reumatóide. ABSTRACT: Rheumatoid arthritis (RA) is a systemic autoimmune inflammatory disorder that primarily affects flexible joints, although it may frequently involve other organs. Among the possible extra-articular manifestations of RA, from the neurological point of view, one can highlight the multiple mononeuropathy (multiplex), which is caused by vascular inflammation of vasa nervorum. The antimalarial hydroxychloroquine is widely used in the treatment of RA despite its reported adverse effects. Although ocular toxicity is the most common side effect, the rare peripheral neuropathy is severe and potentially harmful. To the best of our knowledge, present case report is the first record of a patient with multiplex mononeuropathy resulting from Hydroxychloroquine toxicity. It is remarkable that multiplex mononeuropathy was not caused by extra-articularRA intrinsic vasculitic neuropathy. The patient exhibited good clinical evolution after drug interruption. Taken together, present data should encourage health professionals to diagnose the toxic effects of hydroxychloroquine, since clinical status is potentially reversible. KEYWORDS: Mononeuritis multiple, antimalarial/adverse effects, rheumatoid arthritis. hidroxychloroquine/toxicity, SUMÁRIO 1. Introdução............................................................................................ 10 2. Relato de caso..................................................................................... 12 3. Discussão............................................................................................ 17 4. Considerações finais........................................................................... 26 5. Referências bibliográficas.................................................................... 27 1. Introdução A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória crônica sistêmica das articulações, de evolução progressiva, auto-imune e de causa desconhecida. É caracterizada pela poliartrite de grandes e pequenas articulações, simétrica, aditiva e com rigidez articular. Esta doença apresenta diversas manifestações extra-articulares. Do ponto de vista neurológico, destaca-se a neuropatia periférica compressiva e a neuropatia vasculítica que cursa com o desenvolvimento de uma mononeurite múltipla (multiplex).1 O tratamento da AR é baseado em uma abordagem não farmacológica, no uso de medicamentos sintomáticos, nas DARMD (Drogas Antirreumáticas Modificadoras da Doença) e no uso dos agentes biológicos. Dentre as DARMD, há a hidroxicloroquina (HCQ) e o difosfato de cloroquina (DCQ), que são antimaláricos amplamente prescritos no tratamento da AR. O DCQ foi originalmente desenvolvido para o tratamento da malária e ainda hoje é utilizado na profilaxia desta doença. Foi também o primeiro medicamento antimalárico amplamente usado no combate a doenças inflamatórias, mas com o seu uso a longo prazo foram observados diversos efeitos adversos. Em decorrência disso foi desenvolvida a hidroxicloroquina, uma droga semelhante, mas que apresenta uma menor toxicidade. O difosfato de cloroquina e a hidroxicloroquina tem como efeitos adversos mais destacados as alterações oculares com retinotoxicidade e depósitos corneanos.2 Além dos problemas oftalmológicos, foram observados ainda, efeitos adversos na pele (alterações pigmentares da pele e mucosas, 10 fotossensibilidade, rash cutâneo, prurido), sintomas gastrointestinais (anorexia, náusea, vômito, diarréia), sintomas neurológicos (nervosismo, tontura, zumbido, visão borrada, cefaléia) e, menos comumente, problemas cardíacos (distúrbios de condução com bloqueio de ramo, hipertrofia biventricular e insuficiência cardíaca), hematológicos (agranulocitose, leucopenia, trombocitopenia