UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE SERVIÇO SOCIAL JEANE MEDEIROS DE SOUTO O ENTRELAÇAMENTO ENTRE ASSISTÊNCIA SOCIAL E TRABALHO INFORMAL: verdades e equívocos em tempos de crise do capital NATAL/RN 2012 JEANE MEDEIROS DE SOUTO O ENTRELAÇAMENTO ENTRE ASSISTÊNCIA SOCIAL E TRABALHO INFORMAL: verdades e equívocos em tempos de crise do capital Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Serviço Social. Orientadora: Profª. Drª. Rita de Lourdes de Lima NATAL/RN 2012 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Souto, Jeane Medeiros de. O entrelaçamento entre assistência social e trabalho informal: verdades e equívocos em tempos de crise do capital / Jeane Medeiros de Souto. - Natal, RN, 2012. 191 f. : il. Orientadora: Prof.ª Drª. Rita de Lourdes de Lima. Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social. Dedico este estudo a classe trabalhadora que nos diversos e adversos cenários da vida social, sofre os impactos e reveses da relação capital-trabalho. E de maneira singular, aos usuários do CRAS-Pajuçara e a categoria dos assistentes sociais que cotidianamente, fazem com bravura, o Serviço Social brasileiro. AGRADECIMENTOS Esse é o momento, em que se faz necessário trazer a memória, muitas experiências, circunstâncias e desafios, galgados e superados no percurso de maturação e construção dessa pesquisa, os quais foram dotados de uma vasta diversidade de sentimentos e emoções. Alguns, tristes, alegres, confusos e outros por vezes, desestimuladores e reveladores. Mas nesse paradoxo, todos eles tiveram o seu grau de importância, contribuição e superação. Elevo ao topo da minha lista de agradecimento, a Deus, Senhor e mentor da minha vida, por tamanha graça, cuidado e zelo a mim dispensado nesse processo de construção do saber. “Porque sem Ele nada do que foi feito, se fez...”. À minha orientadora querida, Rita de Lourdes de Lima, que desde a graduação me impulsionou e desvelou o mundo “desconhecido” e surpreendente da pesquisa. E com os seus direcionamentos na vida cotidiana, mostrou-me que na simplicidade das coisas podemos extrair frutos nobres e melhores. Ela também foi meu freio e calmaria, em meio aos diversos percalços, angustias e “agonias” vivenciados neste estudo. Palavras são poucas para expressar o quanto contribuístes nesse processo de amadurecimento intelectual. Profissional admirável, marcada por muitas conquistas porque tem em suas veias: determinação, coragem e competência profissional, portanto, digna do meu de aplauso, reconhecimento e gratidão. A quem posso categoricamente dizer: os acertos atribuídos a este trabalho devem-se muito a você! Expresso na fluidez das orientações e parceria vivenciada, em todo o percurso deste estudo. (Minha orientadora linda!). Gratidão aos meus familiares: aos meus pais, a quem evidentemente serei eternamente grata, por todo empenho, investimento e torcida a mim depositada, durante toda a minha vida acadêmica. Pelas muitas vezes que estive ausente, mas no lugar de “cobranças”, recebia proteção e compreensão. E embora distantes (fisicamente) se mostram sempre perto. Aos meus Irmãos que apostaram em mim, quando nem eu mesma pensei que chegaria tão longe... Prosseguindo a trajetória acadêmica no curso de mestrado da UFRN, contei com o apoio e torcida de muitas pessoas, que fora da academia contribuíram para minha permanência nela. São amigos, irmãos, “mães e pais” (por adoção) que em ação, palavras e motivação me ajudaram a superar frustrações, obstáculos e interpolações que surgiram durante esse processo. São pessoas que dividem comigo (comunhão, vinho e Pão), expresso nas alegrias e o prazer de sua hospitaleira acolhida. Grifo aqui, minha gratidão eterna, pelos nobres feitos à “Família Frutuoso” e “Família Araújo” a mim dispensados todos esses anos. A todos os meus amigos construídos ao longo da vida e outros foram fomentados nesse percurso acadêmico. Em especial aos de sempre e “pra toda hora”: Drica, Kel, Rosângela, Ceiça, Julha e Oscar, gratidão pelo carinho e torcida. Destaco a “assessoria” do meu amigo Elton Marlon, que no processo difícil de enfermidade, se dispôs ajudar-me na formatação dos gráficos e mapas deste trabalho. Registro ainda gratidão as colegas e companheiras da turma 2010 do curso de mestrado em Serviço Social da UFRN. Das aulas, extraio bons e instigantes momentos de reflexões, debates e contribuições no fomento e construção do projeto de pesquisa. Destaco a disponibilidade e esforço da minha “assessora” direta (Isabelle), em sanar as dúvidas da ABNT que circundou esse momento. À “Rayane” Araújo pelo companheirismo, não limitados aos “cafés” e conversas informais, mas que se estenderam no compartilhamento das angustias, motivações e torcidas. E a graciosa “Lucinha” por sua atenção, presteza e incentivo sempre. Meus agradecimentos se estendem também ao corpo docente do Departamento de Serviço Social da UFRN. Em especial, à Profª. Drª. Silvana Mara e Profª. Drª. Denise Câmara pelas sinalizações e direções no fomento do nosso projeto de pesquisa. Ressalto a participação e riquíssimas contribuições no momento da qualificação da Profª. Drª. Regina Ávila e Profª. Drª. Eliana Guerra. Destacamos ainda a importância da CAPES que, através da contribuição da “bolsa”, possibilitou-me focar e dedicar à pesquisa de maneira integral. O que no momento da pesquisa, sem a viabilidade desta ajuda financeira tornaria, sem dúvida, esse percurso mais longo e difícil. A banca para a exposição desta pesquisa foi cuidadosamente pensada. Para tanto, protelei escolhas, prorroguei datas e esperei mais que o previsto. Nisto, minhas mais singelas palavras de gratidão à Profª. Drª. Berenice Rojas Couto, do Departamento de Serviço Social da PUC/RS, pela atenção dada a este estudo e gentileza em aceitar o convite para participar da banca de defesa desta dissertação. Do mesmo modo e mesmo grau de gratidão à Profª. Drª. Regina Ávila e Profª. Drª. Ilka de Lima pelo incentivo, torcida e inigualáveis contribuições nesse processo acadêmico, que não se esgota nele mesmo, mas que seja um impulsionador para muitos outros. Obrigada a todos! O entrelaçamento entre a assistência social e trabalho informal: verdades e equívocos em tempos de crise do capital O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem [...]. (Guimarães Rosa) RESUMO A dissertação ora apresentada gestou-se do interesse de analisar a atuação do Estado, através da materialização dos cursos profissionalizantes, no processo de inserção dos usuários do CRAS-Pajuçara na informalidade. Para tanto, partimos da premissa que a pobreza e a desigualdade social atingem uma parcela significativa da população mundial, num contexto em que a família da classe trabalhadora é vista como uma das alternativas para o enfrentamento das múltiplas expressões da questão social. Assim, frente às mudanças da reestruturação produtiva, marcada pela flexibilização, terceirização e precarização das relações do mundo do trabalho, a família da classe trabalhadora deve encontrar saídas para garantir a sua sobrevivência. Nessa direção, discutimos os avanços, limites e desafios postos à Política de Assistência Social na contemporaneidade, situando neste contexto, a atuação do Estado. Além disso, debateu a funcionalidade da informalidade para o sistema capitalista, mostrando como o capital se apropria do trabalho informal, inserindo-o na sua lógica, e assim, torna a relação capital-trabalho cada vez mais predatória, desumana e desigual. Os procedimentos metodológicos adotados para elaboração desse estudo se constituem de pesquisa bibliográfica e documental, além de 10 entrevistas semiestruturadas direcionadas aos usuários do CRAS-Pajuçara, partícipes dos cursos profissionalizantes, no período de 2010-2011. À luz da racionalidade crítico-dialética, e num contexto em que o trabalho informal tem sido cada vez mais cooptado como alternativa ao desemprego descomunal, na mesma direção, em que a assistência social se eleva no enfrentamento à desigualdade social, o escopo desse estudo, discutiu e desvelou algumas as verdades e equívocos que circundam este discurso burguês, em tempos de crise do capital, no município de Natal-RN. Palavras-chave: Assistência Social. Pobreza. Informalidade. ABSTRACT The thesis presented here is of interest management to analyze the performance of the State, through the materialization of the professional courses, the process of integration of users CRAS-Pajuçara informal. Therefore, we assume that poverty and inequality reach a significant portion of the world population, in a context where the working class family is seen as an alternative to face the multiple expressions of social issues. Thus, before the changes of Productive Restructuring, marked by flexibility, outsourcing and casualization of labor relations in the world, the working class family must find ways to ensure their survival. In this direction, we discuss the advances, limitations and challenges posed to the Social Assistance Policy in contemporary, situating this context, the role of the state. Furthermore, we discussed the functionality of informality to the capitalist system, showing how capital appropriates of informal work, placing it in its logic, and thus makes the capital-labor ratio increasingly predatory, inhuman and unequal. The methodological procedures for the preparation of this study constitute a literature and documentary, beyond 10 semi-structured interviews directed to users of CRAS-Pajuçara, participants of training courses for the period 2010-2011. In light of the critical-dialectical rationality, and in a context where informal work has increasingly been co-opted as an alternative to huge unemployment in the same direction in which the welfare rises in tackling social inequality, the scope of this study, discusses and reveals the truths and misconceptions that surround this bourgeois discourse, in times of crisis of capital, the city of Natal, Brazil. Keywords: Welfare. Poverty. informality LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Incidência da população brasileira em situação de extrema pobreza por domicílio 58 Gráfico 2: Aplicação de recursos públicos previstos em 2012 69 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quantidade de CRAS em âmbito nacional, estadual e municipal 124 Quadro 2 - Especificação dos CRAS por área de abrangência 125 Quadro 3 - Número de CRAS por quantidade de família referendada e por porte de município 127 Quadro 4 - Equipe técnica do CRAS-Pajuçara 147 Quadro 5 - Programas, projetos, serviços e benefícios realizados no CRAS Região Norte III - Bairro Pajuçara 149 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Faixa etária dos entrevistados/CRAS-Pajuçara 132 Tabela 2 - Grau de escolaridade 133 Tabela 3 - Responsável pela renda familiar 136 Tabela 4 - Números de filhos 138 Tabela 5 - Renda familiar 138 LISTA DE SIGLAS ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ASG - Auxílio em Serviços Gerais ATIVA - Associação de Atividade de Valorização Social BPC - Benefício de Prestação Continuada (BPC). CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social CRAS - Centro de Referência de Assistência Social CREAS - Centro Especializado de Assistência Social DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos DQP - Departamento de Qualificação Profissional DRU - Desvinculação Receitas da União EAD - Ensino à Distância EUA - Estados Unidos da América FGV - Fundação Getúlio Vargas FIRJAN - Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro FONSEAS - Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH-M - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IFDM - Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal IFRN - Instituto Federal do Rio Grande do Norte IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC - Ministério da Educação MTE - Ministério do Trabalho e Emprego NOB/RH - Norma Operacional Básica/Recursos Humanos NOB/SUAS - Norma Operacional Básica/Sistema Único da Assistência Social OIT - Organização Internacional do Trabalho OMC - Organização Mundial do Comércio PAIF - Programa de Atenção Integral às Famílias PETI - Programa de Erradicação de Trabalho Infantil PL SUAS - Lei do Sistema Único de Assistência Social PNAS - Política Nacional de Assistência Social PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego SEMTAS – Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social SEMURB - Secretaria do Meio Ambiente e Urbanismo SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SETHAS - Secretaria de Estado do Trabalho, da habitação e da Assistência Social SINDPPD-RS - Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados/RS SINE - Sistema Nacional de Emprego SUAS - Sistema Único da Assistência Social SUS - Sistema Único de Saúde UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 17 2 A QUESTÃO SOCIAL E A POBREZA NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES 35 2.1 DO PAUPERISMO À EMERGÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL 35 2.2 NOVAS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UM CONCEITO QUE SE RENOVA 48 2.3 CRISE DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS 60 3. ESTADO, ASSISTÊNCIA SOCIAL E INFORMALIDADE: VERDADES, EQUÍVOCOS E CONTRADIÇÕES 73 3.1 HISTORICIZANDO A ATUAÇÃO DO ESTADO NA TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL 3.2 TRABALHO INFORMAL: 73 UMA REALIDADE COMPLEXA EM MOVIMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NA VIDA SOCIAL 86 3.3 ASSISTÊNCIA E TRABALHO: CONGRUÊNCIA OU CONTRAPOSIÇÃO? 98 3.4 A INTERSEÇÃO ENTRE ASSISTÊNCIA E TRABALHO INFORMAL 105 4 NATAL: CONTORNOS DE POBREZA E CONDIÇÕES DE VIDA DOS USUÁRIOS DO CRAS-PAJUÇARA 118 4.1 NATAL: “TÃO BELA E DESIGUAL” 118 4.2 O CRAS E SUA MATERIALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN 123 4.2.1 Quem são os usuários dos CRAS-Pajuçara? Onde e como vivem? 129 Em que trabalham e sob que condições? 4.2.2 CRAS-Pajuçara em foco: a dinâmica de uma realidade complexa 142 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 162 REFERÊNCIAS 171 ANEXOS 183 APÊNDICES 190 17 1 INTRODUÇÃO: “A PESQUISA EM MOVIMENTO” A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento. (Marx e Engels) O projeto de pesquisa é construído como um conjunto de análise, o qual pode ser utilizado pelos sujeitos sociais para conhecer e intervir mais eficazmente na realidade social. E à medida que nos aproximamos do objeto, desvelamos várias outras relações que o circundam, e assim, damos concretude ao mesmo. Para tanto é preciso entender que a realidade social “é complexa, é heterogênea, é contraditória - apresenta diversas facetas, particularidades” (IANNI, 1986, p. 1). Em face disso, a realidade social não é transparente, portanto, necessita ser desvendada, a partir da passagem do momento de abstração do concreto (real), ao “concreto pensado”. Nesse movimento dialético, o pesquisador deve atentar para não manter-se no nível das aparências ou no imediatismo das análises. A realidade social então, não pode ser decifrada mediante uma “investigação empírica convencional”, tal como sinaliza Ianni (1986), é preciso apreender outros determinantes e implicações da vida social, imbuído em uma perspectiva crítica e dialética, na tentativa de desvelar os elementos que circundam o objeto em análise em toda a sua riqueza, diversidade e complexidade. Partindo dessas incursões teóricas, o nosso objeto de pesquisa gestou-se no interesse de analisar a atuação do Estado via Política de Assistência Social, no processo de inserção dos usuários dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), na informalidade. Mas o trajeto para defini-lo foi longo, difícil e desafiador. Parafraseando as palavras de Sérgio Lessa, não apenas nós encontramos os objetos de estudo, eles nos encontram também. De modo que o despertar para o seu aprofundamento foi sendo maturado, formulado e construído em um fazer e refazer diário, entre toques e retoques, já que o exercício para construí-lo é processual. 18 Assim, dentre as idas e vindas, em busca do objeto de análise, e diante das muitas tentativas em construí-lo, a temática deste estudo “parecia não querer sair”. Os ecos teóricos, apreendidos em toda a nossa trajetória acadêmica e profissional, sobre o tema escolhido, não nos pareciam suficientes para delimitá-lo e por fim defini-lo. Até que, por meses, “a síndrome do objeto perdido” não apenas fora a nossa sina, mas se revelou como um grande desafio no processo da pesquisa, dentre muitos outros que surgiram. Entretanto, cônscios que um trabalho dissertativo, não apenas exige disciplina e vontade para fazê-lo, mas também decisão, por vezes, objetos transversais ao tema desejável, iam e vinham ao “campo das nossas ideias”, mas ainda era dotado de inconsistência e indecisão. Precisávamos pensar em algo que contemplasse um tema de nosso interesse, e ao mesmo tempo, fosse relevante ao debate do Serviço Social brasileiro. Nisto, dentre os encontros e desencontros do tema escolhido, nos convencemos que mais do que delimitá-lo, era preciso debruçar com afinco e persistência sobre o mesmo, tal como nos aconselha Eco (1983, p. 5): Fazer uma tese significa, pois, apreender a pôr ordem nas próprias ideias e ordenar os dados: é uma experiência de trabalho metódico: [...]. Assim não importa tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho que ela comporta. [...]. Embora seja melhor fazer uma tese sobre um tema que nos agrade, ele é secundário com respeito ao método de trabalho e a experiência daí advinda. Ainda mais: trabalhando-se bem, não existe tema que seja verdadeiramente estúpido. Conclusões úteis podem ser extraídas de um tema aparentemente remoto ou periférico. [grifo nosso] Nesse emaranhado de indecisões “teórico-metodológicas”, deparamo-nos com o artigo de Maria Augusta Tavares, intitulado: “O trabalho informal deslocado da economia para a assistência social”, o qual fora decisivo para adentrar-nos nas “aproximações primeiras” do objeto deste estudo. O referido texto suscitou-nos inquietações, anteriormente, já sinalizados e vivenciados em parte da nossa trajetória acadêmica e experiência profissional, na área da Assistência Social, no município de Natal/RN. É pertinente considerar que, o âmbito desta pesquisa, apesar de perpassar e/ou tocar em outros determinantes que circundam o objeto investigado, adquiriu foco insistente e preponderante, na busca por abstrair as verdades e 19 equívocos que permeiam a relação entre a assistência social e o trabalho informal, na contemporaneidade. Nisto, por tratar-se de um objeto que se assenta em dois focos de análises: assistência social e informalidade houve um esforço para dar coesão e sincronia à análise, sem perder a essência da nossa investigação. No trilho desse objeto, adentramos em “escavações teóricas” já conhecidas e outras que foram descobertas durante o processo de construção da pesquisa. Aliás, há escassa produção teórica que discorrem acerca do nosso objeto, o que também justifica a importância de debruçarmo-nos neste estudo. De maneira que buscamos a interlocução com diversos autores, com destaque para os estudos recentes de Marcelo Sitcovsky, Berenice Couto, Haidée Rodrigues, Maria Augusta Tavares e Ana Elizabete Mota. O que nos possibilitaram uma melhor aproximação teórica ao tema proposto, dando-lhe mais amplitude e consistência, mas, sem perder de vista, o referencial teórico adotado e defendido na construção desta pesquisa. A propósito foi frente ao discurso burguês, o qual defende o trabalho informal como alternativa ao desemprego descomunal, na mesma direção, em que a assistência social se eleva no enfrentamento à desigualdade social, que o objeto da pesquisa ganhou direção e formato. Diante disto, indagamos: haveria, então, alguma relação na materialização dos cursos profissionalizantes, realizados nos CRAS/RN, com esse duplo discurso? Na busca por respostas, realizamos, aliado a leituras e tessituras textuais, um levantamento dos cursos profissionalizantes, consolidados nos CRAS em Natal, nos anos de 2010 e 2011, por meio dos Relatórios de Gestão da SEMTAS/Coordenação dos CRAS. Assim, em face desses questionamentos e inquietações, deu-se a escolha do tema em questão, aquecido e motivado pela nossa trajetória acadêmica, principalmente, no trabalho de conclusão de curso em Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no ano de 2008. Este trabalho monográfico denominado: Possibilidades e limites da ação do PETI junto à família: a realidade do núcleo de ação social da Cidade da Esperança (RN)1, também instigou questionamentos não esclarecidos durante o processo monográfico, porém, deixou “pistas fecundas” para despertar o interesse em investigar a temática proposta. 1 O trabalho monográfico se deu sob a orientação da Profª. Drª. Eliana Costa Guerra. 20 Agregamos a isso, a nossa atuação profissional, na área da Assistência Social, nos anos de 2008-2011, na Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social (SEMTAS) deste município, em um contexto em que o assistente social é chamado a desenvolver estratégias frente ao desemprego e pobreza via a proposta de “inclusão produtiva”. A inserção no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN oportunizou-nos uma maior aproximação ao objeto de estudo, através das leituras e debates tecidos nas aulas do mestrado, possibilitando-nos um maior aprofundamento de conhecimentos, reflexões e concepções, necessárias para o fomento de um melhor entendimento, delimitação e apreensão do objeto proposto. E convencendo-nos que não há “ineditismo” no objeto que propusemos investigar, percebemos que há outros elementos que precisavam ser desvelados e outros que requeriam maiores aprofundamentos. Nisto, o primeiro questionamento suscitou-nos a investigar se o trabalho informal adentra na Política de Assistência Social, tomando como referência os “cursos profissionalizantes”, realizados pelo Departamento de Qualificação Profissional (DQP/SEMTAS) no CRAS-Pajuçara. O segundo, decorrente do primeiro, buscou desvelar, se de fato, os cursos profissionalizantes, desenvolvidos nos CRAS, contribuem para a inserção de trabalhadores no mercado de trabalho, buscando identificar se esta forma de inserção tem relação com o processo de expansão da informalidade. A presente pesquisa instigou-nos ainda, a desvelar de que maneira o capitalismo2 se apropria do trabalho informal para dinamizar a sua reprodução e acumulação, relacionando à ação do Estado neste processo. Assim, contribuir no debate em torno do entrelaçamento entre assistência social e o trabalho informal, se constitui como uma das motivações propulsoras desse estudo, além de ser uma oportunidade singular, de analisar o discurso da empregabilidade via a proposta de “inclusão produtiva” que ganha destaque na cena contemporânea. 2 O capitalismo, ao longo de sua história, passou por diversos estágios a saber: o capitalismo concorrencial (século XIX), o imperialismo clássico (fins do século XIX até a Segunda Guerra Mundial) e o capitalismo tardio (pós-45 até os dias atuais). Para aprofundar a discussão sobre a periodização da história do capitalismo ver, entre outros, Mandel (1982), Behring (1998) e Sandroni (1992). 21 Endossamos como objetivo geral desta pesquisa, analisar a atuação do Estado via a assistência social, no processo de inserção dos usuários dos CRAS/RN na informalidade. Delimitamos ainda como objetivos específicos: Caracterizar o público assistido no CRAS em análise (Quem são? Onde vivem? O que fazem? Quais e quantos desses estão inseridos no trabalho informal?). Desvelar a relação entre a produção/reprodução e acumulação capitalista e o crescimento da informalidade. Apreender as configurações do trabalho informal e sua interseção com a Política de Assistência Social pela via dos cursos profissionalizantes, realizados no CRAS-Pajuçara. Caracterizar e analisar os cursos profissionalizantes, desenvolvidos nos CRAS/RN e sua relação com a informalidade. Para tanto o presente estudo precisou analisar o trabalho informal além de um mecanismo de sobrevivência da classe aviltada pela pobreza, analisando-o, sobretudo, como estratégia funcional à reprodução do capital. E na mesma direção, fez-se necessário analisar a atuação do Estado via a assistência social, em um sentido duplo: quando atende as solicitudes da classe subalterna (mesmo que de forma ainda residual e pulverizada) e quando a insere, pela via do consumo, através das políticas e programas sociais. Nesse sentido, o trabalho ora apresentado, também se debruçou na discussão dos avanços, limites e desafios postos à Política de Assistência Social na contemporaneidade, situando nesse contexto, a atuação do Estado. Problematiza a funcionalidade da informalidade para o sistema capitalista, mostrando como o capital também se apropria do trabalho informal, inserindo-o na sua lógica, e assim, torna a relação capital-trabalho cada vez mais predatória, desumana e desigual. Para trilhar os caminhos da pesquisa, partimos da compreensão do trabalho como pilar para a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. Sua precarização tem aprofundado, ao longo dos tempos, a condição de pobreza daqueles que não detém os meios de produção e que, muitas vezes, são considerados “supérfluos para o capital” (IAMAMOTO, 2004, p. 15). Desse modo, 22 resta aos trabalhadores e a suas famílias incluírem-se no mercado de trabalho de forma precarizada. Agregamos neste arcabouço teórico, a composição do cenário que promove a desresponsabilização do Estado, transfere à sociedade civil3 funções antes legitimadas como de competência pública e, nesse processo, a família é chamada a ser parceira. Como afirma Carvalho (2005), família e políticas públicas compartilham funções semelhantes e indispensáveis ao desenvolvimento e à proteção social dos sujeitos sociais. Entretanto, a realidade demonstra que não se efetivam condições reais capazes de garantir a reprodução da classe subalternizada. Antes, o que se confirma, por parte do Estado na atualidade, são iniciativas que contribuem para a manutenção da pobreza e da miséria, atenuando apenas as situações mais graves. Fruto dessa relação desigual resta aos “excluídos”, integrarem-se na sociedade através de formas perversas de inclusão. Um retrato desse cenário pode ser evidenciado no cotidiano das famílias usuárias do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), as quais se inserem nos meandros da informalidade para complementar renda, e assim, garantir a sobrevivência de seus membros. A propósito, sobre “exclusão”, José de Souza Martins (2002), em seu livro intitulado: A sociedade vista do abismo suscita vários questionamentos acerca do termo “exclusão social”, expressão essa utilizada para fazer referência a uma diversidade de situações que se constituem, de fato, expressões da questão social4. O autor considera que a referida categoria denota uma orientação conservadora, portanto, não toca nas contradições da sociedade capitalista. Afirma ainda que “basicamente, exclusão é uma concepção que nega a história, que nega a práxis e que nega à vítima a possibilidade de construir historicamente o seu próprio destino 3 Respaldamo-nos no pensamento Gramsciano para afirmar que essa categoria expressa “[...] a existência de uma relação plena de contradições, e, portanto, terreno de conflitos e não de colaboração, face à racionalidade dos dominantes (AMARAL, 2009, p. 87). Desse modo, o referido termo, nem de perto se apresenta como um espaço de consenso e homogeneização de interesses. Antes, porém, “mais do que „neutralidade‟, ela expressa luta, os conflitos e articula, conflitiva e contraditoriamente, interesses estruturalmente desiguais” (DIAS apud AMARAL, 2009, p. 87). 4 Na seção que segue, traremos para o debate esta questão, apresentando aspectos do seu nascedouro no sistema capitalista, os nexos e outras incursões referentes ao seu desdobramento na conjuntura atual. 23 [...]” (p. 45). Para Martins (2002, p. 124), não existe exclusão no sistema capitalista, antes defende a utilização do termo “inclusão perversa”5, assim explicitada: [...] O que a sociedade capitalista propõe hoje aos chamados excluídos está nas formas crescentemente perversas de inclusão, na degradação da pessoa e na desvalorização do trabalho como meio de inserção digna da sociedade. [...] O trabalhador [...] se degrada como pessoa por que passa a ser marginalizado, em termos de mercado, um consumidor marginal, que assim mesmo é essencial à reprodução do sistema econômico. Sob o prisma desse entendimento, podemos dizer que, do âmago da sociedade capitalista, brota uma formação social que exclui e que também inclui, porém, de modo precário, mesmo que seja pela via do consumo mínimo. Assim, ao mesmo tempo e pelo mesmo movimento alimenta a reprodução do circuito do capital. Isto mostra-nos que tal questão tem lastro no processo da contradição, inerente ao sistema societário vigente, ao criar formas desumanas de participação, e torná-las privilégios e não direitos (MARTINS, 2002). De maneira que, temos uma sociedade com sujeitos sociais que ora são precariamente incluídos do ponto de vista social, ora são úteis e incluídos do ponto de vista econômico, ainda que essa inclusão seja bastante limitada e/ou precarizada. Exemplos que evidenciam essa assertiva pautam-se nos diversos programas de renda mínima, operacionalizados pela Política de Assistência Social. Nessa envergadura, Soares (2010) analisando as atuais políticas de emprego e renda no Brasil, afirma que elas surgem e se legitimam como uma alternativa de sobrevivência para uma grande parcela da população, as quais compõem a massa de superpopulação relativa6. E complementa ratificando que as políticas que estão postas no espectro atual se conformam a: [...] reatualização de formas precárias de trabalho e constituem o autoemprego, colocando a responsabilidade no indivíduo por sua situação de desemprego, mas com a aparência de liberdade aos trabalhadores, que podem conquistar autonomia ao não se 5 Termo utilizado e discutido por José de Souza Martins (1997), para caracterizar as pessoas que estão inseridas de maneira precária no mercado de trabalho, a exemplo de péssimas condições de trabalho, baixíssimos salários e sem nenhuma garantia de proteção social. 6 Corroboramos com Maranhão (2009), o qual afirma que a criação desta categoria não deve ser entendida como mero produto exterior ao sistema de produção ou como uma inadequação de gestão estatal, no entanto, deve ser apreendida como um produto histórico, de fato necessário à acumulação e reprodução do sistema capitalista. 24 submeterem a subsunção real do Capital (SOARES, 2010, p. 282). [Grifo da autora]. Nesse processo, as iniciativas estatais atuais mediante os programas, projetos e serviços socioassistenciais, “pretendem estabelecer uma diminuição nos índices de desemprego” (SOARES, 2010, p 283), para assim, se constituir como uma grande estratégia econômica, capaz de alavancar a “extração do excedente” (o lucro), através de artimanhas político-ideológicas e por sua vez consolidar a exploração mediante o consenso. De sorte que, as políticas de emprego e renda que se perpetuam na atualidade, pretendem alcançar a promoção de um desenvolvimento justo e solidário, prevalecendo às chamadas “parcerias”. Além disso, essas políticas visam tornar consensual o discurso que “a causa do desemprego deve-se a falta de empregabilidade e de capacitação” dos trabalhadores [...] (SOARES, 2010, p. 286). Entretanto, quando as políticas desempenham o seu papel ideológico, disseminando a ideologia que a qualificação profissional é fundamental para a inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, culmina por mascarar que o percentual de desempregados, da superpopulação relativa ou do exército industrial de reserva, tornou-se inerente e funcional a dinâmica capitalista. Aliás, à luz da orientação Marxiana, consideramos “ideologia” como um instrumento de dominação que atua através do convencimento (ou incorporação de ideias), de forma a alienar a consciência humana, e assim, mascarar a realidade. Salientando que a “ideologia”, denominada por Marx (2002) como “falsa consciência”, camufla a realidade, para os intentos e ideais da classe dominante. Tal Ideologia se insere no discurso da empregabilidade anunciada com “fervor”, pela sociedade burguesa, e que cada vez mais ganha cena, vez e lugar nas estratégias de enfrentamento ao desemprego e pobreza, e ao mesmo tempo, se assenta no campo da assistência social, através da modalidade de “inclusão produtiva” e os serviços de “integração ao mercado de trabalho”. Trilhando nessa linha de análise, com o avanço Neoliberal7, a partir da reformulação do Estado e do constante déficit público, a reestruturação produtiva 8 e 7 “Nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de Bem-estar [...]” (ANDERSON, 1995, p. 9). Trata-se, pois, de um ataque a qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, considerado como uma ameaça letal à liberdade, não somente no aspecto econômico e política, mas ideologicamente (ANDERSON, 1995), trazendo 25 a precarização das relações de trabalho, vai configurar um cenário de retorno às redes de solidariedade e de sociabilidade em que, as famílias da classe trabalhadora, são chamadas a atuar como parceiras na proteção e inclusão social. Destarte, cobra-se da família uma sobrecarga de responsabilidades, nas quais, cabem-lhe as despesas referentes à moradia, à saúde, alimentação, transporte, a geração de renda etc. Ainda sobre as estratégias do capital, para Tavares (2004), a informalidade aparece como válvula de escape e possibilidade de sobrevivência, mas para, além disso, essa atividade se expande de forma integrada e subordinada aos ditames da produção capitalista. Nesta dialética, “o impulso da lei do valor ora convoca, ora libera os trabalhadores, ora os assalaria, ora explora sua força de trabalho na clandestinidade [...]” (TAVARES, 2004, p. 41). De maneira que, graças à terceirização9, a informalidade se torna uma estratégia funcional ao capital, haja vista que participa efetivamente da produção, sem atrair para si os custos do trabalho formal. Tornando, desse modo, a grande massa de excedentes e supérfluos para o capital, uma condição extremamente útil e lucrativa à acumulação capitalista. Diante desses pressupostos teóricos, buscamos nos aproximar e apreender a dinâmica do objeto pesquisado, nos perguntando: Quem são os sujeitos do CRAS-Pajuçara? Como vivem? O que fazem? Os cursos profissionalizantes, desenvolvidos nos CRAS, contribuem para a inserção de trabalhadores na informalidade? O trabalho informal traz modificações para as condições sociodemográficas dos usuários dos CRAS? Se sim, quais? Em que e quais dimensões? Na busca por delimitarmos o objeto deste estudo, os parâmetros utilizados para seleção dos CRAS foram os números de atendimentos e de cursos profissionalizantes, realizados nos oito CRAS existentes em Natal, no ano de 2010. rebatimentos desastrosos no gerenciamento e condução das políticas sociais, na qual as privatizações, cortes drásticos nos investimentos dos recursos públicos e acirramento da desigualdade, são umas de suas principais marcas. 