Por que sim à PEC 241 - Instituto de Economia

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Valor Econômico, 7 de outubro de 2016
Por que sim à PEC 241
Por Armando Castelar Pinheiro
Seu tio sempre foi um modelo para você. Carinhoso e cuidadoso com
a mulher e os filhos, torcedor de futebol, de um bom samba, gente boa.
apreciador Mas seu tio anda estressado: está gastando cada vez mais do que
ganha.
Não que ele gaste com besteira: a maioria do dinheiro vai para gastos
com saúde, educação, a manutenção da casa e coisas parecidas. Há algum
tempo que os gastos vêm aumentando, mas ele vinha conseguindo equilibrar
as contas com novos bicos, a venda de parte do patrimônio, etc. Até há pouco
ele também conseguia economizar o suficiente para pagar os juros do
empréstimo consignado, mas isso está cada vez mais difícil.
Felizmente ele tem crédito no banco e vem conseguindo bancar as
despesas renovando o consignado com valores maiores. Mas o gerente já não
sorri quando o vê entrar na agência e ele teme que em breve pegar dinheiro
emprestado fique mais caro ou mesmo impossível. E, claro, teme que a
dívida cresça tanto que fique impagável. Ele pensou em cortar alguns gastos,
mas para cada um deles um membro da família tem ótimos argumentos de
porque essa é a economia errada a fazer.
A PEC tem outras vantagens além de permitir um ajuste suave. Ela viabiliza
uma forte redução dos juros
A situação do seu tio é a mesma do governo brasileiro. Nos últimos
cinco anos, deixando de lado os juros sobre a dívida, o saldo entre receitas
e despesas do governo federal piorou em 6,3% do PIB! Isso porque nesse
período as receitas aumentaram 32%, enquanto as despesas subiram 67%!
Essa foi a principal razão de por que o déficit total, incluindo os juros sobre
a dívida, cresceu de 1,9% para 9,6% do PIB. Com isso, sua dívida saltou de
52% para 70% do PIB.
Em um aspecto, porém, a situação do governo é pior do que a do seu
tio: no caso do governo, há leis que o obrigam a gastar cada vez mais, bem
mais do que se espera que cresçam as receitas públicas. Vilma Pinto, nossa
analista fiscal no Ibre/FGV, projeta que, se nada for feito, daqui a cinco
anos o governo federal estará gastando 3,2% do PIB a mais do que
arrecada, sem contar aí a despesa com os juros sobre a dívida que, claro,
também vai aumentar conforme essa cresça.
Nesse quadro, o que você recomendaria ao seu tio fazer? Uma
alternativa é não fazer nada. Mas aí chegará a hora em que o banco dará um
basta e, da noite para o dia, ele não terá dinheiro suficiente para bancar todas
as contas. Aí terá de dar calote em algumas delas, por mais que a mulher ou
algum filho as ache importantes. Não será uma questão de opção, mas de
falta de dinheiro.
Essa é a situação de alguns governos estaduais. Eles não arrecadam o
bastante para pagar todas as despesas. A solução foi deixar de pagar alguém,
em geral aposentados e funcionários. No caso do governo federal, porém, há
uma diferença: ele imprime dinheiro! Ele tem como pagar as contas com
dinheiro novo. Mas isso colocaria o país no caminho da inflação alta e
crescente, de fato reduzindo os gastos com funcionários, aposentados, saúde
e educação pela via da aceleração inflacionária.
Algumas pessoas advogam parar de pagar juros ao banco. Mas essa
solução não faz sentido: o seu tio já gasta mais do que ganha, mesmo sem
contar as despesas com juros, e só fecha as contas pegando dinheiro
emprestado. Se ele brigar com o banco, vai precisar fazer um ajuste
emergencial. Também nesse caso vai ter de dar calote em alguém mais além
do banco.
A PEC 241 propõe algo bem mais suave. No caso do seu tio, seria o
equivalente a ele prometer que vai aumentar o seu gasto total apenas com a
inflação, de forma que aos poucos o déficit no orçamento familiar vai
diminuir, conforme o seu salário aumente além da inflação e os gastos não.
Nesse meio tempo ele segue se financiando no banco, mas este sabe que
chegará o momento em que sua dívida vai parar de aumentar.
Observe que seu tio: um, não terá de reduzir o total dos gastos; e dois,
ficará livre para alocar o total de gastos entre itens diferentes, negociando
isso dentro de casa. No caso do governo, a única diferença é que a PEC
obriga o governo a não reduzir o gasto com saúde e educação.
Quando se olha a situação nacional, a PEC 241 tem outras vantagens, além
de permitir um ajuste suave. Primeiro, ela vai viabilizar uma forte redução
da taxa de juros. O que vem acontecendo nos últimos anos é que o forte
aumento do gasto público pressiona a inflação, obrigando o Banco Central
a manter os juros altos, para desencorajar o gasto privado. Isso mudaria
totalmente.
Segundo, o teto de gastos vai tornar a política fiscal menos pró-cíclica.
Hoje, quando a economia aquece, as receitas sobem e o governo tem de
gastar mais. Quando vem a recessão, o governo tem de cortar, acentuando a
contração.
Há gente contrária à PEC 241 por essa limitar o aumento de gastos.
Como na família do seu tio, cada um acha o "seu gasto" muito importante.
A questão é que não se oferece uma alternativa factível. Aumentar a carga
tributária apenas adia o problema e compromete o crescimento e a geração
de empregos. Parar de pagar a dívida é suicídio, pois isso forçaria um corte
imediato de gastos, possivelmente via calotes. Não fazer nada é o caminho
certo para a volta da inflação alta. O Brasil não merece nada disso.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do
Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve
mensalmente às sextas-feiras.
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