e granulações tóxicas reversíveis nos leucócitos). Sob o ponto de vista neurotoxicológico, os antimaláricos podem afetar o nervo periférico, o músculo, a junção neuromuscular e o sistema nervoso central.3 Este acometimento neurológico costuma ser incomum, ocorrendo em cerca de 1% dos pacientes a miopatia e, em uma porcentagem ainda menor, a neuropatia periférica.4 O objetivo deste estudo foi apresentar um caso raro de uma paciente com AR que desenvolveu quadro compatível com uma mononeuropatia multiplex não relacionada à neuropatia vasculítica da artrite reumatóide, mas ao uso de altas doses de hidroxicloroquina. A paciente apresentou boa evolução clínica com melhora importante dos sinais e sintomas após três meses da suspensão do medicamento. 11 2. Relato de Caso Paciente feminina, com 51 anos, casada, assistente social, natural e procedente de São Paulo deu entrada no PS do Hospital do Servidor Público Municipal com queixa de dor, parestesia e diminuição de força em membros superiores e, principalmente, em membros inferiores. A paciente relatou ser portadora de artrite reumatóide há 16 meses. Há aproximadamente um ano abandonou o tratamento que fazia no convênio e sendo que há cerca de seis meses exibiu quadro de poliartrite aguda com predomínio de mão, punhos, joelhos e pés. Neste momento, devido a estas manifestações clínicas a paciente se auto medicou com 60mg de prednisona ao dia associado à hidroxicloroquina 400mg 3x ao dia e cetoprofeno 100mg 3x ao dia. Após cerca de 2 meses do uso destas medicações, a paciente evoluiu com diminuição da força, redução da sensibilidade e dor em membros inferiores. Apresentou ainda diversos episódios de queda da própria altura. Com estas queixas, e não mais conseguindo deambular, a paciente procurou o PS em uso há 6 meses dessas medicações. E devido ao quadro de poliartrite aguda, a paciente foi transferida para a Reumatologia, sendo de imediato diminuída a dose da hidroxicloroquina e da prednisona para um terço da dose total e foi suspenso o cetoprofeno. Referiu hipertensão arterial há 15 anos em uso de Captopril 25mg de 8/8h, tabagismo 80 maços/ano e obesidade. A mãe tem osteoartrose e 12 osteoporose, pai e irmãos saudáveis. Negou diabetes mellitus, etilismo ou drogas. Ao exame físico apresentava regular estado geral, orientada, lúcida, acianótica, anictérica, afebril, hidratada, eupneica e sem linfadenomegalias. Aparelho cardiovascular: Bulhas rítmicas normofonéticas sem sopros audíveis, pressão arterial de 115x85mmHg, frequência cardíaca = 100bpm. À ausculta pulmonar constatou-se murmúrio vesicular audível bilateralmente sem ruídos adventícios, frequência respiratória de 18 ipm. Abdome globoso, flácido, indolor à palpação superficial e profunda, sem visceromegalia, sem massas palpáveis e descompressão brusca negativa. Os membros inferiores sem edemas, panturrilhas livres e com pulsos periféricos palpáveis. Presença de equimose em membro inferior direito associado à queda. O exame ginecológico se mostrou sem alterações. O exame neurológico demonstrou paraparesia crural flácida com força muscular grau 3 e arreflexia bilateral em membros inferiores. Sendo normal nos membros superiores, com força muscular e sensibilidade preservadas. Presença do reflexo cutâneo-plantar em flexão bilateralmente e paresia da musculatura inervada pelo nervo fibular comum esquerdo levando ao pé caído. Apresentava, ainda, diminuição da sensibilidade em pododáctilos, bilateralmente. Exame das articulações com poliartrite em mãos e punhos. Na internação foi feito diagnóstico de infecção do trato urinário com urocultura positiva para Escherichia coli tratada com sete dias de Ciprofloxacino. Assim que a paciente foi admitida, a dose da hidroxicloroquina foi reduzida