8 Tomando por base o conceito de Dias (1997, p. 14), o processo de reestruturação produtiva diz respeito à permanente necessidade do capital de dar respostas as suas crises. Para tanto, é necessário “redesenhar não apenas a estruturação econômica, mas, sobretudo, reconstruir permanentemente a relação entre as formas mercantis e o aparato estatal que lhe dá coerência e sustentação”. 9 Segundo Dupas (1996/97, p. 5), a terceirização/externalização “é um mecanismo eficaz para transformar custos fixos de produção em variáveis”. De maneira que as grandes empresas pagam ao fornecedor o número de peças, os pratos de refeições servidos e as horas efetivamente trabalhadas. Entretanto, os defeitos nos produtos, absenteísmo e ociosidade passam a ser, inerentes e de responsabilidade, dos trabalhadores terceirizados. 26 (Ver APÊNDICE A). Ao cruzarmos os dados, constatamos que os CRAS-África e CRAS-Salinas, ambos localizados na zona Norte de Natal, se destacaram em relação ao número de cursos realizados; já os CRAS-Pajuçara e Guarapes realizaram o maior número de atendimentos. Feito isto, a fim de diversificar a amostra, decidimos expandir a pesquisa em zonas distintas dessa Capital. Assim, o lócus da pesquisa empírica compreenderia, inicialmente, as zonas Norte e Oeste, os quais correspondiam aos CRAS-Pajuçara e CRASGuarapes, respectivamente. Entretanto, frente aos longos cinco meses de espera, por um “parecer” favorável do Comitê de Ética da UFRN e, mediante outras interpolações que eclodiram no transcorrer do percurso dessa pesquisa, a exemplo da dificuldade de acesso ao CRAS-Guarapes, haja vista a distância do bairro, além do tempo-limite de que dispúnhamos para concluir o mestrado, optamos por trabalhar somente com um CRAS. Elegemos o que está localizado no Bairro Pajuçara, zona Norte do Natal, como campo empírico da referida pesquisa. Frente a todas essas interpolações, decidimos focar as análises no CRAS-Pajuçara por termos iniciado, antes mesmo da aprovação do Comitê, as primeiras aproximações ao nosso objeto, no espaço socioinstitucional do referido CRAS. Nesse percurso, também pré-selecionamos os sujeitos da pesquisa e traçarmos estratégias para a localização dos entrevistados. Optamos também por trabalhar no espaço socioinstitucional do CRAS, porque nele se inserem no Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), tendo como uma de suas matrizes a atenção a todos os membros da família (mulher, idoso, jovem, criança e adolescente), e principalmente, por serem oferecidos nesses espaços, cursos profissionalizantes, a fim de “preparar” e/ ou “qualificar” a população usuária dos serviços dos CRAS, no enfrentamento da pobreza e desemprego. Aqui é pertinente esclarecer que esse não é o papel dos CRAS, nem muito menos, o que propõe os princípios e diretrizes da Política de Assistência Social. Assim, frente ao discurso ideológico da empregabilidade, cabe-nos investigar a quem, de fato, esse discurso atende e interessa. Seria mesmo, fazer frente ao desemprego e pobreza, ou fazer desse discurso, mais uma estratégia funcional a reprodução e acumulação do capital? Frisamos ainda que o interesse desta pesquisa não foi investigar todas as demandas e sujeitos, partícipes das ações desenvolvidas nos CRAS, mas direcionar, o nosso teor investigativo, aos sujeitos que vagam de emprego em 27 emprego (pela via de atividades informais) e buscam nos CRAS, a materialização dos “cursos profissionalizantes”, como uma saída possível de superação ao desemprego. Para tanto, demarcarmos como recorte temporal da pesquisa empírica, os cursos profissionalizantes realizados no CRAS-Pajuçara, no intervalo de janeiro de 2010 a julho de 2011. Salientando que tal recorte temporal se deu por termos iniciado a coleta das informações, no referido CRAS, nesse intervalo. Do mesmo modo, por considerá-lo suficiente para abstrairmos as informações necessárias acerca do tema investigado. As bases empíricas desta pesquisa foram viabilizadas por um recorte da realidade concreta de 10 sujeitos, partícipes dos serviços do CRAS-Pajuçara, lócus dessa análise, o qual é subsidiado e operacionalizado pela equipe da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS), no Município do Natal, através do Departamento de Qualificação Profissional (DQP). Esses dez sujeitos foram pré-selecionados, dentre os participantes dos cursos profissionalizantes do CRAS-Pajuçara, no período de 2010 a 2011. Registramos ainda que, as entrevistas da pesquisa em foco foram realizadas entre os meses de março a abril de 2012, e cada uma delas, teve, em média, 1 hora de duração. Utilizamos o recurso de gravação de áudio, com prévia autorização das entrevistadas, sendo formalizadas através da assinatura do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE) e, subsidiadas por anotações e informações in loco. (Ver APÊNDICE B). A questão central que circundou essa pesquisa refere-se aos cursos profissionalizantes, no processo de inserção dos usuários do CRAS-Pajuçara, no trabalho informal. Buscou também apreender que direção social orienta as ações desenvolvidas com os usuários do CRAS/RN. Frente a isto, questiona: tais ações os libertam? Ou os escravizam, alienam e degradam? Partimos da premissa que as referidas indagações têm lastro no processo de contradição, reprodução e acumulação, inerente ao sistema econômico vigente. Tais indagações, já nos sinalizaram para uma constatação: mesmo que o produto final dos cursos profissionalizantes seja a inserção no mercado de trabalho, eles não “libertam” a classe trabalhadora das engrenagens alienantes e degradantes, intrínsecas à relação capital-trabalho. Portanto, o produto final desses cursos: seja o trabalho formal ou informal, não pode ser apreendido como via ou saída ao desemprego, já que a sua idealização e criação não busca em sua essência tal 28 saída, mas sim, encontrar formas de dar funcionalidade e dinamicidade ao sistema, ajustando as engrenagens que estão a margem e que, dessa perspectiva, precisam se adequar a ordem, mesmo que de forma subalternizada e precária. A perspectiva teórica que adotamos para a construção e apreensão do objeto de estudo se fundamenta na perspectiva histórica e de totalidade inaugurada por Karl Marx, por ser, até agora, a nosso ver, a única perspectiva teórica, capaz de apontar às contradições inerentes ao modo de acumulação, espoliação e dominação da sociedade capitalista. Na tentativa de nos aproximarmos da realidade pesquisada, nos reportamos à análise quali-quantitativa, por entendermos que não há uma dicotomia entre elas, mas sim, uma fusão dialética no processo de pesquisa, de maneira que uma não exclui a outra. Embora haja, no âmbito da pesquisa social, a predominância de uma modalidade sobre a outra, sem, portanto, resultar em prejuízos na relação dialética entre ambas. Recorremos aos estudos de Santos e Gamboa (2007) para ratificar a viva relação dialética, e não de incompatibilidade, entre as referidas modalidades de análise, no âmbito da pesquisa social, assim expressas: [...] os métodos quantitativos e qualificados não são incompatíveis, pelo contrário, estão intimamente imbricados e, portanto, podem ser usados pelos pesquisadores sem caírem na contradição epistemológica (SANTOS; GAMBOA, 2007, p. 51). A presente pesquisa contou ainda, com análises bibliográficas (forma convencional e via acesso eletrônico), entrevistas semiestruturadas, mediante o uso de questões abertas e fechadas; além da utilização de dados quantitativos secundários (quadros, tabelas e estudos estatísticos). No cumprimento da análise, utilizamos como ferramenta para coleta de dados, entrevistas semiestruturada, direcionadas aos participantes (pré- selecionados) dos cursos profissionalizantes, realizados no CRAS-Pajuçara. Salientando que, as entrevistas foram, previamente, subsidiadas por um roteiro de questões, contendo perguntas abertas e fechadas. O modelo de roteiro elaborado para essa pesquisa possibilitou-nos abstrair dados quantitativos, normalmente apresentados em tabela e números percentuais, com o objetivo de subsidiar a 29 construção do perfil sociodemográfico das famílias usuárias do CRAS-Pajuçara. (Ver APÊNDICE C). Além disso, no corpo desse trabalho, expomos grande parte das falas das entrevistadas, a fim de torná-las mais visíveis e inteligíveis ao leitor, que não acompanhou o momento da realização das entrevistas e nem a compilação dos seus dados. De maneira que oportunizasse uma melhor apreciação do leitor com as análises tecidas e apresentadas neste estudo. Codificamos as falas das entrevistadas, com as letras do nosso alfabeto, variando de “A a J”. Elegemos esse código, de modo aleatório, visando garantir um tipo de identificação das falas dos entrevistados, e de mesmo modo, preservar o sigilo de suas identidades originais, tal como nos propusemos ao Comitê de Ética da UFRN. A estratégia de usarmos o roteiro de entrevistas se deu na tentativa de formularmos questões que possibilitassem alcançar ou nos aproximasse dos objetivos traçados na pesquisa. Através das falas dos sujeitos, partícipes dos cursos profissionalizantes do CRAS-Pajuçara, buscamos analisar se tais cursos contribuem para a inserção desses sujeitos no trabalho informal, apreendendo assim, algumas verdades e equívocos que circundam essa tênue relação. Por tratar-se também de uma pesquisa documental, partimos de textos de várias naturezas: textos de referências conceituais, históricos, informações institucionais, estudos técnicos e relatórios estatísticos. Dentre as diversas técnicas, indicadas como metodologias de uma pesquisa social, optamos fazer uso de “notas de campo”, a fim de nos subsidiar na sistematização das informações quanto à materialização dos cursos profissionalizantes, no âmbito do CRAS-Pajuçara. Entretanto não conseguimos fazer uso dessa técnica, para esse fim, tal como planejamos. Uma das primeiras dificuldades, durante a fase da pesquisa empírica no CRAS, foi que nenhum curso profissionalizante fora realizado. Nisto, registramos anotações (diário de campo) referentes à dinâmica do CRAS, bem como algumas impressões vivenciadas na coleta das entrevistas, mas as sinalizações para o uso dessa técnica fora pensado, inicialmente, no acompanhamento dos cursos. O percurso trilhado na busca por respostas, da apreensão da essência, a partir da aparência e do movimento de ida e volta ao real se mostrou para nós um tanto desafiador, instigante, desconcertante e surpreendente. Nele, reconhecemos que adentrar no universo do objeto pesquisado, e por tratar-se de um “solo teórico já 30 explorado”, exigiram da pesquisadora, persistência nas “escavações teóricas”, coragem e afinco no trato da aproximação do real, além de disciplina e vontade, na tentativa de apreender as minúcias que constitui o objeto investigado. Entendendo que “a realidade é sempre infinita” (LÖWY, 2008, p. 16), portanto, inesgotável, a realidade social deve ser analisada como uma totalidade contraditória e articulada. Deste modo, não se pode entender um fenômeno ou qualquer dimensão da vida social, sem considerar o princípio teórico-metodológico da totalidade, historicidade e contradição. Iniciamos a quarta seção deste trabalho dissertativo, apresentando aspectos estruturais e o índice sociodemográficos da cidade do Natal, bem como tentamos elevar as suas belezas e riquezas naturais, as quais trazem vida e admiração aos olhos de quem a vê. Entretanto, para além do deslumbre e contemplação de imagens ditas “cartões postais” da capital, há uma realidade complexa, perversa, feia, sem cor e brilho. Essa não aparece nos encartes de propaganda ou slogans para atrair turistas. Tal é o cenário com o qual nos deparamos na realidade cotidiana da comunidade do Pajuçara, campo empírico dessa pesquisa. Semelhantes aos demais bairros periféricos da capital, ali também residem, os que mais sofrem com as agruras da pobreza, ineficiência ou quase inexistência de serviços públicos, gratuitos, contínuos e de qualidade. Na perspectiva de aproximação ao objeto em análise, adentramos no Bairro Pajuçara imbuídas de expectativas diversas. O medo do que iríamos encontrar em um bairro pouco conhecido pela pesquisadora, uniam-se as muitas incertezas do universo institucional. Como seríamos recebidos? Tanto pela comunidade quanto pela equipe do CRAS? Encontraríamos ali, as saídas e sinalizações necessárias para o arcabouço do objeto em análise? Somada a todas essas apreensões, o referido bairro, deixou-nos marcas profundas, frutos da violência urbana, sendo, pois, cenário da morte de um amigo, no ano de 2009. O que durante a fase da pesquisa empírica, remontou a dor de uma perda, aguçou saudades de um “irmão-camarada”, que aos 24 anos teve sua vida violentamente ceifada, de modo fútil e injustificável... Neste emaranhado de expectativas, temores e questionamentos, realizamos os primeiros contatos com o nosso universo empírico, o CRAS-Pajuçara, nos últimos meses de 2010. Até que em face das muitas idas e vindas ao real, o objeto em análise ganhava “corpo, direção e formato”. 31 Assim, na tentativa de apreender o real, partimos do pensamento de Yazbek (2012, p. 292) no trato da aproximação do universo empírico: Abordar aqueles que socialmente são constituídos como pobres é penetrar num universo de dimensões insuspeitadas. Universo marcado pela subalternidade, pela revolta silenciosa, pela humilhação e fadiga, pela crença na fidelidade das gerações futuras, pela alienação e resistência e, sobretudo pelas estratégias para melhor sobreviver, apesar de tudo. Em face desse entendimento, no que concerne a fase das entrevistas, essa transcorreu de modo inusitado, não planejado, mas surpreendente e enriquecedor. Haja vista que, frente aos muitos percalços enfrentados juntos ao Comitê de Ética da UFRN, protelamos mais do que o previsto, o contato com os sujeitos da pesquisa. Agregado a isto, contávamos realizar as entrevistas na própria unidade do CRAS, no entanto, tivemos dificuldades em contatá-los, através dos endereços e contatos viabilizados nas fichas de cadastro do CRAS-Pajuçara. Isso, porque muitos deles mudam frequentemente de endereço e não atualizam os novos dados junto a Instituição. Então, a saída possível para encontrarmos os sujeitos dessa pesquisa, fora “lançar à sorte” e sair em busca deles, tendo como norte, apenas, o endereço do cadastro e um “mapa guia” do Bairro-Pajuçara. Desse momento externamos: “mais difícil que delimitar o objeto em análise, é localizar os sujeitos da pesquisa”, tamanho era o interesse em encontrálos. Somente, a partir da primeira entrevista marcada e realizada, “a maré foi baixando”, e entre um contato aqui, uma indicação acolá, e após longas andanças em vielas, ruas e avenidas do Bairro-Pajuçara, os sujeitos foram sendo localizados e as entrevistas concretizadas. Sobre os sujeitos desse estudo, reportamo-nos a Zaluar (1985, p.15), para dizer: [...] Se nada nos garante o direito de perturbar-lhe a vida no espaço que eles concebem como o de sua liberdade (a casa, o bairro), só nos resta concluir que contamos também com a paciência e a generosidade do nosso objeto. Nesse processo de construção, fazemos menção à presteza, receptividade e adesão das entrevistadas a presente pesquisa, o que muito contribuiu para as análises e aproximação dos objetivos elencados. Assim, a aproximação da vida desses sujeitos, aguçou reflexões substanciosas em torno do 32 objeto proposto. Suas lutas diárias frente à pobreza, o desemprego e o descaso diante da problemática da segurança pública foram questões mais evidenciadas e percebidas naquela comunidade. Além disso, os “muros invisíveis” do tráfico de drogas também têm vez, comando e espaço no referido bairro. Cenas de um sábado ensolarado, ainda estão vivas em nossa memória, quando na busca por mais uma entrevista, adentramos na chamada “Baixada do Pajuçara”, ou seja, um dos “guetos do tráfico”, e como muito temor, sentíamo-nos “vigiados” por olhares firmes e “amarelados”, enquanto localizávamos a residência de mais uma entrevistada. O medo da pesquisadora se acentua, ao se deparar com uma escolta policial que, naquele momento, checava uma denúncia de “ponto de droga”. Situação corriqueira para os que ali residem, mas para a pesquisadora, tratava-se de um estopim da violência, prestes a desvencilhar a qualquer momento. Até que, um pouco mais a adiante da “batida policial”, ouvimos o chamado da entrevistada a qual estávamos à procura, que disse: “entre, entre, minha filha”. Ao nos proteger por trás de um muro de concreto, experimentamos certo alívio. Esperamos a “poeira baixar” e, só assim, começamos a entrevista. Registramos que as demais entrevistas transcorreram de modo tranquilo e sem nenhum temor e tremor a vista. Durante as entrevistas, ouvimos dramas diários, tendo o cuidado de não nos levar pela piedade e muitas solicitações, que desemboca das relações firmadas no paternalismo e assistencialismo, ao mesmo tempo em que, recusa a dignidade deles (ZALUAR, 1985). Ao nos apresentar como assistente social, diversos questionamentos nos eram feitos, quase sempre em torno de orientações e esclarecimentos da oferta dos cursos profissionalizantes, condicionalidades e benefícios do Programa Bolsa Família. É interessante acrescentar que, em quase todas as entrevistas in loco tivemos que ratificar que o nosso papel, naquele momento, era de pesquisador e não fiscalizador dos programas de transferência de renda. Recordamos do eco de alguns companheiros das entrevistadas, feito durante a “escuta” das informações dadas, assim dizerem: “mulher tu vai é perder o benefício”. Isso nos revelou que, o usuário do CRAS, compreende que a garantia do benefício socioassistencial está condicionado a sua condição de pobreza acentuada, portanto, qualquer informação que contrarie isso, implica em seu desligamento no Programa. Nisto, observamos o 33 medo aparente, por parte dos companheiros das entrevistadas, que elas relatassem algo que comprometesse o recebimento do benefício. A referida reação nos suscitou a pensar: que iniciativa estatal é esta que amedronta e engessa os seus usuários? Os obriga e constrange a dizer até quanto ganham e como administram o seu rendimento mensal? Categoricamente, podemos afirmar: esse não é o modelo de política social pelo qual o Serviço Social brasileiro defende e luta. Muito embora, práticas semelhantes a essas, ainda contornam os moldes da assistência social na conjuntura atual, inclusive, na capital natalense. É preciso, então, posicionar as políticas sociais para além da “gestão da pobreza”, aliás, teceremos algumas incursões sobre isto ao longo deste trabalho dissertativo. A exposição dos resultados alcançados com o objeto de estudo desta pesquisa estará estruturado e organizado em cinco seções. Sendo que nessa primeira seção, além de contar com os pontos introdutórios, aqui apresentados, estão expostos os objetivos elencados nessa pesquisa, além da justificativa que nos levaram a dedicar-nos ao tema proposto. Na segunda seção, abordamos algumas considerações sobre a questão social e a pobreza no Brasil, ao mesmo tempo em que, buscamos apreender os efeitos da crise do capital e suas implicações nas políticas sociais na conjuntura brasileira. Na terceira seção, ainda na busca em nos aproximar do nosso objeto de pesquisa, debruçamo-nos em apreender, o que consideramos o pano de fundo desse estudo: as implicações das verdades e equívocos que permeiam o discurso da empregabilidade o qual ganha cena no campo da assistência social. Para tanto, trouxemos para o debate a atuação do Estado na trajetória da assistência social, como também apresentamos incursões referentes à problemática do trabalho informal, para assim tratar da curiosa interface entre a informalidade e a assistência social, buscando identificar se essa relação, de fato, é funcional aos interesses do capital e quais elementos constituem tal afirmativa. Na quarta seção, discutimos, particularmente, a dinâmica do CRASPajuçara. Revelamos à materialização das ações no referido CRAS, no município natalense, seus dilemas e desafios, postos frente às precariedades, limites e possibilidades no exercício da Política de Assistência Social. Elucidamos ainda, através da elaboração do perfil sociodemográfico dos usuários do CRAS, quem são e como vivem os sujeitos sociais, os quais vivenciam, cotidianamente, as agruras da 34 pobreza acentuada, em um cenário, em que o Estado pouco aparece e quando o faz, aparece de modo residual, pulverizado e insipiente. E, por conseguinte, na quinta e última seção, teceremos as nossas considerações finais do estudo proposto. Ressaltamos que a realização da pesquisa empírica, deste estudo, não poderia ser concretizada, sem a disponibilidade das entrevistadas, usuárias dos serviços do CRAS-Pajuçara. Desses sujeitos sociais, apreendemos relatos emocionantes, outros surpreendentes e até estarrecedores, frente às condições de privações de vida que muitos deles vivenciam. Porém, dotados de autenticidade e sinceridade, a esses devemos total reconhecimento, gratidão e respeito. Frisamos ainda que os relatos apresentados, bem como a análise dos dados empíricos, não serão tratados com a intenção de tecer nenhum julgamento de valor aos profissionais inseridos na dinâmica do CRAS, nem muito menos, culpabilizar a classe aviltada pela pobreza, que a esse espaço institucional recorrem, em busca de respostas e aquisição de seus direitos. Contrariamente a isso, o presente estudo visa refletir, de maneira geral, sobre a efetividade dos cursos profissionalizantes oferecidos aos usuários da assistência social, e os desdobramentos dessa intervenção estatal, no enfrentamento da pobreza e desemprego, na conjuntura natalense. Com efeito, frente às mudanças do mundo do trabalho e no cenário atual, no qual as políticas sociais veem sendo ameaçada, esta pesquisa pode contribuir, na discussão do Serviço Social brasileiro, pois possibilitará, além da apreensão de novos determinantes que eclodem nos contornos da pobreza e se estabelecem na lógica do capital, desvela através dos resultados da pesquisa empírica, no espaço socioinstitucional do CRAS-Pajuçara, as verdades e equívocos que permeiam a Política de Assistência e trabalho informal, no município do Natal/RN. Outrossim, oportuniza trazer para o debate a (não) atenção que o Estado tem dado, aos trabalhadores, usuários dos CRAS, a partir da materialização do SUAS, no tocante ao enfrentamento da pobreza e desemprego descomunal, em tempos de crises do capital. 35 2 A QUESTÃO SOCIAL E A POBREZA NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência. (Karl Marx) Tratar a questão da pobreza e da desigualdade na sociedade capitalista, sociedade que tende a despolitizar e naturalizar tais fenômenos configura-se como um grande desafio. Isso porque, na sociedade brasileira, as ações relacionadas à questão da pobreza e da inclusão precária de milhares de pessoas via políticas sociais, se mostram ainda tímidas e focalizadas, desse modo, abrem espaço para práticas filantrópicas cada vez mais expressivas. Diante disto, partimos da discussão do surgimento da questão social nas formações sociais capitalistas e, em particular no Brasil, para buscarmos evidenciar as mudanças, avanços, limites e possibilidades que circundam as estratégias de “enfrentamento da pobreza” pela via das políticas sociais. 2.1 DO PAUPERISMO À EMERGÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL Considerando pobreza10 e desigualdade inerentes a constituição da questão social, tomamos essa última como categoria de análise na perspectiva de desvendar sua particularidade na realidade social brasileira. Compreender o modo como a sociedade (re)produz a vida e as relações sociais de produção é condição fundamental para o desvelamento da (re)produção da pobreza e desigualdade social na contemporaneidade. Ao analisar o surgimento da expressão “questão social”, Netto (2001a) afirma que esse termo existe há cerca de 170 anos, e começa a ser utilizado, por 10 Para Martins (1991), a pobreza excede as carências de bens materiais. É, portanto, uma categoria política que se revela pela carência de direitos, possibilidades e de esperança. O Relatório do Programa das Nações Unidas (PNUD), divulgado em 2010 sobre a medição da pobreza expressa que “as medidas relativas ao dinheiro são obviamente importantes, mas é necessário considerar as privações noutras dimensões e respectivas sobreposições, em especial porque as famílias com várias privações se encontram provavelmente em piores situações do que as medidas de pobreza de rendimento sugerem” (PNUD, 2010, p. 99). 36 volta da terceira década do século XIX. Eclode, para dar conta do fenômeno do Pauperismo, considerado como o fator mais evidente da história da Europa Ocidental, no momento em que se experimentavam os primeiros impactos da industrialização, mais precisamente na Inglaterra, em meados do século XVIII. O fenômeno do pauperismo refere-se à situação de empobrecimento em que se encontrava grande parte da população trabalhadora, no contexto da industrialização, na mesma proporção em se dava o aumento descomunal da riqueza. Assim, “a pauperização massiva da população trabalhadora constitui o aspecto mais imediato do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial” (NETTO, 2001a, p. 42). Com o capitalismo e o desenvolvimento da indústria, se acirra a exploração no mundo do trabalho. Mudam-se as relações de trabalho e as formas de sociabilidade. Sobre essa questão Netto (2001a, p. 42) vai dizer: [...] se não eram explícitas as desigualdades entre as várias camadas sociais, se vinha de muito longe a polarização entre ricos e pobres, se era antiquíssima a diferente apropriação e fruição dos bens sociais, era radicalmente nova, a dinâmica da pobreza que então se generalizava. Isso nos esclarece que no contexto da industrialização, a pobreza crescia em uma razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. De modo que quanto mais a sociedade se mostrava capaz de produzir bens e serviços, mais crescia o contingente de “despossuídos” das condições materiais de vida (NETTO, 2001a). Portanto, quanto mais a sociedade do capital se desenvolve, ou seja, produz bens e riquezas, em maior quantidade e diversidade, mais se intensifica a pobreza. Ainda no âmbito dessa questão, nos amparamos em Marx (1985, p. 209) para demonstrar que o pauperismo expressa: [...] o asilo dos inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e ambos constituem uma condição da existência da condição capitalista e o desenvolvimento da riqueza. Conforme sinaliza Marx (1985), sendo o pauperismo visto como resultado do desenvolvimento das forças produtivas é, pois, uma especificidade da produção 37 fundada nos interesses do capital. Dito isso, o estudo da pobreza não deve ser reduzida ao resultado da distribuição de renda, antes, deve ser associada diretamente ao processo produtivo que se instituiu na dinâmica do capitalismo. Em face da consolidação do modo de produção capitalista, a luta de classes representava uma ameaça à ordem instituída, quando os trabalhadores começaram a se organizar e reivindicar melhores condições de vida e salário. O protesto dos pauperizados também explicitava a indignação com as múltiplas formas de exploração no mundo do trabalho. A fase de mobilizações e protestos contrariava os interesses da ordem burguesa que se consolidava desde o início do século XIX, configurando-se, desta forma, como “uma ameaça real às instituições sociais existentes” (NETTO, 2001a, p. 43). Assim, o cerne da questão que designa a passagem do termo pauperismo para questão social, se dá a partir do inconformismo de exploração e dominação, instituída pelos pauperizados à ordem burguesa, somado a preocupação dos conservadores com a repercussão das reivindicações da classe trabalhadora. Sob essa ameaça, a ala conservadora-burguesa, logo procurou um termo que suavizasse a questão da pobreza, a fim de amenizar ou obscurecer os efeitos dela. A partir disso, é que o termo questão social passa a ser usado, inicialmente, pelo pensamento conservador, tornando-se conhecido também pelos pensadores de esquerda. Ainda sob essa perspectiva, o processo de acumulação capitalista, o aumento da produtividade operado, em parte, pela incorporação de aparatos tecnológicos tem engendrado mudanças na composição técnica e de valor do capital, haja vista, que reduz, proporcionalmente, o emprego da força viva do trabalho (IAMAMOTO, 2004). Essa incorporação técnico-científica, ao processo produtivo, contribui para automatizar a produção do trabalho e a rotação do capital, permitindo assim, uma ampliação na taxa de lucratividade, e desse modo, há concentração e centralização de capitais, impulsionados pelo crédito e pela concorrência. E nessa direção, se amplia a escala da produção, “reduz-se o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de mercadorias” (IAMAMOTO, 2004, p. 14), ampliando simultaneamente, o tempo de trabalho excedente ou mais-valia11. 11 Segundo Bottomore (1988, p. 227) “a extração da mais-valia é a forma específica que assume a exploração sob o capitalismo [...] em que o excedente toma a forma de lucro e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquido que pode ser vendido por mais do que ela 38 Nessa envergadura, a pobreza e miséria são fenômenos complexos e multifacetados, que dizem respeito a situações em que, em determinados contextos socio-históricos, as necessidades básicas não são atendidas de forma adequada. Segundo Mendonça (2003) são duas as linhas com as quais podemos conceituar a pobreza e a miséria. No que concerne à primeira, seria a condição na qual o indivíduo não detém a renda mensal necessária para arcar com os custos considerados mínimos à sua sobrevivência, como alimentação, moradia, transporte e vestuário. Estariam no patamar da miséria ou indigência, as pessoas cujo rendimento não supre nem a necessidade primária da alimentação. Cabe ratificar que as necessidades anteriormente indicadas são determinadas histórica e socialmente. Já a desigualdade social diz respeito não apenas a distribuição de produtos - embora tenha a “malha” da renda como a variante mais importante remete ao lugar que os indivíduos ocupam na sociedade regida pela exploração do trabalho (KRAYCHETE, 2005). Assim, tais noções permitem explicitar as condições de vida de uma parcela significativa da população brasileira que, por meio da venda de sua força de trabalho, não tem suas necessidades básicas atendidas. São fenômenos intrínsecos, portanto, à denominada questão social que: [...] diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho [...]. É indissociável da emergência do „trabalhador livre‟ que depende da força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais (IAMAMOTO, 2004, p. 17). É, pois, no contexto da Revolução de 1848, que a discussão sobre questão social, paulatinamente, perde força, tanto do ponto de vista do pensamento laico como das bases mais tradicionais da sociedade, e aos poucos foi sendo naturalizada. Netto (2001a), afirma que a explosão de 1848 não afetou somente as expressões ideais (culturais, teóricas, ideológicas) do campo burguês, mas feriu as bases da cultura política que norteava até então, o movimento dos trabalhadores. Um dos resultados dessa Revolução foi à “passagem em nível histórico-universal do recebe como salário”. Mais-valia é, portanto, o trabalho excedente realizado pelo trabalhador, sem que seja repassada pelo empregador remuneração equivalente ao que é produzido. 