Leonor Werneck dos Santos (UFRJ) e Letícia de Lima Tupper

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ABORDAGEM TEXTUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO:
REFERENCIAÇÃO, GÊNEROS E TIPOLOGIAS TEXTUAIS
Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)
[email protected]
Letícia de Lima Tupper (UFRJ)
[email protected]
1. Introdução
Neste artigo, apresentamos o momento atual da pesquisa “Abordagem textual
no ensino de língua portuguesa: problemas e perspectivas”, sobre abordagem de gêneros
textuais (GT), tipologias textuais (TT) e referenciação em livros didáticos de português
(LDP) usados no ensino médio (EM). Pretendemos analisar de que maneira esses LDP
apresentam tais conceitos relacionando-os a teorias que defendem o caráter
sociointeracional dos textos, como a Linguística Textual. Por isso, faremos uma breve
apresentação teórica sobre referenciação, GT e TT, relacionando esses conceitos aos
que aparecem nos documentos oficiais voltados para o ensino médio – PCN/EM e
PCN/EM+ – e também para o ensino fundamental – PCN/EF e PCN/EF em ação –, que
fundamentam e inspiram as referências bibliográficas dos manuais didáticos analisados.
É importante esclarecer alguns pontos relacionados à nomenclatura que
utilizamos nesta pesquisa. Como os livros didáticos privilegiam a terminologia gêneros
textuais e tipologias textuais, justificamos nossa opção por essa nomenclatura como
ponto de partida para a análise dos LDP, embora apresentemos outros termos que
aparecem nos manuais. O mesmo acontece com o termo referenciação: como quase
nenhum LDP usa essa nomenclatura, apuramos nossa análise debruçando-nos também
sobre o conceito de Coesão Referencial (CR).
Foram analisadas todas as 11 coleções aprovadas no PNLEM/20091 e está
sendo feito um levantamento das novas coleções avaliadas pelo PNLD-EM/20122,
incluindo o Manual do Professor (MP) que acompanha esses livros didáticos, a fim de
investigar se há instruções e sugestões para o trabalho com GT, TT e referenciação em
sala de aula. É importante destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a
qualidade desses materiais didáticos nem a pertinência da avaliação dos programas
oficiais do MEC, mas pretendemos incluir no debate sobre ensino de língua portuguesa
o conflito teoria/prática percebido nos manuais didáticos no que se refere a esses três
temas. Os principais objetivos dessa etapa da pesquisa foram: (1) analisar a abordagem
dos GT, das TT e da referenciação nos LDP, elencando os equívocos teóricos referentes
a esses conceitos; (2) analisar as atividades de leitura e produção propostas para os GT e
as TT; (3) observar se os LDP relacionam os mecanismos de referenciação às
estratégias de leitura, produção textual e à análise linguística.
Os pressupostos que norteiam o embasamento teórico sobre GT, TT e
referenciação encontram-se em obras recentes de autores como Koch (2003, 2008),
Koch & Elias (2006, 2009), Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002, 2008) e
Cavalcante et al. (2003, 2005, 2007), dentre outros. Especificamente sobre GT, diversos
1
Em 2005, foi feita a avaliação dos LDP de ensino médio publicados até 2004/2005 e inscritos neste
Programa de avaliação; entretanto, as resenhas das 11 coleções aprovadas só foram divulgadas na
publicação intitulada Catálogo do PNLEM 2009.
2
A edição atual do catálogo foi publicada no início de 2011, intitulada Catálogo do PNLD/EM 2012, pois
o Programa passou a se chamar PNLD/EM. Somente 3 coleções do Catálogo de 2009 aparecem também
no de 2012; 8 coleções são novas.
autores – de autores postulantes de linhas teóricas diversas – retomam Bakhtin
(1929[1992]), como Karkowsky et al. (2006), Cavalcante et al. (2007), Koch (2003),
Koch & Elias (2006), Meurer et al. (2005), Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi
(2002, 2008), Travaglia (2003, 2007a, 2007b), dentre outros.
