A descrição fenomenológica em uma investigação no

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A descrição fenomenológica em uma investigação no âmbito da Educação
Matemática.
Flávio de Souza Coelho 1
GD11 – Filosofia da Educação Matemática
Resumo do trabalho. A proposta do presente texto é trazer modos pelos quais a descrição, tem sido
compreendida e articulada em pesquisas desenvolvidas na linha de pensamento da Filosofia da Educação
Matemática, segundo a visão fenomenológica. Consideramos importante, nesse percurso, expormos algumas
ideias da fenomenologia, no sentido de aclarar esse solo que a nós se mostra como profícuo à compreensão
do que buscamos conhecer. Contextualizamos esse texto com algumas pesquisas efetuadas nessa área. Estas
nos possibilitam uma visualização acerca da multiplicidade de modos de se compreender de que se trata uma
descrição fenomenológica.
Palavras-chave: Descrição fenomenológica. Filosofia da Educação Matemática. Fenomenologia
Explicitando o anunciado
Compreendo2 que o título deste trabalho A descrição fenomenológica em uma investigação
no âmbito da Educação Matemática anuncia uma convergência de diversas ideias que
enlaçam uma visão de mundo e um modo de proceder em Pesquisa Qualitativa
Fenomenológica Apresentaremos, assim, a descrição segundo essa perspectiva, atentos à
característica deste evento, um Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em
Educação Matemática3, cujo objetivo é promover discussões acerca de pesquisas em
andamento4 ou recém-defendidas nessa área.
Com esse aspecto e, conforme entendo, as contribuições advindas dessas discussões só
fazem sentido caso me ponha em abertura, entendendo esse um espaço não apenas para
1
Universidade Estadual Paulista – UNESP – Rio Claro e-mail: [email protected], orientadora:
Maria Aparecida Viggiani Bicudo.
2
Este texto é escrito na primeira pessoa do singular e, também, na primeira do plural. Às vezes, ainda, no
impessoal, pois há exposições de compreensões pessoais do autor e há o “nós” que abrange o autor, enquanto
pesquisador, sua orientadora e companheiros de grupo de pesquisa e autores lidos. A voz impessoal indica
uma generalidade comum.
3
Importante notar que o tema apresentado neste evento, emerge das discussões havidas no XVII EBRAPEM
2013, em Vitória ES, quando apresentei o solo desta pesquisa, em constituição.
4
Em nosso caso, trata-se de uma pesquisa de Doutorado, em andamento, com qual buscamos compreender
uma licenciatura em matemática na modalidade à distância. A descrição fenomenológica é um dos
movimentos da mesma.
“trocas” de experiências, mas uma possibilidade de experienciar um trabalho em
constituição, compartilhando, com meus semelhantes, algumas ideias focais do
intencionado5. Neste caso, o enfoque, para este evento, é a descrição fenomenológica,
tomada como um dos movimentos da investigação.
Outro aspecto, o que me parece claro, é a profundeza da Filosofia Fenomenológica, à qual
Edmund Husserl dedicou sua vida intelectual expondo seu pensamento fenomenológico.
Também não daria conta de fazer esse percurso neste encontro. A trajetória desse pensador
se mostra, pelas obras que nos dispõe, sempre insatisfeito com determinações apriorísticas,
universais e perenes, concernentes ao conhecimento, ciência e pensar filosófico. Como
fundador dessa filosofia, indaga, em seu percurso, pelo sentido do que percebemos, e deixa
claro, conforme entendo, que a fenomenologia não se constitui em um sistema filosófico
doutrinário, mas possibilita um caminho rigoroso para se compreender o fenômeno ao qual
nos dirigimos atentamente, colocando em parênteses as pressuposições teóricas que dizem
do tema em investigação, tendo-o como um dado pronto a ser observado, comparado,
identificado, mensurado. Essa, a postura positivista de olhar para realidade como já dada.