39 proletariado, da condição de classe em si à classe para si” (NETTO, 2001a, p. 44). A partir daí, os trabalhadores ascenderam no seu processo de luta à consciência política, percebendo então, que a questão social está diretamente relacionada à organização da sociedade burguesa. Cabe-nos afirmar, portanto, que os trabalhadores entenderam que somente a supressão dessa última conduz a supressão da questão social (NETTO, 2001a). Assim, o entendimento dos fundamentos da questão social, sua complexidade, seu caráter intrínseco ao desenvolvimento capitalista em todos os seus estágios, pressupõe a análise da “lei geral de acumulação”. Para tanto, reportando-nos a NETTO (2001a, p. 45), é preciso considerar que: O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a „questão social‟ – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da „questão social‟; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A „questão social‟ é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo Essa análise mostra-nos a estreita relação da questão social com a organização da produção capitalista, que gera exploração, competição e acentua a desigualdade na apropriação da riqueza socialmente produzida. Além disso, Netto (2001a) destaca que a questão social é continuamente gerada na relação capitaltrabalho, ou seja, sob o prisma da exploração. A partir dessas considerações, inferimos que, historicamente, a questão social relaciona-se à emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político por meio das lutas sociais, em defesa dos direitos trabalhistas, exigindo o seu reconhecimento como classe pelo bloco no poder, principalmente, pelo Estado. De fato, as lutas sociais contribuíram para o rompimento do domínio privado das relações entre o capital e o trabalho, expandindo a questão social para a área pública. Isso significou que os trabalhadores passaram a exigir a interferência do Estado no reconhecimento e legalização dos seus direitos como sujeitos sociais. Assim, as políticas sociais se desenvolvem, inicialmente, para dar respostas à questão social, mais especificamente, à mobilização da classe operária do século XIX em resistência à exploração do capital, como afirmam Boschetti e Behring (2006, p. 64): 40 O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século XIX como o período em que o Estado Capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade. Nesse contexto histórico, as políticas sociais se multiplicaram lentamente e se generalizaram no início do período da expansão do capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial, o qual teve como substrato a própria guerra e o fascismo (BOSCHETTI E BEHRING, 2006, p. 69). As classes dominantes percebem também que as ações sociais do Estado poderiam dinamizar a economia. Assim, na tentativa de encontrar formas para incrementar a rotação e manutenção do capital e, ao mesmo tempo, responder às reivindicações das classes trabalhadoras é desenvolvido os modelos de proteção social. Aqui é pertinente retornarmos ao receituário Keynesiano, cujo mentor Jonh Maynard Keynes, defendia que o equilíbrio entre oferta e demanda só seria assegurada se o Estado pudesse intervir ou regular a economia, a fim de garantir os gastos dos consumidores, investidores e do poder público. Para Keynes não era a liberdade do mercado que faria com que a oferta criasse a sua própria demanda, mas somente, as condições peculiares do “pleno emprego”, movido pelo mercado. Segundo Brandão (1991), isso significava que se uma dada economia se encontrasse com a produtividade inferior a capacidade de gerar trabalho na sociedade, o Estado, por meio de uma política econômica poderia elevar as taxas de produtividade. Essa política visava, então, o aumento de consumo, haja vista que a alta taxa de consumo, implicaria em incentivos de investimentos no âmbito da produção. Keynes, portanto, defendia a intervenção do Estado objetivando reativar a produção. Nisto, observamos que a defesa, por uma maior intervenção estatal na economia, exercia uma sincronia apenas do ponto de vista econômico. Assim, entendemos que o Estado com o Keynesianismo tornou-se produtor e regulador da economia, o que não significou o abandono do capitalismo, antes defendeu a liberdade individual (para o consumo) e a livre economia (para o mercado). 41 No entendimento de Keynes, o Estado, atuando como um agente externo em nome do bem-comum teria legitimidade para intervir por meio de um conjunto de medidas econômicas e sociais, visando disponibilizar meios de pagamentos e dar garantias aos investimentos, até mesmo, contraindo déficit público, para controlar o volume de moeda disponível e as flutuações econômicas. Sobre isso BEHRING e BOSCHETTI (2006, p. 8), ainda acrescentam: [...] cabe, portanto, ao Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão como estímulo à economia. O Estado, portanto, na perspectiva Keynesiana passa a ter um papel ativo na administração macroeconômica, ou seja, na produção e regulação das relações econômicas e sociais. Isso significa que, o “bem-estar” deveria ser buscado, individualmente, no mercado. Embora continue sendo legítima a intervenção do Estado na área econômica, a fim de garantir a produção, e no âmbito social, sobretudo, no atendimento das pessoas consideradas incapazes para o trabalho. Fruto dessa intervenção global permite-se e incentiva-se o incremento das políticas sociais. Assim, na busca pela otimização da produção, o Fordismo tinha como perspectiva combinar produção em massa com consumo de massa. Isso suscitava um novo sistema de reprodução da força de trabalho, aliada “a uma política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia”, ou seja, um novo tipo de sociedade, racionalizada e moderna (HARVEY, 1993, p. 212). Já Gramsci (2001), percebe o Fordismo para além da dimensão econômica, com seu impulso voltado ao processo de extração da mais-valia-relativa12. Para Behring e Boschetti (2006), a articulação existente entre o consumo de massa e produção em massa, incidiu no controle sobre a vida de consumo dos trabalhadores. De maneira que, em 1916, Heuri Ford contratou assistentes sociais para garantir esse controle objetivando “gerar entre os trabalhadores padrões de 12 É o que fez do capitalismo o modo de produção mais dinâmico de todos os tempos, transformando continuamente seus métodos de produção e introduzindo, incessantemente, inovações tecnológicas no processo produtivo. Deste modo, aumentos na produtividade e novos métodos de produção, nos quais o trabalho morto sob a forma de máquinas, assume o lugar do trabalho vivo e, reduzem o valor dos bens individuais produzidos. 42 consumo compatível com interesses da empresa” (HARVEY, 1993, p. 122). Isso, revela-nos que os métodos fordistas serão de fato adotados, no segundo PósGuerra, cujo objetivo principal era diminuir o tempo no âmbito da jornada do trabalho, otimizando assim, a valorização do capital. O Keynesianismo e o Fordismo constituem, portanto, os processos do capitalismo que dão fôlego ao chamado “anos de ouro” do capital. Porém, essa face de “prosperidade”, teve duração limitada e seu esgotamento se deu a partir da segunda metade dos anos 1960. Assim, o resultado de um conjunto de determinações, possibilidade políticas, econômicas e históricas dariam formato e vida ao Welfare State (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). No contexto Europeu, segundo Behring (2004), o Welfare State (Estado de Bem Estar-Social) significou o resultado da reconstrução para uma população dilacerada, inicialmente pela 2ª Guerra Mundial e, posteriormente, pela Guerra Fria13, sendo tencionada pelas lutas de classes, além da busca da consolidação do capitalismo. Nesse sentido, o esforço do Plano Marshall14 para que tal reconstrução tivesse êxito, combinou a acumulação do capital com os agravos da desigualdade social. Deste modo, os sistemas europeus de proteção, apenas refletem o caráter desigual do capital, mantendo as pessoas nas mesmas condições de miséria (ABRAHAMSON, 1995 apud BEHRING, 2004). Isso reitera o entendimento que não podemos analisar as políticas sociais, sem considerar sua dimensão econômica, política e social, ou seja, a partir de uma perspectiva de totalidade. À luz do pensamento de Pereira (2008), o Welfare State foi um fenômeno que se firmou em meados do século XX, como a instituição que daria resposta às necessidades sociais, agravados pela expansão do desenvolvimento capitalista. Tal fato foi impulsionado pela Revolução Industrial, haja vista a sua capacidade de 13 Esta designação refere-se ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mais precisamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1945) até a extinção da União Soviética (1991). Trata-se, portanto, de um período histórico de ordem política, social, econômica, militar, tecnológica e ideológica entre estas duas nações e suas zonas de influências. A disputa pelo controle das nações do mundo dava-se a partir da oposição de dois modelos de sociedade e de organização da produção: o capitalismo (EUA) e o socialismo (URSS). Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria. 14 Foi criado nos EUA em 1947, através de programas de ajuda econômica aos países europeus, logo após a Segunda Guerra Mundial, da qual resultou a destruição de muitos países da Europa, os quais precisariam de investimentos financeiros para se erguer economicamente. O Plano Marshall oferecerá investimentos financeiros para a reconstrução destes países, em contrapartida, será uma forma de fortalecer os interesses do capitalismo e a hegemonia dos Estados Unidos no continente europeu, evitando a expansão do Socialismo. A este respeito ver nota em: http://www.suapesquisa.com/guerrafria/plano_marshall.htm. 43 produzir bens materiais e atrair consumidores, além das mobilizações sociais pela conquista dos direitos (civis, políticos e sociais), os quais iam de encontro aos interesses da burguesia, que naquele momento, enfrentava uma fase de transição da antiga ordem feudal para o comando de ordem capitalista, o qual era regido pela produção mercantil e pela ideologia liberal. Corroboramos com a referida autora, ao dizer que “o Welfare State com suas políticas, seu aparato institucional, suas justificações teóricas e ideológicas e seu acervo técnico profissional é parte integral do sistema capitalista” (PEREIRA, 2008, p. 87). De maneira que, o modelo de proteção social, ancorado nos conceitos de seguridade social e cidadania estiveram arraigados nos rumos adotados pelo sistema capitalista, fundamentado nos princípios de acumulação, exploração e dominação. Seu surgimento está relacionado a diferentes estágios da produção, distribuição e consumo, além de diferentes e contraditórios interesses, os quais incluem o mercado, o Estado, o interesse dos trabalhadores e cidadãos em geral. Quanto ao conceito de cidadania, coadunamos com Oliveira (2002) a qual discute a cidadania no contexto da sociedade capitalista. Expõe que esta “diz respeito às formas de compreender a questão da desigualdade nesta sociedade e a luta de grupos e classes por participação no poder político e na riqueza social” (OLIVEIRA, 2002, p. 106). Assim, a referida concepção de cidadania torna a condição de cidadão compatível à desigualdade presente e inerente ao sistema capitalista vigente. Ainda no tocante ao Estado de Bem-Estar, entendemo-nos como um fenômeno fundamentado em interesses eivados de contradições, pois, ao mesmo tempo em que atende as demandas sociais, regula as forças do mercado, preservando os interesses da dinâmica da produção capitalista. Para Oliveira (1998, p. 19), o Welfare State “[...] constituiu-se no padrão de financiamento público da economia capitalista. O referido modelo pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde a partir de regras universais e pactuadas, o fundo público em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do capital de um lado, e de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente a população por meio de gastos sociais”. De igual modo, no campo social, a consequência mais emblemática da fase da organização capitalista foi à prevalência de uma economia em que o Estado 44 e mercado se articulariam e se co-responsabilizavam para fomentar e gerenciar as políticas do “Pleno emprego”, além de oferecer benefícios e serviços na perspectiva de assegurar melhorias nas condições de vida dos cidadãos. Para Offe (1991 apud PEREIRA, 2008), estes benefícios e serviços asseguravam: seguro social obrigatório, leis de proteção do trabalho, instituição do salário mínimo, serviços de saúde, educação e programas de habitação. Entretanto, tais iniciativas estatais, nem de longe alteraram a estrutura da organização burguesa e tão pouco, as relações de interesses do modo de produção capitalista. Registramos aqui que, dentre os ganhos e perdas oportunizadas à classe trabalhadora na vigência do Welfare State, essas se deram em um cenário de efervescentes lutas sindicais, como também expandiam e multiplicavam as conquistas no campo dos direitos. Evidenciando assim, a importância dos movimentos sociais na consolidação dos direitos da classe trabalhadora. O que existe, de fato, é uma junção de forças antagônicas, capazes de enfrentarem qualquer problema que ameaçasse a ordem capitalista. Contudo, esta junção apresentou também limites. Segundo Offe (1991 apud PEREIRA, 2004, p. 136) tal parceria funcionou por trinta anos como “a mais importante fórmula de paz para as democracias capitalistas desenvolvidas”. Não obstante, a partir de 1973, essa “fórmula de paz” foi atingida pela crise do sistema capitalista que entrou em uma profunda recessão, com altas taxas de inflação e baixo crescimento econômico atingindo o Keynesianismo. (PEREIRA, 2004). A crise do capitalismo dos anos 1970 se firma através de vários mecanismos de restrição à satisfação das necessidades sociais, porém, isso se dá sem abrir mão das políticas sociais, através das quais também se responde as clivagens e demandas sociais. Pereira (2008) elucida que o enfraquecimento ou a desestruturação da força sindical contribuiu para a redução ou o desaparecimento das políticas do Welfare State (Estado de Bem-estar), contribuindo para o retorno as políticas liberais do Workfare (Estado do trabalho), até a consolidação das políticas neoliberais que tão fortemente ainda se alastram e firmam suas bases, nos dias atuais. Isso significava o retorno à chamada Workhouse (Casas de trabalho) britânicas, instituídas nos EUA, no segundo pós-guerra, através da qual a proteção social deveria ser condicionada pela capacidade dos cidadãos realizarem um trabalho efetivo (PEREIRA, 2008). 45 Conforme afirma Pereira (2004), insere-se neste contexto, à busca por uma operacionalização eficiente das políticas sociais através da “tríplice aliança”: Estado, mercado e terceiro setor. Comparecendo o Estado com o recurso de poder; o mercado com o dinheiro; e o terceiro setor com a solidariedade. Aliás, em sintonia com a análise profícua de Montaño (2010) sobre “terceiro setor”, tal conceito confunde mais do que esclarece, uma vez que esse termo pressupõe segregar a realidade social em três esferas ou setores: Estado, mercado e “sociedade civil”. O primeiro setor (Estado) estaria relacionado ao aspecto político; o segundo (mercado) ao aspecto econômico; e o “terceiro setor” (sociedade civil) estaria atrelado ao aspecto social. Assim, contrária a aparente linearidade e complementariedade existente entre Estado-mercado-terceiro-setor, concordamos com Montaño (2010, p. 186): [...] o que é chamado de „terceiro setor‟, numa perspectiva crítica e de totalidade, refere-se a um fenômeno real, ao mesmo tempo inserido e produto da reestruturação produtiva do capital, pautado nos (ou funcional aos) princípios neoliberais: um novo padrão (nova modalidade, fundamento e responsabilidades) para a função social de respostas à questão social, seguindo os valores de solidariedade local, da auto-ajuda e da ajuda mútua. Tal inferência revela-nos que a forma como a “Tríplice aliança” está conceituada, obscurece o verdadeiro sentido que a constitui. É como se a realidade social, tão complexa, diversa e multifacetada, pudesse coexistir separada ou desarticulada de todos os determinantes que a fomenta, a exemplo do processo histórico da reforma do capital, em suas sucessivas crises, dimensões e efeitos. No Brasil, segundo Behring (2004), a economia e a política brasileira, no início do século XX sofrem fortemente os embates dos acontecimentos mundiais 15 que ocorreram nas três primeiras décadas do século XX, a saber: a organização sindical da classe trabalhadora; a Revolução Russa de 1917 com influência na fundação do Partido Comunista Brasileiro. Especificamente no Brasil, tivemos a Semana de Arte Moderna que teve repercussões importantes no modelo de produção e societário da época; as greves e mobilizações populares em recusa à ditadura Vargas e na busca de respostas à questão social. 15 Sobre os rebatimentos desses acontecimentos mundiais no Brasil e no âmbito das políticas sociais ver Behring (2004). 46 A Crise econômica de 1929 teve como principal repercussão à expansão acelerada das relações capitalistas no país, com intensas implicações para as classes sociais, para a ação do Estado e nas respostas à questão social (BEHRING, 2004). Esses e outros acontecimentos no contexto mundial tiveram repercussões significavas nas (re)definições e no gerenciamento das políticas sociais no Brasil. Para Sposati (et al, 1985, p. 41), historicamente, o Estado se apropria não só da prática assistencial como expressão de benemerência, como também “catalisa e direciona os esforços de solidariedade da sociedade civil”. Nesse sentido, as políticas sociais em geral, dentre elas a assistência, constitui um mecanismo utilizado pelo Estado na tentativa de conter o processo de organização e reivindicação da classe trabalhadora por melhores condições de vida e trabalho e, desta forma, objetiva conter o agravamento da pobreza e das condições de vida da classe trabalhadora. No entanto, os organismos da sociedade civil, em especial, aqueles ligados à igreja, foram acionados pelo Estado a fim de realizar essa “missão”. Percebemos então, o interesse por parte do Estado em atribuir à sociedade civil o papel e a responsabilidade no trato do “agravamento” das expressões da questão social. Assim, ao longo dos tempos, alguns serviços sociais vão sendo incorporados como responsabilidades públicas16 e dentre elas - a assistência. De modo que, com a expansão do capital e a pauperização da força do trabalho, a assistência social é apropriada pelo Estado sob uma dual contradição: ao mesmo tempo em que, privilegia os interesses políticos e econômicos da classe dominante, busca dar conta das condições de pauperização da classe trabalhadora (SPOSATI et al, 1985). Salientamos que a responsabilidade atribuída ao Estado para atender às necessidades sociais da população foi resultado de intensas lutas e mobilizações da classe trabalhadora, através das quais se fizeram ouvir e garantir direitos sociais de diversos segmentos da população. Pereira (2004) trata da Política de Bem-Estar-Social, enfocando a fase do processo de transição do padrão social do Estado de Bem-estar, para outro modelo que se consolidou nas sociedades capitalistas centrais, em meados de 1970, quando o regime de acumulação keynesiana-fordista entra em crise. Em síntese, 16 Como já assinalamos, o processo de organização da classe trabalhadora foi exigindo do Estado respostas as suas necessidades. Portanto, este processo de crescimento da prestação de serviços sociais por parte do Estado, não foi um processo “evolutivo” foi, na verdade, cercado por inúmeros conflitos. 47 trata-se da substituição de um modelo de Bem-estar que tem o Estado como protagonista no gerenciamento e manutenção das políticas sociais, por um modelo que cada vez mais, torna diminuta, a centralidade do Estado na execução das políticas sociais, e abre espaço para a participação do mercado e da sociedade civil nas deliberações e promoção das políticas sociais. Considerando a formação socioeconômica e política da sociedade brasileira, Itaboraí (2005) afirma que o Brasil não chegou a constituir um Estado de Bem-estar. Mais grave ainda, a partir dos anos 1980, são observados retrocessos políticos consubstanciados na forma avassaladora como o modelo econômico regido pela política neoliberal afeta as políticas sociais em escala global. Outrossim, a afirmação dos direitos sociais na sociedade brasileira é recente, data do fim dos anos 1980, a partir da promulgação da Constituição Federal de 198817. A despeito desse avanço, a dimensão formal dos direitos se depara com a implementação da política neoliberal, o que resulta em uma incompatibilidade crucial, considerando a dimensão objetiva da garantia dos direitos sociais, decorrente da relação capital-trabalho e da reconfiguração do papel do Estado, neste contexto. Nessa perspectiva, a partir dos anos 1990, no contexto de avanço das orientações de cunho neoliberal no Brasil, temos o desmonte do Estado com profundos rebatimentos no desenho e na implementação das políticas sociais, resultando em sua precarização. Atribui-se, então, ao mercado o papel de regulador e mantenedor da questão social. Somente quando o mercado não for capaz de responder às demandas sociais é que o Estado é acionado. Assim, é nesse cenário de embates, avanços e retrocessos que se assenta a discussão da questão social e como se (re)define as estratégias, criada pelo capital, para enfrentá-la. Para tanto, se faz necessário analisar como a questão social se expressa no cenário atual. 17 A Constituição de 1988 prevê, entre outros direitos sociais, a organização da Seguridade Social, política social formada pela saúde (pública), previdência social (contributiva) e assistência social (para quem dela necessitar). Além disso, prevê direitos sociais para os grupos sociais considerados mais vulneráveis como mulheres, crianças e adolescentes e idosos. 48 2.2 NOVAS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UM CONCEITO QUE SE RENOVA Segundo Iamamoto (2004), a “questão social vem sendo objeto de um violento processo de criminalização que atinge diretamente as classes subalternas” (IANNI, 1992 apud IAMAMOTO, 2004, p. 17). Com efeito, tal criminalização revela uma forma de atuação repressiva por parte do Estado como forma de amenizar as tensões sociais. As expressões tradicionais da questão social se ampliam, deflagram novas manifestações de desigualdade e pobreza, que ganham novas matizes e se expressam a partir da informalidade que atinge vastos setores das classes médias da população; o desemprego estrutural como realidade concreta para milhares de trabalhadores; as formas precárias de moradia e a naturalização da violência. Para Iamamoto (2004, p. 17): [...] a tendência a naturalizar a „questão social‟ é acompanhada da transformação de suas manifestações em objeto de programas assistenciais focalizados no „combate a pobreza‟ ou em expressões da violência dos pobres, cujas respostas são a segurança e a repressão oficiais. Isso significa um retrocesso haja vista que, no passado, a questão social foi objeto de intervenção da polícia18. Do mesmo modo, atualmente, ao invés de termos uma ação do Estado no atendimento às necessidades básicas da classe operária e de outros segmentos da sociedade, temos ações que criminalizam e culpabilizam à população por sua situação de pobreza. Hoje, as propostas imediatas para enfrentar as expressões da questão social reafirmam o tipo de atuação focalista, repressiva e compensatória, através do reforço do braço coercitivo do Estado (IAMAMOTO, 2004). É neste cenário contraditório marcado pelo agravamento da questão social e pela redefinição da ação do Estado que o assistente social é chamado a intervir. Yazbek (2004) considera a questão social como elemento central na relação 18 A polícia ganha destaque no tratamento de expressões da questão social, a partir do início do século XX no Brasil, que passam a ser combatidas como “desvio moral”. Desse modo, aqueles que não se ajustam à “ordem social” estão sujeitos a ação “coercitiva do Estado” (IANNI, 1992, apud IAMAMOTO, 2004). A partir dos anos 30, com o governo populista de Vargas inicia-se uma série de medidas de políticas sociais e de controle do Estado sobre a população, adotando-se a fórmula: assistência e repressão. 49 entre a profissão de Serviço Social e a realidade social, marcada pela divisão da sociedade em classes, em que a apropriação da riqueza socialmente produzida é extremamente desigual. Para a autora, essa questão se reformula e se redefine, ao longo dos anos, mas permanece a mesma, por se tratar de uma questão estrutural, que não se resolve em uma formação econômica social por natureza excludente. Assim, atualmente, a questão social apresenta dimensões preocupantes assumindo novas configurações, agravadas pelas transformações das relações de trabalho, pela perda dos padrões de proteção social por parte dos trabalhadores e dos setores subalternizados da sociedade que veem suas conquistas e direitos ameaçados (YAZBEK, 2004). Citando Telles (1998, p. 15), destacamos o caráter contraditório das políticas sociais nos tempos contemporâneos, mostrando, por vezes, sua utilização para despolitizar a questão social. Nesse sentido, desloca a pobreza para o “lugar da não política, onde é figurada como um dado a ser administrado tecnicamente ou gerido pelas práticas da filantropia”. Essa despolitização, ao lado da destruição do caráter público e da redução dos direitos, submete especialmente os mais pobres do país ao sucateamento dos serviços públicos, à desqualificação das políticas sociais e ao desmonte dos direitos trabalhistas e sociais. Diante da inoperante ação estatal na promoção de serviços sociais, Yazbek (2004, p. 36) sinaliza-nos para uma tendência de retorno à filantropia, configurando o que a autora designa “refilantropização19 da questão social”. Deste modo, prevalece um Estado que não assume o seu papel, em favor dos direitos da classe trabalhadora, antes, privilegia os interesses do grande capital uma vez que se esquiva a exercer funções que a sociedade, através de seus próprios esforços, ou até mesmo pela ajuda mútua, possa assumir. É um Estado, portanto, em que as questões referentes à pobreza são alvo de uma ação inoperante, tímida e focalizada (YAZBEK, 2004). Segundo Castel20 (1998), com a intensificação da industrialização, em função das transformações no processo produtivo, mudanças significativas 19 Refilantropização é aqui entendida como a construção a partir das referências não políticas, mas de iniciativas morais de ajuda ao necessitado que não produzem direitos, não são judicialmente reclamáveis (RAICHELIS apud YAZBEK, 2004). 20 Para um estudo da “nova questão social”, sob a perspectiva deste autor, ver: CASTEL, R. A nova questão social. In: ____. As metamorfoses da questão social. Petrópolis: Vozes, 1998. Ressaltamos 50 ocorreram afetando sobremaneira o proletariado, conhecido então, como “miserável e subversivo”. Agrava-se a situação de pobreza, da agora denominada classe operária, que passa a se integrar na sociedade via emprego, consolidando o que o autor denomina “sociedade salarial”. Para Castel, a interpretação da questão social, tal como se manifesta nos dias atuais, deve ser feita “a partir do enfraquecimento da condição salarial” (CASTEL, 1988, p. 491). Nesse sentido, Castel considera que a “nova questão social hoje parece ser o questionamento dessa função integradora do trabalho na sociedade” (CASTEL, 2000, p. 239), uma vez que sua precarização põe em xeque a proteção e as garantias que passaram a ser vinculadas ao emprego. Na verdade, mesmo nas sociedades que vivenciaram o “quase pleno emprego”, e que vivem hoje situações de crescente desemprego, nos marcos da mundialização de dominância financeira (CHESNAIS, 1998), o trabalho ainda ocupa posição central na produção da vida material e nas formas de sociabilidade atual. Recorremos à análise de Netto (2001a) a fim de melhor entender como eclode a discussão sobre “a nova questão social” no âmbito do cenário sóciohistórico. Na vigência dos anos de 1960, o regime capitalista vivenciou uma conjuntura de crescimento econômico. Neste contexto de avanços e expansão econômica, a fonte promissora do capitalismo, o Welfare State que se constituía na Europa, aliado ao dinamismo da economia norte-americana, pretendia remeter para o passado a “questão social”, na tentativa de mascarar os efeitos desse fenômeno. O início dos anos de 1970 poria fim à onda de expansão e consolidação da ordem capitalista. Contribuíram para esta crise a redução nas taxas de lucro, fortemente impulsionado pela ascensão do movimento operário, o qual neste momento vivenciava significavas vitórias. Diante disto, o capital reagiu com uma ofensiva de origem política (repressiva) e econômica. Corroendo assim, o fundamento do Welfare State em vários países, em que o “capitalismo globalizado, transnacional e pós-fordista” (NETTO, 2001a, p. 47) mostrariam a sua “cara e efeito”, concatenado à barbárie, exploração e dominação. Iamamoto (2004, p.18) tecendo análise sobre esta discussão, expõe que a pulverização da questão social, típica da ótica neoliberal, culmina na que Castel enfatiza a função integradora do trabalho na sociedade e, neste sentido, analisa a sociedade atual a partir de uma perspectiva Durkheimeana. 51 “autonomização de suas múltiplas expressões - as várias questões sociais”, dificultando assim, o entendimento que a discussão da questão social é intrínseca a ordem social capitalista. A autora considera necessário apreender algumas mediações históricas que se dão no bojo da questão social no cenário contemporâneo. O quadro que se apresenta hoje tem sido marcado pela ampliação da desigualdade distribuída territorialmente, a qual remete a segregação entre as rendas de trabalho e do capital, as diferenças de rendimentos entre os trabalhadores qualificados e não qualificados. Além disto, perpetua uma intensa substituição da produção nacional a favor das importações. Pontua ainda o crescimento do financiamento externo, gerado por empréstimos estrangeiros, cujo pagamento da dívida se alastra por anos e anos sob altas taxas de juros, ampliando assim, o déficit comercial, o que acarreta escassez de recursos para os investimentos e custeio. Agrega-se a isto, o favorecimento aos investimentos especulativos no lugar da produção. O que implica na redução dos níveis de emprego, no agravamento da questão social e na retração das políticas sociais públicas (IAMAMOTO, 2004). Acrescenta que, amparado na robótica, microeletrônica, informática e em outros serviços científicos, a reestruturação produtiva também agride, gera e dinamiza a produção de bens e serviços. Além disso, reduz drasticamente a demanda do trabalho vivo, em lugar do trabalho morto (uso da máquina), provocando assim, elevação na composição técnica do trabalho, e, sobretudo, na valorização do capital. Nesta mesma direção, Iamamoto (2004, p. 20) expõe: A exigência é reduzir custos e ampliar as taxas de lucratividade. Nesta lógica o rebaixamento dos custos do chamado „fator trabalho‟ tem peso importante, envolvendo o embate contra a organização e as lutas sindicais, os cortes de salário e direitos conquistados. Nesta perspectiva, a redução de custos para o capital é revelada pela figura do trabalhador “polivalente” (àquele que possui várias habilidades e desenvolve diversas funções no universo da empresa), o que incide diretamente no “enxugamento” das empresas em favor da “terceirização” e também na redução do quadro de trabalhadores, seja no âmbito do Estado ou nas empresas privadas. É o 52 denominado “vale tudo” na busca pela acumulação e reprodução de “superlucros” sob o regime e regência do capital. Agregam-se a este cenário, mudanças vivenciadas na relação Estado sociedade civil, sob orientação da ordem neoliberal, em que a intervenção estatal estaria a serviço dos interesses privados e “a necessidade de reduzir a ação do Estado ante a questão social em decorrência da crise fiscal do Estado” (IAMAMOTO, 2004, p. 20). Isto revela-nos o amplo processo de privatização da “coisa pública”, em que se presencia um estado cada vez mais alinhado e submetido aos interesses do grande capital, desse modo, mostra-se muito mais preocupado e focado em honrar os compromissos com as dívidas internas e externas, do que atender aos interesses dos cidadãos que necessitam da intervenção estatal para ter acesso aos direitos sociais e trabalhistas. Assim, é neste quadro de debilidades das redes de sociabilidade e sobsubordinações de “racionalidades do mercado”, em que todos são chamados “a se virar no mercado”. Além disto, estimulam-se atitudes e condutas centradas no indivíduo, sendo este chamado a assumir os riscos e responsabilizar-se por sua própria sobrevivência. Trata-se, então, de um modelo de sociabilidade pautado na desigualdade, incertezas, desesperanças e individualismo exacerbado. Neste cenário, portanto, de contrastes e contradições em que a “velha questão social” volta a ganhar cena, ao mesmo tempo em que se modifica, assumindo novas roupagens, conforme expressa Iamamoto (2004, p. 21): Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o sustentam. Crescem as desigualdades e afirmam-se as lutas no dia a dia contra as mesmas - na sua maioria silenciada pelos meios de comunicação - no âmbito do trabalho, do acesso a direitos e serviços no atendimento às necessidades básicas dos cidadãos, das diferenças étnico-raciais, religiosas, de gênero etc. Assim, em sintonia com o pensamento da referida autora, o que se verifica nos dias hodiernos são as mesmas manifestações da questão social. Há, portanto, “uma renovação da velha questão social” (IAMAMOTO, 2004, p. 18), inscrita e circunscrita na natureza das relações capitalistas, embora apareça sob 53 novas roupagens e novas condições sócio-históricas do processo produtivo, aprofundando assim, as suas contradições. Nesse sentido, nos amparamos em Netto (2001a) para afirmar que inexiste qualquer “nova questão social”. O autor considera que na caracterização da questão social, no âmbito de suas manifestações já conhecidas, a exemplo da fome, desemprego, abandono, violência, doenças, falta de moradia, violação dos direitos humanos, trabalho infantil, e outras expressões de privações da vida, seja no campo dos direitos, possibilidades e de esperanças deve-se considerar as particularidades histórico-culturais e nacionais. Para Montaño (2010), a ideia que existiria uma “nova questão social”, tem como pano de fundo a justificativa de um novo trato a questão social. Nisto o autor provoca-nos a pensar: “se há uma nova questão social, seria justo pensar na necessidade de uma nova forma de intervenção nela, supostamente mais adequada às questões atuais” (MONTAÑO, 2010, p. 187). Portanto, coadunamos com o autor que, a questão social a qual se expressa na contradição capital-trabalho, pelas lutas de classes e na desigual distribuição da riqueza produzida, de fato, continua inalterada. O que muda, se redefine e se altera são as suas expressões. Há então novas manifestações da velha questão social, movida e gerada pelo próprio sistema capitalista que a constitui e mantém. Conforme verificamos no foco atribuído ao trabalho informal como uma alternativa possível a superação do desemprego, ao mesmo tempo em que é cooptado pelo capital para dinamizar o circuito do consumo. Para tanto, inserindo a questão social em um contexto mais amplo, referendamos a opinião de Tavares (2002), para quem tal conceito não deve ser analisado de modo a atribuir responsabilidades isoladas aos sujeitos sociais. Ora, suas implicações estão, necessariamente, associadas à sociedade capitalista, tendo em vista a forma como esta historicamente se estrutura. Ao se dissociar a análise da questão social do contexto capitalista, naturalizando-a, Pastorini (2004, p. 99) alerta para risco de: [se perder] a possibilidade de analisar a “questão social” como uma questão política, econômica, social e ideológica que remete a uma determinada correlação de forças entre diferentes classes e setores de classes, inserida no contexto mais amplo do movimento social de luta pela hegemonia. [acréscimo nosso] 54 Tavares (2002), na defesa de perspectiva semelhante, afirma que a questão social necessariamente não se dissocia do desenvolvimento da sociedade capitalista e, desse modo, só pode ser apreendida no conjunto das expressões da desigualdade social e determinada na relação capital-trabalho. A autora acrescenta ainda, que a questão social não deve se esvaziar de suas particularidades. Diferente do que dissemina a ideologia dominante sobre a igualdade (formal) entre os sujeitos sociais, verificamos que a sociedade brasileira, como toda sociedade capitalista, é profundamente marcada pela contradição de classe. Ao mesmo tempo, as particularidades da formação sócio-histórica brasileira, a saber: país marcado pelo modelo de desenvolvimento colonialista, dependente, periférico (e agora emergente), determina uma brutal desigualdade social convivendo com a crescente concentração de riqueza. Como a lógica do capital não se pauta na satisfação das necessidades sociais e sim, no processo de acumulação e geração da mais-valia, tendo até hoje, o capital encontrado saídas para suas sucessivas crises, temos, então, o agravamento das manifestações da questão social, com o aprofundamento da pobreza e das formas precárias de inclusão. Será, pois, neste cenário de contradições e de precarização, em que se apoia o discurso em defesa do trabalho informal, como solução ao desemprego crescente. E neste espectro, investigaremos a reprodução do trabalho informal no âmbito da Política de Assistência Social. Ao tratarmos da questão social no Brasil, não podemos deixar de nos referir à pobreza e as suas mais variadas expressões, entendida como resultante das profundas desigualdades que caracterizam nossa sociedade. Para tanto, partimos de algumas construções teóricas que norteiam a realização de pesquisas e o estabelecimento de parâmetros de análise do fenômeno da pobreza no Brasil. Telles (2001) nos alerta para a dificuldade de apreender o que designa como “pobreza contemporânea” no Brasil, essa pobreza que não se limita àqueles que estão “nas franjas do mercado de trabalho, no submundo da economia informal, nos confins do mundo rural, no Nordeste de pesada herança oligárquica [...]”, situações de pobreza que se encontram no “centro do Brasil moderno” (TELLES, 2001p. 15). Ainda com base no entendimento de TELLES (2001, p.15-16), acrescentamos: 55 Ao lado da persistência de uma pobreza de raízes seculares, a face moderna da pobreza aparece registrada no empobrecimento dos trabalhadores urbanos integrados nos centros dinâmicos da economia do país, seja pela deterioração salarial, que se aprofundou durante os últimos anos, seja pela degradação dos serviços públicos que afetam a qualidade de vida nas cidades, seja ainda pelo desemprego em larga escala que atinge o setor formal da economia. [grifo nosso]. Caracterizando como pobres os indivíduos com renda familiar per capita abaixo da linha de pobreza, toma-se a renda familiar como parâmetro a fim de saber quem e como vivem os pobres no Brasil. Sabemos que estas noções não são objetos de consenso, nem mesmo entre autores e pesquisadores que tratam da pobreza no Brasil. Cônscios com a análise de Iamamoto (2004, p. 16), “a pobreza não [pode ser] apenas compreendida como resultado de distribuição de renda - mas referida à própria produção. Ou, em outros termos, à distribuição dos meios de produção, - e, portanto, às relações entre as classes - [...]”, mas, antes, deve considerar a totalidade da vida dos indivíduos sociais, devendo compreender os aspectos material e espiritual (intelectual, cultural e moral). No que se refere à renda, o Brasil ainda se destaca quanto à desigualdade. Gonçalves (1999), alerta que a concentração de renda se revela sobremaneira no patrimônio líquido das empresas privadas, cujas informações indicam que 85% desse patrimônio estão sob a propriedade de 1% dos mais ricos. Observamos, assim que, no Brasil, a distribuição de renda e de riquezas é extremamente desigual. Tal riqueza concentra-se nas mãos dos mais ricos, deixando à margem uma parcela significativa da população, cujo consumo é mínimo e o acesso a bens e serviços é bastante limitado. Este autor ressalta que no Brasil 1% daqueles considerados ricos controlam 53% da riqueza produtiva e 17% da renda21 nacional; ou seja, de acordo com o autor, em torno de quatrocentas mil famílias, que se traduz em cerca de 1,6 milhões22 de pessoas detém o controle da renda nacional, e mais da metade da riqueza produzida. Comparando essa informação a países com maiores níveis de 21 De acordo com Gonçalves (1991, p. 54), questões como distribuição da renda e riqueza são inseparáveis na medida em que os indivíduos que detêm a posse de ativos reais e financeiros têm o retorno da renda sob a forma de lucros, juros, aluguéis, contando ainda com os salários “que remuneram o trabalho”. 