ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA 31) tratamento farmacológico da tuberculose A prova tuberculina é feita por meio de inoculação intradérmica de derivado purificado da fração protéica (PPD) antigênica do bacilo. Tem por base a reação imunológica do organismo à proteína estranha, exprimindo o contato do indivíduo com o bacilo de Koch. Somente poucos indivíduos tuberculino-positivos são doentes em atividade. Em adultos, o teste é importante quando negativo, pois indica que o paciente não tem tuberculose. O teste pode ser igualmente positivo em indivíduos vacinados com BCG e nos infectados, doentes ou não. Os chamados reatores fortes (10 mm ou mais de endurecimento no local da inoculação, 48 – 72 horas após ser feita, em imunocompetentes, e para imunossuprimidos o valor é de 5 mm) têm maior probabilidade de estarem infectados por M. tuberculosis ou de estarem com a doença. No Brasil, a tuberculose é doença prevalente. De cada 100 pessoas que se infectam por contágio com um caso fonte, 10 – 20 ficarão doentes, 80% dessas no primeiro ano. Em média, 50% dos novos doentes serão bacilíferos. A partir desses ocorrerá contágio por via inalatória (aerossóis produzidos por tosse ou outro movimento expiratório). Pacientes com tuberculose pulmonar não-bacilíferos e formas extrapulmonares de tuberculose não contagiam. Geralmente a fonte de infecção é paciente bacilífero, ainda não-tratado ou em tratamento há menos de 2 semanas, que contamina, em média, 10 a 15 pessoas no período de um ano. Sendo um sério problema de saúde pública, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose unificou os padrões de diagnósticos, prevenção e tratamento, garantiu a distribuição gratuita de medicamentos antituberculosos e permitiu o acesso de toda a população às ações de controle da doença. Centralizou-se a assitência a pacientes tuberculosos para facilitar o controle e evitar que, atendidos por médicos em geral, sofressem erros de prescrição, com conseqüências individuiais e epidemiológicas. O médico que diagnostica um caso deve notificar o serviço de controle epidemiológico e encaminhar o paciente à rede de atendimento padronizado. A vacina BCG (Bacilo de Calmet Garing), após mais de 70 anos de seu desenvolvimento, continua sendo a única disponível para prevenção de tuberculose. Reduz morbidade e mortalidade em crianças, mas tem pequeno efeito na doença pulmonar do adulto. Na quimioprofilaxia, utiliza-se isoniazida, indicada para comunicantes de pacientes tuberculosos bacilíferos (que possuem duas baciloscopia direta positiva), especialmente recém-nascidos e lactentes que não podem ser afastados do domicílio, crianças menores de 4 anos e reatores tuberculínicos fortes (cujo risco de adoecer é 2 vezes maior que o de comunicantes não-reatores). Em comunicantes com idade acima de 35 anos, quimioprofilaxia se restringe a indivíduos com risco definido de contrair a doença, pois essa faixa etária (35 – 45 anos) está mais sujeita à hepatite induzida por isoniazida. Também pode se fazer quimioprofilaxia em indivíduos que possuem situações especiais de risco, como leucemias e linfomas, silicose, doença renal em estágio final, diabetes melito, AIDS, corticoterapia prolongada e uso de imunossupressores. O Programa nacional de Controle da Tuberculose recomenda quimiprofilaxia em comunicantes recém-nascidos e nos menores de 5 anos. A tuberculose é uma doença infecciosa, causada por micobactérias, que atingem principalmente o pulmão. Após serem inalados, os bacilos atingem os alvéolos (primoinfecção), onde provocam uma reação inflamatória exsudativa do tipo inespecífico. A infecção benigna pode atingir linfonodos e outras estruturas. Em aproximadamente 90% dos indivíduos infectados o sistema imunológico consegue impedir o desenvolvimento da doença. Em 5% dos indivíduos observa-se a implantação dos bacilos no parênquima pulmonar ou linfonofodos, iniciando-se a multiplicação, originando-se o quadro de tuberculose primária. A tuberculose pós-primária ocorre em 5% dos indivíduos infectados que já desenvolveram alguma imunidade, através da reativação endógena ou por reinfecção exógena, sendo a forma pulmonar a mais comum. A forma extrapulmonar é mais frequente nos hospedeiros com pouca imunidade, surgindo com maior incidência em crianças e indivíduos infectados por HIV. O agente infeccioso é o Mycobacterium tuberculosis, também chamado bacilo de Koch. Das outras 20 espécies do gênero Mycobacterium, somente o M. Bovis causa raramente tuberculose em hospedeiro normal. Já imunodeprimidos podem desenvolver doença a partir de infecção por várias espécies (M. kansai, M. fortuitum, M. avium). A AIDS tem sido associada a aumento marcado de infecção por complexo M. avium. A pesquiza do Mycobacterium pode ser realizada por: - esfregaços (escarro, broncoscopia, líquido pleural, etc); - coloração álcool-ácido-resistente (BAAR); - cultura (possibilita a identificação de uma bactéria não tuberculosa, teste para sensibilidade às drogas e identificação de contaminação cruzada da espécie); - testes moleculares (possui maior sensibilidade e especificidade. A detecção pode ser feita no mesmo dia – melhor método); e - Cromatografia líquida gasosa ou de alto desempenho (identifica rapidamente 90% das bactérias). Na doença avançada, os exames hematológicos podem apresentar VHS elevado e anemia moderada. No exame direto, pode-se encontrar a designação bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) que indica o gênero Mycobacterium, por sua capacidade de resistir à descoloração por essa mistura após tingimento com carbolfucsina. A identificação do germe se faz comumente por microscopia direta das secreções broncopulmonares (baciloscopia do escarro), que se apresenta positiva somente quando se eliminam pelo menos 5.000 bacilos por ml de escarro. Á baciloscopia negativa pode corresponder cultura positiva, pois esta é mais sensível, bastando 10 bacilos para gerar uma colônia na cultura. No entanto, exige 2 a 6 semanas de incubação e tem maior custo. Cultura também é feita em lavado brônquico ou gástrico, líquido pleural, urina, liquor e tecidos. Geralmente provas de sensibilidade não são necessárias, tendo em vista a alta eficácia dos agentes antituberculosos (procedimento excetuado para retratamento e suspeita de resistência). 1 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA A monoterapia com isoniazida leva a resistência. A resistência resulta de mutações na catalase-peroxidase e mutações nos genes envolvidos na biossíntese do ácido micólico. O metabolismo da isoniazida depende de fatores genéticos que determinam se o indivíduo é um acetilador lento ou rápido. Isso explica a diminuição da concentração sérica do fármaco nos pacientes acetiladores rápidos. A piridoxina, vitamina B6 (10 a 50 mg/dia), é coadministrada com isoniazida para minimizar o risco de neuropatia periférica e toxicidade do SNC em pacientes desnutridos e naqueles com predisposição à neuropatia (acetiladores lentos, idosos, gestantes, HIV, diabéticos, alcoólicos e urêmicos). As reações adversas mais comuns são exantema, febre, icterícia e neurite periférica. Algumas condições clínicas influenciam os esquemas terapêuticos. É o que ocorre em insuficiência renal crônica, com fármacos excretados pelo rim em forma inalterada ou como metabólitos ainda ativos. Se não houver ajuste das doses ou intervalos entre administrações, aumentarão níveis séricos do fármaco, com aparecimento de efeitos tóxicos. Doenças hepáticas não constituem contra-indicações para uso de antituberculosos, apesar de sua toxicidade sobre o fígado. Se houver hepatite ou os níveis de transaminases estiverem mais de 5 vezes além dos valores normais em pacientes assintomáticos, a isoniazida deve ser suspensa. Monitora-se a função hepática durante o tratamento. Os sintomas da tuberculose tais como a febre, mal-estar, anorexia e tosse devem involuir nas 2 primeiras semanas de tratamento. Ao fim desse período, pacientes bacilíferos não são mais infectantes. Bi ou trimensalmente pesquisa-se involução das lesões radiológicas. A baciloscopia é repetida mensalmente nos doentes bacilíferos enquanto houver espectoração. Os efeitos adversos do tratamento farmacológico precisam ser controlados, apesar de aparecerem em pequeno número de casos e terem intensidade leve a moderada, raramente determinando interrupção do tratamento. Os problemas mais comuns são náusea, vômito, epigastralgia, erupção cutânea e prurido. Na gestação, o tratamento antituberculoso pode continuar, pois os fármacos não se mostraram teratogênicos. Só estão contra-indicadas estreptomicina, devido à lesão do oitavo par craniano, e etionamida, que pode causar malformações congênitas, principalmente no primeiro trimestre da gravidez. A eficácia dos contraceptivos orais fica reduzida durante o tratamento antituberculoso, e um controle alternativo do planejamento familiar deve ser oferecido. • Rifampicina: A rifampicina é um derivado semissintético da rifamicina B. É uma poderosa droga ativa por via oral, que inibe a RNA polimerase das micobactérias. Induz as enzimas do metabolismo hepático. Pode-se verificar rápido desenvolvimento de resistência devido às mutações na RNA-polimerase dependente de DNA, que reduzem a