A importância de analisar esse tema justifica-se porque, apesar do destaque que
o trabalho com GT, TT e referenciação vem recebendo nas pesquisas acadêmicas e
propostas pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português parecem aplicar
coerentemente esses conceitos. Como, para muitos professores, os LDP representam,
mais que um material de trabalho com os alunos, um apoio teórico-metodológico para a
atuação em sala de aula, é necessário, portanto, analisar esses manuais didáticos para
pensar numa metodologia de ensino de língua portuguesa coerente com os princípios de
formação de cidadãos críticos e conscientes, tão defendida nos documentos oficiais.
Os resultados preliminares desta nossa pesquisa acenam para uma mudança na
abordagem desses três temas nos LDP. Num primeiro momento, até o PNLEM/2009,
predomina uma abordagem artificial, sistematizada ou puramente gramatical da
referenciação nos LDP de EM, que não leva o aluno a refletir sobre esse importante
processo de construção textual; quanto aos GT, observa-se que os LDP ignoravam,
confundiam ou abordavam de maneira superficial as teorias que se baseiam em Bakhtin
e que consideram os gêneros como práticas sociais – talvez por isso, ainda
predominasse o ensino das TT em detrimento dos GT, o que configura um retrocesso
em relação às propostas dos PCN. Nos manuais aprovados no PNLD-EM/2012, porém,
já se percebe uma abordagem mais focada em aspectos textuais-discursivos de fato,
embora ainda haja problemas teórico-metodológicos e falte um tratamento
sociointeracional dos textos.
2. O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e consequências no ensino
Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de educação engloba
os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e seu reflexo no ensino. Com relação à
língua portuguesa, os PCN apresentam propostas que valorizam as variedades e a
pluralidade de uso linguístico, em diversos gêneros textuais orais e escritos, em todas as
séries do ensino fundamental e médio, enfatizando aspectos de construção textual, como
coesão e coerência. Esse é um dos aspectos através dos quais os PCN pretendem
colaborar na formação de cidadãos críticos e conscientes.
Entretanto, como já alertamos em Santos (2005), apesar de algumas ideias que
aparecem nos PCN não serem novas – pelo contrário, são objeto de debate há décadas,
como é o caso, por exemplo, dos pressupostos da Linguística Textual e da Análise do
Discurso –, nem sempre é fácil adaptá-las para a realidade da sala de aula. Um dos
problemas é a falta de referencial teórico e a instabilidade de nomenclatura nos PCN.
Começando pelos Parâmetros voltados para o ensino fundamental – que de
certa forma são retomados nos documentos destinados ao nível médio –, a perspectiva
atual de ensino de língua apresenta a leitura e a produção de gêneros textuais variados
como base para a formação do aluno, mostrando que a língua não é homogênea, mas um
somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Dessa
forma, é reprovado pelos PCN-EF (BRASIL, 1998, p. 18) o “ensino descontextualizado
de metalinguagem” com base em uma “teoria gramatical inconsistente”, em que o texto
é usado apenas como pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua. Assim, os
PCN defendem que o texto deva ser a unidade de ensino.
Essa concepção do texto como unidade de ensino para desenvolver a
competência comunicativa dos alunos também é defendida por Travaglia (1996, 2003),
para quem a língua, mais que teoria, é um “conjunto de conhecimentos linguísticos que
o usuário tem internalizados para uso efetivo em situações concretas de interação
comunicativa” (TRAVAGLIA, 2003, p. 17) e só assim se pode conceber o ensino dessa
disciplina, na produção e leitura de textos diversos. Esse mote da perspectiva de ensino
de língua mais produtivo ecoa nos PCN-EF (BRASIL, 1999, p. 23): “Toda educação
comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno
possa desenvolver sua competência discursiva”. É, portanto, na percepção das situações
discursivas, materializadas nos GT, que o aluno poderá se constituir como cidadão e
exercer seus direitos como usuário da língua.
Além disso, nos PCN-EF (BRASIL, 1998, p. 49), enfatiza-se que
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a
escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao
aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações
de uso público da linguagem, levando em conta a situação de
produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação
ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou
intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e
selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do
texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e
gramatical.
Dessa forma, os PCN-EF apresentam as três práticas de linguagem – escuta de
textos orais / leitura de textos escritos, produção de textos orais e escritos, análise
linguística –, que sustentam o ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco
na formação dos alunos. Assim, os conteúdos partem de textos, valorizando e
destacando diferenças e semelhanças, fazendo com que o aluno discuta o que vê ⁄ lê para
conseguir se sentir usuário da língua e participante do processo de aprendizagem. Em
resumo, tem-se o princípio uso→ reflexão→ uso (BRASIL, 1998, p. 65), já defendido
por Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E o objetivo principal desse
acesso a uma pluralidade de gêneros é desenvolver no aluno uma competência
metagenérica, que, segundo Koch & Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a
compreensão de gêneros textuais, e até mesmo que os denominemos”.