A ideia, segundo Husserl, é voltar-se ao mundo no qual as vivências desse fenômeno são
sentidas pelo sujeito encarnado, entendido como pessoa que vive, pensa cognitivamente, e
toma decisões efetuando atos conscientes, no solo de sua historicidade cultural, constituída
intersubjetivamente, ou seja, não por um sujeito pensante apenas6.
Este um parágrafo denso, arrola diversos conceitos importantes para a compreensão da
Fenomenologia, da postura fenomenológica em pesquisa qualitativa e, mais focadamente,
em Filosofia da Educação Matemática. Importante destacarmos que Edmund Husserl não
se apressa na constituição de sua orientação filosófica. Adentrar a sua obra exige um
trabalho profundo. Para este encontro consideramos importante expormos algumas ideias
da fenomenologia, no sentido de aclarar esse solo que a nós se mostra como profícuo à
compreensão do que buscamos conhecer. Visamos assim, irmos mais focadamente à
Filosofia da Educação Matemática, para situarmos como a descrição fenomenológica tem
sido abordada em alguns trabalhos7.
5
Intencionado quer dizer estar atento a.
Conforme Husserl, 2012
7
Focaremos trabalhos de autores, membros do Grupo de Pesquisa FEM – Fenomenologia em Educação
Matemática, orientados pela professora Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo.
6
Ideias importantes acerca da Fenomenologia
Segundo Dartigues (1973), a vida filosófica de Husserl8, da Filosofia da Aritmética (1891)
às conferências sobre a Crise das ciências europeias (1935), é dominada pelo sentimento
de uma crise da cultura. A crise de uma ciência, conforme Husserl (2012), diz de sua
cientificidade genuína, todo o modo como ela determinou a sua tarefa e, para isso, formou
sua metodologia, tornou-se questionável. Isso pode convir, de acordo com Husserl (2012),
à filosofia, que se vê ameaçada de se sucumbir ao ceticismo, ao irracionalismo e ao
misticismo. A Psicologia também se encontra nessa crise, segundo Husserl, “[...] enquanto
ainda tiver aspirações filosóficas, e não quiser ser simplesmente uma das ciências positivas
entre outras” (HUSSERL, 2012, p.2).
Entendemos, assim, em Husserl, a razão europeia em crise. Nesse contexto, indagamos se
o conhecimento, a inteligibilidade do mundo é, em princípio, explicável em bases
logicamente dedutíveis. Uma base, conforme entendemos, imutável, que segue uma ordem
e se mantém no tempo e no espaço. Eis o problema de uma ciência dita natural, fática.
Nesse movimento, a crítica de Husserl não recai sobre a Psicologia, mas sobre o
psicologismo e, portanto, acerca do logicismo, ou seja, a fundação do conhecimento
enquanto fato. Para Husserl, a redução positivista da ideia de ciência a uma mera ciência
de fatos abstrai de tudo o que é subjetivo, pois a verdade científica, objetiva, é
exclusivamente a verificação tanto do mundo físico como o espiritual. Assim, “crise” da
ciência, em Husserl (2012, p.2), é vista como perda da sua significância para a vida.
Assim, segundo Bicudo (1994), a fenomenologia surgiu e cresceu com Edmund Husserl. A
autora mostra, ainda, que tanto com ele quanto com os outros pensadores fenomenólogos,
como Heidegger, Gadamer e Ricoeur, o pensar fenomenológico tem se desenvolvido
gradualmente e tem-se transformado, de maneira contínua, conforme o tema interrogado e
8
Edmund Husserl é tido como o “criador” da Fenomenologia. Nasceu em Prossnitz, na Morávia, no antigo
Império Austríaco (hoje Prostejov, na República Checa), em 8 de abril de1859, e morreu em Freiburg, em 27
de abril de 1938. A fim de completar seus estudos de Matemática, iniciados nas universidades alemãs, foi,
em 1884, para Viena, onde, sob influência de Franz Brentano, tomou consciência de sua vocação filosófica.
Em 1887, Husserl, que fora judeu, converteu-se à Igreja Luterana. Ensinou Filosofia, como livre-docente, em
Halle, de 1887 a 1901; em Göttingen, de 1901 a 1918; e, em Freiburg, de 1918 a 1928, quando se aposentou.