para 400mg ao dia, sendo suspensa após quatro dias da 13 internação, devido a suspeita de intoxicação pela mesma e introduzido carbamazepina 200mg de 8/8 horas e Leflunamida 20mg ao dia. Como exames complementares apresentou eletrocardiograma com taquicardia sinusal, sem sinais de sobrecarga atrial ou ventricular, discreto desvio de eixo para esquerda, sem evidência de outras alterações; radiografia de tórax dentro dos limites da normalidade, fundo de olho normal e TC de coluna com fratura e achatamento do corpo vertebral em T11. O exame do líquor exibiu celularidade normal, sem proteinorraquia, glicose adequada, VRDL no líquor negativo e eletroforese de proteínas do líquor também dentro da normalidade. Os marcadores tumorais CA 15.3, alfa fetoproteína, CA 19.9, CEA e CA125 estavam normais. O ultrassom transvaginal era normal e a mamografia com Birads 2. Tabela – Exames laboratoriais Exame Valor de referência Resultado ALT 0-55 U/L 19 AST 5-34 U/L 21 Glicose 75-95 mg/dL 75 CK 29-168 U/L 41 DHL 125-220 U/L 320 Ácido úrico 2,6–6 mg/dL 5,6 Proteínas totais/ albumina 6,4-8,2/ 3,4-5 g/dL 5,8/2,7 Uréia 15-45 mg/dL 35 14 Creatinina 0,6-1,0 mg/dL 0,6 Eritrócitos 4 – 5 milhões 3,65 Hemoglobina 12–16 g/dL 10,9 Hematócrito 36-47% 31,9 VCM 80-100 fl 87,39 HCM 27-35 pg 29,86 CHCM 31-36 g/dL 34,16 RDW 11,8–15,6% 14,7 Plaquetas 150 -400 mil/mm3 544 mil Leucócitos 3800-11000 13700 sem desvio Granulações tóxicas ++ Tempo Tromboplastina P.A. TTPa: 20-40s Rel: 0,8-1,25 TTPa=28s Relação paciente/normal= 0,9 Tempo de Protrombina 70 a 100% 0,8 a 1,25 TP=13,6s AP=95% INR=1,04 VHS 1 hora Até 18 mm 112 Proteína C Reativa <0,8 mg/dL 4,8 T4livre 0,89-1,76 ng/dL 1,59 TSH 0,4-4,0 mUl/mL 2,22 Anticorpos anti-ADN Não reagente Não reagente FAN Não reagente Não reagente Fator reumatoide <15 UI/mL 1 100 Alfa 1 glicoproteína ácida 50-120 mg/dL 207 Anti-HIV ½ Não reagente Não reagente Perfil Hepatite B Não reagente Não reagente Hepatite C Não reagente Não reagente 15 A eletroneuromiografia dos 4 membros apresentou neuropatia periférica recente acentuadamente motora e sensitiva de padrão axonal, com comprometimento de membros inferiores, médio-distal, com predomínio do território do nervo fibular comum esquerdo; sugerindo mononeuropatia multiplex confluente. Este exame estava normal nos membros inferiores proximal e também nos membros superiores. Teste da fatigabilidade negativo à estimulação repetitiva. A paciente teve alta após 10 dias de internação, com prescrição de Leflunomida 20mg/dia, Prednisona 20mg/dia, Paracetamol 500mg 6/6h e Carbamazepina 200mg de 12/12h. Após a suspensão da hidroxicloroquina, paciente evoluiu com melhora lenta e progressiva do quadro neurológico. No momento da alta após dez dias de internação, já apresentava redução da queixa de dor e paresia de membros inferiores, e ao exame físico demonstrava força muscular grau 4 em membros inferiores, com melhora importante do quadro. Após três meses da suspensão do medicamento, já conseguia deambular com apoio. 16 3. Discussão A artrite reumatóide (AR) é uma doença articular inflamatória crônica sistêmica, auto-imune e de etiologia desconhecida. A doença tem evolução progressiva e, se não tratada adequadamente, tende a causar deformidades articulares irreversíveis e perda funcional gradativa. A AR está presente em todo o mundo acometendo cerca de 0,5 a 1% da população mundial. 