Entretanto, há diversos problemas que permanecem no ensino de língua
portuguesa, apesar das mudanças propostas pelos Parâmetros. Dionísio & Bezerra
(2002), por exemplo, apresentam uma série de temas presentes em livros didáticos que
carecem de fundamentação teórica coerente e sistemática. Da pontuação à leitura e
produção de textos, passando pela morfossintaxe, os artigos organizados pelas autoras
mostram quantos problemas advêm da falta de organização de conteúdos e da
metodologia inadequada. Os PCN sozinhos não conseguem resolver isso, mas indicam
alguns caminhos que deveriam ser seguidos por autores de livros didáticos e
professores. Para seguir os PCN, portanto, a abordagem textual tem sido privilegiada
nos livros didáticos, mas nem sempre de maneira coerente, como se pode perceber
numa rápida análise desses materiais.
Por exemplo, a oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm
consequências no ensino, pois os autores de livros didáticos, na hora de citar termos e
elaborar definições, nem sempre demonstram em que textos pretendem se apoiar.
Talvez por isso, conforme veremos mais adiante, haja incoerências teóricas e falta de
sistematização no trabalho com referenciação, GT e TT. O que parece é que, nos LDP,
se passou do período da inexistência de um trabalho coerente e produtivo com textos,
até a década de 90, para um período atual, de equívocos teóricos devido à referência a
teorias e termos nem sempre bem assimilados por professores e autores de livros
didáticos.
Para ilustrarmos esses problemas, vejamos o Quadro 1, que lista os termos
usados nos PCN para GT e TT:
Documento
PCN-EF
(1998)
Nomenclatura para
GT
Gêneros (cf. p. 21)
Nomenclatura para TT
Sequências
(p.
21),
sequências
discursivas:
narrativa,
descritiva,
argumentativa, expositiva
e conversacional (p. 21,
56, 60)
PCN-EF
Gêneros textuais (p. Sequência descritiva (p.
em
ação 166)
150), “tipo de texto
(3º. e 4º.
(publicitário)” na p. 117,
ciclos), vol.
“tipo
de
veículo”,
1
referindo-se a suporte (p.
119)
PCN-EM
Gêneros discursivos (p. Tipos de discurso (p. 22)
8, 21)
PCN-EM +
Gêneros
(p.
59), Tipologia textual (p. 69),
gêneros textuais (p. 60, mas na p. 62 aparece
64,
97).
Fala-se “sequências
e
tipos”,
também de “tipos de dando a entender que são
texto” para se referir a aspectos diferentes da
gêneros (p. 39, 46)
constituição textual.
Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN
Presença de definição
Definição de gêneros (p.
20-21), sequências (p.
22) e suporte (p. 22)
Não há definição dos
termos. Há comentários
gerais sobre o tema e
listas de gêneros a serem
trabalhados no 3º. e no
4º. ciclos.
Não há definição dos
termos. Há comentários
gerais sobre gêneros.
Definição de GT na p.
60.
Há
diversos
comentários
teóricometodológicos sobre GT.
Não há definição de TT.
Quanto à referenciação, esse termo não aparece nos PCN, mas cita-se, a todo
momento, a importância de trabalhar a coesão textual em sala de aula, partindo de textos
variados para perceber de que maneira esse mecanismo colabora na construção de
sentido. Nos LDP, por outro lado, quanto à abordagem da referenciação, percebem-se
dois problemas principais, que detalharemos mais adiante: (1) o conceito inexiste na
maioria dos LDP analisados, sendo usado apenas o termo coesão ou, no máximo,
Coesão Referencial (CR); (2) o tema “Coesão” nem sempre aparece articulado às três
práticas de linguagem (leitura, produção, análise linguística), sendo considerado,
geralmente, mais um tópico teórico do conteúdo programático de produção textual.
Assim, a construção de sentido do texto e a referenciação, defendidas nos PCN, de
maneira geral, não aparecem integradas às práticas de linguagem nos LDP.