Na raiz do pensamento de Husserl encontram-se as seguintes influências principais: Franz Brentano e, por
seu intermédio, a tradição grega e escolástica; Bolzano, Descartes, Leibniz, o empirismo inglês e o kantismo.
(BICUDO, 2011, p.29).
o pesquisador. Considero importante destacar, ainda, o trabalho de Emannuel Lévinas9,
quem introduz a fenomenologia na França. Esse pensador foi aluno de Husserl e de
Heidegger em Friburgo10 e, interpretando Husserl, diz que “Ultrapassar a crise é
precisamente repor as noções nos horizontes da vida subjetiva onde elas foram
constituídas” (LÉVINAS, 1999, p.57, destaque nosso). Lévinas destaca de Husserl que a
fenomenologia é um método de apreender tudo aquilo que o pensamento implica, bem
como os seus próprios horizontes. Avançando nesse pensar, o filósofo francês expõe “Ela
[a fenomenologia] determina em que sentido e em que medida cada tipo de verdade é
intuitivo, permitindo assim reconstruir o mundo tal como ele é na liberdade da evidência,
ou seja, um mundo compatível com a liberdade” (LÉVINAS, 1999, p.57).
Destacamos as palavras constituídas (constituição) e método, entendendo ser preciso
aclarar seus sentidos para a fenomenologia. Concernente ao termo “método”, Ales Bello
(2006) recorda-nos o dito por Husserl e afirma que devemos fazer um caminho para
compreendermos um fenômeno. Discorre, ainda, que a palavra grega para designar
caminho é método, formada por “odos”, estrada e “meta”, que significa por meio de.
Entendemos, portanto, como um caminho que vamos constituindo no movimento de
aclarar o interrogado; não se confunde com um sistema técnico e lógico que estabeleça
uma ordem procedimental.
Concernente à palavra constituição, segundo Santos (2010) 11, não significa construção,
mas percepção. Não se pode falar, portanto, em construção, do objeto, pois a consciência
não se trata de reunir materiais dispersos, para criar uma realidade. Ou seja, na postura
fenomenológica, não consideramos o fenômeno uma coisa-em-si, que vem de fora, e se
introduz como algo estranho a um mundo que poderia se considerar interior, da
consciência. Para esse autor,
Pelo contrário, a constituição ou percepção de objeto implicam toda uma variada
gama de aspectos subjetivos nos quais o objeto é fixado em sua identidade e se
torna válido para um sujeito, que o apreende e pensa, relacionando-se com ele,
seja de modo imediato (exemplo da percepção sensível), seja de modo mediato
(imagem acordada pela memória), através de atos intencionais diversos, mas
estruturados de maneira idêntica. (SANTOS, 2010, p.173-74).
Compreendemos, assim, a fenomenologia de Husserl uma proposta de atitude investigativa
tratando-se de descrever a experiência do fenômeno, recusando qualquer tipo de
construção, inclusive teorias científicas. Importante notarmos o ato de descrever, como
significativo nesse proceder, nessa visão de mundo e de conhecimento.
9
(1906-1995)
(1928-1929)
11
Santos, José Henrique. (2010). Do Empirismo à fenomenologia, p. 173-174.
10
A ênfase à descrição, já anunciada por Husserl, em “Tentarei guiar, não doutrinar, tão só
mostrar, descrever o que vejo” (HUSSERL, 2012, P. 14) é também destacada por MerleauPonty (1996), ao dizer, dentre outras características da fenomenologia, como uma
descrição direta de nossa experiência, sem recorrer à sua gênese psicológica e às
explicações causais; assim, esse filósofo retoma Husserl, entendendo que se trata de
descrever, não de explicar. O mundo fenomenológico, para Merleau-Ponty,
[...] não é a explicitação de um ser prévio, mas a fundação do ser; a filosofia não
é o reflexo de uma verdade prévia, mas, sim, como a arte, é a realização de uma
verdade. Perguntar-se-á como essa realização é possível e se ela não reencontra
nas coisas uma Razão preexistente. Mas o único logos que preexiste é o próprio
mundo, e a filosofia que o faz passar à existência manifesta não começa por ser
possível: ela é atual ou real, assim como o mundo, do qual ela faz parte, e
nenhuma hipótese explicativa é mais clara do que o próprio ato pelo qual nós
retomamos este mundo inacabado para tentar totalizá-lo e pensá-lo.