5 No Brasil, estima-se que existam cerca de 2 milhões de pessoas com esta doença. A doença é duas a três vezes mais comum em mulheres, sendo que esta diferença praticamente não existe em pacientes com mais de 65 anos. É incomum em homens com menos de 45 anos de idade, e a incidência nas mulheres cresce até os 45 anos de idade, alcançando um platô.5 Apesar de sua etiologia ser desconhecida, vários estudos sugerem que uma combinação de fatores genéticos, hormonais, infecciosos e ambientais estejam envolvidos no processo inflamatório que acomete a membrana sinovial das articulações. Estima-se que os fatores genéticos contribuam de 53 a 65% para o desenvolvimento de AR. Estudos epidemiológicos com gêmeos monozigóticos demonstram uma taxa mais elevada de concordância para AR (12 a 15%) que os dizigóticos ou não gêmeos (2 a 5%). Além disso, a relação de risco para o desenvolvimento da doença nos parentes de primeiro grau de um paciente com a AR é de cerca 1,5 vezes maior que em controles.1 O gênero afeta a susceptibilidade para a AR, de forma que as mulheres são mais acometidas, talvez pelo efeito estimulador do estrógeno no sistema imune.5 Tem se buscado uma causa infecciosa para a AR, mas sem sucesso. Dentre 17 as bactérias mais estudadas, destacam-se o Proteus Mirabilis e as espécies de micoplasma. Vários vírus tem sido estudados, como o citomegalovírus, o parvovírus B19, o HTLV-1, o Epstein-Barr, o vírus da rubéola, porém sem resultados conclusivos até o momento. Dentre os fatores ambientais, o tabagismo tem sido descrito como fator de risco para AR, principalmente em homens com fator reumatóide positivo, ou que possuem anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP). Porém, o que se sabe hoje é que nenhum desses fatores pode ser considerado isoladamente como suficiente para causar a doença.1 As articulações particularmente acometidas são as de mãos, punhos, joelhos e pés. Há a descrição clássica da chamada “mão reumatóide”: alargamento dos punhos, atrofia da musculatura interóssea, edema de metacarpo falangeano e interfalangeanas proximais, desvio ulnar dos dedos, dedos de pescoço de cisne, botoneira e martelo. Muitas deformidades são tardias, resultado de lesões irreversíveis à cartilagem e osso e, portanto, devem ser evitadas com diagnóstico e tratamento precoces.5 Pode haver manifestações inespecíficas como febre, inapetência e emagrecimento. Há dor, rigidez matinal prolongada de mais de uma hora de duração e aumento de volume e da temperatura articular. Pode evoluir com fibrose, contraturas e anquilose da articulação.1 A maioria dos pacientes evolui de forma policíclica com períodos de melhora e piora, e somente 10 a 20% evoluem de forma progressiva.1 Dentre as manifestações extra-articulares, destacam-se as cutâneas, oftalmológicas, pulmonares, cardíacas, renais, vasculares e neurológicas. O 18 comprometimento neurológico pode se apresentar comumente através de neuropatias periféricas compressivas, e também pela mononeurite múltipla. A neuropatia periférica compressiva tende a se correlacionar com o grau de gravidade da sinovite local, mas não com a duração, nível de atividade ou gravidade das manifestações extra-articulares da AR. O ulnar, mediano, o tibial posterior e o ramo interósseo do nervo radial são os nervos mais acometidos. A dor e a parestesia originária do nervo afetado usualmente tem uma piora noturna e podem difundir-se a partir do sítio de compressão. Outra forma de envolvimento neurológico constitui-se pela neuropatia vasculítica causada pelo comprometimento dos vasa nervorum por um processo inflamatório. A vasculite tende a ser multifocal, assimétrica, com o desenvolvimento de uma mononeurite múltipla (multiplex). Em geral, as manifestações sensitivas predominam no início do quadro, tendo o déficit motor apresentação posterior. Esta neuropatia é tipicamente dolorosa, e a dor e parestesias podem aparecer horas ou dias antes dos outros sintomas da neuropatia. O envolvimento distal pode estar presente, particularmente se a vasculite predominar nos pequenos vasos.6 A mononeurite multiplex se apresenta como síndromes