3. Gêneros e tipologias textuais nos LDP de ensino médio
Conforme já afirmamos, nossa pesquisa analisou a abordagem dos GT nos
LDP, mas precisamos também tratar da abordagem das TT, uma vez que há muita
confusão quanto a esses conceitos e às vezes apenas um deles aparece nos livros
didáticos. Diversos autores, como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002),
Dionísio et al. (2002), destacam que é tradição escolar apresentar uma pluralidade de
gêneros, visando à formação de leitores e produtores de textos, ainda que em LDP mais
antigos predominassem textos do domínio discursivo literário. Entretanto, mesmo
quando há variedade de textos, de domínios discursivos diversos, nem sempre a
abordagem dos gêneros nos LDP se caracteriza por uma sistematização coerente e uma
reflexão sobre os papéis dos interlocutores, os objetivos do texto e as estratégias
necessárias para lê-lo/produzi-lo – ou seja, há, de fato, uma pluralidade de textos, mas
não necessariamente uma abordagem de GT variados.
Segundo Bunzen (2007, p. 9), é importante observar, nos LDP, como os
“gêneros foram selecionados/tratados e quais domínios discursivos são priorizados neste
percurso”. O que se percebe, muitas vezes, conforme alerta o autor, é a ênfase em um ou
outro domínio discursivo, como o jornalístico e o literário, sem que a análise dos textos
e as propostas de “redação” levem em consideração as características intrínsecas aos GT
em questão. Em sua pesquisa sobre o ensino de produção textual em LDP de ensino
médio, Bonini (1998) já alertava para alguns desses problemas: no corpus da sua
pesquisa, composto de livros da década de 90 – portanto, anteriores ao PNLD/PNLEM
–, geralmente há referência à tipologia que precisa ser elaborada pelo aluno (narração,
por exemplo), mas não ao GT. Com isso, a produção dos textos fica artificial, uma vez
que, sem considerar o GT, também fica difícil saber o que será o texto, para quem ele se
destina etc.
Esses problemas permanecem, mesmo em livros mais recentes. Na análise das
coleções de LDP aprovadas pelo PNLEM/2009, percebe-se que os manuais oscilam
entre terminologias distintas (tipologia, sequência e gênero, por exemplo) e, quando
optam por uma nomenclatura, não necessariamente a aplicam com coerência (cf.
SANTOS, 2009). Essa oscilação – e muitas vezes também equívocos – ao optar por
terminologia e definições transparece tanto no material do aluno quanto no MP. Em
alguns casos, o que é apresentado no MP difere totalmente do que se propõe nos
capítulos do livro. Além disso, há casos em que tipologia e gênero são tomados
indistintamente, seguidos de exemplos que não só misturam esses dois conceitos, como
também acrescentam outros.
Ilustramos, no Quadro 2, o que encontramos nos LDP aprovados no
PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012:
Definição e
atividades de GT
Definição e
atividades de TT
Mistura de
terminologia
PNLEM/2009
Apenas cinco LDP definem GT
em algum capítulo ou no MP,
geralmente em unidades de
Produção textual, e propõem
atividades.
Todos os livros analisados
definem TT, mas alguns apenas
o fazem no MP. Todos
propõem atividades de TT.
Apenas um LDP retoma as TT
em forma de espiral, em todas
as séries.
Três
LDP
misturam
terminologia referente à TT e
GT, usando termos como
gêneros textuais e discursivos,
PNLD-EM/2012
Todos os livros analisados
definem GT em algum capítulo,
geralmente em unidades de
Produção textual, e propõem
atividades. Alguns retomam o
conceito no decorrer das outras
unidades
e
propõem
mais
atividades.
Todos os livros analisados
definem TT em algum(ns)
capítulo(s) de Produção textual e
propõem atividades. Alguns livros
retomam as TT em forma de
espiral, em todas as séries.
---
ao mesmo tempo, ou Tipologia
textual e sequência textual. Essa
confusão acontece no livro do
aluno e no MP.
Três LDP não citam a
Inexistência de
terminologia referente à TT e
terminologia
GT, especificamente.