(MERLEAU-PONTY, 1996, p. 19).
No âmbito da Educação e, mais focadamente, na Educação Matemática, Bicudo (2010)
articula, de modo claro, essas ideias da
Fenomenologia, entendendo-a uma escola
filosófica. Segundo a autora, a busca do sentido que as coisas que estão à nossa volta, no
horizonte do mundo-vida, fazem para nós, é o cerne da fenomenologia. Entende que é essa
busca do sentido que faz a diferença e se coloca como significativa, em especial no
contexto da educação. “No caso da Educação Matemática, há uma diferença entre se tomar
a Matemática como fato, ou seja, como um dado enunciado em termos científicos, e
compreender o sentido desse fato ou desse enunciado.” (BICUDO, 2010, p.26).
No âmbito de uma pesquisa, assumindo a concepção de realidade e de conhecimento,
procedendo fenomenologicamente, Bicudo (2011) aclara que posta a interrogação, vamos
ao contexto das experiências vividas. Esse movimento enlaça possibilidades de encontro
com o tema, considerando as experiências pessoais de quem investiga, sua experiência
como estudioso do campo de inquérito, abarcando autores lidos e por aí vai. Essa autora
afirma sentimo-nos perplexos frente ao que nos é dado a perceber, “[...] buscamos pela
perspectiva de onde olhar o fenômeno e o que mais vier ao encontro do que
perguntamos”(BICUDO,2011,p.42). Configurada a perspectiva, explicita a autora, é
momento de dedicarmo-nos à busca dos modos pelos quais podemos obter dados
significativos. Este movimento enlaça, também, conforme a autora, a procura pelos
sujeitos significativos, que possam dizer de experiências, vividas em seu cotidiano,
concernentes ao interrogado, e de textos e obras importantes de autores que, de modo
mediado, digam do perguntado. Prosseguindo o movimento, expõe Bicudo:
Visualizados e assumidos quais são a perspectiva e sujeitos tidos como
significativos, o passo seguinte incide sobe a modalidade do como constituir os
dados e analisá-los. Por meio de entrevistas orais, escritas, filmagens de
situações, leitura e interpretação hermenêutica de textos [...]. (BICUDO, 2011,
p.42).
Essas modalidades, de acordo com a autora, podem ser entendidas como descrições de
experiências vividas12. No texto citado, Bicudo faz uma importante interpretação acerca
dos §§ 74 e 75 do Ideias (Husserl, 2006, p. 161)13, que trata das ciências descritivas e
exatas e da fenomenologia como doutrina eidética descritiva dos vividos e nos traz que a
fenomenologia não opera por abstração sobre abstração, mas com o compreendido nos
vividos reduzidos em intuição pura, isso quer dizer que a fenomenologia não opera com
fixações conceituais que se dariam por idealizações, ao modo da ciência exata.
Para Bicudo “A descrição descreve o movimento dos atos da consciência 14. Ela se limita a
relatar o visto, o sentido, ou seja, a experiência como vivida pelo sujeito. Não admite
avaliações e interpretações, apenas exposição do vivido como sentido ou percebido.”
(BICUDO, 2011, p.46). Destacamos, portanto, que apenas descrever não é o suficiente no
movimento de investigação fenomenológica, pois é preciso evidenciar a estrutura do
vivenciado e relatado, ou seja, transcender o dito, o relatado, exposto, permanece no nível
da linguagem ingênua, ou seja, não tematizada. Não nos ocuparemos dos demais aspectos
desse movimento, dado nosso propósito tão somente situar o contexto em que pesquisas
em Educação Matemática, na perspectiva fenomenológica, têm trazido como descrições,
conforme passamos a explicitar.