clínicas sensistivas e/ou motoras, ora com perda de sensibilidade e redução da força muscular, e ora com parestesias e cãimbras.1 O diagnóstico baseia-se no quadro clínico associado a eletroneuromiografia e a biópsia do nervo que mostra infiltrado inflamatório perivascular ou intramural, focos de necrose fibrinóide na parede do vaso, fibrose ou oclusão da luz vascular. O vaso epineural é o local mais comumente acometido, com consequente perda de 19 fibras nervosas, principalmente nas regiões centrais, com graus variáveis de lesão axonal e desmielinização segmentar. O tratamento é feito com prednisona em altas doses, associado ou não a ciclofosfamida ou a outro imunossupressor. A neuropatia vasculítica pode estar associada com as vasculites primárias (notadamente, as vasculites ANCA-relacionadas, como Granulomatose de Wegener, Poliangeíte microscópica, Angeíte de ChurgStrauss; também a poliarterite nodosa e a vasculite crioglobulinêmica) e com as vasculites secundárias às doenças do tecido conjuntivo (lúpus eritematoso sistêmico, AR e síndrome de Sjögren).1 Hellmann et al revisaram 35 casos de mononeurite multiplex e como resultado obtiveram que 15 pacientes apresentaram doença reumática, 1 tinha linfoma, mas 19 dos pacientes investigados não apresentaram nenhuma causa específica para a mononeurite.6 A mononeurite multiplex descreve um padrão de acometimento do nervo periférico que ocorre em diferentes nervos individuais e de forma assimétrica. Muito embora este termo implique em um componente inflamatório, ele nem sempre está presente, por isso o termo “mononeuropatia múltipla” tem sido proposto. É comum estar presente nas síndromes vasculíticas, mas também pode ocorrer nas neuropatias isquêmicas do diabetes mellitus, na hanseníase, na sarcoidose, e em infiltrações de múltiplos nervos devido a linfoma, tumores ou hemorragia.6 O diagnóstico da AR deve ser feito o mais precocemente possível para evitar os desfechos desfavoráveis associados à progressão da doença. O 20 diagnóstico é fundamentalmente clínico, pois não se baseia em achados específicos do exame físico ou de exames laboratoriais ou de imagem. Existem sete critérios clínicos de classificação da artrite reumatóide elaborados pela American College of Rheumatology, que são: rigidez matinal com duração de pelo menos uma hora, artrite de três ou mais regiões articulares, artrite das articulações das mãos, nódulos reumatóides, fator reumatóide positivo e alterações radiográficas típicas. Com a presença de pelo menos quatro desses critérios se faz o diagnóstico de AR. Os quatro primeiros critérios clínicos citados devem estar presentes por pelo menos seis semanas. É relevante destacar que a ausência destes quatro critérios não exclui o diagnóstico, principalmente nas fases iniciais. A abordagem não farmacológica envolve uma equipe multidisciplinar capaz de recuperar a capacidade funcional e o condicionamento físico do paciente, além de abordagem terapêutica quanto aos cuidados com a saúde mental. Dentre os medicamentos sintomáticos destacam-se os analgésicos simples (dipirona ou paracetamol) e os anti-inflamatórios não-esteróides. Além destes, podem ser utilizados os corticosteróides que, apesar de serem usados no alívio dos sintomas e na supressão da atividade da doença, seu uso é mais bem aceito como medicamento “ponte” entre o início do uso dos DARMD e a efetiva resposta terapêutica pelas mesmas.1 Os DARMD devem ser iniciados para todos os pacientes assim que estabelecido o diagnóstico de AR. O metrotexato costuma ser a droga de primeira escolha. Tem boa eficácia clínica e melhora radiológica associada a um custo relativamente baixo. Se houver contra-indicação, indica-se 21 sulfassalazina ou leflunomida. Os antimaláricos devem