Quadro 2: comparação entre a abordagem de GT e TT nos LDP
---
Percebe-se, na breve síntese do Quadro 2, que nos LDP aprovados no
PNLEM/2009, há um descompasso entre atividades propostas para TT e GT:
reforçamos a constatação de Bonini (1998), sobre o predomínio da abordagem das
tipologias – apesar de tanto estar sendo discutido a respeito da importância de priorizar
os GT, desde as primeiras versões dos Parâmetros. Além disso, há, em alguns manuais,
oscilação na terminologia; como exemplo, podemos citar Murrie et al. (2004), que,
além de não apresentar qualquer suporte teórico sobre TT e GT no MP, mistura esses
conceitos, na única unidade em que o tema é trabalhado teoricamente, como se constata
nos trechos a seguir:
Tipo ou gênero textual é o nome dado às formas mais ou menos
estáveis com que as pessoas podem se comunicar e interagir. (...) Os
recados nas secretárias eletrônicas são um bom exemplo dos gêneros
mais novos. (...) Dois grandes “gêneros” textuais parecem ser básicos
e originar todos os outros, que seriam “partes” ou combinações deles:
narração e dissertação. (...) A carta comercial pode ser enquadrada no
gênero epistolar.(p. 161); Você pode escolher o gênero: narração(...)
ou dissertação (p. 174). [grifos nossos]
Além disso, fatores semânticos também parecem influenciar: tanto nos PCN
quanto nos LDP, a palavra “tipos” parece ser usada, às vezes, como sinônimo de
“exemplos”; entretanto, como já há “tipos de textos” referindo às tipologias narração,
descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-se interpretar que tipos e gêneros
referem-se ao mesmo conceito (cf. PCN-EM+, p. 39 e 46). O trecho abaixo, retirado de
um dos LDP analisados (AMARAL et al., 2005, v. 1, p. 248), ilustra essa questão:
você vai entrar em contato com vários exemplos de textos com os
quais convivemos cotidianamente: bilhetes, cartas, letras de música, emails, reportagens, poemas, relatos, discursos, charges, quadrinhos,
crônicas, editoriais de jornal e revista etc. Reconhecer alguns desses
tipos de textos(...) [grifos nossos].
Mesmo que consideremos desnecessário sobrecarregar o aluno com definições
e novas nomenclaturas, é importante haver cuidado na apresentação desses termos no
LDP, ainda mais com relação à ambiguidade presente na expressão “tipo de texto”. Ou
seja, uma mistura de termos que, sem explicação devida e sem qualquer referencial
teórico no MP, dificulta a compreensão e a aplicação dos conceitos.
Já com relação aos LDP aprovados no PNLD-EM/2012, percebemos no
Quadro 2 uma mudança em relação à abordagem de GT e TT. Embora nossa análise
ainda esteja em andamento, é possível observar que os LDP mais recentes tratam dos
GT de maneira mais coerente, incluindo capítulos especificamente sobre o tema e
procurando retomar o conceito ao longo dos volumes. Da mesma forma, as TT
geralmente aparecem no decorrer das coleções, numa tentativa de trabalhar o tema “em
espiral”, conforme defendem Dolz & Schneuwly (2004). A oscilação na nomenclatura
também não é percebida nesses LDP, mas ainda há certa superficialidade no MP quanto
ao referencial teórico.
4. Referenciação nos LDP de ensino médio
Conforme já dissemos, no que se refere à abordagem da referenciação nos LDP
de EM, o primeiro obstáculo que encontramos foi a ausência dessa nomenclatura nos
manuais. Nenhum dos livros aprovados no PNLEM/2009 usa o termo referenciação, por
isso analisamos de que maneira os LDP abordam a “coesão referencial” (CR). É
importante destacar que, durante o EM, os alunos devem ser levados a ampliar e
aprofundar o conjunto de competências construídas no Ensino Fundamental (EF),
quando são (ou deveriam ser) introduzidas bases fundamentais tanto gramaticais quanto
textuais. Uma dessas bases é a utilização de elementos coesivos que visam a contribuir
para a identificação de estratégias importantes na hora de ler ou escrever textos, tarefas
a que estamos expostos diariamente. Além disso, é nessa fase que a preocupação com o
vestibular aumenta e os alunos percebem a importância da escrita. A proposta de ensino
do EM, portanto, deve ser apresentar uma reflexão mais aguçada dos mecanismos
linguísticos. Ou seja, é de extrema importância a formação de alunos capazes de
produzir textos coerentes, coesos, expressando sua identidade e mediando sua
intervenção na realidade.
