ABORDAGEM TEXTUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO: REFERENCIAÇÃO, GÊNEROS E TIPOLOGIAS TEXTUAIS Leonor Werneck dos Santos (UFRJ) [email protected] Letícia de Lima Tupper (UFRJ) [email protected] 1. Introdução Neste artigo, apresentamos o momento atual da pesquisa “Abordagem textual no ensino de língua portuguesa: problemas e perspectivas”, sobre abordagem de gêneros textuais (GT), tipologias textuais (TT) e referenciação em livros didáticos de português (LDP) usados no ensino médio (EM). Pretendemos analisar de que maneira esses LDP apresentam tais conceitos relacionando-os a teorias que defendem o caráter sociointeracional dos textos, como a Linguística Textual. Por isso, faremos uma breve apresentação teórica sobre referenciação, GT e TT, relacionando esses conceitos aos que aparecem nos documentos oficiais voltados para o ensino médio – PCN/EM e PCN/EM+ – e também para o ensino fundamental – PCN/EF e PCN/EF em ação –, que fundamentam e inspiram as referências bibliográficas dos manuais didáticos analisados. É importante esclarecer alguns pontos relacionados à nomenclatura que utilizamos nesta pesquisa. Como os livros didáticos privilegiam a terminologia gêneros textuais e tipologias textuais, justificamos nossa opção por essa nomenclatura como ponto de partida para a análise dos LDP, embora apresentemos outros termos que aparecem nos manuais. O mesmo acontece com o termo referenciação: como quase nenhum LDP usa essa nomenclatura, apuramos nossa análise debruçando-nos também sobre o conceito de Coesão Referencial (CR). Foram analisadas todas as 11 coleções aprovadas no PNLEM/20091 e está sendo feito um levantamento das novas coleções avaliadas pelo PNLD-EM/20122, incluindo o Manual do Professor (MP) que acompanha esses livros didáticos, a fim de investigar se há instruções e sugestões para o trabalho com GT, TT e referenciação em sala de aula. É importante destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a qualidade desses materiais didáticos nem a pertinência da avaliação dos programas oficiais do MEC, mas pretendemos incluir no debate sobre ensino de língua portuguesa o conflito teoria/prática percebido nos manuais didáticos no que se refere a esses três temas. Os principais objetivos dessa etapa da pesquisa foram: (1) analisar a abordagem dos GT, das TT e da referenciação nos LDP, elencando os equívocos teóricos referentes a esses conceitos; (2) analisar as atividades de leitura e produção propostas para os GT e as TT; (3) observar se os LDP relacionam os mecanismos de referenciação às estratégias de leitura, produção textual e à análise linguística. Os pressupostos que norteiam o embasamento teórico sobre GT, TT e referenciação encontram-se em obras recentes de autores como Koch (2003, 2008), Koch & Elias (2006, 2009), Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002, 2008) e Cavalcante et al. (2003, 2005, 2007), dentre outros. Especificamente sobre GT, diversos 1 Em 2005, foi feita a avaliação dos LDP de ensino médio publicados até 2004/2005 e inscritos neste Programa de avaliação; entretanto, as resenhas das 11 coleções aprovadas só foram divulgadas na publicação intitulada Catálogo do PNLEM 2009. 2 A edição atual do catálogo foi publicada no início de 2011, intitulada Catálogo do PNLD/EM 2012, pois o Programa passou a se chamar PNLD/EM. Somente 3 coleções do Catálogo de 2009 aparecem também no de 2012; 8 coleções são novas. autores – de autores postulantes de linhas teóricas diversas – retomam Bakhtin (1929[1992]), como Karkowsky et al. (2006), Cavalcante et al. (2007), Koch (2003), Koch & Elias (2006), Meurer et al. (2005), Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002, 2008), Travaglia (2003, 2007a, 2007b), dentre outros. A importância de analisar esse tema justifica-se porque, apesar do destaque que o trabalho com GT, TT e referenciação vem recebendo nas pesquisas acadêmicas e propostas pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português parecem aplicar coerentemente esses conceitos. Como, para muitos professores, os LDP representam, mais que um material de trabalho com os alunos, um apoio teórico-metodológico para a atuação em sala de aula, é necessário, portanto, analisar