Prevenção Cardiovascular. Carlos Ramalhão

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Carlos Ramalhão
Especialista em Cardiologia e em Medicina Interna pela Ordem dos Médicos. Chefe de Serviço de Cardiologia no Hospital S.João do Porto (1991).
Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto (1986). Membro da Academia Portuguesa de Medicina, da Sociedade Portuguesa de
Cardiologia e da New York Academy of Sciences. “Fellow” da Sociedade Europeia de Cardiologia. Titulado como Cardiologista Europeu em 2000.
Coordena grupo de Reabilitação Cardíaca desde 1993 -Diprofísio – Porto. Organiza desde 1990, anualmente, as Jornadas de Cardiologia do Norte para
Clínicos Medicina Geral e Familiar.
Nota Prévia:
Pediu-me o Prof. Doutor Pedro von Hafe para
escrever “umas linhas” sobre Prevenção
Cardiovascular para a nova publicação Factores
de Risco Cardiovascular para a qual formulo
desde já as maiores felicidades, quer pelos
temas que tenciona abordar quer pela
população a que se dirige. Tentarei satisfazer
com muito prazer e honrado pelo convite a
tarefa que me foi confiada, sempre consciente
que por vezes vou ser ou incompleto ou
espelhar a minha conhecida frontalidade.
Porque se trata de um tema vastíssimo terei de
escolher para já apenas alguns apontamentos.
Prevenção Cardiovascular e Promoção
da Saúde
O primeiro aspecto que me proponho tratar é a
relação da Prevenção Cardiovascular com a
Promoção da Saúde em geral e particularmente
a do Coração e Vasos.
Na realidade a Prevenção é apenas e só um dos
três ramos da Promoção da Saúde.
Não devemos esquecer a Educação para a
Saúde e a Protecção da Saúde. Este meu
primeiro ponto vai ter a sua explicação quando
acabarem de ler “estas linhas”.
Na Educação para a Saúde ensinam-se os estilos
de vida saudáveis (alimentação, prática de
exercício, abstenção de tabaco e outras drogas,
etc…). Esta fase deve ser iniciada o mais cedo
possível na Vida e levada a cabo pelos Pais,
Educadores e Médicos de Medicina Geral e
Familiar. Acontece que muitos destes profis-
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sionais não dispõem de tempo para este tipo de
actividades. Investir na Educação para a Saúde
será a primeira medida para poupar ao erário
público milhões de euros com a Doença. É o
momento de prestar aqui a minha modesta
homenagem ao Prof. Fernando de Pádua que
como todos os paladinos de uma nova doutrina
tão criticado foi no início das suas actividades.
Tão importante como a Educação é a Protecção
da Saúde. Esta cabe ao Estado e aos Cidadãos.
Explico: ao Estado cabe desenvolver e incrementar todas as medidas para que o Cidadão
veja a sua Saúde protegida: vigilância na
condução com excesso de álcool; aumento do
preço do tabaco; implementar planos de vacinações, fornecer boas condições sociais (casa,
alimentação e trabalho - sem demagogia)
etc…, isto a par da criação de estruturas que
permitam ao Cidadão por exemplo a prática de
exercício físico; parques que permitam diminuir
a poluição dos Centros Urbanos, etc….Aqui felizmente começam a dar-se alguns passos
animadores. Mas ao Cidadão cabe cumprir
escrupulosamente as leis e vigiar a sua Saúde.
É um dever de Cidadania não fumar em recintos
fechados, conduzir com prudência; reciclar os
excedentes para poluir o menos possível o
Ambiente, não ingerir tóxicos, cuidar da Saúde.
Pergunta-me o leitor agora: mas que tem tudo
isto a ver com a Prevenção Cardiovascular?
Se tivermos boa Saúde, isto é, não só ausência
de doença mas bem-estar físico e mental
estamos a contribuir para que no futuro a nossa
“candidatura” a doentes seja menos provável.
Como vemos, dum modo simples, afinal a
Educação para a Saúde e a Protecção da Saúde
podem contribuir para a redução da doença:
menos “stress”; menos diabetes menos
hipertensão arterial; menos obesidade; enfim
menos doença cardiovascular.
E passamos agora a falar de dois factores de Risco
que já abordámos vagamente acima e que são os
“parentes pobres” da Prevenção Cardiovascular.
Proponho-me falar da importância dos Factores
Psicossociais e da Prática do Exercício Físico (aqui
particularmente da Reabilitação Cardíaca).
Factores Psicossociais
Comecemos pelos Factores Psicossociais. Está
claramente demonstrado hoje que as más
condições sociais favorecem não só o
aparecimento mas também a recidiva de
hipertensão arterial e doença coronária. A falta
de dinheiro, habitação e trabalho aumentam por
um lado os níveis de “stress” e por outro levam
ao consumo de alimentos menos dispendiosos e
menos saudáveis. Estes por sua vez condicionam
o aparecimento de mais obesidade e diabetes e
consequentemente mais hipertensão arterial e
mais doença coronária.