Ao analisar a CR nos LDP de EM, observamos se e quando esse processo
aparecia e de que modo era feita a abordagem: integrada aos textos, valendo-se das
teorias da LT, ou meramente gramatical, utilizando o texto como pretexto, apenas com o
foco em definições de nomenclaturas. Após a análise dos manuais didáticos no que se
refere à parte destinada apenas aos discentes, partimos para a análise do MP, que faz
parte de tais compêndios, para investigar principalmente se eles ofereciam referências
bibliográficas básicas e também instruções e/ou sugestões para os docentes que são os
mediadores das informações contidas nesses livros. Em seguida, comparamos as bases
teóricas dos LDP com as que vimos nos MP, considerando também as atividades
propostas.
Com relação às coleções aprovadas no PNLEM/2009, a análise permitiu
verificar muitos problemas, entre eles a superficialidade das abordagens sobre a CR. O
primeiro problema que podemos apontar é o não aparecimento do tema CR
explicitamente em dez das onze coleções aprovadas: as obras falam em retomada
coesiva, referência, até mesmo em coesão sequencial ou sequenciação, mas quase nada
se menciona sobre a CR. Foi necessário, então, observar o tratamento dado à coesão de
modo geral, verificando se, ao abordar esse item, as obras citavam elementos que
auxiliam na CR, fazendo alguma menção, mesmo que indiretamente.
De acordo com Koch (2004), há mecanismos gramaticais e lexicais de vital
importância para o estabelecimento da CR, sendo eles representados por mecanismos
ora gramaticais, como os pronomes, advérbios locativos, numerais e elipse ora lexicais,
como a reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e
expressões nominais. No entanto, ao tratar de tais recursos, essas obras não os
relacionam ao texto, para demonstrar qual sua significância na construção textual.
Eventualmente, os LDP, quando abordam a classe gramatical dos pronomes,
referem-se à sua importância para evitar repetir palavras, o que dá a entender que repetir
palavras ou expressões não faz o texto ser considerado coeso ou que repetir é um erro.
A exemplo disso, pode-se citar a definição de coesão encontrada na obra de Maia (2004,
p. 213): “os recursos coesivos permitem que façamos referência às distintas partes de
um texto sem a necessidade de repetir as mesmas palavras”. O mesmo ocorre na obra de
Amaral et alii (2004), que, ao tratar dos numerais, mostram que eles podem ser usados
como recurso expressivo, mas nada mencionam sobre a possibilidade de também
servirem como recurso coesivo. A única obra que faz essa integração é a de Nicola
(2004), que, no capítulo “A gramática do texto”, mostra como substantivos, artigos,
advérbios e pronomes contribuem para a produção textual.
Cereja & Magalhães (2004), apenas mencionam em pequenas caixas de texto, a
contribuição da coesão para os textos, como uma espécie de curiosidade. No capítulo
que aborda a classe dos pronomes, por exemplo, os autores citam que eles servem como
elementos que substituem, acompanham ou retomam palavras já expressas, sem dar
exemplos de textos. Outro ponto a ressaltar nesta obra é que, ao final da abordagem de
cada classe gramatical, há uma seção que relaciona cada uma delas à sua contribuição
para a construção do texto, mas, em vez de associar o item gramatical à produção
textual, dando exemplos de como ele contribui para a progressão do texto, os autores
utilizam o texto como pretexto, pedindo que os alunos “pesquem” elementos
gramaticais do texto e os reproduzam no exercício.
A obra de Abaurre et alii (2004, p.139) é a única que usa o termo coesão
referencial, considerando, porém, apenas anáfora e catáfora. As autoras citam que “são
os mecanismos de coesão sequencial que fazem o texto progredir”, ignorando que a
referenciação também é responsável pela progressão textual.
Já os livros aprovados no PNLD-EM/2012 apresentam alguma mudança no
tratamento da CR. A análise desses livros ainda está em estágio inicial, mas já foi
possível observar alguns progressos na abordagem do tema, embora ainda haja muito a
ser feito para associá-lo coerentemente aos mecanismos de organização textual.