esses manuais didáticos para pensar numa metodologia de ensino de língua portuguesa coerente com os princípios de formação de cidadãos críticos e conscientes, tão defendida nos documentos oficiais. Os resultados preliminares desta nossa pesquisa acenam para uma mudança na abordagem desses três temas nos LDP. Num primeiro momento, até o PNLEM/2009, predomina uma abordagem artificial, sistematizada ou puramente gramatical da referenciação nos LDP de EM, que não leva o aluno a refletir sobre esse importante processo de construção textual; quanto aos GT, observa-se que os LDP ignoravam, confundiam ou abordavam de maneira superficial as teorias que se baseiam em Bakhtin e que consideram os gêneros como práticas sociais – talvez por isso, ainda predominasse o ensino das TT em detrimento dos GT, o que configura um retrocesso em relação às propostas dos PCN. Nos manuais aprovados no PNLD-EM/2012, porém, já se percebe uma abordagem mais focada em aspectos textuais-discursivos de fato, embora ainda haja problemas teórico-metodológicos e falte um tratamento sociointeracional dos textos. 2. O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e consequências no ensino Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de educação engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e seu reflexo no ensino. Com relação à língua portuguesa, os PCN apresentam propostas que valorizam as variedades e a pluralidade de uso linguístico, em diversos gêneros textuais orais e escritos, em todas as séries do ensino fundamental e médio, enfatizando aspectos de construção textual, como coesão e coerência. Esse é um dos aspectos através dos quais os PCN pretendem colaborar na formação de cidadãos críticos e conscientes. Entretanto, como já alertamos em Santos (2005), apesar de algumas ideias que aparecem nos PCN não serem novas – pelo contrário, são objeto de debate há décadas, como é o caso, por exemplo, dos pressupostos da Linguística Textual e da Análise do Discurso –, nem sempre é fácil adaptá-las para a realidade da sala de aula. Um dos problemas é a falta de referencial teórico e a instabilidade de nomenclatura nos PCN. Começando pelos Parâmetros voltados para o ensino fundamental – que de certa forma são retomados nos documentos destinados ao nível médio –, a perspectiva atual de ensino de língua apresenta a leitura e a produção de gêneros textuais variados como base para a formação do aluno, mostrando que a língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Dessa forma, é reprovado pelos PCN-EF (BRASIL, 1998, p. 18) o “ensino descontextualizado de metalinguagem” com base em uma “teoria gramatical inconsistente”, em que o texto é usado apenas como pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua. Assim, os PCN defendem que o texto deva ser a unidade de ensino. Essa concepção do texto como unidade de ensino para desenvolver a competência comunicativa dos alunos também é defendida por Travaglia (1996, 2003), para quem a língua, mais que teoria, é um “conjunto de conhecimentos linguísticos que o usuário tem internalizados para uso efetivo em situações concretas de interação comunicativa” (TRAVAGLIA, 2003, p. 17) e só assim se pode conceber o ensino dessa disciplina, na produção e leitura de textos diversos. Esse mote da perspectiva de ensino de língua mais produtivo ecoa nos PCN-EF (BRASIL, 1999, p. 23): “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”. É, portanto, na percepção das situações discursivas, materializadas nos GT, que o aluno poderá se constituir como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua. Além disso, nos PCN-EF (BRASIL, 1998, p. 49), enfatiza-se que No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical. Dessa forma, os PCN-EF apresentam as três práticas de linguagem – escuta de textos orais / leitura de textos escritos, produção de textos orais e escritos, análise linguística –, que sustentam o ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco na formação dos alunos. Assim, os conteúdos partem de textos, valorizando e destacando diferenças e semelhanças, fazendo com que o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir usuário da língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o