22 Reparem que este valor é pequeno se comparado a totalidade da população brasileira, que atualmente está estimada em 191 milhões de habitantes (IBGE, 2010a). 56 industrialização, a exemplo dos EUA, onde 1% dos ricos concentra 8% da riqueza e 26% da renda, verificamos assim, a gravidade da concentração de renda no Brasil. Outros dados, apresentados pelo autor, destacam que os 10% mais pobres da população detém apenas 1,1 da renda do trabalho, enquanto que os 10% mais ricos ficam com 43,2%. Isso implica que um terço de toda renda do trabalho (o que corresponde a 30,7%), se concentra nas mãos de apenas 5% da população. Estes dados expressam o real retrato da desigualdade existente entre os pequenos grupos econômicos e a vasta imensidão da população que sentem os impactos do capital em todas as suas dimensões. Notemos que a concentração da renda e da riqueza nas mãos de uma parcela mínima da população resulta de um processo histórico marcado pela concentração de terras, pelos grandes latifúndios, pelo processo de industrialização e urbanização, que também se desenvolveram amparados na apropriação de terras e dos meios de produção. Assim, os elevados índices de pobreza e de desigualdade social são frutos, principalmente, de “processos históricos concentradores” (GONÇALVES, 1999, p. 52). Como resultado da desigualdade social verificada em âmbito nacional, em termos regionais, esse quadro também acompanha a concentração de renda e de riqueza (terra e capital). De acordo com Mendonça (2003), metade dos 23 milhões de pessoas em situação de miséria concentra-se na região Nordeste. Se extrairmos destes a proporção de miseráveis na zona rural nordestina, os números mostram que 70% da população rural no Nordeste vivem em condições precárias. Ao longo da década de 1980, enquanto movimentos de contestação à ordem vigente se organizavam em todo o país, o indicador da pobreza oscilava em função dos movimentos de expansão e retração econômica. A população pobre no Brasil, entre o final da década de 1980 e o período que antecedeu o “Plano Real”, se situava em torno de 30%. Com a estabilização dos preços e o controle da inflação, a partir de então, ocorre uma redução desse indicador. Neste período, há uma queda significativa da participação das áreas rurais no número de pobres do país. Em um intervalo de quase 30 anos, os dados revelam que os índices caem de 51%, em 1970, para 20%, em 1999. Tal fato se atribui tanto ao declínio da proporção de pobres nessas áreas quanto à intensificação do processo de urbanização do país, através do êxodo rural. 57 Ainda quanto à dimensão da pobreza no Brasil, os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2010) são surpreendentes: entre os anos de 1995 e 2008, o número de pessoas que viviam em condição de pobreza absoluta (isto é, com renda média domiciliar per capita de até ½ salário mínimo mensal) passou de 43,4% em 1995 para 28,8% em 2008. No caso da pobreza extrema (caracterizada por um rendimento médio domiciliar per capita de até ¼ de salário mínimo mensal), esta reduziu de 20,9%, em 1995, para 10,5%, em 2008. Estudos da Fundação Getúlio Vargas - FGV (2010) e divulgados em 2011, reforçam a afirmativa anterior, ao informar que houve uma diminuição no percentual de desigualdade social, ou seja, na segregação existente entre ricos e pobres, ou ainda entre àqueles que se apropriam da riqueza produzida, dos que sobrevivem precariamente, em meio a ela. Os dados mostram que o índice de Gini23, chegou ao menor nível desde 1960 (0,5367): em 2010, este índice foi de 0,5304. No entanto, estes dados não revelam toda a complexidade que circundam os números apresentados, já que embora tenha diminuído a discrepância social entre os ricos e pobres, isto não incide em mudanças significativas na qualidade de vida da população aviltada pela pobreza. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2010b), divulgado em 2011, aponta o perfil de extrema pobreza no Brasil. Para tanto, estabeleceu como parâmetro, uma linha de extrema pobreza em R$ 70,00, considerando o rendimento nominal mensal domiciliar. Assim, é considerada extremamente pobre qualquer pessoa residente em domicílios com rendimento menor ou igual a esse valor. A pesquisa revelou que dentre dez brasileiros, um encontra-se em situação de extrema pobreza, atingindo um contingente de 16,27 milhões de pessoas. A maior parte destas constitui a população de áreas urbanas (53,3%) e nas áreas rurais tem-se 46,7% de pessoas extremamente pobres. Quanto às diferenças entre as regiões do país, novamente o Norte e Nordeste aparecem com os maiores percentuais. Conforme mostra o gráfico a seguir: 23 O índice de Gini é aceito como parâmetro internacional para medir a desigualdade de renda nos países. Constitui-se em um coeficiente que pode ser expresso tanto numericamente como em porcentagem. Este vai de zero a um, de modo que quanto mais próximo de “1” maior serão os níveis de desigualdade de renda num dado país. Na medida em que o coeficiente se aproxima em direção ao “0”, isto representa uma condição de melhor distribuição de renda. Matematicamente, tal coeficiente é obtido por uma razão entre quantidade de pessoas e níveis de renda. Tomando por base uma equânime distribuição da renda, o índice de Gini representa a relação entre uma distribuição ideal e o que acontece de fato (GASCHAGEN, 2007) e (NETO JOSÉ, 2007). 58 Gráfico 1: Incidência da população brasileira em situação de extrema pobreza por domicílio Fonte: Dados do IBGE, elaboração do MDS no ano de 2010 e divulgado em 2011. Os dados revelam ainda que a diminuição generalizada nas taxas de pobreza absoluta e extrema, no referido período, apresentou diferenças entre as grandes regiões geográficas e estados brasileiros. As maiores taxas referentes à pobreza absoluta e à pobreza extrema concentram-se nas regiões Norte e Nordeste, regiões historicamente mais atingidas no tocante à desigualdade social. Se voltarmos à atenção para a realidade da pobreza e da miséria, nas periferias das cidades de médio e grande porte, constatamos que a pobreza urbana tem crescido, representando assim, ainda um grande desafio para superá-la. Como o Nordeste concentra a sua economia, principalmente, nos setores do Turismo e da Agro-pecuária de subsistência, verificamos que o mercado não absorve uma demanda significativa de trabalhadores nessas áreas. Desta forma, se requer das famílias um esforço maior na busca da sobrevivência, de maneira que todos os membros são chamados a ser partícipes no provimento de suas necessidades. Assim, principalmente, as famílias pobres, tanto nas cidades como nas zonas rurais, estão expostas ao desemprego, ao subemprego, à fome, à 59 precariedade dos bens e serviços públicos, à violência, a péssimas condições de moradia, atividades informais, dentre outras manifestações da questão social. Ainda em se tratando da pobreza e miséria, como já assinalamos, a família tem sido vista como instância básica na proteção e reprodução da vida social, no contexto atual. Sabemos que as condições materiais para satisfação de suas necessidades mais elementares estão relacionadas, principalmente, a inserção de seus membros no mercado de trabalho, e a renda consequente desta inserção. Nisto, Alencar (2006, p. 62) ressalta que: [...] as condições de vida dos indivíduos dependem, em grande parte, da inserção social de todos os membros da família, sendo nela que se articulam as diversas formas de alternativas (sic!) para superar as situações de precariedade social, diante do desemprego ou inserção precária no mundo do trabalho. A luta cotidiana para prover as necessidades básicas, enquanto empreendimento coletivo e dependendo das condições de pobreza, mobiliza todos os membros da família. Através do ingresso no mercado de trabalho, do desenvolvimento de pequenas atividades informais para a obtenção de algum tipo de renda complementar e outras tantas estratégias [...] os indivíduos tentam suprir uma rede de proteção social fragilizada. Em face disso, o desemprego, o subemprego, a precarização no mundo do trabalho se revelam como graves problemas da atualidade. Com efeito, estando às famílias pobres, envolvidas em um cenário de intensas desigualdades socioeconômicas, no qual a garantia aos mínimos sociais encontra-se comprometida, percebemos que as relações estabelecidas no seio da família, e ainda, as condições de vida e de sobrevivência estão profundamente afetadas. Assim, em função do agravamento da pobreza e da miséria, frente às transformações ocorridas no mundo do trabalho e da produção, uma das estratégias apontadas para aquisição de renda e saída do desemprego é lançar mão do trabalho informal, como estratégia de sobrevivência. Contudo, além de ser uma estratégia para aqueles que necessitam dele para sobreviver, o trabalho informal vem sendo cooptado como um mecanismo de apropriação e interesse do capital. Incide neste contexto, as sucessivas crises do capital e o “ajustamento” das políticas sociais. No tópico a seguir, nos deteremos nas implicações destas crises no âmbito das políticas sociais. 60 2.3 CRISE DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS Na contemporaneidade, várias transformações são verificadas no mundo do trabalho, a partir dos anos de 1970, com destaque para a flexibilização dos processos de trabalho, a informalidade, a precarização das garantias sociais, a redução de postos de trabalho, dentre outros. Estas são estratégias do capital para enfrentar suas crises e assegurar sua reprodução ampliada. Consideramos que as mudanças em curso, no mundo da produção e da reprodução das relações sociais afetam diretamente o âmbito familiar, com incidência direta e particular nas condições de vida e materiais das famílias da classe trabalhadora. Diante disto, consideramos basilar o entendimento da crise do capital neste processo. Para tanto, fazendo referência ao estudo desenvolvido por Behring e Boschetti (2006), sobre a crise do capital e suas implicações nas políticas sociais, as autoras vão expor que o enfraquecimento das bases do liberalismo24, ocorreu ao longo da segunda metade do século XIX e perdurou até o início do século XX, como resultados de alguns processos político-econômicos ocorridos nestes períodos. Um deles refere-se ao crescimento do movimento operário que não se deixou calar ou intimidar pela classe burguesa, passando a assumir espaços políticos e sociais de destaque como o parlamento. Em face disto, obrigou a burguesia a reconhecer direitos de cidadania política e social para segmentos da classe trabalhadora. Destacamos, ainda, e de maneira emblemática, a atuação do “movimento socialista”, particularmente a partir de 1917, com a experiência Russa, cujo efeito implicou no fortalecimento do movimento operário internacional. Além das mudanças no âmbito da produção, o surgimento do Fordismo culminou por exigir uma atitude defensiva do capital, visto que tais mudanças suscitaram em maior poder coletivo da classe trabalhadora, passando a requisitar acordos coletivos de trabalho e participação em parte dos lucros da produção. Outro processo que culminou no enfraquecimento das bases do liberalismo foi à concentração e monopolização do capital. De maneira que cada vez mais o mercado passa a ser liderado por grandes monopólios, ao mesmo tempo em 24 Política econômica, que nasce com o capitalismo, cujo discurso defende a intervenção mínima do Estado na regulação da economia, defendendo a abstenção do Estado também no campo das políticas sociais. Seria a ação reguladora do mercado na sociedade, que traria o equilíbrio social e recompensaria os esforços diferenciados dos indivíduos. A este respeito ver: (BRANDÃO, 1991). 61 que, a criação de empresas passa a depender de grandes investimentos, empréstimos e de dinheiro dos bancos. Dando vazão a uma “verdadeira fusão entre o capital bancário e o industrial”, eclodindo assim, o lastro do capital financeiro (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 68). Neste contexto, o sistema capitalista sofre sua primeira grande crise no “palco” do sistema financeiro americano, no ano de 1929, data que mundialmente tornou-se emblemática, como o primeiro dia de pânico da Bolsa de Nova York. Sobre isto, as autoras expõem que as implicações da crise do capital se alastram pelo mundo, reduzindo o comércio a um terço do que o era registrado antes da crise. Esta crise suscitou também a desconfiança dos pressupostos do liberalismo, repercutindo diretamente no desemprego em massa, além da legitimidade política do próprio capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Segundo Mandel (1982), o período de expansão do capitalismo se notabiliza pelo crescimento da composição orgânica do capital (K= kv+ kc)25, como também da taxa de mais-valia e ainda pela possível queda dos preços das matériasprimas. Entretanto, os avanços do capitalismo geram os seus próprios obstáculos, na medida em que se intensifica a resistência do movimento operário, ao processo crescente de exploração que tende a diminuir o capital variável (força de trabalho) e aumentar o capital constante (matéria-prima e meios de produção). Para Salvador (2010, p. 53), o cenário da crise do capital incide em mudanças na relação capital-trabalho, trazendo implicações diretas para o financiamento da seguridade social, uma vez que as contribuições de empresas e empregados passam a ser canalizados para os fundos de pensão fora do campo estatal. O mesmo pode ser visto com a oferta dos serviços da saúde, via mercado, o que implica em uma canalização de recursos para seguradoras privadas, as quais, de maneira incisiva e estrategicamente, movimentam o sistema financeiro. A referida assertiva evidencia que a financeirização resulta em pressão sobre a política social, sobretudo, nas instituições da seguridade social. Desta forma, as propostas neoliberais incluem as transferências de proteção social do âmbito estatal para o mercado, e assim, a liberalização financeira implica na privatização dos benefícios da seguridade social, que são transformados em mais um produto 25 A composição orgânica do capital se dá a partir da junção entre Capital variável (Kv) e Capital Constante (Kc), onde Kv é força de trabalho e Kc são os meios de produção e matéria-prima. 62 financeiro, tornando-os reféns das crises do sistema financeiro internacional (SALVADOR, 2010). Em face disto, as políticas sociais como a educação, a previdência social, a assistência social e outros serviços que foram conquistados e garantidos pela Constituição de 1988, estão imbuídos nas “armadilhas” do capital e sob a ideologia neoliberal. Destarte, os serviços sociais são cotidianamente, sucateados, precarizados e estrategicamente cooptados para servir e nutrir os interesses do mercado. Nisto, o capital, nos revela exatamente ao que se propõe e para o que veio – degredar, alienar, explorar e acumular riqueza – apropriando-se do campo social, sobretudo, das políticas sociais, como uma de suas estratégias para expansão e acumulação de capital. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2009, citado por Salvador (2010), divulgou, com base nas medidas anunciadas por 32 países contra a crise, que o montante destinado a “pacotes de estímulo” para o emprego chegou a US$ 1,19 trilhão. Destes, apenas 1,8% do total foi investido em ações de proteção social, e somente, 9,2% das despesas foram destinadas a promover o emprego. A OIT destaca ainda o Brasil como sendo um dos países em que os desempregados têm menor proteção social, apesar dos trabalhadores serem os mais atingidos pela crise. Exemplos desta afirmativa são as perdas salariais registradas ao longo dos anos e que se perpetuam, no contexto das últimas contrarreformas26 do Estado, afetando, cotidianamente e de maneira perversa, as relações e condições de vida da classe trabalhadora. Referente a isto, Salvador (2009) expõe que no Brasil, nos três meses de maior impacto da crise foram eliminados 756 mil postos de trabalhos, revelando assim, a fragilidade das relações contratuais de trabalho, ou seja, pouca durabilidade de ocupações no mercado de trabalho, impulsionando assim, o crescimento do exército industrial de reserva e o acréscimo contínuo de contratações temporárias, com remunerações ínfimas. O capital, então, apropria-se cada vez mais das fragilidades que circundam as relações contratuais de trabalho, para gerar “lucro fácil”, explorando mão-de-obra barata e sucateando os direitos dos trabalhadores. Oferece-lhes como 26 Esta terminologia é utilizada por Elaine Behring para denominar o processo de reforma do Estado Brasileiro, nos anos de 1990 a 2000, enfatizando o seu caráter repressivo. Para aprofundamento ver Behring (2003). 63 contrapartida, apenas um salário que desqualifica a força do trabalho aplicada na realização do trabalho. Para Antunes (2005), o capital “cria, mas também subordina, humaniza e degrada, liberta e escraviza, emancipa e aliena” o trabalho humano, tornando-o cada vez mais conflituoso e contraditório. Ainda sobre a crise do capitalismo, concordamos com o pensamento de Mandel (1990) o qual expressa que esta é mais uma crise, provocada pela acumulação do próprio capitalismo. Parafraseando as palavras de Mészáros 27 (2009), trata-se, pois, de uma crise estrutural do capitalismo em sua permanente, expansionista, destrutiva e incontrolável busca por superlucros. Destarte, o capitalismo, desde sua gênese passa por crises estruturais, cujas medidas de enfrentamento, se diferenciaram mediante o seu grau de desenvolvimento, as formas de organização das classes sociais e as formas de constituição e desenvolvimento do Estado em dado momento histórico (BOSCHETTI, 2010). No Brasil, por exemplo, a crise dos anos 70 do século XX, chega no momento em que o país vivencia “um processo de restituição do Estado democrático” (BOSCHETTI, 2010, p. 69), período marcado pela ampliação dos direitos conquistados com a constituição de 1988, logo após um longo e difícil período de regime militar (1964-1985). Há que se assinalar que o período ditatorial foi marcado pela implantação de políticas sociais caracterizadas como “tecnocratas, centralizadoras e autoritárias” (BOSCHETTI, 2010, p. 70). Deste modo, as contrarreformas28 implementadas a partir dos anos 1990, deixaram marcas profundas nas políticas de seguridade social, cujos efeitos são devastadores e os impactos também são sentidos, em tempos de crise atual. Segundo Boschetti, a crise do início do século XX (1929) foi a primeira grave crise estrutural do capitalismo após a Revolução Industrial, colocando em xeque o que ainda restava do capitalismo concorrencial. Naquele momento, as medidas adotadas para conter a crise somavam-se ao abandono do liberalismo ortodoxo29 e a adoção de algumas medidas econômicas e sociais. 27 A rigor, este autor em sua obra “a crise estrutural do capital”, faz uma profícua e substanciosa análise sobre a crise do capital no contexto globalizado. Para maiores aprofundamentos ver: Mészáros (2009). 28 Para um maior aprofundamento sobre as contrarreformas, implementadas desde 1990, no âmbito da seguridade social ver Behring e Boschetti (2006), Araújo (2004) e Boschetti (2003). Em tempo discorreremos sobre os efeitos destas contrarreformas na conjuntura atual. 29 Defendia a não intervenção do Estado na sociedade, em que o mercado seria o auto-regulador das relações sociais. Ver a este respeito, Behring e Boschetti (2006). 64 Nesta conjuntura, as medidas criadas para conter a crise se sustentaram em três pilares clássicos: o primeiro, já apontado anteriormente, objetivava garantir o consumo e para isso foi necessário produzir mercadoria barata e em larga escala, a fim de que “todos” se tornassem um consumidor em potencial. Para tanto, o consumo em massa precisava ser garantido a partir da produção em massa. Esta estratégia manteria a “lógica de produção e reprodução das mercadorias” (BOSCHETTI, 2010, p. 66), o que foi obtido através do modelo fordista. O segundo pilar, apontado por Boschetti (2010) trata-se do padrão Keynesiano de regulação econômica e social, o qual contribuiu satisfatoriamente para assegurar o consumo em massa, instituindo políticas de regulação econômica, mediante intervenção estatal na geração de empregos, seja, no setor público ou privado, garantindo a ampliação dos rendimentos, por via direta, com a geração de empregos, aumento dos rendimentos e salários, e ainda pelo viés indireto, por meio das políticas sociais. Assim, as políticas sociais se tornaram medidas essenciais na resposta à crise de 1929 e após a Segunda Guerra Mundial, a partir dos pressupostos do Keynesianismo, constroem-se os Welfare States europeus. Neste contexto, a ampliação do papel do Estado na prestação de serviços vinculados as políticas sociais com destaque para a saúde, previdência social, educação e programas sociais, asseguraram não apenas o emprego no setor público, mas também a ampliação indireta dos salários. Com isto, o acesso às políticas sociais (serviços sociais públicos e gratuitos) liberaria “parte dos salários”, impulsionando, assim, o consumo em massa. O terceiro pilar, sinalizado pela autora, decorre do anterior, pois tais direitos não poderiam comprometer o padrão de acumulação capitalista, ou seja, esses direitos assegurariam e legitimariam acumulação e reprodução do capital. Desta maneira, os direitos de cidadania não são incompatíveis com os interesses do capitalismo, antes serviram de base para sustentá-lo e mantê-lo. Nesse sentido, as políticas sociais e a ampliação dos direitos se deram por embates de forças sociais em disputa, entre a perspectiva social-democrática de gestão da crise de 1929 e a perspectiva de luta coletiva, organizada pela classe trabalhadora para a ampliação dos direitos e melhorias das condições de vida e de trabalho. Referente a isto, Boschetti (2010, p. 68) acrescenta: 65 Foi no limite entre a conquista de direitos e a (re)estruturação do capital que os direitos sociais foram reconhecidos e legalmente as políticas sociais se expandiram. Isso significa reconhecer que os direitos sociais são capitalistas e sua ampliação não assegura a emancipação humana, mas podem contribuir para criar as condições materiais para a melhoria das condições de vida. Marx, dentre as suas muitas contribuições teóricas, já previa que as conquistas dos direitos sociais não eliminam o capitalismo, nem tão pouco, possibilita a sua superação, “mas reconhecia que os ganhos do trabalho impõem limites aos ganhos do capital” (BOSCHETTI, 2010, p. 69). Destarte, as conquistas da classe trabalhadora implicaram em reduções de lucros do circuito do capital, eclodindo pequenas crises entre a década de 1930 e o final de 1960 e a partir disso, uma nova e aguda crise estrutural assola o sistema capitalista, em meados dos anos 1970. Os neoliberais, portanto, responsabiliza por esta nova crise, a ampliação dos direitos sociais, das políticas sociais e das conquistas da classe trabalhadora no âmbito do trabalho, no período conhecido como “anos de ouro do capitalismo” (BOSCHETTI, 2010). Assim, as medidas tomadas para conter as crise de 1969/73, nem de longe tocou nos fundamentos de regulação do capitalismo, antes remonta os princípios liberais, instituindo o avanço nefasto do neoliberalismo. Desta maneira, os ideais neoliberais culminaram em fortes retrocessos aos direitos conquistados pela classe trabalhadora, com implicações diferenciadas nos países do capitalismo central e periféricos. Nesta envergadura de superação de crise do capital, Freire (2010), tecendo análises referentes ao processo de reestruturação produtiva afirma que este se solidifica no Brasil, na vigência do governo Collor de Melo em 1989, em uma face de intensa competitividade, ocasionado pelo mercado globalizado no cerne do estágio da acumulação flexível do capital. É, pois, neste processo em que a flexibilidade em graus variados torna-se palavra de ordem em oposição ao modelo rígido fordista. A partir disto, se estabelece uma nova cultura e ações políticas sob a direção de ideais neoliberais no mundo do trabalho, através das quais buscam flexibilizar não apenas as estratégias de produção e racionalização do trabalho, mas para, além disso, provoca alterações nas condições de trabalho, no acesso dos 66 direitos sociais e trabalhistas, e no compromisso do Estado para com a população que dele depende para ter assegurado tais direitos. Neste sentido, é sobre o intento da reprodução ampliada do capital que se acentua a problemática da relação capitaltrabalho, além das contradições e retrações das relações sociais que se estabelece no cenário da produção. Aqui é pertinente acrescentar que, dentre o contexto da reprodução produtiva, as propostas neoliberais serão úteis e estrategicamente incorporadas neste processo. Tal como expressa Amaral e Mota (1998, p. 30): O neoliberalismo como ideário econômico e político, é expresso nos princípios da economia de mercado, na regulação estatal mínima e na formação de uma cultura que deriva liberdade política da liberdade econômica. O pragmatismo econômico é expresso na subordinação dos processos sociais às necessidades de reestruturação (ajustes e reformas), neutralizando, na prática, as questões que dizem respeito aos projetos sociais [...]. Assim, os impactos resultantes da crise, são sentidos pelos trabalhadores, principalmente no desemprego, na precarização das condições de trabalho, além do rebaixamento do valor da força de trabalho e desmonte do sistema de proteção social. Neste contexto, constituem-se novas formas de sociabilidade apontadas como iniciativas de enfrentamento à crise, estratégias essas pensadas e criadas pela ordem do capital (AMARAL; MOTA, 1998). Sendo, pois, neste “solo” de inflexões, desmonte e contradições, em que o trabalho informal ganha destaque. Deste modo, o trabalho informal passa a ser cooptado como alternativa de superação ao desemprego, complementação de renda para as famílias de baixa renda, e ainda como uma nova modalidade para expandir a capacidade acumulativa de lucros em favor do capital. Souza (1994, p. 38-39), tecendo comentário sobre o principal propósito da reestruturação produtiva expõe: [...] é fazer o movimento dos trabalhadores – e suas forças sociais e políticas coligadas – recuar para o terreno econômico-corporativo, abrindo mão, portanto, dos elementos ético-culturais que permitiriam dar forma e sustentação a uma nova fase expansiva da construção das classes trabalhadoras como força autônoma e revolucionária. 67 Destarte, a sincronia existente entre o processo de reestruturação produtiva e os ideais neoliberais se evidenciam pela retração dos direitos sociais e trabalhistas, pela inconsistente defesa à informalidade como alternativa de enfrentamento ao desemprego, a banalização atribuída à questão da cidadania, reduzindo-a a oferta e consumo de serviços e, de igual modo, pela simplificação da concepção do termo emancipação à ideia de autonomia. Além disso, este processo tende não apenas a destruição da organização dos trabalhadores, mas também mostra capacidade de desviar e de enfraquecer os objetivos de reivindicação da classe trabalhadora, incutindo outros significados, originários do projeto do capital, nas reivindicações da classe trabalhadora (AMARAL; MOTA, 1998). Além da retração dos interesses comuns de classe, os impactos da reestruturação produtiva, não apenas são sentidas pelas mudanças que se dão no aparato técnico do trabalho, no âmbito das empresas, no Brasil, particularmente, a reestruturação produtiva visa “abrir capital, privatizar empresas estatais, terceirizar, demitir trabalhadores e aumentar a produtividade em até 100%” (AMARAL; MOTA, 1998, p. 34). Isto implica em efeitos nefastos e destrutivos na vida dos trabalhadores e dos demais segmentos da sociedade. Para tanto, os novos ganhos de produtividade, sentidos nestes últimos anos, não resultou da aplicação de investimentos em maquinários, ou tão somente, pela automação industrial, mas, sobretudo, da criação de novos processos de trabalho, formas de gestão e racionalização de milhares postos de trabalhos. Marcas deste processo se evidenciam pela redução dos postos de trabalho, o aumento do desemprego entre trabalhadores antes empregados em trabalhos formais, ao mesmo tempo em que, se alastra o número de trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada e em contratações cada vez mais precárias e com implicação direta na desproteção dos direitos sociais e trabalhistas. Assim, cônscio com as referidas autoras, as mudanças verificadas no mundo da produção e organização social culminaram no reordenamento da intervenção do Estado, pela via dos mecanismos de regulação de produção, da gestão estatal e privada da força de trabalho. Este reordenamento é marcado por medidas de ajustes econômicos e reformas institucionais, com destaque para as privatizações, burocratização dos serviços públicos e minimização da intervenção do Estado, ao mesmo tempo em que, a supressão dos direitos sociais e os conflitos aquecidos na relação capital-trabalho, tornam-se cada vez mais acentuados. 