Há muito que se conhecem estes dados e
entre nós Rui Coelho chamou a atenção para
este facto em tese de doutoramento defendida
na Faculdade de Medicina do Porto em
trabalho realizado em colaboração com o
Serviço de Cardiologia do Hospital S. João.
Mas quem se preocupa com esta problema?
Quantos Serviços de Cardiologia têm nas suas
Unidades Coronárias, de Internamento ou
mesmo na Cirurgia um Psicólogo?
Não quero com as afirmações feitas diminuir um
micrograma que seja da importância que tem as
excelentes terapêuticas farmacológicas postas ao
nosso dispor (inibidores da ECA; bloqueadores
beta-adrenérgicos; trombolíticos; estatinas;
ezetimibe; aspirina; clopidogrel; antagonistas do
cálcio, etc..) e das técnicas da cardiologia de
intervenção na Prevenção primária e secundária
das doenças cardiovasculares.
Vamos todos tentar integrar mais um membro na
nossa equipa. A Medicina é cada vez mais
pluridiscplinar.
Sedentarismo
E terminaria estas “minhas linhas” com o combate
a um factor de risco também por vezes muito
esquecido que é o sedentarismo. Este factor está
intimamente ligado com o controle da diabetes,
obesidade, hipertensão arterial e “stress”.
Em todos os Países desenvolvidos qualquer
indivíduo que teve um enfarte do miocárdio, que
foi submetido a revascularização coronária com
cirurgia ou angioplastia, que tem angina não
cirúrgica nem dilatável, que tem insuficiência
cardíaca entra em programas próprios de reabilitação cardíaca.
Curiosamente na Alemanha até há bem pouco
tempo quem se recusasse a frequentar esse
programa era penalizado na sua pensão de
reforma. E tudo isto porque se demonstrou que
os doentes que faziam reabilitação cardíaca
recomeçavam a trabalhar mais cedo (porque
sentiam mais confiança em si, perdendo o
medo da doença e tinham menos recidivas da
sua doença porque os seus parâmetros
metabólicos e sua condição física melhoravam
significativamente). Ficavam portanto mais
baratos ao erário público.
E qual é a nossa posição na Europa em que
estamos incluídos? Na cauda como de costume.
Consciente desta realidade o responsável por esta
área no Plano Nacional de Saúde para 2010
sugeria que nessa data estivessem a fazer
reabilitação cardíaca entre nós 30%. Isto foi
referido na Reunião do Grupo de Estudos de
Fisiopatologia de Esforço e Reabilitação Cardíaca
da Sociedade Portuguesa de Cardiologia que se
realizou no Porto a 17/2/06.
“…AFINAL A EDUCAÇÃO
PARA A SAÚDE E A
PROTECÇÃO DA SAÚDE
PODEM CONTRIBUIR PARA
A REDUÇÃO DA DOENÇA:
MENOS “STRESS”; MENOS
DIABETES; MENOS
HIPERTENSÃO ARTERIAL;
MENOS OBESIDADE; ENFIM
MENOS DOENÇA
CARDIOVASCULAR.”
Sem querer ser “Velho do Restelo” acho que vai
ser difícil. Deus queira que me engane para bem
dos doentes. E porquê? Primeiro (e a brincar)
porque pôr de pé um programa e um Serviço de
Reabilitação Cardíaca não desperta o apetite de
uma “OPA”. Segundo e agora a sério porque a
Reabilitação Cardíaca não é ensinada no Ensino
pré ou pós-graduado. Terceiro porque grande
parte dos Cardiologistas “não sabem” (o
interesse da Reabilitação Cardíaca) ou não
querem referir (passe o anglicismo) os “seus
doentes” por motivos vários.
Por último porque a Reabilitação Cardíaca não é
comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde.
Existe ainda um motivo para que os desígnios do
PNS não se concretizem e que me custa explicitar
mas que não resisto. Trata-se de uma forma de
tratamento pouco rentável economicamente. É
moral e socialmente rentável e só os que a
praticam (quase por carolice) sentem o benefício
que a Reabilitação Cardíaca condiciona nos
doentes. Ficamos à espera que daqui até 2010
existam muitas boas vontades para se cumprirem
os desejos do meu Amigo Dr. Miguel Mendes.
Reabilitação Cardíaca
E termino com o exemplo da Reabilitação Cardíaca
porque é a situação onde se aplica a Educação
para a Saúde dos Cidadãos e dos Médicos que
devem aprender a prescrever exercício físico (nem
que seja a marcha), evitando a praga do negócio
de alguns ginásios sem condições.
Exemplo de Protecção da Saúde porque o
Estado terá que criar condições ideais para a
prática do exercício e implementar subsídios
para aqueles que tem que o praticar porque
estão doentes. Dever de Cidadania porque todo
o indivíduo tem que cuidar da sua boa forma
física com estilos de vida saudáveis.
Por último, exemplo de prevenção cardiovascular
porque nos indivíduos com factor de risco e nos
que já tiveram um episódio de manifestação de
doença coronária existe claro e comprovado
benefício da prescrição de Reabilitação Cardíaca.
Carlos Ramalhão
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