princípio uso→ reflexão→ uso (BRASIL, 1998, p. 65), já defendido por Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E o objetivo principal desse acesso a uma pluralidade de gêneros é desenvolver no aluno uma competência metagenérica, que, segundo Koch & Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a compreensão de gêneros textuais, e até mesmo que os denominemos”. Entretanto, há diversos problemas que permanecem no ensino de língua portuguesa, apesar das mudanças propostas pelos Parâmetros. Dionísio & Bezerra (2002), por exemplo, apresentam uma série de temas presentes em livros didáticos que carecem de fundamentação teórica coerente e sistemática. Da pontuação à leitura e produção de textos, passando pela morfossintaxe, os artigos organizados pelas autoras mostram quantos problemas advêm da falta de organização de conteúdos e da metodologia inadequada. Os PCN sozinhos não conseguem resolver isso, mas indicam alguns caminhos que deveriam ser seguidos por autores de livros didáticos e professores. Para seguir os PCN, portanto, a abordagem textual tem sido privilegiada nos livros didáticos, mas nem sempre de maneira coerente, como se pode perceber numa rápida análise desses materiais. Por exemplo, a oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm consequências no ensino, pois os autores de livros didáticos, na hora de citar termos e elaborar definições, nem sempre demonstram em que textos pretendem se apoiar. Talvez por isso, conforme veremos mais adiante, haja incoerências teóricas e falta de sistematização no trabalho com referenciação, GT e TT. O que parece é que, nos LDP, se passou do período da inexistência de um trabalho coerente e produtivo com textos, até a década de 90, para um período atual, de equívocos teóricos devido à referência a teorias e termos nem sempre bem assimilados por professores e autores de livros didáticos. Para ilustrarmos esses problemas, vejamos o Quadro 1, que lista os termos usados nos PCN para GT e TT: Documento PCN-EF (1998) Nomenclatura para GT Gêneros (cf. p. 21) Nomenclatura para TT Sequências (p. 21), sequências discursivas: narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva e conversacional (p. 21, 56, 60) PCN-EF Gêneros textuais (p. Sequência descritiva (p. em ação 166) 150), “tipo de texto (3º. e 4º. (publicitário)” na p. 117, ciclos), vol. “tipo de veículo”, 1 referindo-se a suporte (p. 119) PCN-EM Gêneros discursivos (p. Tipos de discurso (p. 22) 8, 21) PCN-EM + Gêneros (p. 59), Tipologia textual (p. 69), gêneros textuais (p. 60, mas na p. 62 aparece 64, 97). Fala-se “sequências e tipos”, também de “tipos de dando a entender que são texto” para se referir a aspectos diferentes da gêneros (p. 39, 46) constituição textual. Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN Presença de definição Definição de gêneros (p. 20-21), sequências (p. 22) e suporte (p. 22) Não há definição dos termos. Há comentários gerais sobre o tema e listas de gêneros a serem trabalhados no 3º. e no 4º. ciclos. Não há definição dos termos. Há comentários gerais sobre gêneros. Definição de GT na p. 60. Há diversos comentários teóricometodológicos sobre GT. Não há definição de TT. Quanto à referenciação, esse termo não aparece nos PCN, mas cita-se, a todo momento, a importância de trabalhar a coesão textual em sala de aula, partindo de textos variados para perceber de que maneira esse mecanismo colabora na construção de sentido. Nos LDP, por outro lado, quanto à abordagem da referenciação, percebem-se dois problemas principais, que detalharemos mais adiante: (1) o conceito inexiste na maioria dos LDP analisados, sendo usado apenas o termo coesão ou, no máximo, Coesão Referencial (CR); (2) o tema “Coesão” nem sempre aparece articulado às três práticas de linguagem (leitura, produção, análise linguística), sendo considerado, geralmente, mais um tópico teórico do conteúdo programático de produção textual. Assim, a construção de sentido do texto e a referenciação, defendidas nos PCN, de maneira geral, não aparecem integradas às práticas de linguagem nos LDP. 3. Gêneros e tipologias textuais nos LDP de ensino médio Conforme já afirmamos, nossa pesquisa analisou a abordagem dos GT nos