68 Isto nos ajuda a entender que, o objetivo de reduzir o papel do Estado, no âmbito da proteção social e na regulação das condições de produção se alia ao que Dias (1996, p. 17) defende: O capitalismo necessita, no seu momento atual, de flexibilizar brutalmente as relações de trabalho e de expulsar o trabalho vivo dos ordenamentos jurídicos, para poder, potenciar o máximo sua intervenção na história. De maneira que, dentre as estratégias para o capital ampliar sua hegemonia na sociedade, esse se utiliza de um conjunto de intervenções socioinstitucionais que abarca todas as formas de controle e subordinação das relações de trabalho sob o capital. Para tanto, a racionalização da produção, a intervenção reducionista estatal e controle das condições de trabalho são bastante úteis. No que se refere aos efeitos da mundialização do capital, Chenais (1996) expressa que esse revela sua face mais perversa, cujos impactos são sentidos em todas as áreas da vida humana. Mas, por ora, pautamos na “agenda do dia”, o arrocho do orçamento público brasileiro. Sobre isto, no orçamento de 2012, aprovado pelo Congresso Nacional e divulgado pelo SINDPPD-RS (2011)30, está prevista a destinação de R$ 1,014 trilhão para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, o que representa 47,19% de todo o orçamento anual. A despeito disso, cortes de 55 milhões no orçamento público já foram confirmados. Em contrapartida, serão destinados apenas 18,22% para a Previdência Social, 3,98% para a saúde, 3,18% para a Educação, e ínfimos 2,55% para a assistência social. Conforme podemos visualizar no gráfico 2 a seguir: Gráfico 2: Aplicação de recursos públicos previstos em 2012 30 Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados/RS. 69 Fonte: Site do SINDPPD-RS (2011). Disponível em: <http://www.sindppd-rs.org.br/noticias/geral/2218orcamento-de-2012-do-governo-federal-prioriza-pagamento-aos-bancos-os-servicos-publicos-vao-piorarmais>. Os dados denunciam ainda que em 2010, o pagamento da dívida pública brasileira comprometeu 45% do orçamento da União (o equivalente a R$ 635 bilhões). Já em 2011, chegou a representar 49,15% do orçamento. Isto revela-nos que a grande “fatia do bolo” do orçamento público de 2012, mais uma vez foi destinada para o pagamento da dívida, ao mesmo tempo em que, frente às sucessivas crises do capital, a “conta” da dívida externa do Brasil, além de parecer infinda, recai, severamente, sobre a classe trabalhadora. Tais cenários de crises e arrochos nos investimentos sociais se repetem. Conforme também presenciamos nos países europeus, fruto da crise internacional, já sentidas em 2008 e intensificadas em 2011. Cuja saída, apontada pelo capital financeiro, teve intervenção do Banco Central com uma “ajuda” de meio trilhão de euros aos bancos privados, a juros de 1% ao ano. De maneira que, na busca por amortecer a crise financeira, os governos oneram duplamente a população: além de terem drásticos cortes de empregos, redução salarial, retração significativas dos direitos trabalhistas e social, ou até mesmo, ínfimo investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e segurança, pagam juros altos pela sua condição de vida ou até mesmo de sobrevivência. Com efeito, as crises são inerentes ao próprio sistema capitalista, haja vista que a prioridades dos recursos não se destinam a investimentos que 70 objetivam melhorias nas condições de vida das populações. Antes, porém, busca canalizar recursos para pagamento de dívidas, em vez de direcioná-lo ao exercício pleno de políticas sociais públicas e de qualidade. Neste contexto, as exigências do capital tornam-se cada vez mais aguerridas. Este jogo de poder se concentra em grandes grupos econômicos, aos quais os países do capitalismo periféricos devem adequar-se, obedecendo aos ditames do capital em sua versão de mundo globalizado. Salvador (2010), utilizando-se dos dados da Desvinculação Receitas da União (DRU), afirma que em 2009, no Brasil, a DRU extirpou da seguridade social o correspondente a R$ 39,2 bilhões. Isso revela-nos que o capital se apropria dos recursos das políticas sociais para sustentar a sua política de “ajuste”, ao mesmo tempo em que, se torna um entrave para a ampliação e consolidação dos direitos sociais. Nisto, em consonância com Boschetti (2010, p. 77), verificamos que as medidas utilizadas para conter a crise do capital no Brasil: [...] na prática, aumenta o fosso entre ricos e pobres e agravam a concentração de renda, pois favorecem a manutenção e ampliação de lucros para o setor financeiro e provocam contenção dos recursos destinados às políticas sociais, em especial à seguridade social. Assim, as medidas governamentais utilizadas para amortecer os efeitos da crise se sustentaram na política de intervenção estatal da economia, com o interesse cabal de regular a oferta e demanda, além de assegurar a acumulação e reprodução do capital, imbuído e movido pela perspectiva neoliberal. Além disto, outra medida tomada para conter a crise se dá pelo crescimento do consumo do mercado interno, impulsionando o endividamento das famílias31 conforme sinaliza Oliveira (2008, p. 44), “as camadas pobres da classe média e a mais remediada da classe operária estão mergulhadas em dívidas”. Por trás desta aparente condição de ausência de crise, se esconde um país endividado, que deve metade do que produz, possibilitando “a lucratividade do sistema bancário, o endividamento e empobrecimento da classe trabalhadora” (BOSCHETTI, 2010, p. 31 Segundo publicação de nota do Jornal Nacional, de 26 de junho de 2012, o endividamento das famílias brasileiras mais que dobrou nos últimos sete anos. Tal acréscimo foi atribuído ao aumento da oferta de créditos e aos descuidos nas contas. Nota disponível em: http://g1.globo.com/jornalnacional/noticia/2012/06/endividamento-de-familias-brasileiras-e-o-maior-em-sete-anos.html.Acesso em 20 ago. 2012. 71 82). Essa constatação pode ser identificada pelas “facilidades” de compras com longos parcelamentos, incitando assim, até mesmo aqueles que possuem baixos salários - a maioria, beneficiários das políticas sociais - no circuito do consumo, mesmo que minimamente. Incontestavelmente, as políticas sociais também sofrem os efeitos nefastos da política neoliberal, a qual norteia a execução das políticas sociais, no contexto atual, cujos principais traços se dão pela minimização do Estado, precarização dos serviços sociais, seletividade no acesso, focalização nas ações, e, sobretudo, na defesa da mercantilização dos serviços públicos. Boschetti (2010) sinaliza que a superação da crise contemporânea do capital, não se dará pela via de escape da perspectiva neoliberal, semelhante ao que aconteceu após a crise de 1969/73, nem tão pouco pela via da regulação keynisiana-fordista, conforme ocorreu após 1929. A superação da crise do capitalismo, portanto, se dará mediante o fortalecimento das lutas sociais, da organização da classe trabalhadora e da construção de um projeto societário emancipatório, “em que a emancipação humana signifique socialização da riqueza e o fim de todas as formas de mercantilizacão da vida” (BOSCHETTI, 2010, p. 83). Aliás, corroboramos com o entendimento de Ivo Tonet (2005) sobre o conceito de emancipação humana. O referido autor considera este termo distinto do conceito de cidadania e da totalidade da emancipação política. Assim a emancipação humana é uma forma de sociabilidade na qual os homens são efetivamente livres e, neste sentido, “supõe a erradicação do capital e de todas as suas categorias. Sem esta erradicação é impossível a constituição de uma autêntica comunidade humana” (TONET, 2005, p. 3). E acrescenta que a esta erradicação não significa o aperfeiçoamento da cidadania, antes, porém, implica na completa superação desta. Expõe ainda que diferentemente da “impossível cidadania mundial” a emancipação humana é “uma possibilidade real, cujas bases se encontram na materialidade do próprio ser social” (TONET, 2005, p. 4). É, pois, nesse cenário de crises do capital, e, portanto, longe da concretização da emancipação humana, que o Serviço social busca e acredita que a relação capital-trabalho torna-se cada vez mais complexa, competitiva, precária e palco de retração dos direitos do trabalhador. Ao mesmo tempo em que, o capital estimula e responsabiliza a classe trabalhadora em buscar saídas para suprir as 72 necessidades de suas famílias, dificulta e limita o acesso dessas ao trabalho e as políticas sociais. Para tanto, as famílias de baixa renda, dentre elas, as usuárias do CRASPajuçara, veem no trabalho informal uma alternativa possível para prover renda, de maneira que, o capital se apropria dessa possibilidade para revertê-la em uma estratégia lucrativa ao seu favor, quando se utiliza do grande contingente que estão às “franjas do mercado formal” para contratações temporárias e sem cobertura dos direitos trabalhistas. Inserimos nessa discussão, a iniciativa estatal via assistência social, através da modalidade de “inclusão produtiva”, como uma estratégia pensada também para gerar renda. Nesse processo, objetivamos investigar se a assistência social, através da materialização de cursos profissionalizantes contribui para a reprodução do trabalho informal. Assim, frente às muitas implicações das sucessivas crises do capital, nos deteremos em discutir na seção a seguir, como essas implicações redefinem e imprimem a atuação do Estado e como afeta o exercício da Política de Assistência Social em seu contexto sócio-histórico. 73 3 ESTADO, ASSISTÊNCIA SOCIAL EQUÍVOCOS E CONTRADIÇÕES E INFORMALIDADE: VERDADES, Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem [...] a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. (Karl Marx) No espectro da realidade presente e diante das multiformes tentativas, (re)criadas pelo capital para superar suas crises e ampliar a sua capacidade de dominação, esse não mais se limita a redirecionar as políticas sociais as suas necessidades e interesses, mas visa transformar toda e qualquer relação em mercadorias. É, pois, em tempos de crises do capital, que se intensifica o discurso do trabalho informal como estratégia de enfrentamento à pobreza, ao mesmo tempo em que, se verifica o espraiamento dos cursos profissionalizantes, no âmbito dos CRAS, como tentativa de promover a “inclusão produtiva”. Frente a isto, a partir de idas e vindas ao real, buscamos desvelar as faces e disfarces da materialização desses cursos, no contexto da assistência social. Para tanto, é imprescindível analisarmos esse processo, a partir das transformações que se estabelecem no mundo do trabalho já que a Política de Assistência Social no contexto brasileiro tem sua gênese na relação capital-trabalho. Nessa perspectiva, iniciamos este capítulo, resgatando a atuação do Estado na trajetória histórica da assistência para entender como essa política se redefine na atualidade. 3.1 HISTORICIZANDO A ATUAÇÃO DO ESTADO NA TRAJETÓRIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL A assistência social emerge em um contexto de práticas voltadas à solidariedade e benemerência aos pobres, em decorrência da impregnação dos princípios judaico-cristãos que por tanto tempo influenciaram, e ainda embasam os costumes e ações dos indivíduos (SPOSATI et al, 1985). Isto porque, ao longo da história, grupos filantrópicos e religiosos desenvolveram práticas de ajuda e apoio aos necessitados. Esse ideário de ajuda, parte da compreensão de que na humanidade sempre existirão os mais frágeis, pobres e carentes que não 74 conseguem reverter sua condição de vida precarizada e que, portanto, sempre dependem da “solidariedade” de outros. Desta forma, o termo “ajuda” incorpora-se à expressão de benesse e caridade ao próximo. O Estado, historicamente, se apropria não só da prática assistencial como expressão de benemerência, como também catalisa e direciona os esforços de solidariedade social da sociedade civil (SPOSATI et al, 1985). Nesse sentido, as políticas sociais, dentre elas, a assistência social, será um mecanismo utilizado pelo Estado na tentativa de conter o agravamento da pobreza, ressaltando que os organismos da sociedade civil, e em especial, aqueles ligados à igreja, serão acionados pelo Estado a fim de realizar essa missão. No contexto mundial, a adoção sistemática, por parte do Estado, de ações de cunho social vão se dar quando o capitalismo adentra a sua fase monopolista, pois frente às novas necessidades do capital faz-se necessário a intervenção do Estado para assegurar a acumulação nessa nova fase. Sobre isto, à luz do pensamento de Netto (2001b, p.19): [...] o capitalismo monopolista recoloca em patamar mais alto, o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica [...]. Nesse sentido, o referido autor considera a solução monopolista (a maximação dos lucros pelo controle dos mercados) como uma problemática, pelos próprios mecanismos que a deflagram, à medida que o seu desenvolvimento tornase vítima dos constrangimentos causados pela acumulação e valorização do capital. Para tanto, a fim de efetivar-se com êxito é necessário recorrer à intervenção extraeconômica, e neste caso, acionou-se à intervenção do Estado. Para Netto (2001b), a intervenção do Estado no processo econômico capitalista não é algo novo, pois essa começa a se dar a partir instauração da idade do monopólio (datada nos fins do século XIX), fase que passa a exigir novas atribuições do Estado, a fim de preservar o processo de acumulação. A partir daí, a intervenção estatal incidiu com mais fluidez e intensidade, na organização e na dinâmica da economia. Assim, o Estado passou a atuar como um instrumento de regulação econômica, o que significa passar a operar como um forte administrador dos ciclos 75 da crise. Nisto, o que se observa é uma sinergia existente entre os aparatos privados dos monopólios e as instituições estatais, propiciando condições necessárias à acumulação e a valorização do capital monopolista. É, pois, sob essas condições que “fraturas” da questão social tornaram-se objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado. De modo que, só mediante a concretização das possibilidades socioeconômicas e políticas segregadas na ordem do monopólio é que a questão social se revela como alvo das políticas sociais. Nesse sentido, só é possível pensar em política social, com a instauração do capitalismo monopolista, no momento em que se estabelece a intervenção contínua, sistemática do Estado sobre as sequelas da questão social. Ressaltamos que foi pelo viés da política social que o Estado burguês, no bojo do capitalismo monopolista, buscará administrar as manifestações da questão social, conformando os interesses da ordem monopolista às demandas da classe trabalhadora. Indubitavelmente, as políticas sociais decorrem da capacidade de organização e mobilização da classe trabalhadora e dos demais segmentos da população, o que força o Estado a atender aos interesses desta classe. Entretanto, Netto (op.cit.), adverte-nos que a dinâmica das políticas sociais está longe de constituir-se num campo de consensos. Antes, elas resultam de relações complexas, imbuídas num complicado jogo de interesses divergentes e contraditórios. Nessa envergadura, a intervenção estatal no âmbito da questão social está longe de se constituir fora de um terreno de tensões. No contexto da sociedade burguesa, o processamento das políticas sociais pode assinalar conquistas parciais e significativas para a classe operária e para o conjunto dos demais trabalhadores, mas não rompe a intervenção estatal atrelada à mediação dos interesses da classe burguesa. Já na vigência da crise mundial do capitalismo de 1929, o Estado adotou uma nova postura frente à sociedade, inserindo-se, de maneira mais incisiva, na relação capital-trabalho. Essa inserção será condicionante para a acumulação, consolidação e expansão do capital que, no caso brasileiro, se deu na conjuntura de substituição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial, a partir do governo de Getúlio Vargas, em 1930. Por outro lado, o Estado também passou a assumir responsabilidades pelas condições de vida da população. A partir daí, progressivamente, o Estado brasileiro reconhece a questão social como uma 76 questão política a ser enfrentada através de sua intervenção. Desta forma, a assistência começa a se configurar, seja no campo da ação governamental para prestação de serviços, seja como aparato político para conter as tensões sociais (SPOSATI et al, 1985). Isso posto, a Política de Assistência Social no Brasil, apresenta em sua gênese, o desenvolvimento de práticas filantrópicas e paternalistas, tornando-se mecanismos de manipulação e controle da população, particularmente da classe subalternizada32. Progressivamente, emergem lutas e movimentos a fim de romper com o vínculo assistencialista e emergencial da assistência social, apresentando-se como importante marco nesse processo, a compreensão dada à assistência social na Constituição Federal de 1988, posteriormente, fortalecida com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Faleiros (2000), no trato dessa questão alega que, a promulgação da constituição se insere em um contexto marcado pela ruptura com o regime militar caracterizado por uma enorme repressão política, forte inflação e alta dívida pública - e pela presença de fortes movimentos de pressão, nos quais se fará ouvir a voz das mulheres, negros, índios, ruralistas e outras categorias sociais. Desta forma, a Carta Constitucional é fruto de disputa e negociação entre blocos de forças antagônicas. A Constituição de 1988 constitui, portanto, o marco legal para compreensão das transformações e redefinições do perfil histórico da assistência social no país. Essa qualificará a assistência como política pública de seguridade social. Ainda como característica da conquista constitucional de 1988 e resultado de pressões sociais pela regulamentação da constituição, através das leis específicas em 7 de dezembro de 1993 é aprovada pelo presidente Itamar Franco, a Lei Orgânica de Assistência social (LOAS), publicada no Diário Oficial da União em 8 de dezembro de 1993. Essa lei torna a assistência social uma política pública com base em uma gestão descentralizada e participativa. A partir da LOAS, a assistência social parte para uma nova configuração, a qual visa romper com o perfil do favor e do clientelismo33, consolidando-se como 32 Há inúmeros trabalhos que assinalam as relações assistência/controle da população/ paternalismo/autoritarismo. Ver entre outros: (IAMAMOTO, 2007); (SPOSATI, 1985); (YAZBEK, 1993). 33 Trata-se de uma prática, que embora seja combatida no Brasil, ainda é bastante viva em períodos de campanhas eleitorais, cuja finalidade é prestar serviços e oferta de “privilégios” em “troca de 77 política pública de direitos. A LOAS inaugura, portanto, uma nova era para assistência social brasileira, configurando-se enquanto política pública; atentando-se para os níveis de desigualdades que o Brasil vem acumulando, ao longo dos séculos, além de forçar suas diretrizes no atendimento das necessidades dos usuários. Fundamenta-se na ideia de que o direito à assistência é dever do Estado e não compensação do mercado, sobretudo, uma assistência que não se alia à ala conservadora e nem a ações compensatórias, antes, combina com a proteção, segurança e seguridade social (SPOSATI, 2004). Contudo, a LOAS ainda hoje se depara com muitos entraves para ser efetivada em sua plenitude. Um dos obstáculos é o avanço do ideário neoliberal que insiste em desviar políticas públicas para caminhos que não propiciam a construção da cidadania. Além desses aspectos, a LOAS configurou um novo significado para a assistência social, diferenciando-a do assistencialismo34 e situando-a como política de seguridade voltada à extensão da cidadania social aos segmentos desprovidos dos direitos sociais. No entanto, ações assistencialistas, focalizadas e residuais, ainda estão presentes no modelo de assistência impresso na conjuntura atual. O Sistema Único da Assistência Social (SUAS) constitui outro avanço no âmbito da assistência que se configurou como Lei Federal através da Lei nº 12. 435/201135, por meio da qual deve assegurar e garantir a continuidade dos serviços socioassistenciais. Através desse modelo de gestão busca-se materializar as diretrizes da LOAS, primando pela descentralização e participação dos sujeitos sociais envolvidos nesse processo. Essa nova sistematização da assistência define os elementos basilares para a execução da atual política de assistência 36, de modo que possibilite a normatização de padrões nos serviços de qualidade no atendimento, avaliação e resultados dos serviços oferecidos à população usuária (BRASIL, 2004). Entretanto, a referida padronização e qualidade dos serviços favores”, na maioria dos casos, em troca dos votos dos eleitores. A intermediação pode ser feita por afiliados de partidos políticos, prefeitos, vereadores, servidores públicos, deputados, secretários ou pessoas influentes nos vários recantos do país. 34 Historicamente esse termo esteve relacionado e, ainda permanece atrelado ao sentido de ajuda, benesse ou caridade. Trata-se da mediação de acesso a um determinado bem ou serviço, de maneira isolada, pontual e individualizada. Cuja ação é incapaz de produzir efeitos significativos na vida dos sujeitos. 35 Esta Lei foi sancionada em 06 de junho de 2011, pela atual presidente Dilma Rousseff. 36 A atual Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi aprovada em reunião descentralizada e participativa do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) realizada entre aos dias 20 a 22 de setembro de 2004, após um processo de discussões em torno de sua versão preliminar, efetivado em diversos eventos ocorridos em todos os estados brasileiros (BRASIL, 2004). 78 prestados a população usuária dessa política, ainda não se efetiva conforme a normativa do SUAS presume. O SUAS, incorpora em seus serviços, programas, projetos e benefícios, a centralidade na atenção às famílias, a defesa do co-financiamento para a alocação dos recursos e, ainda, a participação e mobilização da sociedade civil, no que se refere à implantação e implementação das políticas sociais. No sistema descentralizado e participativo da assistência social, o financiamento é representado pelos “fundos” de assistência social nas três instâncias do governo. Esse financiamento deve ter como base o diagnóstico sócio-territorial que aponta as diversidades de cada território e, ainda, os diferentes níveis de complexidade37. Aqui é pertinente acrescentarmos que a matricialidade sociofamiliar, impresso na NOB/SUAS, defende centralidade à família na implementação e execução dos benefícios, serviços, programas e projetos socioassistenciais. Sobre isto, temos duas ponderações a tecer. A primeira, que reconhecemos ser legítima e importante destinar ações para as famílias diante das suas responsabilidades e desafios complexos e multifacetados, cujos deveres são voltados ao seu desenvolvimento e para prover meios de sobrevivência aos seus membros. No entanto, esses encargos não devem ser restritivos a família, antes, devem ser mediado e assegurados pelo poder público (Estado), no tocante a necessidade de acesso aos direitos socioassistenciais. A segunda ponderação, deriva da primeira, em que o discurso da matricialidade familiar pode retomar a tradicional perspectiva de culpabilização dos indivíduos pela situação de privações em que vivem. Retrocedendo assim, ao aspecto neoconservador da assistência social cuja lógica está concatenada a antiga intervenção “moralizadora” da família. Neste sentido, esse viés “moralizador” tende a responsabilizar a família pelas manifestações da questão social as quais vivenciam, a exemplo do desemprego, da pobreza, segregação de renda e etc. Obscurecendo 37 Com a municipalização, a assistência social adotará novas classificações para o desenvolvimento de ações e serviços, a qual passa a ser distribuída em três categorias: a primeira é a Proteção Social Básica, a qual tem como objetivo desenvolver ações de caráter preventivo, buscando o desenvolvimento das potencialidades dos usuários, bem como o fortalecimento dos vínculos familiares; a segunda é a Proteção Especial de Média Complexidade, que desenvolve ações destinadas a atender a famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados, porém não houve rompimento do vínculo familiar; e a terceira é a Proteção Social Especial de Alta Complexidade, a qual tem ações voltadas aos indivíduos e famílias que tiveram seus direitos violados e vínculos familiares rompidos (BRASIL, 2004). 79 então, o entendimento que o agravamento das diversas fraturas da questão social é inerente a quem a idealizou e criou: o modo de reprodução e acumulação capitalista. Em face disto, a centralidade às famílias ou a matricialidade familiar, nos dias atuais, ainda se configura como um grande desafio. A sociedade capitalista exige dos “executores das políticas sociais”, soluções imediatas aos dilemas das “famílias pobres”. Ao mesmo tempo faz transparecer, que os profissionais das políticas sociais, principalmente, os assistentes sociais, possuem algum tipo de “fórmula mágica ou receita pronta” capaz de sanar todos os conflitos que permeiam o universo das famílias pobres. Além disso, tende a responsabilizar os sujeitos sociais pelas suas vicissitudes, num contexto em que cada vez mais, os direitos da classe aviltada pela pobreza sofrem retração. Para, além disso, é preciso pensar que o enfoque atribuído às ações voltadas às famílias pode conduzi-las a uma direção reducionista, pragmática e focalista. É, pois, necessário considerar os determinantes estruturais da sociedade, a saber: aspectos macroeconômicos, sociais, políticos, culturais, particularidades regionais, além das novas redefinições da composição familiar no cenário atual. Aliás, o conceito de família, ainda se apresenta num invólucro de superficialidade e sem consensos, haja vista os muitos debates e incursões que se têm em torno de suas contradições e das novas reconfigurações familiares que se estabelecem no cenário atual. A esse respeito, coadunamos com o entendimento da PNAS/2004 a qual define família como um conjunto de pessoas que se encontram unidas por laços consanguíneos, afetivos e de solidariedade. Portanto, transcende o modelo tipificado e nuclear burguês (constituído por pai, mãe e filhos). Destarte é preciso entender que “as novas feições de família estão intrínseca e dialeticamente condicionadas às transformações societárias contemporâneas” (BRASIL, 2004, p. 41). Assim, se faz necessário imprimir na gestão do SUAS, ações e estratégias que atendam às necessidades postas pelas famílias, as quais precisam da intervenção estatal, seja em que dimensão macro-social for, a que perfil ou arranjo familiar pertencer. A nova sistematização da assistência social reforça ainda a ideia de que essa, enquanto política pública deve inserir-se na articulação intersetorial com outras políticas sociais, a fim de que as ações não sejam fragmentadas e pontuais, mas sejam capazes de contemplar as necessidades de todos os membros das famílias (BRASIL, 2004). 80 Nessa perspectiva, a Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu o Art. 226, assegura especial proteção do Estado às famílias. Todavia, a conjuntura atual do Estado Neoliberal se revela insuficiente na garantia de políticas públicas que assegurem os direitos sociais a todos os cidadãos. Nessa envergadura, a assistência social, enquanto política pública não têm se configurado como um conjunto de ações articuladas, intersetorialmente, com outras políticas: a saúde, a previdência, a habitação, o emprego e a educação. Elas aparecem pulverizadas, focalizadas e deficitárias, não favorecem acesso amplo e com qualidade às famílias que não podem pagar por estes serviços. Ainda sob as armadilhas neoliberais, em consonância com o pensamento de Mioto (2004), observamos uma tendência de sobrecarga de funções e responsabilidades que recaem sob as famílias, em decorrência da retração da ação do Estado na promoção de políticas que atendam as demandas do seio familiar. Para Mioto (2004, p. 15), a relação Estado-família: [...] travaram sempre uma relação conflituosa e contraditória, numa parceria que não é bem uma parceria, em que o Estado se compromete a proteger a família, em uma espécie de „parceria‟, mas ao longo da história vimos que essa parceria é um conto do vigário, muitas vezes porque a família vem sendo mais sobrecarregada e não esvaziada [de funções e/ou responsabilidades]. [acréscimo da autora] O referido engodo foi acentuado pelo avanço neoliberal, reformulação do Estado, transformações no processo produtivo e a precarização das relações de trabalho. Tal contexto favorece a retomada de redes de solidariedade e de sociabilidade, nas quais a família é chamada a atuar como parceira na proteção e inclusão social. De fato, a família vê-se mais e mais com uma sobrecarga de responsabilidades sociais para propiciar alimentação, educação, moradia, e saúde dos seus membros. Segundo Sgritta (1998), existem dois canais “naturais” para satisfação das necessidades dos cidadãos: o mercado (via trabalho) e a família. Apenas quando esses canais falham, o Estado intervém, ou seja, a ajuda pública acontece somente sob forma de compensação em decorrência de “falimento” 38 ou pobreza. 38 Termo usado por Sgritta (1998), no trato do trinômio Estado-mercado-família. 81 Reportamo-nos ainda a Mioto (2004, p. 15) para afirmar que, independentemente, das condições objetivas e das mudanças das relações familiares, a família “tem uma capacidade infinita de proteção”. Desse pensamento, se determinou o direcionamento de políticas sociais para as famílias pobres, sobretudo, aquelas que faliram na proteção de seus membros, consideradas pela sociedade burguesa como “incapazes”, “patológicas”, ou ainda as chamadas “sobrantes”39. A essa categoria de família é destinada a assistência pública, ou impreterivelmente, a assistência social. Isso revela-nos que o Estado não privilegia políticas de caráter universal e emancipatórias para as famílias brasileiras. Para Sarti (1996), as famílias pobres são firmadas por redes de solidariedade, que envolvem um sistema de obrigações morais, em que para essas famílias, prevalece uma relação de ajuda mútua, extensiva àqueles com quem se pode contar. Para a autora, essas redes dificultam a individualização dos sujeitos e, ao mesmo tempo, viabilizam condições básicas de sobrevivência. De maneira que, a família para o pobre, fundamentada nas relações de redes e obrigações morais, está assim concatenada: [...] associa-se àqueles em quem se pode confiar. [...]. Como não há status ou poder a ser transmitido, o que define a extensão da família entre os pobres é a rede de obrigações que se estabelece: são da família aqueles com quem se pode contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem o que se dá, aqueles, portanto, para com quem se tem obrigações (SARTI, 1996, p. 63). Por conseguinte, as relações com parentes consanguíneos só são válidas se os membros estiverem inseridos no “sistema de obrigações morais”, ou seja, se entre eles for estabelecida algum tipo de ajuda mútua, firmando assim, uma rede de confiança, afeto e estratégias comuns de sobrevivência. A ineficiente atenção do Estado às famílias pobres, as quais mais sofrem violação de direitos e a precariedade dos serviços sociais, deixa as famílias diante 39 Esse termo emerge da relação capital-trabalho, na medida em que, o processo produtivo capitalista descarta visivelmente o trabalho humano pelo maquinário. Isso significa tornar supérfluo um grande contingente de trabalhadores que não se inserem na dinâmica da produção capitalista. Carvalho e Guerra chamam atenção para o modo como a exclusão é vista nessa relação. Para as autoras a exclusão não e vista como total e absoluta, já que a própria lógica do capital cria formas precárias de inclusão, com o intuito de incluir as populações que se encontram nas franjas do mercado, mesmo que minimamente, através do consumo. A informalidade é um exemplo clássico disso (CARVALHO; GUERRA, 2006). 82 do desafio cotidiano de encontrar alternativas de sobrevivência, em contextos de grande dilema da vida social. Muitas destas famílias transitam na linha tênue entre a assistência social ineficiente e limitada, com suas condicionalidades associadas à atribuição de benefícios e a total desproteção e “desassistência” por parte de quem deveria, por excelência, protegê-la: o Estado. Aqui é pertinente fazermos referência às recentes iniciativas divulgadas pelo Governo Federal no âmbito da Política de Assistência Social, especialmente por estarem diretamente associadas ao enfrentamento da extrema pobreza, no governo de Dilma Rousseff (2011-2014). Em 2 de junho de 2011, o Decreto nº 7.492, instituiu o “Plano Brasil Sem Miséria”, cuja finalidade explícita é superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações. Para a consolidação do referido “Plano” se considerou, em situação de extrema pobreza, a parcela da população com renda familiar per capita de até R$ 70,00 (valor de referência de extrema pobreza do Programa Bolsa Família)40. Ver (ANEXO A). Os objetivos propostos em torno da implementação do Plano “Brasil Sem Miséria” são: “I - elevar a renda familiar per capita da população em situação de extrema pobreza; II - ampliar o acesso da população em situação de extrema pobreza aos serviços públicos; III - propiciar o acesso da população em situação de extrema pobreza a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de inclusão produtiva” (BRASIL, DECRETO Nº 7.492, 2011). Nesta perspectiva, a estrutura do SUAS foi basilar na busca ativa das famílias para inclusão no Cadastro Único e, posteriormente, para a inserção nos programas sociais. Para tanto, conforme expressou a Presidente Dilma Rousseff: “O SUAS é instrumento extraordinário para alcançar as metas de superação da extrema pobreza”41. Desta forma, os Centros de referências (CRAS e CREAS) participaram efetivamente na execução do referido “Plano”. O CRAS, por exemplo, assumiu o 40 Na reunião do Fórum Nacional de Secretários de Estado da Assistência Social (Fonseas), realizado em 06 de outubro de 2011, em Brasília, a Ministra do MDS, Tereza Campello, expos que as metas do “Brasil Sem Miséria”, no âmbito da assistência social são incluir 800 mil famílias extremamente pobres no Programa Bolsa Família até 2013. Também está previsto que 320 mil devem entrar ainda neste ano (2011), e 145 mil idosos serão inseridos no Benefício de Prestação Continuada (BPC). 