Uma das coleções mais atualizadas chega a usar o termo referenciação
(BARRETO, 2010) e aborda o tema, assim como as atividades desenvolvidas, de forma
bastante reflexiva, integrando as classes de palavras como a dos artigos e dos numerais
à sua importância para a construção de sentido do texto. Além disso, há uma seção
intitulada “O artigo definido e a referenciação” (p. 222, vol. 2) e “O numeral como
recurso coesivo” (p. 224, vol. 2), em que observamos questões desenvolvidas partindo
do texto.
Outro importante resultado em relação à abordagem do processo de
referenciação foi observado na coleção de Campos & Assumpção (2011): no volume 2,
há um capítulo destinado somente ao estudo da coesão referencial (CR). Apesar de a
nomenclatura não ser a mais atual, verificamos uma apresentação bastante ampla e
satisfatória sobre a questão, principalmente nas atividades sugeridas, pois explora-se a
reflexão crítica do aluno, fazendo-o perceber a finalidade dos mecanismos de
referenciação sempre tomando como base o texto. Além disso, mostram-se as classes
dos advérbios, dos artigos, dos pronomes e dos numerais como importantes elementos
que contribuem para a coesão textual e aponta-se a coesão referencial externa, ou seja,
aquela que se refere à retomada de elementos da situação comunicativa pressuposta no
texto.
De maneira geral, quase todas as coleções aprovadas pelo PNLD-EM/2012
tratam, no MP, de mecanismos linguístico-discursivos, apresentando uma visão
atualizada sobre o tema e procurando trazer um conjunto de referências bibliográficas
atuais e significativas para cada unidade dos volumes. Entretanto, ainda há LDP que
mantém um tratamento mais tradicional à CR, como, por exemplo: Hernandes & Martin
(2010) e Torralvo & Minchillo (2010), que destinam capítulos avulsos ao tema sem
associá-lo ao resto da coleção; Abaurre et al. (2010), que apresentam comentários
teóricos interessantes, mas quase nenhuma atividade sobre coesão; e Sarmento &
Tufano (2010), que defendem, no MP, a importância da reflexão linguística, mas são
muito tímidos em propor atividades com esse viés. Mesmo nesses livros, porém, já
aparecem comentários sobre a importância de classes gramaticais como numeral e
artigo na coesão do texto. Falta, ainda, explorar os recursos linguísticos de forma
interacional, ou linguístico-discursiva.
Concluindo essa breve análise da referenciação nos LDP de EM, o que mais
chama a atenção são as definições dadas à coesão. A maioria dos livros a conceitua
como ligação textual, amarração de ideias ou das partes do texto, conexão linguística
etc. Percebemos, desse modo, que a coesão é tratada bastante superficialmente, e todas
essas definições contribuem para a premissa de que os principais elementos de coesão
são os conectivos. Quanto a essa superficialidade, já nos alertava Antunes (2005, p. 43):
Percebo que os professores falam em coesão, em texto coeso, mas não
têm uma ideia muito clara do que seja exatamente essa coesão e de
como ela é conseguida. Falam de coesão como uma coisa meio
abstrata e vaga, uma espécie de zona indefinida que tudo abarca, que
comporta tudo o que não sabem o que é. Tudo o que a gente não
consegue explicar bem é, genericamente, apontado como uma questão
de coesão ou de coerência.
A autora também destaca (id, p. 48) que, ao elaborar um texto coeso,
“pretendemos que seja preservada sua continuidade, a sequência interligada de suas
partes, para que se efetive a unidade de sentido e das intenções de nossa interação
verbal”. Não é, portanto, uma questão de superfície. Daí é que emergem os estudos da
CR, já que é ela um dos principais elementos do processo de leitura e produção textual.
Essa abordagem textual sociointeracional, porém, não ocorre em muitos LDP,
que ainda utilizam o texto como pretexto para determinados exercícios. Comprovamos
isso ao observamos as frases descontextualizadas para ilustrar recursos coesivos e a
presença de textos apenas para exemplificação, sem explorar como os elementos
linguísticos aprendidos contribuem na construção de sentido desses textos. Os textos
ficam a serviço apenas de retiradas de pronomes ou conjunções, por exemplo, sem
qualquer integração entre os conteúdos abordados e a construção de sentido do texto.