LDP, mas precisamos também tratar da abordagem das TT, uma vez que há muita confusão quanto a esses conceitos e às vezes apenas um deles aparece nos livros didáticos. Diversos autores, como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi (2002), Dionísio et al. (2002), destacam que é tradição escolar apresentar uma pluralidade de gêneros, visando à formação de leitores e produtores de textos, ainda que em LDP mais antigos predominassem textos do domínio discursivo literário. Entretanto, mesmo quando há variedade de textos, de domínios discursivos diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros nos LDP se caracteriza por uma sistematização coerente e uma reflexão sobre os papéis dos interlocutores, os objetivos do texto e as estratégias necessárias para lê-lo/produzi-lo – ou seja, há, de fato, uma pluralidade de textos, mas não necessariamente uma abordagem de GT variados. Segundo Bunzen (2007, p. 9), é importante observar, nos LDP, como os “gêneros foram selecionados/tratados e quais domínios discursivos são priorizados neste percurso”. O que se percebe, muitas vezes, conforme alerta o autor, é a ênfase em um ou outro domínio discursivo, como o jornalístico e o literário, sem que a análise dos textos e as propostas de “redação” levem em consideração as características intrínsecas aos GT em questão. Em sua pesquisa sobre o ensino de produção textual em LDP de ensino médio, Bonini (1998) já alertava para alguns desses problemas: no corpus da sua pesquisa, composto de livros da década de 90 – portanto, anteriores ao PNLD/PNLEM –, geralmente há referência à tipologia que precisa ser elaborada pelo aluno (narração, por exemplo), mas não ao GT. Com isso, a produção dos textos fica artificial, uma vez que, sem considerar o GT, também fica difícil saber o que será o texto, para quem ele se destina etc. Esses problemas permanecem, mesmo em livros mais recentes. Na análise das coleções de LDP aprovadas pelo PNLEM/2009, percebe-se que os manuais oscilam entre terminologias distintas (tipologia, sequência e gênero, por exemplo) e, quando optam por uma nomenclatura, não necessariamente a aplicam com coerência (cf. SANTOS, 2009). Essa oscilação – e muitas vezes também equívocos – ao optar por terminologia e definições transparece tanto no material do aluno quanto no MP. Em alguns casos, o que é apresentado no MP difere totalmente do que se propõe nos capítulos do livro. Além disso, há casos em que tipologia e gênero são tomados indistintamente, seguidos de exemplos que não só misturam esses dois conceitos, como também acrescentam outros. Ilustramos, no Quadro 2, o que encontramos nos LDP aprovados no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012: Definição e atividades de GT Definição e atividades de TT Mistura de terminologia PNLEM/2009 Apenas cinco LDP definem GT em algum capítulo ou no MP, geralmente em unidades de Produção textual, e propõem atividades. Todos os livros analisados definem TT, mas alguns apenas o fazem no MP. Todos propõem atividades de TT. Apenas um LDP retoma as TT em forma de espiral, em todas as séries. Três LDP misturam terminologia referente à TT e GT, usando termos como gêneros textuais e discursivos, PNLD-EM/2012 Todos os livros analisados definem GT em algum capítulo, geralmente em unidades de Produção textual, e propõem atividades. Alguns retomam o conceito no decorrer das outras unidades e propõem mais atividades. Todos os livros analisados definem TT em algum(ns) capítulo(s) de Produção textual e propõem atividades. Alguns livros retomam as TT em forma de espiral, em todas as séries. --- ao mesmo tempo, ou Tipologia textual e sequência textual. Essa confusão acontece no livro do aluno e no MP. Três LDP não citam a Inexistência de terminologia referente à TT e terminologia GT, especificamente. Quadro 2: comparação entre a abordagem de GT e TT nos LDP --- Percebe-se, na breve síntese do Quadro 2, que nos LDP aprovados no PNLEM/2009, há um descompasso entre atividades propostas para TT e GT: reforçamos a constatação de Bonini (1998), sobre o predomínio da abordagem das tipologias – apesar de tanto estar sendo discutido a respeito da importância de priorizar os GT, desde as primeiras versões dos