12
A autora faz uma menção: “[...] com alguma discrepância em relação à leitura e interpretação de textos,
uma vez que estes já transportam experiências vividas, agora postas em linguagem predicativa e escritas com
o cuidado característico da região de inquérito na qual o texto está inserido” (BICUDO, 2011, p.42).
13
A autora anota que essa obra foi publicada, em sua versão primeira, em 1913.
14
Consciência, na fenomenologia, é intencionalidade, é o estar voltado para o que o sujeito destaca,
atentivamente.
A descrição fenomenológica em investigações no âmbito da Educação Matemática
Apontamos algumas pesquisas desenvolvidas no âmbito da Educação Matemática, na linha
da Filosofia da Educação Matemática, no campo de estudos fenomenológicos15. A intenção
em trazê-las, se dá pela importância dessas pesquisas efetuadas, no rigor do método
fenomenológico e que, em suas particularidades, salta-nos uma visualização do movimento
de possibilidades que se abrem aos modos de constituição de descrições.
Na busca de compreender “Como o projeto pedagógico do curso de Licenciatura em
Pedagogia e do curso de Licenciatura em Matemática realizam o ser professor de
Matemática dos anos iniciais?”, Baumann (2013) entrevista os coordenadores dos cursos
de Licenciatura em Matemática e Licenciatura em Pedagogia, bem como os professores
responsáveis pelas disciplinas que discutem questões concernentes à Educação
Matemática, na Universidade Federal de Goiás – UFG, em Goiânia. Entrevista, também,
alunos que estavam concluindo suas graduações, e que já tinham cursado disciplinas da
área de Educação Matemática; esses foram entrevistados em grupo formado pelos que
aceitaram o convite para participar da pesquisa, onde se manteve um diálogo sobre o
projeto do curso e a formação. Suas descrições são os relatos dessas entrevistas.
A pesquisa de Lammoglia (2013) buscou compreender como o Sistema de Avaliação de
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), com destaque para a edição de 2010, se
mostra no cotidiano escolar. Nesse trabalho, a autora descreve o fenômeno investigado, o
Saresp. Suas descrições abarcam os referenciais teóricos do referido sistema de avaliação e
relatos a partir de entrevistas com alunos, professores, coordenadores pedagógicos e diretores
de duas escolas, ou seja, buscou pela sua presença na realidade do cotidiano da escola.
O movimento mediante o qual a Álgebra foi sendo inserida na organização escolar
brasileira é estudado por Mondini (2013). Tendo como meta compreender a orientação
dada ao ensino de Álgebra pela legislação escolar, a autora apresenta suas descrições,
sendo os textos legais que dizem da Álgebra, desde o início da organização escolar no
Brasil, até a década de 1980. Neste trabalho, cada texto de lei é analisado em sua
historicidade, considerando o contexto sócio-histórico-político em que foram produzidos.
15
Esses trabalhos foram todos orientados pela Professora Dra. Maria Aparecida Viggiani Bicudo,
coordenadora do grupo de pesquisa FEM – Fenomenologia em Educação Matemática. As pesquisas foram
desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista,
Câmpus de Rio Claro, SP.
Interrogando como se dá o ensino e a aprendizagem da geometria assumida nos aspectos
de compreensões pré-predicativas e nos encaminhamentos que direcionam para uma
produção geométrica, Santos (2013) apresenta suas descrições. Segundo a autora, foi
realizado um estudo de campo, efetivado como um curso, no qual foram abordados
aspectos referentes à disposição de entes geométricos no espaço e às relações espaciais
advindas, por meio da utilização de diferentes recursos materiais. O foco das análises
incidiu sobre os aspectos significativos na constituição das ideias geométricas abordadas,
enfatizando as compreensões e interpretações expostas pelos alunos.
Com a pesquisa intitulada Etnomatemática: do ôntico ao ontológico, Miarka (2011)
investiga os modos pelos quais a etnomatemática se mostra em sua região de inquérito,
selecionando e entrevistando cinco autores significativos para a linha de pesquisa. As
descrições, nesse trabalho, são os textos das transcrições das respectivas entrevistas.