41 Ressaltamos que a sanção da Lei do Sistema Único de Assistência Social (PL SUAS), foi aprovada em 6 de julho de 2011. 83 papel que já desempenha: identificar e mapear as famílias extremamente pobres, e, posteriormente, encaminhá-las aos programas assistenciais. Atuando, portanto, como “pronto atendimento social”. Por ora, podemos identificar pouca novidade, a não ser mais uma iniciativa de combate a pobreza, cuja mudança até agora é só de nomenclatura, visto que a proposta atual retoma o antigo Plano “Fome Zero”, lançado no governo de Lula da Silva (2003-2010) e o seu efeito, já é conhecido, haja vista que não atingiu as metas traçadas e muito menos os resultados esperados. Nisto, é válido questionar: se o regime social e econômico do Brasil contemporâneo é o mesmo; se modelo neoliberal ainda impera na operacionalização e condução das políticas sociais; é mesmo possível esperar resultados significativos do Plano “Brasil Sem Miséria”? É preciso observar para que direção social esse Plano prevalecerá. É mesmo na perspectiva de “erradicar a miséria”? Ou fazer dela uma arma cada vez mais viável aos interesses do grande capital? Pensar numa sociedade sem miséria é pensar em um tipo de sociedade que supere os fundamentos da lógica capitalista, cujo principal intento é gerar lucro em todas as suas nuances e distintas formas de dominação e exploração. Portanto, pensar em “erradicar a pobreza e a miséria” é pensar, vivenciar e lutar por um tipo de sociedade, para além do comando e imperialismo do capital, Seguindo essa mesma linha de entendimento, Oliveira e Moreira (2010, p. 240) acrescentam que o enfrentamento à pobreza e à miséria “[...] exige que tais situações sejam tratadas como direitos que precisam ser materializados no cotidiano. A pobreza [...] tem rosto, gênero, diferenças e territórios e aponta para a urgência de se construir políticas sociais capazes de assegurar vida digna para todos [...]”. Assim, se a lógica é a mesma, se o fundamento desse “Plano” é o mesmo, arriscamos dizer: trata-se de mais uma tentativa de governo, cujos efeitos não resultam em mudanças reais nas condições de vida, dos mais de 16 milhões de brasileiros, que sofrem os impactos e agruras da extrema pobreza. O que não significa dizer que não devemos nos esforçar e lutar para sua efetiva implantação e funcionamento. O fato de não acreditarmos em medidas paliativas que buscam administrar a questão social e de criticá-las, apontando para seus limites, dados pela sociabilidade capitalista, não nos autoriza a não nos empenharmos para sua efetiva implantação e funcionamento dentro de seus limites estruturais. 84 É marco também da gestão/SUAS a descentralização e a territorialização. A primeira trata-se de desconcentrar a administração dos recursos do nível federal, repassando esse papel aos demais níveis: estadual e municipal, o que supõe delegar, uma maior autonomia no gerenciamento de seus próprios recursos nas três instâncias de governo. Entretanto, o retrato de gestão das políticas sociais que nos apresentam, evidenciam a não efetividade e aplicabilidade dos recursos dessas políticas. A segunda é pensar a política pública a partir das particularidades de cada território, defendendo assim a perspectiva da totalidade, de articulação entre os setores para uma efetiva ação pública (KOGA, 2003 apud BRASIL, 2004). O SUAS também aponta o controle social como um importante instrumento de participação popular, seja através de conselhos, conferências, seja em outras instâncias que somam forças nesse processo e que, sobretudo, agem como fiscalizadores, avaliadores e co-participantes nas ações da assistência social. De maneira que a participação e o controle sobre as ações do Estado são fundamentais para o fortalecimento de práticas e espaços de debates no que se refere à reconstrução de projetos direcionados, em primeira instância, aos interesses da população usuária. É inegável que a assistência social na gestão do SUAS adquire uma maior visibilidade e efetividade, já que caminha para uma direção defensora da fiscalização e participação dos sujeitos na implantação e execução das ações da assistência social. Muito embora, ainda esbarre no modelo neoliberal que tem centralidade no desmonte do Estado e no retrocesso das lutas sociais, o que incide diretamente na precariedade das políticas públicas, tendo em vista que é o Estado o principal articulador e implementador dessas políticas. Nesse processo, a família da classe trabalhadora é chamada a preencher as lacunas deixadas pelo Estado, atuando como parceira no cuidado e proteção dos cidadãos, passando a ser vista como uma das alternativas para o enfrentamento das múltiplas expressões da questão social (YAZBEK, 1996). Como destaca Carvalho (2005), a família então, apresenta funções semelhantes àquelas presentes nas políticas públicas. O apelo à solidariedade da sociedade civil, a partir do designado terceiro setor e do voluntariado, mobilizados para atuar como parceiros no enfrentamento das situações de pobreza e miséria, a apologética “responsabilidade social” (SCHONS, 1999) tida como “remédio para os males sociais” constituem 85 características marcantes da política social na atualidade e resulta da ascensão das perspectivas neoliberais. Com efeito, tais propostas, além de dispensar, cada vez mais, o Estado do seu papel, tentam transferir para a sociedade a responsabilidade em dar respostas aos dilemas sociais. Além disso, atribui-se a crise econômica aos investimentos destinados à área social, apontando as privatizações e a redução dos gastos públicos das políticas sociais como solução para reverter o déficit público. Assim, direitos básicos como saúde, educação, alimentação e trabalho perdem a condição de direitos, passando a se constituir como “mercadoria” regulada, mormente, pelo mercado. Sobre a referida contestação podemos situar o caso da saúde, que apesar de política pública e atendimento universal, fortalece-se a oferta dos serviços privados, no âmbito das empresas (serviços que traz ônus ao trabalhador, normalmente com uma pequena contribuição da empresa), somado a isto, expandese os planos de saúde populares, cujos serviços são precários e restritos a serviços ambulatoriais e de baixo custo. Além disto, se intensifica a procura pela população de baixa renda por esses serviços, frente aos serviços cada vez mais precarizados e de acesso limitado, prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta ótica neoliberal, observamos que a expansão da assistência social no Brasil, ocorreu no mesmo movimento em que se deu a ampliação dos serviços sociais pela via do mercado. De maneira que, somente aqueles que não podem ter suas necessidades sociais atendidas pelo mercado, têm suas necessidades sociais atendidas pelo Estado via serviços socioassistenciais. É, pois, nesta arena de contradições, em que cada vez mais o mercado se fortalece e dá-se a expansão da assistência social, que constatamos três fenômenos: o retrocesso no campo dos direitos, antes já conquistados, particularmente em relação às políticas da previdência e saúde, o aumento do desemprego e a precarização do mundo do trabalho. Isto atesta-nos que o capital também se utiliza da “área social” para ampliar o seu papel de acumulação. Nisto inferimos que, com a ineficiente atenção do Estado à classe trabalhadora, sofre violação de direitos com a precariedade dos serviços sociais, deixando-a com mais dificuldades diante do desafio cotidiano de encontrar alternativas de sobrevivência, em contextos de grandes vicissitudes da vida social. Neste cenário, diverso e adverso, somado as novas redefinições do mundo do 86 trabalho, passaremos a discutir o trabalho informal como uma estratégia de “inclusão perversa”, capaz de auferir renda, ao mesmo tempo e pelo mesmo movimento, torna-se funcional ao processo de acumulação capitalista. 3.2 TRABALHO INFORMAL: UMA REALIDADE COMPLEXA EM MOVIMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NA VIDA SOCIAL Ao discorrer sobre as mudanças, circunscritas no mundo do trabalho, torna-se pertinente situarmos historicamente este processo. Sabemos que os anos do Pós-Guerra (1945 a 1970) foram caracterizados pela forma de organização denominada taylorista-fordista42, cuja principal escopo era aliar a produção em massa ao consumo em massa. Para tanto, se fez necessário otimizar não apenas a produção dos bens duráveis, mas sobretudo, estimular o acesso ao consumo de mercadorias. Entretanto, frente às mudanças verificadas, em meados do século XX, esse modelo taylorista-fordista tornou-se insuficiente para atender as especificidades das demandas do processo produtivo vigente. Esse modelo de produção foi sendo incorporado (e tende a tornar-se dominante) pelo novo padrão produtivo - o toyotismo - caracterizado pelas estruturas de produção baseadas no modelo japonês, na flexibilização da produção e especialização flexível (ANTUNES, 2000). Com base na análise de Antunes (2000), o toyotismo trouxe impactos avassaladores, nas experiências de acumulação flexível, enquanto processo ágil e lucrativo de produção de mercadorias. Aqui é mister reportarmos aos estudos de Harvey (1993, p. 178-179), para afirmar que a acumulação flexível “[...] a) está voltada para o crescimento; b) apoia-se na exploração do trabalho vivo no universo da produção; c) apresenta intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional”. De acordo com o referido autor, esse processo está atrelado, então, ao desenvolvimento de novas tecnologias gerando excedentes de força de trabalho, o que torna a extração de mais-valia cada vez mais viável ao modo de produção capitalista. Sobre esse processo de mudanças no universo da produção, Tavares (2010) atesta que, uma das marcas do toyotismo é a arrancada do desemprego estrutural, ao mesmo tempo em que a “flexibilidade permitirá a incorporação das 42 Para aprofundar esta discussão ver Harvey (1993) e Antunes (2000). 87 atividades informais pelo núcleo capitalista” (p, 22) e sobre o espectro do viés neoliberal. Não se trata de mera coincidência que a ampliação dos arranjos informais avança ao mesmo tempo em que há o “enxugamento da típica organização fordista”, através das diversas formas de subcontratação e demissões em massa das grandes empresas nesses períodos. De maneira que, frente à avalanche do desemprego, “a população passou predominantemente a encontrar sua fonte de renda no mercado de trabalho informal, com suas mais variadas formas de trabalho autônomo, ambulante, irregular, precário” (COSTA, 2010, p.172). Um exemplo clássico disto, é o acrescido número de trabalhadores nas ruas vendendo “de tudo um pouco”, são produtos dos mais variados modelos, especificações e preços. Produtos importados da China ou dos chamados “Tigres Asiáticos” se espraiam nas ruas e juntos com outras atividades informais passam a intermediar a produção em pequenas empresas clandestinas, as quais têm quase sempre como pano de fundo, salários precários em condições subumanas para empresas capitalistas de grande porte. Assim, será no contexto do novo modelo de produção (toyotismo), que o trabalho informal expande-se em mesma proporção ao volume do desemprego estrutural. De maneira que o pacto fordista parece rompido e cada vez mais a relação capital-trabalho é atrelada a uma relação em que “aparentemente” o trabalhador não vende a sua força de trabalho, mas o seu próprio trabalho. Contrapondo-se a essa afirmativa Tavares (2010, p. 31) expõe: Na verdade o que se quer é que cada vez mais trabalhadores ingressem no mercado de trabalho pela via da informalidade, uma vez que isso reduz o custo variável da produção, o que se constitui numa alternativa para a superação da crise. Deste modo, a informalidade ganha cada vez mais espaço no campo da produção em suas variadas formas, tornando-se uma estratégia funcional a dinâmica do capital, haja vista que mais e mais trabalhadores se inserem, via trabalho informal, no circuito produtivo do grande capital. Nessa envergadura, frente ao desemprego descomunal, na década de 1990, o Brasil vivenciou a eliminação de 3,3 milhões de postos de trabalho formais na economia (MATOSSO, subcontratações a exemplo 1999), de somados as diversas experiências de pequenas firmas, trabalhos autônomos e 88 cooperativas de fachadas. Esses fatores incidiram diretamente na desestruturação do mercado de trabalho e da ampliação da informalidade em suas diversas modalidades no Brasil. Isso mostra-nos que, na década de 1990, já se dissemina o discurso ideológico da informalidade como uma possível alternativa de resposta ao desemprego. Dados apresentados por Quadros (2003) revelam que entre os anos de 1992 e 2001, há um crescimento explosivo e bastante significativo nos números de desocupação (trabalhadores sem trabalho), atingindo níveis de 70% neste período. Esse fenômeno afetou mais intensamente os jovens e famílias da massa popular urbana, a saber: operários, demais trabalhadores populares e empregados domésticos. Sobre isso, Tavares (2006) contribui afirmando que nos tempos áureos do capitalismo (anos 1940, 1960 do século XX), defendia-se a ideia que a sua estruturação se portaria de forma equilibrada, homogênea e integradora, em face disto, o “setor informal” era visto, na perspectiva capitalista, como atraso, portanto, devia ser superado. Contudo, no contexto da reestruturação produtiva e do crescente desemprego, o “setor informal” passa a se impor como a forma mais viável para a solução da crise e do desemprego. Na verdade, obscurece as relações de exploração, dominação e precariedade, presentes em toda e qualquer forma de produção de mercadorias. Para Tavares (2004), o crescimento das relações informais, no contexto do modo de produção capitalista, a partir da década de 1990, do século XX, não permite mais que o trabalho informal se restrinja às “unidades produtivas de caráter individual ou familiar” (p. 15), limitando-se às atividades de sobrevivência ou simplesmente como fator de reprodução do trabalhador e do seu núcleo familiar. De fato, a informalidade é pela autora e por nós apreendida não como forma de “assalariamento ilegal”, mas como funcional ao circuito do grande capital. Nesse sentido, reportamo-nos aos estudos de Dedecca (1996), para dizer que as atividades informais não apenas absorverão parte da população “sobrante”, como as incorporarão ao seu ciclo produtivo. Deste modo, a dinâmica econômica atual alimenta e incentiva o crescimento da informalidade na tentativa de forçá-la a absorver os que se encontram nas franjas do mercado formal, sejam os exassalariados com baixa qualificação, os quais irão compor o comércio ambulante, os 89 serviços domésticos ou aqueles que recebem estímulo para abrir o seu próprio negócio (DEDECCA, 1996)43. Pinho (2009) fazendo referência aos dados divulgados pela OIT e Organização Mundial do Comércio (OMC), afirma que, em 2009, existem no Brasil 65 milhões de pessoas que se encontram na informalidade. Reportando a realidade natalense, a pesquisa empírica mostrou que 30% das entrevistadas, desenvolvem algum tipo de atividade informal. São famílias que encontram no mercado informal, o amparo ou a “válvula de escape” para suprir suas necessidades “básicas”. No entanto, tais dados não revelam a lógica do capital, que os submetem, a um processo gritante de espoliação e dominação. Conforme expressa Tavares (2006, p. 2): Todas as formas de organização da produção, mesmo as que não podem ser consideradas expressões claras de relações capitalistas, estão submetidas às determinações do capital, sejam elas amparadas pela lei ou exercidas na clandestinidade. Com efeito, frente ao desemprego crescente, cotidianamente, as atividades informais são apontadas como alternativas de ocupação para aqueles que se encontram às franjas do mercado formal. Entretanto, para Tavares (2010) ao considerar que o trabalho informal é subordinado ao núcleo formal, caracterizandose desta forma, pela desproteção social e pelos baixos salários, a autora considera “no mínimo leviano que organismos políticos o recomendem como alternativa aos trabalhadores desempregados [...]” (p. 27). E complementa com a afirmativa que “a setorialização44 tanto desresponsabiliza o capital por gerar miséria, quanto faz do espaço denominado „setor informal‟ a saída possível para a pobreza” (TAVARES, 2010, p. 27). Inserindo o problema da informalidade, no bojo da lei geral da acumulação capitalista, Costa (2010, p. 174), reforça: É um resultado de um modelo de acumulação capitalista, estruturado sob uma lógica de dominação das relações de produção, portanto de 43 Em 2012, a Presidente Dilma lançou em todo país, o Programa Nacional de Microcrédito denominado “CRESCER” cujo propósito é o incentivo ao microcrédito a pessoas que querem abrir ou ampliar o seu próprio negócio. Oxigenando desta forma, a ideia do “empreendedorismo” que tem como “pano de fundo” o discurso ideológico de transformar todo trabalhador (autônomo) em empresário. 44 Para aprofundar a discussão sobre “setorialização” ver: Tavares (2004). 90 classe, que gera seu próprio excedente de trabalho: um exército industrial de reserva que vai buscar seu meio de sobrevivência fora do domínio das relações capitalistas modernas e que é, sim, funcional e rentável aquele padrão de acumulação posto que é fator de barateamento e disciplinamento da força de trabalho. Nesse sentido, a saída indicada foi à ampliação e ou criação de novas modalidades de trabalho: sejam elas informais ou de desemprego, destes se extrai um excedente de mão-de-obra “que se autoemprega para sobreviver” (COSTA, 2010, p. 175), o que dar forma e formato ao chamado “setor informal”, imbuído numa lógica que se molda às mudanças da produção capitalista, modificando o seu papel e posição, à medida que modifica e expande a produção capitalista (CACCIAMALI, 2000). Outra constatação interessante de Costa (2010) é que a informalidade a despeito da sua heterogeneidade, sempre foi associada à questão da pobreza, visto que um contingente significativo da população que a constitui provém das camadas pobres. Entretanto, reportamos a Portes e Castells (1989 apud COSTA, 2010) para dizer que a questão da pobreza não se encontra necessariamente ligada a questão da informalidade em si, o qual é uma forma específica de relações de produção, mas, sobretudo, na forma como a sociedade distribui a sua riqueza produzida. Os estudos de Costa (2010) atestam ainda, a concentração e predominância de formas precárias e sem proteção das relações de trabalho que envolve o trabalho sem registro, trabalho por conta própria, serviços domésticos, atividade familiar sem remuneração. Sendo, pois, no Nordeste brasileiro que a informalidade e a insegurança que ela produz mais se associam a condição da pobreza e de indigência da população. No contexto presente, de crescimento da informalidade, Silva (2003) expõe que dentre as estratégias de acumulação do capital este também se beneficia da tolerância, além do ineficiente controle do Estado para expandir e recriar diversas modalidades de atividades não regularizadas, cuja tolerância é burlar o ordenamento jurídico que traz prejuízos não apenas aos trabalhadores informais, mas ao conjunto da classe trabalhadora. Aqui, reportamo-nos a análise de Bauman (2008, p. 15-16) para ratificar esta assertiva: [...] a capacidade e a disposição do capital para comprar trabalho continuam sendo reforçadas com regularidade pelo Estado que faz o 91 possível para manter o baixo custo da mão-de-obra mediante o desmantelamento dos mecanismos de barganha coletiva e proteção de emprego e pela imposição dos freios jurídicos às ações defensivas dos sindicatos [...], oferecendo incentivos fiscais para exportação e subsidiando os dividendos por meio de comissões governamentais pagos com dinheiro público. Diante disso, podemos inferir que dentre o contexto das intensas mudanças que permeiam o mundo do trabalho, enquanto no âmbito institucional há retrocessos dos sindicatos, as iniciativas de “flexibilizações” dos direitos do trabalho avançam, ao mesmo tempo em que, se retrai a capacidade organizativa e participativa dos trabalhadores nos movimentos de luta e resistência. Nisto, observamos que cada vez mais é viva a presença do Estado neste processo. Aqui, é cabível registrar as intensas e significativas mobilizações ocorridas no continente europeu, no ano de 2011, a exemplo da França, Itália, Grécia e outros países que compõe o “Bloco Econômico Europeu”. Em 2011, esses países ganharam destaques no cenário internacional, em face da crise econômica, já sentida em 2008, e vivenciada com mais força e devassidão nos últimos meses de 2011. Dispensa-nos esforços para entendermos que os impactos gerados pelas crises sucessivas do capitalismo, recaíram e ainda recaem sobre a classe trabalhadora, através de cortes severos nos gastos públicos, precarização das estatais, eliminação de milhares postos de trabalhos, além de retrocessos devastadores aos direitos sociais da população, no mesmo movimento em que se destinam milhões para salvar o grande capital45. No Brasil, em fevereiro de 2012, trabalhadores da Polícia civil e militar, parecem terem sido “oxigenados” pela força das mobilizações internacionais e entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho e melhorias salariais. Em maio de 2012, os professores das universidades federais do país (55 instituições ao todo) paralisaram suas atividades exigindo mais recurso para a educação, reestruturação da carreira docente, melhores condições de trabalho e de salários. Seguindo o exemplo do contexto internacional, o Estado brasileiro mostra sua força coercitiva em defesa, não daqueles que de fato deveria proteger, mas de 45 Conforme grifamos na seção anterior, no orçamento público de 2012, está previsto R$ 1,014 trilhão para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Isso significa que 47,19% de todo o orçamento anual, será destinado para atender aos interesses e crises do grande capital. 92 quem impera e detêm o poder. A “leitura” que a mídia (aparelho privado de hegemonia, em termos gramscianos) tem feito a respeito dessas ações reivindicatórias, sempre mostra como as greves prejudicam a população, parando serviços essenciais, numa clara tentativa de colocar trabalhadores contra trabalhadores. Tal discurso ideológico, por vezes, encontra eco em boa parte da população trabalhadora. Para, além disso, as análises de Mészáros (2009) sobre a crise do capital atestam que não se trata de crises cíclicas, como muitos autores defendem, mas de uma “crise estrutural do capital” que se estende no mundo globalizado, a qual barbariza a desigualdade, viola a nossa relação com a natureza e degrada as relações sociais. Parafraseando o pensamento de Alba Carvalho 46: “o capital não tem ética”, de forma que esse desconsidera todas as necessidades humanas, seja em que período histórico for. Sua ação e efeito são, portanto, destrutivos não apenas das forças produtivas, mas também das relações humanas. E isto, inclui a capacidade de organização sindical, contribuindo para a desmobilização ou enfraquecimento das lutas de classe por direitos. Contudo, não rouba-nos a coragem de fazê-lo e continuar lutando por uma sociedade mais democrática e além da barbárie social. Destarte, as transformações oriundas do trabalho são sentidas não apenas no âmbito da produção e distribuição de renda, mas seus efeitos buscam precarizar cada vez mais as relações que se estabelecem na relação capitaltrabalho, além de ser o lugar no qual os “indivíduos encontram um sentido de pertencimento” (COSTA, 2010, p. 181). Nisto, o que move o capital é a busca de lucros e a extração máxima de mais-valia, mediante aos simultâneos processos de trabalho e a valorização que constitui a formação do valor47 das mercadorias, a qual se materializa no campo da circulação (NETTO; BRAZ, 2006). Assim, o capital encontra no trabalho informal uma saída, na tentativa de criar subterfúgios de superação de suas crises. 46 Fala de Alba M. P. de Carvalho, durante banca de defesa dissertação de mestrado em Serviço Social da UFRN, em 26/05/2011. 47 Recorremos a Marx (1988, p. 211) para definirmos: “[...] o valor de qualquer mercadoria é determinado pala quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção”. Deste modo, não é só a força de trabalho que determina o valor do produto. O maquinário, o espaço geográfico, a matéria-prima aplicada na produção, à força de trabalho utilizada, as tecnologias, dentre outros, também o determinam. 93 Ainda sobre o teor que rege o núcleo capitalista, Marx (1983, p, 263) assim se expressa: O motivo que impulsiona e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior autovalorização possível do capital, isto é, a maior produção de mais valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho pelo capitalista. Tavares, em sintonia com o pensamento de Marx, também afirma que não é interesse do capital criar empregos, haja vista que sua dinâmica se constitui, prioritariamente, em gerar lucros, mediante a extração da mais-valia pela via da exploração da força do trabalho em suas mais variadas formas. De modo que, qualquer oportunidade pode tornar-se um investimento lucrativo em favor do circuito do grande capital. Logo, quando o trabalho informal não cumpre essa função “constitui-se apenas numa espécie de pronto-socorro dos desempregados” (TAVARES, 2010, p. 22). Ainda para a autora, a estratégia de deslocar o trabalho para outras unidades econômicas se constitui em mais um artifício do capital para legitimar a exploração nas suas formas contemporâneas (TAVARES, 2010, p, 23). Isto revela-nos, que diferentemente do discurso dominante, o trabalho informal não se materializa em um círculo de produção independente. No entanto, vem sendo utilizado, em larga escala, pelas empresas de cunho capitalistas como forma de trabalho assalariado por peça48. No entanto, o trabalho assalariado ainda é fundante na sociedade capitalista, mesmo que o trabalho esteja submetido a formas que obscurecem sua verdadeira função social (TAVARES, 2010). Destarte, frente ao padrão de industrialização adotado no Brasil, em que se assenta e se constitui as relações de trabalho informal é comumente conceituado como aquele trabalho não regulamentado pelas leis trabalhistas, haja vista que a proteção social alcança apenas os trabalhadores formais, reconhecidos pela regulação salarial, ou conforme denominou Santos (1979) trata-se de uma “cidadania regulada”, que contempla apenas os trabalhadores regularmente reconhecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)49. Além disto, é válido considerar que o arranjo informal “marca a precariedade das condições de trabalho 48 Logo mais adiante, discorremos sobre esta questão, à luz Marxiana. Em 1º de maio de 1943, através do Decreto-Lei/5452 fica aprovada a CLT a qual institui as normas que regulam as relações individuais e coletivas do trabalho (BRASIL, 2006). 49 94 e de vida, a negação dos princípios mais elementares de cidadania, a perpétua reprodução da pobreza e das desigualdades sociais” (COSTA, 2010, p, 172). Sendo que no invólucro da informalidade, atualmente, encontramos: os trabalhadores que não conseguem se inserir no mercado formal e àqueles que foram deslocados do mercado formal pelo processo da terceirização. De maneira que o primeiro grupo pode ou não estabelecer uma relação direta com o capital. Enquanto que no segundo, pode ocorrer substituição de contrato de trabalho por contrato comercial, supondo-se, dessa forma, no discurso dominante, o fim da subordinação existente na relação capital-trabalho (TAVARES, 2010). O exposto anteriormente pressupõe uma relação de igualdade formal entre empregador/empregado, de modo que o trabalho assalariado é metamorfoseado em diversas modalidades, como o trabalho autônomo ou em pequenas empresas. Aliás, aderir à lógica do “empreendedorismo”, cuja proposta cabal é transformar todo trabalhador por conta própria em empresário, de fato, se constitui como uma estratégia funcional à reprodução do capitalismo, uma vez que em muitos casos, nela, se obscurecem as relações de exploração, dominação e extração de mais-valia, tão presentes ao campo da produção. Diante disto, Salama e Valier (1997, p, 143), acrescentam: Por trás da liberdade/igualdade dos trocadores mascaradas pelas próprias relações mercantis, esconde-se a exploração sofrida pelos trabalhadores na esfera da produção. Entre o comprador e o vendedor da força de trabalho, a igualdade da esfera da troca cede o lugar para a desigualdade na esfera da produção, onde o primeiro se apropria gratuitamente de uma parte do trabalho do segundo [...]. Por trás da liberdade/igualdade dos trocadores, esconde-se também um Estado que garante a reprodução deste sistema bem específico de exploração que é o sistema capitalista, mas que, exteriormente aos capitalistas individuais, não é o que aparenta ser: o Estado da classe capitalista. O que revela-nos que o trabalho informal é caracterizado por empregos desprotegidos, sem vínculo formal, mas diretamente vinculados à produção capitalista. Trata-se, portanto, de formas de trabalho praticadas na sociedade préindustrial e, atualmente, são retomadas pela grande empresa. É o real retrato do 95 modelo flexível50 haja vista que “nenhuma forma de trabalho pode ser mais formal que o trabalho informal” (TAVARES, 2004, p. 52). Segundo Pochmann (2000, p. 86), em 1999, a taxa de desemprego no Brasil aumentou 396%. Em decorrência deste alarmante número de desemprego, proliferam cooperativas, empresas familiares, trabalho domiciliar, micro e pequenas empresas. Essas formas de trabalho comumente se apresentam como autônomas e independentes, mas não revelam os mecanismos pelos quais os trabalhadores exploram a sua própria força de trabalho para o capital e o quanto têm os seus direitos fundamentais violados (TAVARES 2004). Assim, ainda corroborando com Tavares (TAVARES, 2004, p. 21): [...] essa suposta autonomia, além de mascarar as reais dimensões do desemprego, fragmenta a classe trabalhadora, opera o culto ao individualismo, desqualifica as organizações representativas do trabalho, fomenta a ordem ideológica dominante e distancia o horizonte revolucionário Desse modo, os fenômenos novos, oriundos dos resultados dos processos de flexibilização51, em nada modificam as contradições existentes na relação capital-trabalho. Na verdade, o Capital, como todo e qualquer bom estrategista, (re)cria formas para que a dinâmica capitalista possa continuar se movendo. Isso mostra que no trabalho informal, o trabalhador/empreendedor desempenha as mesmas funções para o capital, com aplicação de resultados, cumprimentos de prazos, extração de tempo e mais-valia; condições precárias de trabalho e sem nenhuma proteção social. Na condição de patrão, muitas vezes, trabalha para grandes empresas com metas e prazos a cumprir, exigindo constantemente trabalho extra. Outras vezes, o “empreendedor” retira do seu trabalho, somente o seu sustento e o de sua família, por isso, precisa também se auto-explorar, pois da sua jornada de trabalho depende a sobrevivência. Em fase disso, entende-se que a imensa massa de trabalhadores excedentes tem sido uma condição capaz de possibilitar a acumulação capitalista, 50 O Modelo Flexível, além de gerar o desemprego ampliado, tem aumentado o número de trabalhadores temporários, subcontratados e precarizados (MARANHÃO, 2009). 51 Oliveira (2003) vai dizer que nas formas de terceirização, do trabalho precário e do trabalho informal, “está uma mudança radical na determinação do capital variável [...]”(p. 136). De modo que os rendimentos dos trabalhadores agora dependem dos resultados das vendas das mercadorias. Assim, o conjunto de trabalhadores é transformado em uma soma indeterminada de um exército da ativa e outro da reserva, os quais se intercambiam não nos ciclos de negócios, mas cotidianamente. 96 tornando a pauperização dos trabalhadores uma estratégia de negócio funcional à reprodução e acumulação do capital52. A referida constatação é reforçada por Bauman (2008, p. 17-18), o qual revela o perfil do trabalhador que se procura nas empresas, nesses tempos de crise do capital: Há preferência, entre os empregadores, por empregados „flutuantes‟, descomprometidos, flexíveis, „generalistas‟ e, em última instância, descartáveis (do tipo „pau-pra-toda-obra‟, em vez de especializados e submetidos a um treinamento estritamente focalizado) [...]. O empregado ideal seria uma pessoa sem vínculos [...], pronta a assumir qualquer tarefa que lhe apareça e preparada para reajustar e refocalizar de imediato suas próprias inclinações, abraçando novas prioridades e abandonando as adquiridas anteriormente [...], uma pessoa que deixará a empresa quando não for mais necessária, sem queixa nem processo. Dessa forma, é inconteste que um grande contingente de trabalhadores demitidos dos empregos formais significou a eliminação dos empregos registrados e legalmente protegidos e para àqueles que estão às franjas do mercado formal normalmente jovens com pouco grau de escolaridade - “a informalidade é o horizonte que se abre” (COSTA, 2010, p. 172), sendo a saída possível para muitos. Entretanto, também é inegável que o trabalho informal tem se tornado uma fonte de renda para parte da população “sobrante”, a qual se submete as mais variadas formas de trabalho temporário, irregular, clandestino, precário e barato. Trata-se, pois, dos flutuantes, descartáveis, submissos e disponíveis a todo trabalho e a receber qualquer valor e, desses, o capital também se apropriará para explorar e lucrar. Aqui é pertinente acrescentar que os impactos da crise do capital sentida, sobretudo, no mundo do trabalho não é exclusivo aos que estão as franjas do mercado formal, tal como nos sinaliza Mészáros (2009, p. 69): [...] quem sofre as consequências dessa situação não é mais a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas „desprivilegiadas‟, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da força de trabalho da sociedade. [grifo do autor] 52 [...] só através da plena validade da mais-valia-relativa, ou seja, de uma altíssima produtividade do trabalho, “é que permite o capital eliminar a jornada de trabalho como mensuração do valor da força do trabalho” e assim poder, “utilizar o trabalho abstrato dos trabalhadores informais como fonte de produção de mais valor” (OLIVEIRA, 2003, p. 137). 