Parâmetros. Além disso, há, em alguns manuais, oscilação na terminologia; como exemplo, podemos citar Murrie et al. (2004), que, além de não apresentar qualquer suporte teórico sobre TT e GT no MP, mistura esses conceitos, na única unidade em que o tema é trabalhado teoricamente, como se constata nos trechos a seguir: Tipo ou gênero textual é o nome dado às formas mais ou menos estáveis com que as pessoas podem se comunicar e interagir. (...) Os recados nas secretárias eletrônicas são um bom exemplo dos gêneros mais novos. (...) Dois grandes “gêneros” textuais parecem ser básicos e originar todos os outros, que seriam “partes” ou combinações deles: narração e dissertação. (...) A carta comercial pode ser enquadrada no gênero epistolar.(p. 161); Você pode escolher o gênero: narração(...) ou dissertação (p. 174). [grifos nossos] Além disso, fatores semânticos também parecem influenciar: tanto nos PCN quanto nos LDP, a palavra “tipos” parece ser usada, às vezes, como sinônimo de “exemplos”; entretanto, como já há “tipos de textos” referindo às tipologias narração, descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-se interpretar que tipos e gêneros referem-se ao mesmo conceito (cf. PCN-EM+, p. 39 e 46). O trecho abaixo, retirado de um dos LDP analisados (AMARAL et al., 2005, v. 1, p. 248), ilustra essa questão: você vai entrar em contato com vários exemplos de textos com os quais convivemos cotidianamente: bilhetes, cartas, letras de música, emails, reportagens, poemas, relatos, discursos, charges, quadrinhos, crônicas, editoriais de jornal e revista etc. Reconhecer alguns desses tipos de textos(...) [grifos nossos]. Mesmo que consideremos desnecessário sobrecarregar o aluno com definições e novas nomenclaturas, é importante haver cuidado na apresentação desses termos no LDP, ainda mais com relação à ambiguidade presente na expressão “tipo de texto”. Ou seja, uma mistura de termos que, sem explicação devida e sem qualquer referencial teórico no MP, dificulta a compreensão e a aplicação dos conceitos. Já com relação aos LDP aprovados no PNLD-EM/2012, percebemos no Quadro 2 uma mudança em relação à abordagem de GT e TT. Embora nossa análise ainda esteja em andamento, é possível observar que os LDP mais recentes tratam dos GT de maneira mais coerente, incluindo capítulos especificamente sobre o tema e procurando retomar o conceito ao longo dos volumes. Da mesma forma, as TT geralmente aparecem no decorrer das coleções, numa tentativa de trabalhar o tema “em espiral”, conforme defendem Dolz & Schneuwly (2004). A oscilação na nomenclatura também não é percebida nesses LDP, mas ainda há certa superficialidade no MP quanto ao referencial teórico. 4. Referenciação nos LDP de ensino médio Conforme já dissemos, no que se refere à abordagem da referenciação nos LDP de EM, o primeiro obstáculo que encontramos foi a ausência dessa nomenclatura nos manuais. Nenhum dos livros aprovados no PNLEM/2009 usa o termo referenciação, por isso analisamos de que maneira os LDP abordam a “coesão referencial” (CR). É importante destacar que, durante o EM, os alunos devem ser levados a ampliar e aprofundar o conjunto de competências construídas no Ensino Fundamental (EF), quando são (ou deveriam ser) introduzidas bases fundamentais tanto gramaticais quanto textuais. Uma dessas bases é a utilização de elementos coesivos que visam a contribuir para a identificação de estratégias importantes na hora de ler ou escrever textos, tarefas a que estamos expostos diariamente. Além disso, é nessa fase que a preocupação com o vestibular aumenta e os alunos percebem a importância da escrita. A proposta de ensino do EM, portanto, deve ser apresentar uma reflexão mais aguçada dos mecanismos linguísticos. Ou seja, é de extrema importância a formação de alunos capazes de produzir textos coerentes, coesos, expressando sua identidade e mediando sua intervenção na realidade. Ao analisar a CR nos LDP de EM, observamos se e quando esse processo aparecia e de que modo era feita a abordagem: integrada aos textos, valendo-se das teorias da LT, ou meramente gramatical, utilizando o texto como pretexto, apenas com o foco em definições de nomenclaturas. Após a análise dos manuais didáticos no