ser indicados para pacientes com doença leve ou artrite indiferenciada com baixo potencial erosivo. A terapia biológica consiste no uso de drogas como adalimumabe, etanercepte, infliximab e outros.1 A hidroxicloroquina e o difosfato de cloroquina são derivadas das 4aminoquinolinas e são estruturalmente semelhantes, diferindo apenas pela substituição de um grupo etil em cloroquina com um grupo hidroxietil em hidroxicloroquina.7 Essas drogas são totalmente absorvidas pelo trato gastrointestinal. Sua excreção pelos rins ocorre de forma lenta e pode levar de 3 a 6 meses, mas cerca de 15 a 30% da cloroquina é oxidada no fígado em metabólitos inativos e, então, eliminada. Há relatos de que, após cinco anos de interrupção da droga, foram achados traços de cloroquina no plasma, eritrócitos e urina de indivíduos com retinopatia.8 Por ser menos tóxica e apresentar a mesma eficácia que a DCQ, a HCQ é atualmente a mais usada na maioria dos países.9 Ela compreende 95% de todas as prescrições de antimaláricos no tratamento das doenças reumáticas10, porém a DCQ continua sendo predominante nos países pobres devido ao baixo custo desta droga.11 Por decorrência, supõe-se que as complicações decorrentes desta droga também sejam maiores nas populações de países menos desenvolvidos. Sugere-se que a HCQ apresenta melhor perfil de segurança, sobretudo quanto ao comprometimento oftalmológico. Este acometimento tem bastante destaque na avalição quanto aos efeitos colaterais dos antimaláricos. Recomenda-se exame oftalmológico rotineiro no intuito de prevenir a toxicidade 22 ocular.12 Segundo a Academia Americana de Oftalmologia os fatores de risco para a maculopatia por antimaláricos são dosagem de cloroquina maior que 3mg/kg/dia, dosagem de hidroxicloroquina >6,5 mg/kg/dia, uso da droga por mais de cinco anos, alto teor de gordura corporal, doença renal e/ou hepática, idade maior que 60 anos e fatores genéticos.8 Quanto ao músculo, a cloroquina pode induzir a miopatia, tendo sido descrita pela primeira vez em 1963. O quadro clássico é de uma miopatia com debilidade proximal nas extremidades inferiores. A dose de cloroquina nos pacientes que apresentaram miopatia situa-se entre 100-1000mg. A duração do tratamento e a dose acumulada pareceram fatores decisivos.3 Como fisiopatologia acredita-se que a cloroquina produza uma miopatia vacuolar na musculatura esquelética, causada pela inibição das enzimas lisossomais envolvidas no metabolismo do glicogênio e das proteínas que provocam o acúmulo de corpos mielóides, glicogênio e corpos curvilíneos.3 A biópsia muscular é característica e confirma o diagnóstico da miopatia por cloroquina pela presença do fármaco. A análise por microscópio óptico mostra a miopatia vacuolar, mas não é específica, pois os achados estão presentes em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico sem tratamento com antimaláricos e também em pacientes que estão recebendo essas drogas e que não tem a miotoxicidade. Na análise por microscópio eletrônico aparecem corpos curvilíneos e corpos mielóides indicando toxicidade lisossomal. 13 Em relação ao acometimento do nervo periférico, a intoxicação pela cloroquina leva a uma neuropatia sensitiva-motora de predomínio distal, com diminuição ou abolição dos reflexos. Quanto à fisiopatologia, segundo C. 23 Masson et. al. a cloroquina constitui uma droga desmielinizante, tem tropismo e provoca a inibição da atividade da enzima lisossomal das células de Schwann por aumentar o pH intra-lisossomal. Os antimaláricos são bases fracas que aumentam o pH interferindo na função fisiológica dependente do pH ácido.4 Deste modo, há acúmulo de lipídes nos lisossomos que incapacitam as células de produzirem bainhas de mielina em torno do axônio.13 O