97 É, então, sob o prisma do sistema econômico vigente e no trilho da orientação das políticas neoliberais que sentimos, na realidade social, os impactos destrutivos do capital, em todas as suas nuances, contradições, formas de trabalho e em todas as condições da vida humana. Somado a isso, o grande lema do capital: “utilizar cada vez menos a mãode-obra humana”, em benefício da máquina, ou seja, a explícita substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, com vistas, a reduzir custos, tempo e automatizar os rendimentos, se objetiva através do crescimento acentuado do desemprego e do trabalho informal. Um exemplo disso pode ser evidenciado no setor de produção de cana-de-açúcar, no qual a maquinaria substitui massivamente o trabalho humano. No contexto da agricultura familiar, bem como nas atividades de comércio e de serviços informais, ocorre frequentemente a incorporação de diversos membros da mesma família em condição de subemprego, com remuneração ínfima ou mesmo sem remuneração direta. Assim posto, o capital além de colocar o trabalho na informalidade, retirando a proteção social dos trabalhadores, reforça à sua lógica imperialista e mascara a extração da mais-valia. Partindo dessa premissa que o capital cria e redefine formas de superar suas crises, passaremos a desvelar as faces e disfarces que se estabelecem na tênue relação entre trabalho e a Política de Assistência Social. Em um contexto que se eleva o discurso do trabalho informal como alternativa ao desemprego, no mesmo movimento em que, se intensifica a “ideologia” da assistência social como estratégia de enfrentamento a desigualdade social. Aqui é pertinente destacar que dentre as entidades conveniadas no SUAS, 20% delas, desenvolve projetos de enfrentamento a pobreza, através da modalidade de “inclusão produtiva” e 37% oferecem serviços de capacitação e promoção de “integração ao mercado de trabalho” (MDS, 2012). Sobre o prisma dessa constatação, nos tópicos que seguem, buscaremos apreender se de fato o trabalho informal firma bases na assistência social via a modalidade de “inclusão produtiva”. 98 3.3 ASSISTÊNCIA E TRABALHO: CONGRUÊNCIA OU CONTRAPOSIÇÃO? Análises de Behring e Boschetti (2006) sobre a trajetória das políticas sociais afirmam que as primeiras iniciativas53 nesse campo, se gestaram na congruência dos movimentos de ascensão do capitalismo, no bojo da Revolução Industrial, das lutas de classes e do contexto do desenvolvimento da intervenção estatal. Quanto à origem das políticas sociais, as autoras alegam que essas estão relacionadas aos movimentos da massa socialdemocrata e ao estabelecimento dos Estados-nação, na Europa Ocidental do século XIX (PIERSON, 1991 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Sua generalização se dá na transição do capitalismo concorrencial para o monopolista, mais precisamente na fase tardia ou madura do capitalismo, após o acontecimento emblemático da Segunda Guerra Mundial (Pós-45). No contexto acima referido, as sociedades capitalistas, assumiram algumas “responsabilidades sociais”, não com o intuito de garantir o bem-comum ou simplesmente assistir os “desassistidos”, mas a fim de “manter a ordem social e punir a vagabundagem” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 47). Para tanto, conjugavam a caridade privada (no âmbito do domicílio) e ações filantrópicas às iniciativas pontuais com características assistenciais, comumente identificadas como as “protoformas” das políticas sociais54 (POLANYI, 2000). Dentre as “protoformas” mais citadas destacamos as legislações inglesas as quais se desenvolveram no período que antecedeu a Revolução industrial. Para Castel (1998, p. 176), essas legislações estabeleciam um “código coercitivo do trabalho”, por conseguinte, o seu caráter era mais repressivo e opressor do que protetor (PEREIRA, 2008). Ainda segundo Castel (1998), as regulamentações inglesas apresentavam objetivos fundamentais comuns a saber: estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam do trabalho para sobreviver; obrigar ao pobre a aceitar qualquer trabalho que lhe era oferecido; regular a remuneração do trabalho, de maneira que o trabalhador não podia negociar ou reclamar as formas de remuneração; além de proibir à mendicância dos pobres “válidos”, obrigando-os a se submeter aos trabalhos oferecidos. 53 Mais adiante trataremos sobre estas primeiras iniciativas das políticas sociais. Para melhor aprofundamento sobre as “protoformas” de políticas sociais ver Boschetti (2003); Castel (1998), Pereira (2008) e Schons (1999). 54 99 Polanyi (2000) e Castel (1998) vão dizer que as legislações promulgadas até 1795, designadas como Poor Law (Leis dos Pobres) de 1601, Lei de Domicílio de 1662 e a Speenhamland Act de 1795, tinham como principal função manter a ordem das castas e impedir a livre circulação da força de trabalho, o que culminou por retardar a constituição do livre mercado. Diferentemente do que propunha a “Nova Lei dos Pobres” de 1834, que já no bojo da Revolução Industrial, visava liberar à mão-de-obra necessária a consolidação da sociedade de mercado. Ainda para Polanyi (2000), o princípio fundamental das Leis supracitadas, era obrigar os aptos ou que apresentassem condições de trabalhar, ao exercício do trabalho, de maneira que as ações assistenciais propunham induzir os trabalhadores a suprir sua subsistência pela via do trabalho. Associado ao trabalho forçado, essas ações garantiam auxílios mínimos, a exemplo da alimentação oferecida aos pobres reclusos nas chamadas workhouses (casas de trabalho). Ressaltamos que os critérios para ter acesso às casas de trabalho, eram fortemente restritos e seletivos, além do que, poucos tinham acesso aos benefícios. Àqueles que conseguiam ser selecionados eram obrigados a desenvolver uma atividade laboral para justificar a assistência recebida (POLANYI, 2000; CASTEL, 1998). Essas legislações estabeleciam distinções entre os pobres “merecedores” (àqueles comprovadamente incapazes ao trabalho e alguns nobres empobrecidos) e os pobres “não merecedores” (todos que possuíam capacidade, ainda que mínima, para desenvolver qualquer tipo de atividade laboral). Aos “merecedores” de auxílio era assegurado algum tipo de assistência, mesmo que mínima e restrita, o qual era sustentado pelo dever moral e cristão de ajuda e não sob a ótica de direitos, enquanto que os “não merecedores” ou “válidos”, cabia-lhes a inserção ao trabalho forçado em qualquer tipo de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). A Lei Speenhamland (1795), difere das demais, visto que apresentava um caráter menos repressor. Estabelecia o pagamento de um abono financeiro, em complementação aos salários, cujo valor tomava como parâmetro o preço do pão. Segundo Castel (1998), diferente da Lei dos Pobres, a Lei Speenhamland garantia assistência social aos empregados e desempregados que recebiam um valor abaixo de determinado rendimento, em contrapartida, exigia-se a fixação do trabalhador, já que a mobilidade geográfica de mão-de-obra, até então, era proibida. Assim, enquanto as leis anteriores induziam os trabalhadores a aceitarem qualquer oferta de trabalho e sob qualquer preço, a Lei Speenhamland possibilitava 100 ao trabalhador negociar o valor de sua força de trabalho, impondo assim, limites (embora que restritos) ao mercado de trabalho competitivo que se constitua naquele período. Outra lei, apontada por Behring e Boschetti (2006), que merece destaque nessa discussão, refere-se à denominada “Nova Lei dos Pobres”, a qual marcou o predomínio do capitalismo, situando “o trabalho como fonte única e exclusiva de renda” (p. 50), e relegou a já limitada assistência aos pobres, ao domínio da filantropia. A “Nova Lei dos Pobres” reiterou a obrigatoriedade do trabalho forçado aos pobres, aptos ao trabalho, “deixando à própria sorte uma população pobre e miseráveis sujeitos à exploração sem lei do capitalismo nascente” (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 50). Em face do exposto, podemos inferir que se as legislações sociais précapitalistas eram punitivas, restritas e agiam na intersecção da assistência social e do trabalho forçado, o abandono dessas medidas de proteção, no auge da Revolução Industrial, lança os pobres ao “reino da liberdade” sem proteção, tornando essa relação cada vez mais tênue, injusta, provocadora e reprodutora da desigualdade social. Boschetti (2003), referindo-se à relação entre assistência e trabalho, vai dizer que mesmo sendo reconhecidos como direitos sociais, esses se estabelecem sob uma relação de tensão e atração. A tensão se dá quando aqueles que estão em condições de trabalhar, mesmo quando não conseguem trabalho, recorrem aos serviços da assistência social, no entanto, não tem acesso a ela. Já a atração é posta pela a autora “porque a ausência de um deles impele o indivíduo para o outro, mesmo que não possa, não deva, ou não tenha direito” (p. 47). O que ratifica-nos que embora a assistência e o trabalho se constituam como direitos sociais, esses se apresentam de modo restrito e limitado, portanto, nem todos têm acesso a eles. Sobre o exposto anteriormente, acrescenta Boschetti (2003, p. 52): Quanto mais se conjuga assistência e trabalho, sem cristalizá-los como direito para populações clivadas pela aptidão e inaptidão ao trabalho, maior será o universo daqueles que terão acesso a estes direitos pela situação de necessidade. Nesse sentido, entendemos que assistência e trabalho, historicamente se coadunam nas relações de ordem social e na organização social do trabalho, cujo 101 cerne se constituiu em assistir, minimamente, os “inválidos”, de maneira que a assistência se prestava (e ainda se presta) a induzir o trabalhador a se manter e prover suas necessidades no e pela via do trabalho. Para Marx (1988), o trabalho é entendido como atividade humana, resultante do dispêndio de energia física e mental, direta ou indiretamente voltada à produção de bens e serviços, contribuindo para a reprodução da vida humana, individual e social. Essa definição nos ajuda a entender que Marx considera o trabalho como atividade essencialmente humana. Contudo, sob o prisma da lógica capitalista ao produzir valor de uso, possibilita que, no mercado, tal produto possua valor de troca, pois esse “só se realiza com a utilização ou o consumo” (p. 42), e acrescenta que “um valor de uso ou um bem só possui, portanto, valor porque nele está corporificado, materializado trabalho humano abstrato” (MARX, 1988, p. 45), de maneira que só o trabalho humano produz “valor e mais valor”, mediante a expropriação e exploração do trabalho vivo. A esse respeito, ainda nos reportamos ao pensamento Marxiano, para entender que embora o trabalho morto já tenha incorporado em si, mais-valia, isto não o torna suficiente para gerar valor ao capital, assim, é imprescindível a exploração do trabalho humano para a acumulação capitalista, seja no campo da produção ou não. Destarte, sendo o trabalho, elemento decisivo capaz de transferir e criar valor é também elemento central nesse processo de produção e reprodução dos indivíduos, das classes sociais e das relações sociais. Assim, a política e a luta de classes são inerentes à lei do valor e a discussão da questão social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). O trabalho, então, no endosso desse estudo, é investigado no âmbito das contradições inerentes à produção capitalista, haja vista que o trabalho agrega valor, portanto, nutre e mantém a acumulação ampliada do capital. Entretanto os efeitos do capital são sentidos, não apenas nas mercadorias, mas em todas as relações da vida. O trabalho, robustecido pelo discurso da empregabilidade, nessa pesquisa, adquire um relevo significativo, quando se agrega a Política de Assistência Social, pela via dos programas de “inclusão produtiva”, a fim de inserir o “pobre” no circuito do processo produtivo. 102 Partindo desse preâmbulo, Boschetti (2003), examinando o desenvolvimento histórico da assistência social indica que essa política se desenvolve imbricada em uma relação de oposição entre assistência e o trabalho. A autora, tecendo análises sobre o critério de seleção que se estabelece no âmbito da assistência social, expõe que, por séculos, a assistência se destinou apenas aos pobres que comprovassem sua incapacidade para o trabalho. Reitera ainda que somente no século XX, os pobres aptos ao trabalho passaram a ter direito a assistência pela via dos programas de transferência de renda, conforme vivenciou alguns países da Europa. Já no Brasil, a assistência como direito, se constituiu fortemente sob o critério da inaptidão para o trabalho. Entretanto, a aplicação desse critério não acontece de forma “mecânica e absoluta, sua construção é histórica e processual” (BOSCHETTI, 2003, p. 52) e, deste modo, se constitui mediante a dinâmica dos movimentos e das pressões sociais. Em face disto, identificamos que o critério de aptidão ou inaptidão para o trabalho, durante um longo período histórico, constituiu-se como condição primordial para eleger àqueles que teriam acesso aos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais. Na interpretação de Polanyi (2000), a preeminência da concepção liberal sobre o trabalho, e mais precisamente do trabalho assalariado, materializou na história, o princípio em que o homem deve prover as suas necessidades e de sua família com os rendimentos oriundos da força do trabalho. A presente constatação identifica que as propostas liberais, na vigência atual, - neoliberais -, admitia políticas assistenciais mínimas cujo público elegível é, prioritariamente, os pobres incapazes para o trabalho, mas atualmente em função do desemprego estrutural e dos salários precários, a assistência social alcança também os aptos para o trabalho. Dados divulgados pelo MDS afirmam que 75% dos beneficiários do Programa Bolsa Família possuem emprego, porém, os rendimentos são insuficientes para suprir às necessidades básicas de suas famílias55 (BRASIL, 2011). Sitcovsky (2010), situando a assistência e o trabalho, sob a perspectiva de totalidade expõe que ambos “são mediações do movimento de reprodução social determinadas pelas necessidades do capital” (p, 214). Deste modo, historicamente, 55 Aqui destacamos as importantes contribuições de Rodrigues (2010) e Sitcovsky (2010), referentes à relação que se estabelece entre o Programa Bolsa Família e trabalho. 103 a assistência social se constituirá na razão contrária ao trabalho. Entretanto, com o avanço das sociedades capitalistas e de suas diversas redefinições em busca de superar suas crises, de reprodução e acumulação de capital, a assistência e o trabalho tornam-se cada vez mais convergentes, cujo principal escopo é favorecer a dinâmica acumulativa do capital. Assim, na contramão do crescimento descomunal do desemprego estrutural e na orientação político-econômica que nos é posta, o Estado, amplia sua atuação para além dos inaptos para o trabalho, incluindo os aptos ao trabalho, cujo interesse é integrar o “pobre” pela via da assistência. Nessa tentativa, ganha destaque a modalidade de “inclusão produtiva” e pela promoção de ações voltadas a “integração ao mercado de trabalho”, através da qual busca “capacitá-los” para o mercado de trabalho e “incluí-los” pela via do consumo. Todavia, inferimos que essa inserção no rol do consumo, se dá de modo limitante, precarizada e ideológica. O referido autor, ao reportar à relação histórica da assistência social e do trabalho expõe que as formas de organização social do trabalho incidem diretamente no desenho das políticas sociais, incluindo o tipo, conteúdo, objetivo, e grau de abrangência das políticas sociais. Essa assertiva ajuda-nos a entender que as políticas sociais são determinadas conforme o desenvolvimento e interesse da ordem social vigente, visto que “[...] a história do capitalismo é atravessado por formas diferenciadas de subsunção do trabalho ao capital” (SITCOVSKY, 2010, p. 214). Aqui, torna-se pertinente sublinhar que os ganhos, conquistas e avanços no âmbito dos direitos, civis, políticos e sociais, se deram, sobretudo, pelos movimentos de resistência e luta da classe trabalhadora, em defesa e em favor dos cidadãos, principalmente, da classe aviltada pela pobreza. É sabido que a assistência social, historicamente, se constitui em um campo de atuação política e social marcado por contradições e sob disputa de interesses contraditórios, visto que o Estado, através de sua intervenção nas políticas sociais, atua tanto atendendo os interesses da classe trabalhadora, como pela mesma ação, reproduz os interesses do grande capital. No Brasil, o reconhecimento da assistência social como direito do cidadão e não mais como dever moral, se deu tardiamente, mediante o legado da Constituição de 1988, através da qual o estado assume o dever de garantir e promover o acesso à assistência social, no âmbito da seguridade social. A despeito 104 disto, ainda prevalece uma política, sob restrições de acesso cujo lastro se sustenta por critérios, normas e definições, no mínimo, questionáveis. A esse respeito, Boschetti (2003) ratifica que incontestavelmente a assistência social é um direito legalmente conquistado. Entretanto, a descrição do artigo 203 da Constituição, nos suscita a questionar sobre os limites de seu direcionamento. Afinal: sobre o direito de quem e para quem a assistência social se constitui? O referido artigo nos revela que o direito à assistência social admite restrições, quando prescreve que essa política será prestada “a quem dela necessitar” (BRASIL, 2005, p. 135). Isso revela que a sua abrangência não alcança a todos, mas somente aqueles que dela precisarem, ou seja, ainda se configura, na vigência atual como “política para pobres”. Assim, a trajetória histórica da política da assistência social é marcada por resistência e embates em seu percurso para legitimar-se como política de direitos, no entanto, até hoje sofre relutância para consolidar-se conforme fora instituída na Constituição. Em face disso, Boschetti (2003, p. 44) afirma: “ela é uma política em conflito com as formas de organização social do trabalho” [grifo da autora], de maneira que emerge no cenário da assistência social, bem como nas demais políticas sociais, obstáculos que ainda entravam a consolidação destas políticas como direito, além de dificultar a definição, o espaço e a identidade das políticas sociais na arena de conflitos da relação capital-trabalho. Outra constatação que merece destaque refere-se aos objetivos da assistência, exposto no artigo 203, o que sinaliza-nos para a seguinte observância: “a promoção, o amparo, a habilitação e a garantia de uma renda mínima” (BOSCHETTI, 2003, p. 46) destinam-se aos inaptos para o trabalho, a exemplo de: criança, idoso e deficiente, os quais são incapazes de prover sua subsistência através do trabalho. Quanto àqueles que são capazes ou aptos para o trabalho, o objetivo não é prestar-lhe assistência, mas promover a “integração” desses ao mercado de trabalho, conforme prediz o artigo 203, inciso III da Constituição. Isso revela-nos que o reconhecimento legal da assistência como direito, retoma e mantém a antiga distinção entre assistência e trabalho, o qual se constitui em torno dos inaptos e aptos às atividades laborais, respectivamente. Nessa direção, a Resolução do CNAS nº. 33/11 - Artigo 2º define que “a promoção a Integração ao Mercado de Trabalho no campo da assistência social, se 105 dá por meio de um conjunto integrado de ações das diversas políticas públicas, cabendo à assistência social ofertar ações de proteção social que viabilizem a promoção do protagonismo, a participação cidadã, a mediação de acesso ao mundo do trabalho e a mobilização para construção de estratégias coletivas”. (Ver ANEXO B). Assim, ressaltamos que a função da assistência social não pode dá conta da proteção social brasileira, e não pode abarcar sozinha a responsabilidade de promover a “integração ao mercado de trabalho”, antes, estamos cônscios que esse desafio resulta de uma ação de articulação conjunta entre todas as políticas sociais. É, pois, na tentativa de inserir os aptos para o trabalho e expulsos do mercado do trabalho formal, que o Estado buscará (re)inseri-los mediante os programas de (re)qualificação profissional, cursos de geração de emprego e renda via a assistência social. Ressaltamos que essas iniciativas estatais são ideologicamente sustentadas pelas propostas do “empreendedorismo”, parcerias e solidarismo. Nessa linha de congruência e oposição, em que se lastra a assistência e trabalho passaremos a desvelar se estas iniciativas estatais, através da modalidade de “inclusão produtiva”, reproduz e nutre o trabalho informal, no contexto de crise do capital. Buscando apreender os efeitos dessa tentativa de “empregabilidade”, que também ganha cena no “palco” da assistência social. Sem perder de foco, a direção econômica em que a proposta de empregabilidade se assenta. 3.4 A INTERSEÇÃO ENTRE ASSISTÊNCIA E TRABALHO INFORMAL Reportamo-nos ainda, aos escritos de Sitcovsky (2010) para melhor entender como se dá a relação entre a assistência social e trabalho informal. Para tanto se faz necessário retomarmos algumas pistas e constatações do referido autor. Uma delas é que desde o século XVIII até o século em vigor, o salário e a assistência, sejam juntos ou separados, estão intrinsecamente associados à força do trabalho. A presente inferência, diz respeito aos atuais programas de renda mínima, os quais no contexto atual, ainda atuam como complemento ou substituição ao salário. Ressaltamos que esse argumento não significa dizer que a assistência social busca substituir o trabalho, logo porque, a assistência não pode e não quer isso. 106 O autor utiliza dados do PNAD de 2006, para revelar o aumento no consumo de bens duráveis entre os usuários dos programas de transferência de renda. O resultado dessa pesquisa, além de afirmar a participação dos beneficiários no rol do consumo, revelou o acesso aos serviços de infraestrutura (iluminação, abastecimento de água, coleta de água e outros), no entanto, os dados não revelaram melhorias nas condições de vida dessa população, violada de direitos e aviltada pela pobreza. Ressaltamos que no campo da assistência social é válido acrescentar que a visível expansão dos programas de transferência de renda56, implica num duplo efeito contraditório: ao mesmo tempo em que resulta em acesso aos mínimos sociais de sobrevivência para a classe aviltada pela pobreza, permite a participação dessa população na aquisição de alguns bens materiais, mesmo que minimamente. Ou seja, de compra em compra, seja mediante o discurso dos créditos facilitados ou não, do mesmo modo e com a mesma insistência, o capital se alimenta e lucra. Fazendo um contraponto com a realidade vivenciada pelos sujeitos da nossa pesquisa, observamos que o consumo, por meio desse benefício socioassistencial, no município de Natal, se limita a um complemento de renda para suprir necessidades básicas, como: comida, água, energia elétrica e transporte. No mais, destacaram o acesso a alguns produtos de higiene pessoal, gás de cozinha, e ainda de maneira bem pontual, a aquisição de vestuários para os filhos. Conforme expressa as falas das entrevistadas “D”, “E” e “G”: Assim, eu agradeço muito a Deus esse dinheiro do Bolsa Escola é R$ 140,00 que recebo, eu pago R$ 100,00 a minha cunhada... que eu fiz de roupa nova de final de ano pra minhas filhas... assim... de sandália, de roupa. [...]. Então serve pra mim comprar shampoo, creme, absorvente. Essas coisas pra mim. É uma benção esse dinheiro. (ENTREVISTADA “D”, pesquisa de campo, março/2012). [...]. Porque ajuda a pagar a luz, né? A água... e quando falta o gás também... né? Ajuda nessas coisas assim de casa. (ENTREVISTADA “E”, pesquisa de campo, março/2012). 56 Na ocasião do IV Seminário Regional de Graduação e Pós-Graduação da ABEPSS, sediado em Natal, em 19 de outubro de 2011, Ana Elizabete Mota trouxe reflexões fecundas sobre a profissão de Serviço Social, em tempos de crises do capital, dentre elas reforçou a centralidade que tem sido dada a assistência social, a qual é vista como um mecanismo de enfrentamento da pobreza e da desigualdade social. Sendo, pois, nesta perspectiva, que existem, atualmente, 18 Programas de Transferência de Renda na América Latina. 107 [...]. Estar certo que o dinheiro num é muito não é, R$ 32,00 reais, mas me serve né? Pra eu comprar alguma coisa, alguma ajudinha pra dentro de casa. Pra eu comprar alguma coisa pra minha filha, né? Que ela estuda e... tá no nome dela e assim... Me ajudou muito isso ai. (ENTREVISTADA “G”, pesquisa de campo, março/2012). Isso nos adverte a termos cuidado ao afirmar que os programas de transferência de renda inserem os beneficiários no consumo de mercadorias. Nesse sentido, a despeito dos programas de transferência de renda dá acesso a alguns bens básicos, isso “nem de longe”, resulta em mudanças significavas na vida cotidiana desses sujeitos e nem muda o seu lugar na sociedade. Ainda em se tratando da Política de Assistência Social, a partir de 1990, a ofensiva das classes dominantes eleva a assistência social a um lugar de destaque, à medida que a apresentou como estratégia de enfrentamento à desigualdade social. A década de 1990, portanto, se instaura como um modelo de assistência social que muito mais que uma política de proteção social, se constitui como “fetiche social” (MOTA, 2009). O que não significa depreciar ou desacreditar na natureza e capacidade dessa política quanto à mediação de acesso a conquistas dos direitos sociais. Isso remonta à tendência57 sinalizada por Mota (1995), na década de 1990, no que se refere à centralidade atribuída a assistência social no enfrentamento à desigualdade social, o que a autora denominou de “assistencialização” da proteção social. Tal conceito sinalizava para a privatização da previdência e saúde, além da expansão da assistência social no Brasil, como forma de “gerir” o aumento da pobreza. É pertinente acrescentar que o pensamento de Mota (2011) não confunde “assistencialização” com o assistencialismo. A autora, portanto, identifica a “assistencialização não como um retrocesso em relação à existência ou não da consolidação de direitos, mas sim, pela centralidade que vem sendo atribuída a assistência social hoje, no enfrentamento da questão social no Brasil” (MOTA, 2011, p. 71). Sobre a referida discussão, coadunamos com o pensamento de Sposati (2011) e Couto (2011) as quais alegam que essa expansão e centralidade não é uma questão exclusiva da assistência social, pois isso se processa no âmbito de 57 Para melhor inteirar-se no debate sobre “assistencialização” ver: CFESS (2011), especificamente, a Mesa Redonda com a participação de Aldaíza Sposati, Berenice Couto e Ana Elizabete Mota, no Seminário Nacional sobre o trabalho do assistente social no SUAS, realizado em Brasília, em 2011. 108 todas as políticas sociais, ou seja, tem-se dado, nas palavras das autoras, a “assistencialização” das políticas sociais. Mas, por ora, podemos dizer que esse debate, está longe de se dar por encerrado, e ainda há muito o que se discutir e outros terrenos teóricos para desbravar no campo da assistência social. Esse patamar de centralidade, a que se eleva a assistência social na contemporaneidade, remete-nos a outras inflexões históricas do surgimento do Serviço Social no Brasil. Mas por ora, cabe-nos rememorar que desde a sua gênese a assistência social incutia no cotidiano profissional, práticas de “ajustes à ordem social”, mediante as chamadas “ações moralizantes”. Além disso, a assistência historicamente foi reconhecida como aquela que viria sanar todo e qualquer “problema social”. De modo que, seja nos espaços institucionais ou fora deles, ainda identificamos, nos dias hodiernos, a prevalência desses dogmas e equívocos no tocante à assistência social. Em face disso, colocar a assistência social no lugar que lhe foi originalmente pensado, quando se legitimou como um dos pilares da seguridade social no Brasil, se constitui ainda em um grande desafio. Para tanto, as demais políticas sociais devem assumir o seu papel, e não apenas responsabilizar e demandar à assistência social serviços que não lhe competem. Isso é o que costumeiramente acontece, por exemplo, no âmbito da Política de Trabalho. É sabido que não se configura como o papel da assistência social promover a qualificação profissional do trabalhador, e menos ainda, garantir inserção ao mercado de trabalho, antes, cabe-lhe atuar na mediação do acesso a esses serviços em articulação com outras políticas sociais. Nessa envergadura, Mota (2009, p. 134) tecendo comentário sobre o conjunto das políticas que compõem a seguridade social brasileira expõe: Longe de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquiriram a perversa posição de conformarem uma unidade contraditória: enquanto avançam a mercantilização e privatização das políticas sociais de saúde e previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a assistência social se amplia, na condição de política não contributiva, transformando-se num novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil. A referida constatação, além de ratificar a mercantilização das políticas sociais, a exemplo da previdência, saúde e educação, com destaque para os cursos 109 de graduação à distância58 que se espraiam por todo Brasil, desvela a expansão que teve a Política de Assistência Social, sobretudo, no que se refere à ampliação dos investimentos nos programas de transferência de renda, com destaque para o BPC e o Programa Bolsa Família, tendo como foco os mais pobres da sociedade. Dantas (2011)59 destaca dados do Programa Bolsa Família, cujos gastos saltaram de 3,2 bilhões, em 2003, para 11,8 bilhões, em 2009, o que representa um crescimento de 257,5%. Seguindo essa linha de análise, retomamos a estudos recentes de Yazbek (2012) a qual divulga que em 2010, o orçamento destinado a este Programa atingiu 0,4 do PIB, o que representa 11,4 bilhões. Dados divulgados pelo SINDPPD-RS (2011)60, referente ao orçamento de 2012, informam que 2,55% dos recursos públicos serão destinados a assistência social, superando os investimentos da política de segurança pública (0,43%), trabalho (1,97%), organização agrária (0,25%) e outros. Assim, a partir de tais dados, constatamos e indagamos: é inegável a atenção atribuída à assistência social, nesses últimos anos, mas qual tem sido o “lucro” do capital neste processo? Do mesmo modo, embora seja explícita a expansão dos recursos na área da assistência, esses não têm sido suficientes para fomentar a execução dessa política de modo satisfatório. A afirmativa anterior nos instiga a expor dados divulgados, em site especializado em economia61, o qual registra que de janeiro a outubro de 2011, o Brasil acumulou um superávit comercial de 25, 390 bilhões de dólares. Tais dados revelam valores descomunais, se compararmos ao valor da dívida pública externa62, que em fevereiro do mesmo ano, atingiu os seus 271 bilhões de dólares. Portanto, 58 Quanto a polêmica do Ensino a Distancia (EAD) nos posicionamos em defesa do ensino público, gratuito, laico e de qualidade, e consideramos que, por trás do discurso da democratização, insistentemente disseminado, e por muitos assimilados, impera a lógica da mercantilização, a qual compromete a formação profissional; precariza as condições do trabalho; dissocia o trinômio: ensino, pesquisa e extensão; reduz o ensino a formas aligeiradas e, ao mesmo tempo, rebaixa a qualidade da formação profissional em todas as áreas do conhecimento. 59 Dados apresentados durante a defesa da dissertação de Maria Francisca M. Dantas, sob o título: “O funcionamento da política de assistência social no contexto do SUAS: tendências e particularidades do município do Natal-RN”, em 23/09/2011, no Mestrado em Serviço Social da UFRN. 60 Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados/RS, cujos dados estão disponíveis em: http://www.sindppd-rs.org.br/noticias/geral/2218-orcamento-de-2012-do-governo-federal-priorizapagamento-aos-bancos-os-servicos-publicos-vao-piorar-mais. 61 Para comprobação de dados, ver: Disponível em: http://economia.uol.com.br/ultimasnoticias/afp/2011/11/01/superavit-comercial-do-brasil-tem-alta-de-75-no-acumulado-do-ano.jhtm. 62 Dado disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%ADvida_externa_do_Brasil. 