que se refere à parte destinada apenas aos discentes, partimos para a análise do MP, que faz parte de tais compêndios, para investigar principalmente se eles ofereciam referências bibliográficas básicas e também instruções e/ou sugestões para os docentes que são os mediadores das informações contidas nesses livros. Em seguida, comparamos as bases teóricas dos LDP com as que vimos nos MP, considerando também as atividades propostas. Com relação às coleções aprovadas no PNLEM/2009, a análise permitiu verificar muitos problemas, entre eles a superficialidade das abordagens sobre a CR. O primeiro problema que podemos apontar é o não aparecimento do tema CR explicitamente em dez das onze coleções aprovadas: as obras falam em retomada coesiva, referência, até mesmo em coesão sequencial ou sequenciação, mas quase nada se menciona sobre a CR. Foi necessário, então, observar o tratamento dado à coesão de modo geral, verificando se, ao abordar esse item, as obras citavam elementos que auxiliam na CR, fazendo alguma menção, mesmo que indiretamente. De acordo com Koch (2004), há mecanismos gramaticais e lexicais de vital importância para o estabelecimento da CR, sendo eles representados por mecanismos ora gramaticais, como os pronomes, advérbios locativos, numerais e elipse ora lexicais, como a reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e expressões nominais. No entanto, ao tratar de tais recursos, essas obras não os relacionam ao texto, para demonstrar qual sua significância na construção textual. Eventualmente, os LDP, quando abordam a classe gramatical dos pronomes, referem-se à sua importância para evitar repetir palavras, o que dá a entender que repetir palavras ou expressões não faz o texto ser considerado coeso ou que repetir é um erro. A exemplo disso, pode-se citar a definição de coesão encontrada na obra de Maia (2004, p. 213): “os recursos coesivos permitem que façamos referência às distintas partes de um texto sem a necessidade de repetir as mesmas palavras”. O mesmo ocorre na obra de Amaral et alii (2004), que, ao tratar dos numerais, mostram que eles podem ser usados como recurso expressivo, mas nada mencionam sobre a possibilidade de também servirem como recurso coesivo. A única obra que faz essa integração é a de Nicola (2004), que, no capítulo “A gramática do texto”, mostra como substantivos, artigos, advérbios e pronomes contribuem para a produção textual. Cereja & Magalhães (2004), apenas mencionam em pequenas caixas de texto, a contribuição da coesão para os textos, como uma espécie de curiosidade. No capítulo que aborda a classe dos pronomes, por exemplo, os autores citam que eles servem como elementos que substituem, acompanham ou retomam palavras já expressas, sem dar exemplos de textos. Outro ponto a ressaltar nesta obra é que, ao final da abordagem de cada classe gramatical, há uma seção que relaciona cada uma delas à sua contribuição para a construção do texto, mas, em vez de associar o item gramatical à produção textual, dando exemplos de como ele contribui para a progressão do texto, os autores utilizam o texto como pretexto, pedindo que os alunos “pesquem” elementos gramaticais do texto e os reproduzam no exercício. A obra de Abaurre et alii (2004, p.139) é a única que usa o termo coesão referencial, considerando, porém, apenas anáfora e catáfora. As autoras citam que “são os mecanismos de coesão sequencial que fazem o texto progredir”, ignorando que a referenciação também é responsável pela progressão textual. Já os livros aprovados no PNLD-EM/2012 apresentam alguma mudança no tratamento da CR. A análise desses livros ainda está em estágio inicial, mas já foi possível observar alguns progressos na abordagem do tema, embora ainda haja muito a ser feito para associá-lo coerentemente aos mecanismos de organização textual. Uma das coleções mais atualizadas chega a usar o termo referenciação (BARRETO, 2010) e aborda o tema, assim como as atividades desenvolvidas, de forma bastante reflexiva, integrando as classes de palavras como a dos artigos e dos numerais à sua importância para a construção de sentido do texto. Além disso, há uma seção intitulada “O artigo definido e a referenciação” (p. 222, vol. 2) e “O numeral