diagnóstico baseiase na eletroneuromiografia e no achado do fármaco na biópsia do nervo. O tratamento do quadro neurológico induzido pela cloroquina constitui-se na da retirada da droga antimalárica, o que acarreta em melhora parcial ou total dos sinais e sintomas, em geral, entre 3 (três) a 6 (seis) meses.3 No caso relatado, destaca-se o fato de a paciente ter apresentado um quadro incomum de mononeurite multiplex causada pelo uso de hidroxicloroquina e não relacionada à neuropatia vasculítica da artrite reumatóide. A paciente havia feito uso de 60mg de Prednisona ao dia por seis meses, dose que seria terapêutica no tratamento da mononeuropatia multiplex secundária à vasculite da AR. Além disso, a paciente utilizou dose de 1200mg/dia de hidroxicloroquina por seis meses, tendo esta dose sido aumentada por conta própria. Considera-se que a dose máxima para a HCQ seja de 6mg/kg/dia, sendo o peso da paciente de 80kg, a dose máxima seria de 480mg/dia. Portanto, a paciente utilizou dose bem mais elevada que a dose máxima para o seu peso. Como diagnósticos diferenciais foram descartadas causas metabólicas através de exames laboratoriais com glicemia de jejum, função renal, função da tireóide, PTH normais; síndrome paraneoplásica com investigação de 24 neoplasias comuns para a idade e sexo da paciente; causas infecciosas sendo descartado HIV e hepatites B e C; apresentava ainda CPK normal afastando miopatias inflamatórias e ainda líquor normal, pensando-se no diagnóstico diferencial de polirradiculoneurite aguda. O diagnóstico foi baseado pelo quadro clínico neurológico, associado à história de uso de altas doses de hidroxicloroquina e a uma eletroneuromiografia sugestiva, aliada a uma busca exaustiva no sentido de afastar uma causa primária para o quadro neuropático. É importante, portanto, que frente a uma suspeita de intoxicação por antimalárico seja realizada anamnese e exame físico investigando sintomas de intoxicação, determinando o tempo e a posologia do uso da droga. Devem-se, ainda, buscar outros sinais e sintomas associados aos efeitos adversos do uso dessas drogas. A paciente não apresentava comprometimento oftalmológico, nem alterações dermatológicas, gastrointestinais, cardíacas ou hematológicas características da toxicidade pelos antimaláricos. Destaca-se, ainda, a evolução favorável após a suspensão da medicação, dado que corrobora com a literatura vigente. A paciente teve a medicação suspensa na internação, sendo que após três meses apresentou melhora parcial importante da fraqueza de membros inferiores retornando a deambular. 25 4. Considerações Finais A cloroquina e hidroxicloroquina podem induzir a lesão do nervo periférico, sendo esta complicação grave e potencialmente reversível com a suspensão da droga. Destaca-se a importância de que o médico que acompanha o paciente em uso desses medicamentos, frente a um exame clínico e neurológico sugestivo, levante a hipótese de intoxicação, e faça o diagnóstico utilizando como exames complementares a eletroneuromiografia e a biópsia do nervo. 26 5. Referências Bibliográficas 1. MOREIRA, C. et al. Reumatologia Essencial. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. 2. SILVA, A. S. et al. Maculopatia tóxica por cloroquina. Revista Brasileira de Oftalmologia, 2009, 68: 161-167 . 3. BECERRA-CUÑAT, J.l. et al. Miopatía y neuropatía inducida por cloroquina: tetraparesia progressiva con arreflexia que simula una polirradiculoneuropatía: A propósito de dos casos. Revista de Neurología, 2003, 6: 523-52. 4. RYNES R. I. Antimalarial drugs in the treatment of rheumatological diseases. British Journal of Rheumatology, 1997, 36: 799-805. 5. LAURINDO, I.M.M. Artrite Reumatóide. 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