ligação do fármaco à polimerase. As reações adversas mais comuns são exantema, febre, náuseas e vômitos. Por ser um potente indutor das CYP hepáticas, a rifampicina diminui a meia-vida plasmática de muitos fármacos, tais como digoxina, quinidina, propanolol, verapamil, inibidores das proteases do HIV, anticoagulantes orais, etc. • Etambutol: Inibe o crescimento das micobactérias através da inibição das arabinosil transferases envolvidas na biossíntese da parede celular. A resistência ao etambutol desenvolve-se muito lentamente in vitro, mas pode resultar de mutações de aminoácidos isolados quando administrados isoladamente. É necessário efetuar um ajuste da dose em pacientes com o comprometimento da função renal. O efeito coalteral mais importante consiste em neurite óptica, resultando em diminuição da cuidade visual e perda da capacidade de distinguir o vermelho do verde. O fármaco pode aumetar a concentração snguínea de urato em cerca de 50% dos pacientes. Fármacos utilizados no tratamento da tuberculose: Terapia farmacológica composta: Primeira fase = duração de dois meses - isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol. Segunda fase = duração de quatro meses – isoniazida e rifampicina. • Isoniazida: • Pirazinamida: Possui atividade limitada à micobactérias. É bacteriostática para os bacilos em repouso, e bactericida para os microrganismos em divisão celular. Seu mecanismo de ação consiste em inibir a síntese de ácidos micólicos (que são componentes exclusivos da parede celular das micobactérias) através da formação do seu metabólito tóxico – o ácido isonicotínico. Portanto, tarta-se de um prófármaco que é metabolisado pela catalase-peroxidase micobacteriana. O alvo específico do derivado da isoniazida é o enoil-ACP redutase da acido-graxo sintase II, que converte os ácidos graxos insaturados em saturadosnna biossíntese dos ácidos micólicos. A pirazinamida exibe atividade bactericida in vitro apenas na presença de pH levemente ácido, o que não representa nenhum problema, visto que o fármaco mata os bacilos da tuberculose que residem em fagossomos ácidos dos macrófagos. Oalvo da pirazinamida é o gene da acidograxo sintase I das micobactérias envolvido na biossíntese do ácido micólico. Verifica-se rápido desenvolvimento de resistência se a pirazinamida é utilizada como única medicação. A lesão hepática constitui o efeito colateral mais grave da pirazinamida. Antes da administração de pirazinamida, todos os pacientes devem ser submaetidos a provas de função hepática. 2 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA O fármaco inibe a excreção de urato, precipitando raramente um episódio agudo de gota. Outros efeitos adversos consistem em artralgia, náuseas, vômitos, disúria, mal-estar e febre. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004 9. GOODAM & GILMAN. Manual de Farmacologia e Terapêutica. Porto Alegre: AMGH editora Ltda, 2010. 4. Sistema de tratamento farmacológico da tuberculose no Brasil Segundo a Nota Técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes, do Programa Nacional de Controle da Tuberculose – Ministério da Saúde, foi adotado um novo sistema de tratamento para a tuberculose, a ser aplicado aos indivíduos com 10 anos ou mais de idade. A mudança consiste nas seguintes ações: - introdução do etambutol como quarto fármaco na fase intensiva de tratamento (dois primeiros meses) do esquema básico, e tem como justificativa a constatação do aumento da resistência primária à isoniazida, e também a resistência primária à isoniazida associada à rifanpicina. - introdução da apresentação em comprimidos com dose fixa combinada dos 4 fármacos (4 em 1) para a fase intensiva do tratamento. Os comprimidos são formulados com doses reduzidas de isoniazida e pirazinamida em relação às anteriormente utilizadas no Brasil. As vantagens da mudança da apresentação dos fármacos são, entre outras, o maior conforto do paciente pela redução do número de comprimidos a serem ingeridos; a impossibilidade de tomada isolada de fármacos, e a simplificação da gestão farmacêutica em todos os níveis. Para crianças até 10 anos continua sendo preconizado o tratamento anterior que consiste na tomada de três fármacos apenas (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) na fase intensiva de tratamento. ЖЖЖЖЖЖ Esquema básico para dultos e adolescentes (2RHZE/4RH): Preconiza-se a solicitação de cultura, identificação e teste de sensibilidade em todos os casos e retratamento, e para aqueles com baciloscopia positiva ao final do segundo mês de tratamento. Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 3 Marcelo A. Cabral