Perseguindo a interrogação o que é isto, o Curso Superior de Tecnologia em Fabricação
Mecânica? O trabalho de (Mocrosky,2010) concentrou-se no Projeto Político Pedagógico
Institucional e nos Projetos Pedagógicos do Curso de Tecnologia, resgatando o que foi
ofertado de 1999 até 2008. A autora descreve esses projetos, transcreve entrevistas com
professores e empresas a respeito da compreensão que têm do curso e do trabalho do
tecnólogo em Fabricação Mecânica, respectivamente; utilizou, também, o recurso de
filmagem, constituindo descrições a partir da transcrição de cenas significativas de uma
reunião docente.
Importante dizermos que, nas pesquisas ora aventadas, as descrições são um dos
movimentos de cada investigação. Seus autores e autoras prosseguem às análises
hermenêuticas, às reduções fenomenológicas, às discussões das categorias abertas e
metacompreensões acerca do fenômeno investigado, orientados por suas indagações.
Seguiram, assim, o caminho de suas investigações, abrindo a linguagem às interpretações
possíveis,
articulando
compreendemos,
sentidos
assim,
e
tratarem
significados
de
relevantes
pesquisas
aos
qualitativas
seus
contextos;
fenomenológicas,
caracterizadas, pelos fenômenos situados/contextualizados, abrindo a compreensões.
Poderíamos, nesse percurso, citar outras pesquisas efetuadas na perspectiva da investigação
qualitativa segundo a visão fenomenológica. Entendemos que por essas citadas, nos
possibilitam vê-las enredando-se em uma perspectiva comum, a de não tomar o tema a ser
investigado como um dado enquanto fato e, principalmente, a multiplicidade de modos de
se compreender de que se trata uma descrição fenomenológica.
Algumas considerações acerca desta discussão
Pelo exposto, entendemos uma articulação de sentidos e significados da ação de descrever,
em pesquisa qualitativa fenomenológica, situando-a no âmbito da Educação Matemática,
pelos trabalhos desenvolvidos na área da Filosofia da Educação Matemática. Podemos
entender descrição, uma ação de descrever. Voltando nossa atenção à formação lexical da
palavra descrever, sua raiz latina De-scribo também significa escrever, contar, referir; sua
forma, no particípio, é De-scriptus, quer dizer, relatado, notado, transcrito. Vemos uma
consonância de sentidos semânticos e o proposto pela descrição, enquanto um dos
movimentos no método fenomenológico.
O sentido de uma descrição, para nós, salta desse modo, ação, movimento de descrever,
utilizando a linguagem como um modo de articular o percebido, uma tentativa de expor a
evidência intuitiva, comunicando aos semelhantes o modo pelo qual o fenômeno se mostra.
Este trabalho nos mostra possibilidades abrangentes; transcrição de falas proferidas pelo
sujeito que esteja relatando, em entrevistas, suas experiências vividas, textos legais que
organizam conteúdos/disciplinas acadêmicas, projetos políticos pedagógicos de cursos,
filmagens de reuniões e documentos que balizam sistemas de avaliação em larga escala.
Assim, a descrição se desperfila, ou seja, se mostra em perfis e, para nós, contribui no
sentido de realizar/atualizar a linha do pensamento da que, segundo Bicudo, “[...] é manter
vivo o movimento de ação/reflexão/ação nas atividades realizadas e atualizadas em
Educação Matemática” (BICUDO, 2010, p.23). Essa atualização/realização revela o
aspecto multidisciplinar dessa linha de pensamento. Conforme apontado pela autora, nessa
obra, a Filosofia da Educação Matemática vale-se de estudos de eixos de conhecimento
que forem chamados a contribuir com os assuntos trabalhados.
Destacamos, como abertura a outras discussões, que Husserl refere-se à descrição
exaustiva do fenômeno e aos invariantes detectados nas diferentes descrições, de modo
que a reflexão sobre tais invariantes, baseada na inteligibilidade do que permitem
compreender, possibilita conduzir à essência do fenômeno investigado.
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