Quanto à análise do MP desses LDP, percebemos que os aprovados no
PNLEM/2009 preocupam-se em apresentar gabaritos das atividades, em vez de oferecer
ao professor referenciais teóricos, informações a respeito de conhecimentos atualizados
e/ou especializados indispensáveis à adequada compreensão de aspectos específicos de
um determinado conteúdo ou exercício ou mesmo de toda a proposta pedagógica da
obra. Alguns compêndios sequer apresentam referências bibliográficas basilares; outros
se contradizem. Já os LDP aprovados no PNLD-EM/2012 apresentam mais referências
teóricas e alguns incluem excertos de textos de linguistas textuais sobre o tema, o que
pode auxiliar o professor, fornecendo-lhe subsídios para trabalhar referenciação nos
textos.
Concluindo a análise dos LDP quanto à referenciação, percebemos que nem
todos os LDP conseguem dar conta da abordagem do processo de referenciação de
forma a permitir aos alunos serem capazes de aprimorar recursos já aprendidos para
melhor compreensão do sentido de textos, pois, na maior parte das vezes, utilizam-se os
textos como pretexto. Entretanto, verificamos que, em geral, os LDP mais recentes vêm
melhorando na abordagem do assunto de forma a garantir um ensino que, conforme a
proposta dos PCNEM+ (p. 52), busque
desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das
múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacitação
como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa
cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais.
5. Conclusões
Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa, mas as ideias
apresentadas nos Parâmetros, como já dissemos, não são tão novas: autores como
Fávero & Koch (1983), Travaglia (1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já
sugerem uma abordagem mais produtiva no ensino de língua portuguesa há muito
tempo e certamente influenciaram a elaboração dos PCN. Da mesma forma, pesquisas
por todo o Brasil mostram como se pode melhorar a concepção dos alunos a respeito da
própria língua e diminuir o preconceito linguístico, com atividades simples, que
privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas dividir e classificar termos, orações
etc. Da parte do governo, as avaliações dos LDP vêm tentando melhorar a qualidade dos
materiais didáticos, com programas como o PNLD-EM.
Entretanto, no que se refere a TT, GT e referenciação, os livros de ensino
médio ainda têm um caminho a percorrer. A análise dos LDP aprovados no
PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012 serve como um panorama da confusa seara que
tem se tornado abordar esses temas. Isso não compromete a qualidade dos LDP citados
– nem foi objetivo deste artigo discutir esse aspecto –, mas é digno de nota que, embora
seja possível perceber a preocupação do MEC, ao avaliar os materiais didáticos de
Língua Portuguesa, para que se formem leitores e produtores críticos e competentes,
com base numa abordagem coerente dos GT e das TT, os LDP ainda demonstram certa
instabilidade de conceituação e chegam a ignorar termos como referenciação.
Entretanto, merece destaque a mudança que os LDP têm sofrido nos últimos
anos. Muitos já abordam os elementos linguísticos relacionando-os a aspectos do texto e
do discurso, levando o aluno a perceber o caráter funcional das categorias gramaticais e
seus papéis na construção dos mais diversos GT. Além disso, parte dos livros aprovados
no PNLD-EM/2012 apresentam pressupostos teórico-metodológicos atualizados e
algumas atividades que procuram, de fato, partir da análise crítica e produtiva de textos.
Resumindo o resultado preliminar da análise dos livros didáticos de ensino
médio, aprovados no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012, pudemos observar que:
- a incoerência na nomenclatura utilizada (Tipologia Textual / Sequência Textual;
Gênero Textual / Gênero do Discurso) tem sido substituída por mais rigor na seleção
terminológica;
- os GT, que geralmente não apareciam como tópico do programa (teórico) – na maioria
das vezes, apareciam no MP apenas como uma diretriz presente no LDP para escolha
dos textos – agora já figuram como elemento norteador de, pelo menos, parte das
coleções;
- o conceito de referenciação, antes inexistente, agora já aparece em algumas coleções, e
a abordagem da CR – antes relegada a poucas linhas ou páginas dos LDP – agora recebe
destaque em capítulos específicos e, por vezes, é retomada ao longo da coleção;
- a falta de integração entre leitura/literatura, análise linguística e produção textual vem
sendo substituída por uma real tentativa de articulação dessas três práticas de
linguagem, ainda que falte, em alguns momentos, uma abordagem mais reiterada de
como a referenciação, os GT e as TT devem ser trabalhados.
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