como recurso coesivo” (p. 224, vol. 2), em que observamos questões desenvolvidas partindo do texto. Outro importante resultado em relação à abordagem do processo de referenciação foi observado na coleção de Campos & Assumpção (2011): no volume 2, há um capítulo destinado somente ao estudo da coesão referencial (CR). Apesar de a nomenclatura não ser a mais atual, verificamos uma apresentação bastante ampla e satisfatória sobre a questão, principalmente nas atividades sugeridas, pois explora-se a reflexão crítica do aluno, fazendo-o perceber a finalidade dos mecanismos de referenciação sempre tomando como base o texto. Além disso, mostram-se as classes dos advérbios, dos artigos, dos pronomes e dos numerais como importantes elementos que contribuem para a coesão textual e aponta-se a coesão referencial externa, ou seja, aquela que se refere à retomada de elementos da situação comunicativa pressuposta no texto. De maneira geral, quase todas as coleções aprovadas pelo PNLD-EM/2012 tratam, no MP, de mecanismos linguístico-discursivos, apresentando uma visão atualizada sobre o tema e procurando trazer um conjunto de referências bibliográficas atuais e significativas para cada unidade dos volumes. Entretanto, ainda há LDP que mantém um tratamento mais tradicional à CR, como, por exemplo: Hernandes & Martin (2010) e Torralvo & Minchillo (2010), que destinam capítulos avulsos ao tema sem associá-lo ao resto da coleção; Abaurre et al. (2010), que apresentam comentários teóricos interessantes, mas quase nenhuma atividade sobre coesão; e Sarmento & Tufano (2010), que defendem, no MP, a importância da reflexão linguística, mas são muito tímidos em propor atividades com esse viés. Mesmo nesses livros, porém, já aparecem comentários sobre a importância de classes gramaticais como numeral e artigo na coesão do texto. Falta, ainda, explorar os recursos linguísticos de forma interacional, ou linguístico-discursiva. Concluindo essa breve análise da referenciação nos LDP de EM, o que mais chama a atenção são as definições dadas à coesão. A maioria dos livros a conceitua como ligação textual, amarração de ideias ou das partes do texto, conexão linguística etc. Percebemos, desse modo, que a coesão é tratada bastante superficialmente, e todas essas definições contribuem para a premissa de que os principais elementos de coesão são os conectivos. Quanto a essa superficialidade, já nos alertava Antunes (2005, p. 43): Percebo que os professores falam em coesão, em texto coeso, mas não têm uma ideia muito clara do que seja exatamente essa coesão e de como ela é conseguida. Falam de coesão como uma coisa meio abstrata e vaga, uma espécie de zona indefinida que tudo abarca, que comporta tudo o que não sabem o que é. Tudo o que a gente não consegue explicar bem é, genericamente, apontado como uma questão de coesão ou de coerência. A autora também destaca (id, p. 48) que, ao elaborar um texto coeso, “pretendemos que seja preservada sua continuidade, a sequência interligada de suas partes, para que se efetive a unidade de sentido e das intenções de nossa interação verbal”. Não é, portanto, uma questão de superfície. Daí é que emergem os estudos da CR, já que é ela um dos principais elementos do processo de leitura e produção textual. Essa abordagem textual sociointeracional, porém, não ocorre em muitos LDP, que ainda utilizam o texto como pretexto para determinados exercícios. Comprovamos isso ao observamos as frases descontextualizadas para ilustrar recursos coesivos e a presença de textos apenas para exemplificação, sem explorar como os elementos linguísticos aprendidos contribuem na construção de sentido desses textos. Os textos ficam a serviço apenas de retiradas de pronomes ou conjunções, por exemplo, sem qualquer integração entre os conteúdos abordados e a construção de sentido do texto. Quanto à análise do MP desses LDP, percebemos que os aprovados no PNLEM/2009 preocupam-se em apresentar gabaritos das atividades, em vez de oferecer ao professor referenciais teóricos, informações a respeito de conhecimentos atualizados e/ou especializados indispensáveis à adequada compreensão de aspectos específicos de um determinado conteúdo ou exercício ou mesmo de toda a proposta pedagógica da obra. Alguns compêndios sequer apresentam referências bibliográficas basilares; outros se contradizem. Já os LDP aprovados no PNLD-EM/2012 apresentam mais referências teóricas e alguns incluem excertos de textos de linguistas textuais sobre o tema, o que pode auxiliar o professor, fornecendo-lhe subsídios para trabalhar referenciação nos textos. Concluindo a análise dos LDP quanto à referenciação, percebemos que nem todos os LDP conseguem dar conta da abordagem do processo de referenciação de forma a permitir aos alunos serem capazes de aprimorar recursos já aprendidos para melhor compreensão do sentido de textos, pois, na maior parte das vezes, utilizam-se os textos como pretexto. Entretanto, verificamos que, em geral, os LDP mais recentes vêm melhorando na abordagem do assunto de forma a garantir um ensino que, conforme a proposta dos PCNEM+ (p. 52), busque desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais. 5. Conclusões Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa, mas as ideias apresentadas nos Parâmetros, como já dissemos, não são tão novas: autores como Fávero & Koch (1983), Travaglia (1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já sugerem uma abordagem mais produtiva no ensino de língua portuguesa há muito tempo e certamente influenciaram a elaboração dos PCN. Da mesma forma, pesquisas por todo o Brasil mostram como se pode melhorar a concepção dos alunos a respeito da própria língua e diminuir o preconceito linguístico, com atividades simples, que privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas dividir e classificar termos, orações etc. Da parte do governo, as avaliações dos LDP vêm tentando melhorar a qualidade dos materiais didáticos, com programas como o PNLD-EM. Entretanto, no que se refere a TT, GT e referenciação, os livros de ensino médio ainda têm um caminho a percorrer. A análise dos LDP aprovados no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012 serve como um panorama da confusa seara que tem se tornado abordar esses temas. Isso não compromete a qualidade dos LDP citados – nem foi objetivo deste artigo discutir esse aspecto –, mas é digno de nota que, embora seja possível perceber a preocupação do MEC, ao avaliar os materiais didáticos de Língua Portuguesa, para que se formem leitores e produtores críticos e competentes, com base numa abordagem coerente dos GT e das TT, os LDP ainda demonstram certa instabilidade de conceituação e chegam a ignorar termos como referenciação. Entretanto, merece destaque a mudança que os LDP têm sofrido nos últimos anos. Muitos já abordam os elementos linguísticos relacionando-os a aspectos do texto e do discurso, levando o aluno a perceber o caráter funcional das categorias gramaticais e seus papéis na construção dos mais diversos GT. Além disso, parte dos livros aprovados no PNLD-EM/2012 apresentam pressupostos teórico-metodológicos atualizados e algumas atividades que procuram, de fato, partir da análise crítica e produtiva de textos. Resumindo o resultado preliminar da análise dos livros didáticos de ensino médio, aprovados no PNLEM/2009 e no PNLD-EM/2012, pudemos observar que: - a incoerência na nomenclatura utilizada (Tipologia Textual / Sequência Textual; Gênero Textual / Gênero do Discurso) tem sido substituída por mais rigor na seleção terminológica; - os GT, que geralmente não apareciam como tópico do programa (teórico) – na maioria das vezes, apareciam no MP apenas como uma diretriz presente no LDP para escolha dos textos – agora já figuram como elemento norteador de, pelo menos, parte das coleções; - o conceito de referenciação, antes inexistente, agora já aparece em algumas coleções, e a abordagem da CR – antes relegada a poucas linhas ou páginas dos LDP – agora recebe destaque em capítulos específicos e, por vezes, é retomada ao longo da coleção; - a falta de integração entre leitura/literatura, análise linguística e produção textual vem sendo substituída por uma real tentativa de articulação dessas três práticas de linguagem, ainda que falte, em alguns momentos, uma abordagem mais reiterada de como a referenciação, os GT e as TT devem ser trabalhados. 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