110 considerando o acúmulo de toda riqueza arrecadada em quase um ano, é matematicamente impossível quitar a dívida externa. Os dados apresentados também nos ajudam a ratificar que apesar da expansão dos investimentos feitos na assistência social em 2009/2010, esses números são irrisórios se comparados aos valores arrecadados pelo superávit e o valor da dívida pública. Salientando que, em 2012, está prevista a destinação de mais de 1 trilhão para o pagamento de juros e abatimento da dívida pública. Assim, essa expansão, anunciada aparentemente com “forte entusiasmo” não se torna tão expressiva, principalmente, se pusermos na balança outros critérios, como a oferta e qualidade dos serviços socioassistenciais. Após, tecermos algumas considerações importantes e inerentes ao tema dessa pesquisa retornamos a questão da interseção entre a assistência social e trabalho informal. Para tanto, reportamos aos estudos de Sitcovsky (2010), no qual verificamos que a inserção do trabalho informal na área assistencial não é uma constatação nova. Esse autor vai afirmar que desde os anos 1980, o Banco Mundial promovia e investia em práticas assistenciais que estimulavam a reprodução do trabalho informal no desenvolvimento dos serviços, programas e projetos da assistência social. A referida estratégia instigou-nos a investigar se o trabalho informal se desloca, de fato, do âmbito econômico para a área social, e assim, firma bases na Política de Assistência Social, conforme sinaliza Tavares (2006). Na realidade presente, inferimos que as armadilhas do neoliberalismo estão “em toda parte e em todas as relações da vida humana”, até mesmo na condução e execução das políticas sociais. A assistência social, por exemplo, desde sua gênese é marcada por traços que a caracteriza como iniciativa estatal, permeada por conflitos, contradições e interesses divergentes. Nessa direção, no contexto atual, cada vez mais se solidifica no cenário da assistência social, o oferecimento de cursos profissionalizantes, os quais veem se fortalecendo e se materializando nas ações da assistência social pela via da modalidade de “inclusão produtiva”. Cursos como os de manicure, cabeleireiro, corte e costura, bijuterias, camareira dentre outros, ganham destaque dentre as ações dos programas e projetos assistenciais. Curiosamente, essas atividades se inserem na área dos serviços, os quais têm como pano de fundo à reprodução do trabalho informal, e, por conseguinte, culmina por estimular a criação de “pequenos negócios” ou 111 “microempreendedor”, porém, sob formas de trabalho precárias, sem nenhuma proteção social e com remuneração ínfima. Aqui é pertinente trazermos para o debate, às condições de trabalho das entrevistadas da pesquisa empírica. Para tanto, partimos do âmbito nacional, em que o Censo do IBGE (2010a) revela que o número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada aumentou de 54,8%, em 2000, para 63,9% em 2010. Quanto ao conjunto de dados inerentes ao Nordeste, o referido Censo, também mostrou que no Brasil existem mais de 6 milhões de trabalhadores com carteira assinada, contrastando com os mais de 5 milhões que não possuem registro empregatício em “carteira”, o que se traduz em prejuízos nas garantias e benefícios trabalhistas que foram conquistadas, a duras penas, pelo conjunto da classe trabalhadora. Ainda nessa perspectiva, dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2007) revelam que do total de 1,26 milhões de ocupados no Rio Grande do Norte, mais da metade estão empregados, o que representa 54% ou 657 mil pessoas. É importante pontuar que do total de empregados, 40% ou 263 mil são empregados como carteira de trabalho assinada, contrastando com 41% ou 269 mil trabalhadores que são assalariados sem carteira de trabalho ou estão empregados em outras formas de trabalho precário e sem nenhuma proteção social. Ao considerarmos a realidade de Natal, o mapeamento das condições de vida, desse município, revela que dos 5.723 entrevistados, 86,62% estão inseridos no mercado sem a carteira de trabalho assinada (OLIVEIRA et al, 2012). Em fase do referido cenário, constatamos a insuficiência de postos de trabalho para absorver a mão-de-obra disponível no mercado de trabalho. E desse modo, acentuam-se as formas de inserção concatenadas a ocupações precárias e informais como o emprego doméstico, o trabalho autônomo e o trabalho familiar, em pequenos pontos comerciais situados na própria residência, em pequenas atividades produtivas domésticas, em oficinas e ateliers de produção de confecções, dentre outras formas de espoliação e precarização do trabalho. Ao considerarmos a realidade dos sujeitos dessa pesquisa, em âmbito local, as condições de trabalho também se apresentam surpreendentes, degradantes e angustiantes. Conforme nos apresenta a tabela 6, que segue: 112 Tabela 6: Formas de inserção no mercado de trabalho Especificidade Porcentagem Trabalho formal Trabalho informal Aposentado (a) Pensionista Desempregado Quantidade dos entrevistados 1 3 0 0 6 Total 10 100% 10% 30% 0 0 60% Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. Sob o prisma da tabela anterior, constatamos que 06 das entrevistadas não têm ocupação, 03, o que representa 30% das entrevistadas, estão inseridas em atividades informais, e apenas 01 (uma) se encontra engajada no mercado formal de trabalho. Além disso, os dados nos trazem elementos bastante reveladores, sobre os quais sublinhamos a predominância do desemprego em 60%. O que justifica a busca, cada vez mais acentuada dos usuários, pelos cursos profissionalizantes, no âmbito dos CRAS em Natal, sendo isso visto e apreendido como o horizonte que se abre na superação do desemprego. Muito embora, como as próprias falas dos sujeitos revelaram os efeitos desses cursos não se sustentam quanto a sua eficácia e efetividade, mas têm ainda um grande poder de convencimento e de expectativas, dentre à população usuária. Além disso, diante da situação de desemprego presente, não lhes parece haver outra opção, a não ser capacitar-se para tentarem conseguir trabalho. Destacamos ainda a linha tênue que se firma entre os usuários do CRAS e o trabalho informal, ratificado pelo número de sujeitos entrevistados que afirmou desenvolver algum tipo de atividade informal, a fim de complementar a renda familiar para o provimento de suas necessidades. Atentamos para o fato que são - os „disponível ao mercado‟ e que estão em busca de profissionalização - os mais cotados a desenvolverem atividades informais, portanto, sem proteção social, sob formas de ocupações precárias, super-exploradas e submetidas a remunerações ínfimas. Ainda em se tratando da realidade do CRAS-Pajuçara, a partir das idas e vindas ao real, inferimos que apesar desses cursos serem apontados e buscados como uma tentativa de enfrentamento ao desemprego, esse “ideal” de 113 empregabilidade não supera o seu aspecto ideológico, quando esses cursos não conseguem ao menos inserir os sujeitos no trabalho informal. O máximo que consegue é conformar os usuários dos serviços do CRAS, a condições de subalternidade e resignação. O estímulo ideológico estatal, parte do discurso que “é preciso desenvolver o capital humano do pobre“, mas para isso funcionar, tende a direcionar esses sujeitos, a possibilidades de trabalho precário, residual, sem garantias de direitos sociais, ou seja, ao caminho da informalidade. Sobre a referida questão, Sitcovski (2010) adverte-nos que a realidade social é mais complexa e culmina por nos revelar que o discurso que está sendo apregoado como a saída e proteção via o trabalho informal, na verdade responde aos interesses do capital em crise, o qual constantemente busca reinventar formas de exploração da força de trabalho. Configurações disso podem ser exemplificadas pelo trabalho por peça, part time e as mais variadas formas de atividades informais, e ainda “reconcilia-se com as modernas formas de proteção social - os programas de transferência de renda” (SITCOVSKY, 2010, p. 220). Aqui, cabe-nos retomar a análise Marxiana, para entender como ocorre à exploração da força de trabalho via o trabalho por peça: O salário por peça não passa de uma forma a que se converte o salário por tempo, do mesmo modo que o salário por tempo é a forma a que se converte o valor ou preço da força de trabalho. O salário por peça dá à primeira vista a impressão de que o valor-deuso vendido pelo trabalhador não é a função de sua força de trabalho, o trabalho vivo, mas o trabalho já materializado no produto, e de que o preço desse trabalho não é determinado, como no salário por tempo, pela fração valor diário da força de trabalho [...] (MARX, 1888, p. 636). E assim complementa: No salário por tempo, o trabalho mede-se diretamente por sua duração; no salário por peça, pela quantidade de produtos em que o trabalho se materializa num dado espaço de tempo (MARX, 1888, p. 638). Partindo desse entendimento, o tempo continua sendo o parâmetro para se medir ou mensurar o valor da força de trabalho. De maneira que a “forma de salário por peça é tão irracional quanto à de salário por tempo” (MARX. 1888, p. 114 638). Assim, para a valorização do capital não importa a modalidade do trabalho (formal ou informal), importa que ambos são mercadorias, funcionais a sua reprodução ampliada e possuem o mesmo parâmetro para determinação de seu valor: o tempo (TAVARES, 2004). Ao considerarmos o trabalho por peça, como trabalho que nele está corporificado, exploração da forma de trabalho e desproteção social, esse não garante uma estabilidade de renda, o que impulsiona os trabalhadores por peça, a intensificarem a produção em altas temporadas, para compensar os períodos de pouca ou quase nenhuma produção (RODRIGUES, 2010). Além disso, encobre do trabalhador, o verdadeiro sentido da sua remuneração, a qual, na verdade, não é pela quantidade de peças que produz, mas pelo dispêndio de sua força de trabalho isso implica que o trabalhador tem que intensificar o processo da produção para compensar futuros imprevistos e indesejáveis -, e ainda obscurece o rebaixamento do valor do seu trabalho. Trata-se, portanto, de um sistema funcional ao modelo de acumulação capitalista, pautado na exploração da força de trabalho e no rebaixamento dos salários do trabalhador. Partimos também do entendimento que no cerne da sociedade capitalista, a reprodução da vida para os destituídos dos meios de produção, apresenta como única alternativa para o provimento dos bens e serviços necessários à sobrevivência, a venda da força de trabalho, mediante a remuneração pelos salários. De maneira que o processo de produção e reprodução da vida social e das mercadorias se constitui nessa mesma relação, ou seja, centrada na lógica da acumulação capitalista e na racionalidade do lucro. A respeito desta lógica, frente à reforma social que nos é posta, além do discurso que propaga o individualismo exacerbado, somado a “mercantilização da vida”, essa lógica se embasa e persiste nos seguintes objetivos, conforme sinalizanos MOTA (2009, p. 31-32): [...] transformar o cidadão sujeito de direitos num cidadãoconsumidor; o trabalhador num empreendedor; o desempregado num cliente da assistência social; a classe trabalhadora em sócio dos grandes negócios e as comunidades em células do „desenvolvimento local‟, dela surgindo uma „sociedade solidária e cooperativa‟. 115 Quanto ao discurso, traçado e pensado pela classe dominante, em transformar o trabalhador em um empreendedor, esse tem sido cada vez mais reforçado e divulgado pela mídia televisiva. Recentemente o Programa “Globo Repórter”63, difundiu um discurso, cuja proposta da matéria claramente reforçava a prestação de serviços por conta-própria ou autônomos, sem vinculação contratual de trabalho e sem forma de assalariamento instituído. No referido Programa, difundiu-se “sem disfarces”, a ideia de acesso aos serviços da previdência via mercado mediante os planos privados, além da disseminação da proposta do “empreendedorismo”, e das facilidades de consumo através as linhas de créditos e parcelamentos. Tais Discursos se aliam muito bem, as novas formas de acumulação capitalista. A referida matéria é apenas uma das formas pela qual a ordem dirigente tenta naturalizar e consolidar novas formas de explorar a força de trabalho, bem como vem tornando os serviços sociais em mercadorias reguladas e ajustadas para todos os gostos e “bolsos”. No tocante a essa questão, cabe-nos mencionar que o processo de reprodução do capital que Marx (1984) vai denominar de reprodução ampliada do capital, é assim caracterizado por Netto e Braz (2006, p. 125): Apenas uma parte da mais-valia apropriada pelo capitalista é empregada para cobrir seus gastos pessoais; outra parte é reconvertida em capital, isto é, utilizada para ampliar a escala da sua produção de mercadorias (aquisição de máquinas novas, contratação de mais força de trabalho etc). De maneira que a “retransformação de mais-valia em capital” é denominada por Marx de “acumulação do capital” (Marx, 1984, p. 163). O que nos ajuda a ratificar que a “acumulação capitalista” é vital para a reprodução do sistema capitalista, e, portanto, está diretamente relacionada à exploração da força de trabalho. Assim, em cada novo estágio do desenvolvimento da dinâmica capitalista, se instaura um novo modelo de exploração, a qual é a sua razão de ser (MOTA, 2009). Tal exploração não mais se limita aos que estão inseridos no processo produtivo, mas aos que sobrevivem em meio a ele, ou seja, a população de 63 Este programa foi exigido na Emissora da Rede Globo em 23/09/2011. 116 espoliados, desfiliados e subsidiária, que também é cooptada e super-explorada pela lógica da dinâmica da acumulação capitalista. A referida constatação remete-nos ao cenário em que se assenta a assistência social, na contemporaneidade, cujo teor seletista, restritivo e pulverizado ainda são vivos na ação do Estado nessa área, bem como no conjunto das políticas sociais. O qual sobre o prisma neoliberal reforça práticas de apelo à solidariedade, além de estimular a inserção dos que estão nas “franjas do mercado de trabalho”, através da promoção dos programas de emprego e renda, com destaque para os cursos profissionalizantes, e assim, tentar consolidar novos modos do capital consumir e gerar força de trabalho, barata, alienada e super-explorada. Conforme sinaliza Mota (2009, p. 140): O que chama atenção é a capacidade que tiveram as classes dominantes em capitalizar politicamente a Assistência Social, transformando-a no principal instrumento de enfrentamento da crescente pauperização relativa, ampliando o exército industrial de reserva no seio das classes trabalhadoras. Dessa maneira, grande parte da população de ex-trabalhadores assalariados, surgem como “pequenos empreendedores” ou trabalhadores por conta própria, somados a uma significativa parcela de desempregados que veem e encontram na informalidade “uma saída emergente” para o provimento de renda. O que mascara a preeminência da alienação, espoliação e interesse do capital, os quais circundam a relação assistência-trabalho. Sobre essa tênue e conflituosa relação que tende a se estabelecer entre a assistência e o trabalho informal podemos dizer que a iniciativa estatal de “integrar” o pobre ao mercado de trabalho se constitui em um terreno minado de contradições e de interesses divergentes, visto que o Estado atuando como mediador e promotor dessas ações, na verdade, responde aos interesses da “população sobrante” e ainda aos interesses do capitalismo; quando insere, mesmo que minimamente, os que estão fora do processo produtivo, no mercado consumidor por meio dos programas de transferência de renda, muito embora a tentativa de geração de emprego renda, mediante a materialização dos cursos profissionalizantes, seja ineficiente. Para tanto, mediante as “aproximações sucessivas” e leituras sobre o objeto investigado, na seção a seguir, apresentaremos mais especificamente, o 117 “universo” do CRAS-Pajuçara, com enfoque na materialização dos “cursos profissionalizantes”, na tentativa de apreender outros elementos que se estabelece na relação assistência e trabalho informal. 118 4 NATAL: CONTORNOS DE POBREZA E CONDIÇÕES DE VIDA DOS USUÁRIOS DO CRAS-PAJUÇARA Pobreza é também uma categoria política que se traduz pela „carência‟ de direitos, de possibilidades e de esperança. (Maria Carmelita Yazbek) É inconteste que o desemprego aliado ao agravamento da miséria são determinantes que contribuem sobremaneira, para inserção das famílias pobres em trabalhos precários. Assim, na vida das famílias, um desafio cotidiano resulta em criar diferentes estratégias para auferir renda. Dentre os quais, lança mão do trabalho informal, o que tem se constituído, ora como discurso para superação do desemprego, ora como alternativa de complementação de renda. Logo, no contexto atual, as relações de exploração e dominação do capital que se firmam nas atividades informais passam a fazer parte da realidade social e econômica de forma mais contundente. Desse modo, muitas são as problemáticas que perpassam o mundo do trabalho, sendo, pois, nesse espectro de contradições que observamos o crescimento do trabalho informal e as iniciativas de “inclusão produtivas”, realizadas na Política de Assistência Social, particularmente, através da materialização dos cursos profissionalizantes, no âmbito dos CRAS/RN, sobre os quais, nessa seção, endossaremos as implicações, dessa iniciativa estatal, no município do Natal/RN. 4.1 NATAL: “TÃO BELA E DESIGUAL” Analisando a realidade do Rio Grande do Norte, em particular, a condição de pobreza em Natal, o Relatório de Pesquisa realizado por pesquisadores da UFRN (OLIVEIRA et al, 2012) sobre pobreza indica que a Zona Norte e Oeste de Natal condensam respectivamente 34% e 27% da população natalense, e tais regiões concentram, comprovadamente, a população mais pobre de Natal, o que corresponde aproximadamente a 62% de potiguares vivendo nas periferias da cidade (OLIVEIRA et al, 2012). A pesquisa ainda revela que, 65.122 habitantes residem nas setenta favelas (aglomerações subnormais) existentes na cidade do Natal, o que corresponde a 9% da população total do município. Ao considerarmos a realidade 119 das áreas Norte e Oeste, os números são expressivos: 71% da população moram em favelas e estão, cotidianamente, sob condições precárias de vida (OLIVEIRA et al, 2012). Dados populacionais revelam que, nesses últimos anos, a Zona Norte de Natal apresenta um quadro de crescimento e adensamento dessa região. A construção do aeroporto (no município de São Gonçalo do Amarante), a consolidação da “Ponte de Todos” - Nilton Navarro e outras intervenções públicas permitiram o crescimento de atividades privadas, principalmente, no setor de serviços, tais como a expansão do comércio, a construção de shoppings e de redes de supermercados, atraindo investidores e aquecendo a especulação imobiliária. O investimento público em infraestruturas urbanas tem facilitado a circulação e o trânsito na região Norte e estimulado o turismo na região, reforçado pelo discurso desenvolvimentista da geração de emprego e renda para a população, através do desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo, em especial na área litorânea, concentrada nas praias urbanas de maior atratividade, tanto para lazer da população residente, quanto para os turistas. Todavia, essa expansão da Zona Norte agregado ao aquecimento do setor fundiário e imobiliário tem como consequência à “expulsão branca” da população que, tradicionalmente, habita nos bairros dessa região. Seguindo tendência já verificada em outras capitais brasileiras, a população mais pobre tende a se deslocar para zonas mais distantes do centro, por não suportar os custos de aluguel, impostos, dentre outros efeitos da valorização fundiária e especulação imobiliária, advindas do investimento público no setor de infraestrutura e de serviços públicos. Um efeito visível da urbanização acelerada nas cidades brasileiras é o processo de “periferização”, com a constituição de centros de periferia, em torno dos quais se adensam bairros populares e zonas precárias. Aliado ao desenvolvimento das cidades, não se tem um crescimento socioeconômico capaz de absorver “mãode-obra” em condições e faixa etária estabelecidas para inserção no mercado de trabalho, decorrendo assim, situações de desemprego e/ou trabalho em condições extremamente precárias, com uma diversidade de atividades que possibilitam bem ou mal a sobrevivência cotidiana (OLIVEIRA et al, 2012). Vivemos hoje o paradoxo do desemprego, pois, paralelamente a isso, ocorre uma explosão da informalidade 120 que cada vez mais é cooptado pelo capital para explorar mão de obra barata e disposta a desempenhar qualquer função em troca de irrisórios salários. Com base ainda nos dados do Relatório anteriormente citado, verificamos um processo de urbanização desordenada, decorrente do intenso fluxo migratório proveniente do meio rural. Com efeito, dados do IBGE (2007), mostram que Natal cresceu consideravelmente, nos últimos 20 anos. Em 1991, sua população era de 607 mil habitantes e, em 2010, saltou para 804 mil habitantes64, o que significa um crescimento de 25%. Nesse processo de expansão urbana, a segregação socioespacial evidencia por um lado, a (re)produção da pobreza e miséria, e por outro, o esforço do Estado para atrair atividades e gerar riquezas para a minoria de investidores externos. Esses elementos mostram que os espaços das cidades são delimitados por uma questão de classe. Assim, duas cidades surgem paradoxalmente. Uma para os pobres e trabalhadores e outra para investidores e turistas. Tal como nos evidencia o Relatório sobre pobreza e desigualdade social em Natal (OLIVEIRA et al, 2012, p. 28): O efeito mais visível do processo de urbanização de Natal e de sua Região Metropolitana foi, por um lado, a formação de uma pujante classe média urbana com um perfil de demanda completamente diverso daquele próprio da população migrante de origem rural; e, por outro, um simultâneo processo de segregação socio-espacial que empurrou os pobres para a periferia da cidade onde eles, paradoxalmente, não encontraram o que vieram buscar: melhor qualidade de vida Antes, a realidade que vivenciamos é mais complexa e desigual do que se mostra: o Estado do Rio Grande do Norte possui uma população de aproximadamente 3.168.133 habitantes (IBGE, 2010a), desses, 406 mil pessoas vivem em situação de extrema pobreza (SETHAS, 2011), ou seja, 13%. Assim, a realidade do nosso Estado não difere da situação das classes subalternizadas dos demais estados do país. 64 Dado extraído do último Censo do IBGE (2010), o qual apresenta o número populacional de todos os municípios do Rio Grande do Norte. 121 De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M)65 (apud OLIVEIRA et al, 2012), em relação às capitais nordestinas Natal situa-se em terceiro lugar no ranking. Já em 2010, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM)66, apresenta Natal na 11ª posição, dentre as capitais do país, como àquelas que oferecem melhor qualidade de vida. A despeito dos índices, aparentemente serem animadores, corroboramos com a análise de França (2004), quando considera Natal “tão bela e desigual”, na medida em que, as áreas onde se concentram os mais miseráveis, ou seja, as periferias da cidade escondem a pobreza do alcance dos nossos olhos, fator esse, que obscurece a real desigualdade presente em Natal, revelando níveis de segregação socioespacial não percebido de imediato. Nesse paradoxo, a aproximação do real revelou-nos que a maioria dos moradores do Bairro-Pajuçara, também sofre com a ausência e/ou precariedade dos serviços de infraestrutura, principalmente, quanto aos serviços de asfalto e drenagem de esgoto. Acrescentamos ainda, a má operacionalização da “limpeza urbana” da Capital, o que durante a fase da pesquisa empírica, mostrou-se inoperante e ineficiente. A rigor, atualmente, esse é o cenário que se alastra e registra-se, em todos os recantos da capital natalense. O que evidencia que Natal, “não é tão bela”, tal como propaga os discursos ideológicos. Tal cenário se apresenta na realidade cotidiana do Bairro-Pajuçara conforme mostram os registros fotográficos a seguir: 65 Na composição desse índice são considerados como parâmetros para cálculo do IDH-M três elementos: a renda, a escolaridade e a longevidade. Salientamos que o IDH-M é realizado no Brasil, a cada dez anos, com base nos dados do Censo Populacional. 66 Monitora, anualmente, o desenvolvimento socioeconômico de uma região. O índice varia de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior será o nível de desenvolvimento da localidade. O IFDM distingue-se do IDH-(M) por ter periodicidade anual, recorte municipal e abrangência nacional. Por ter recorte municipal, foram privilegiados os aspectos básicos indispensáveis ao desenvolvimento local, como emprego e renda, educação e saúde. Informações extraídas e disponíveis no site: http://webmais.com/ranking-das-melhores-cidades-brasileiras-segundo-ifdm-indice-firjan-dedesenvolvimento-municipal/. 122 Figura 3: Ausência de serviços (asfalto e drenagem de esgoto) - Bairro: Pajuçara (Fonte: pesquisa de campo, abril/2012) Figura 4: Praçinha de lazer - Bairro: Pajuçara (Fonte: pesquisa de campo, abril/2012) Assim, de maneira concreta, cenas como essas, se inserem no exercício profissional dos assistentes sociais, não apenas como objeto de uma ação interventiva, mas como “palco” de luta e conquista por direitos, frente à política econômica neoliberal que segrega, distancia e delimita espaços entre as classes. Delimitando assim, o lugar do “pobre” a condições de vidas precárias, o lugar onde a intervenção do Estado pouco aparece, ou quando aparece é de modo deficitário, ineficiente e precário. É, pois, nessa perspectiva territorial, marcado por profundas ambiguidades, que se delimita o lugar do pobre na sociedade, no mesmo movimento em que, se aproxima os serviços socioassistenciais dos “bolsões da pobreza”, se desqualifica e estigmatiza, o lugar em que o pobre reside, como “guetos” protegidos pela assistência social. Aliás, essa pareceu ser a tendência cada vez mais acentuada: afastar/isolar o “pobre”, com o intuito de mantê-los distantes ou limitá-los 123 nos contornos da pobreza e miséria. Sendo também um interesse preeminente da sociedade burguesa que isso aconteça. Assim, na busca in loco pelos sujeitos da pesquisa em tela, enfrentamos sol, chuva e “ventos contrários” (agitados pelo desânimo, cansaço e exaustão). Mas foram nas muitas “andanças”, no Bairro-Pajuçara, que pudemos desvelar o real e nele, apreendemos o não dito, o não visto e/ou não percebido de imediato. Como já, sabiamente, nos advertia Marx é mediante as idas e vindas à realidade concreta, em que o concreto investigado/abstrato ganhou “corpo”, consistência e se torna concreto pensado. Desta maneira, pudemos nos aproximar da vida das pessoas que ali residem, e em muitos casos, não se assemelham ao que os encartes de propagandas apresentam. Natal, para além de suas belas praias, sol e paisagens exuberantes, também é lugar onde muitos sentem as agruras da pobreza, segregação, desemprego, violência e descaso dos serviços públicos. Diante do referido cenário, a análise dos dados sobre pobreza e desigualdade social em Natal, revela-se um instrumento importante capaz de justificar uma maior atenção do Estado que possibilite mudanças na condição de pobreza da classe subalterna. Em um contexto, em que o trabalho informal vem sendo cooptado como estratégia de enfrentamento da problemática do desemprego, o Estado utiliza-se da modalidade de “inclusão produtiva”, na tentativa de promover emprego e renda. A seguir enfocaremos as particularidades, dessa iniciativa estatal, em nível local, através do espaço socioinstitucional do CRAS-Pajuçara. 4.2 O CRAS E SUA MATERIALIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN Em se tratando do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), este é caracterizado como uma unidade estatal, como base territorial, localizado em áreas de risco67 e vulnerabilidade social68. É responsável pela oferta dos serviços da 67 Segundo Mestriner e Nery (2009), este termo remete a condição social da vida cotidiana, a qual interfere na futura situação social de um indivíduo ou da coletividade. 68 A respeito de conceito de vulnerabilidade social, o PNAS (2004) remete o termo à privação de renda, precariedade ou não acesso aos serviços público e ainda quanto à fragilização dos vínculos afetivos, relacionais, de pertencimento social ou qualquer outro tipo de violação de direitos. Assim, o termo comumente é usado para expressar a composição dos grupos propensos a “fragilidades sociais” ou a ausência de renda. Entretanto Oliveira (1995) critica a limitação do termo vulnerabilidade social ao aspecto econômico, tornando-a insuficiente e incompleta, visto que este conceito não especifica as condições reais de vida dos sujeitos, pelas quais, os constituem no campo dos vulneráveis. Neste estudo, compreendemos e utilizamos o termo “vulnerabilidade social” como à 124 rede de “proteção social básica”, além de organizar, ofertar e coordenar a rede de serviços socioassistenciais, sob a orientação da Política de Assistência Social. Realiza a oferta do Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), desenvolvendo ações junto às famílias e indivíduos visando à orientação e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Soma-se a isso, o mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica, a articulação e encaminhamento da população usuária para as demais políticas públicas sociais, visando evitar que as famílias e os indivíduos tenham seus direitos violados (BRASIL, 2004). Nessa perspectiva, sendo o CRAS unidade pública do SUAS, esse é considerado como referência para o desenvolvimento dos serviços socioassistenciais da rede de Proteção Social Básica. Esses serviços, portanto, devem ter caráter proativo, preventivo e protetivo, desse modo, podem ser ofertados no âmbito do CRAS, desde que, possua espaço físico adequado, equipe técnica disponível e seja compatível para desenvolver os serviços da rede de Proteção Básica69. É, pois, sob estas condições que os projetos de “inclusão produtiva” são viabilizados e operacionalizados nos CRAS em Natal, conforme veremos mais adiante. O Quadro 1 expõe o quantitativo das unidades dos CRAS no Brasil, Rio Grande do Norte e Município de Natal, nos quais se materializam programas, projetos e serviços destinados às famílias70. Quadro 1: Quantidade de CRAS em âmbito nacional, estadual e municipal Especificação Brasil Rio Grande do Norte Natal 71 Quantitativo/CRAS 7.475 215 9 72 Fonte: Elaboração própria, com base nas informações do MDS (2012), SETHAS (2011) extraídas do CRAS-Pajuçara, respectivamente. e informações incapacidade dos sujeitos - gerada por condições sociais, econômicas e políticas precárias desenvolverem todas as suas potencialidades como ser humano. 69 É constituído pelo serviço de proteção básica: atendimento de convivência e fortalecimento de vínculos, além dos serviços de proteção social básica no domicílio para pessoa com deficiência e a pessoa idosa. 70 Aqui fazemos referência importante publicação do MDS (2012) sobre o Censo SUAS/2011. 71 Ratificamos que até Dezembro de 2011, o município de Natal, contava com 8 CRAS em funcionamento, mas em março de 2012, a SEMTAS inaugurou mais um CRAS, em Lagoa Azul, bairro da Zona Norte desta Capital. Está previsto ainda para este primeiro semestre de 2012, a inauguração de mais dois CRAS, nos bairros de Ponta Negra (Zona Sul) e Mãe Luiza (Zona Leste). 125 Através dessas unidades descentralizadas de atendimento, os serviços de proteção básica da assistência social são materializados. Com destaque para os serviços que buscam potencializar a família como unidade de referência, visando à convivência, a socialização e o acolhimento de famílias, cujos vínculos familiares ainda não foram rompidos. Quanto aos CRAS que estão em funcionamento, no município do Natal/RN, vejamos o quadro 2 a seguir: Quadro 2: Especificação dos CRAS por área de abrangência Especificação dos CRAS CRAS/África Bairro África CRAS/Salinas Potengi CRAS/Pajuçara Pajuçara CRAS/Nossa Senhora da Apresentação CRAS/Guarapes Nossa Senhora da Apresentação Guarapes Zona Norte Norte Endereço Rua Conselheiro Tristão, s/n Av. Dr. João Medeiro Filho, 4670, Norte Rua Flor do Paraíso, 319, Loteamento Dom Pedro Norte Av. das Fronteiras, 2101 Oeste Rua Novo Guarapes, s/n CRAS/Felipe Camarão Felipe Camarão Oeste Rua Nossa Senhora do Rosário, s/n CRAS/Planalto Planalto Oeste Rua Cônego Deóclides Diniz, 135 CRAS/Passo da Pátria Alecrim Leste Rua Capitão Silveira Barreto, 1016 CRAS/ Lagoa Azul 73 Conj. Gramoré Norte Av. Guaratingueta, 682 Fonte: Elaboração própria, com base no Relatório de Gestão Anual da SEMTAS (2011), e informações da Coordenação do CRAS em 2012. 72 Este dado está disponível no seguinte endereço eletrônico: <http://www.rn.gov.br/imprensa/noticias/conferencia-estadual-debate-sistemaunicodaassistenciasocial-no-rn/8788/>. 73 Salientamos que este CRAS foi inaugurado, em março de 2012. 126 O referido quadro demonstra que, atualmente, há no município do Natal 09 CRAS em funcionamento, distribuído em três zonas distintas de atuação (Norte, Oeste e Leste). Salientamos que as ações desenvolvidas nos CRAS, em nível nacional e local, se inserem no nível de proteção social básica. Isso implica que se faz necessário uma rede socioassistencial, de longo alcance, através da qual se possa viabilizar um conjunto integrado de ações de iniciativas públicas e privadas a fim de assegurar e operacionalizar serviços, programas, projetos e benefícios de caráter socioassistencial às famílias e indivíduos que desses precisam e recorrem. Destarte, na busca pela consolidação do SUAS, esse sistema redefine a sua estruturação e propõe a reorganização dos serviços por níveis de proteção, a centralidade do Estado no acompanhamento e atenção às famílias, a territorização das ações e ofertas de serviços de proteção básica, prioritariamente, as famílias usuárias dos programas de transferência de renda. Ainda nessa perspectiva, é pertinente registrar a aprovação da Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, a qual delibera e aprova a “tipificação nacional dos serviços socioassistenciais”, com o intento de classificar e padronizar os serviços e “equipamentos” físicos ofertados pelo SUAS. Isso implica que os serviços socioassistenciais devem ser reordenados por níveis de proteção a saber: serviços de proteção social básica e serviços de proteção social especial (média e alta complexidade). Entretanto, para tratarmos da questão do reordenamento dos serviços é preciso considerarmos uma constatação anterior: só se reordena aquilo que está ordenado, o que na cena da proteção social brasileira, isto ainda não acontece. Assim, inferimos que, quanto à padronização dos serviços, no âmbito da assistência social, para além de distinção de nomenclatura, o escopo cabal da oferta e qualidade destes serviços, ainda não se efetiva a contento em todos os níveis de sua execução. É, portanto, outra deliberação do SUAS, sobre a qual temos muito que discutir, avançar e conquistar, muito embora, estamos cônscios que “as políticas públicas necessitam de ininterrupto aperfeiçoamento para o cumprimento de seu objetivo maior: a concretização de direitos” (MDS, 2009a, p. 66). Dentre os serviços que constituem a Proteção Social Básica destacamos o Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF), o qual visa desenvolver o trabalho social com famílias, cuja finalidade é fortalecer a função “protetiva” das famílias, com o intuito de prevenir a ruptura dos vínculos familiares. Enfoca ainda, a 127 “matricialidade familiar” a qual propõe a centralidade às famílias como núcleo fundamental para a efetividade das ações e serviços da Política de Assistência Social. Assim, os serviços que constituem a Rede de Proteção Social Básica são desenvolvidos no âmbito de abrangência do CRAS e, tais serviços devem ser traduzidos em ação concreta para a população local. Para tanto, é preciso manter a articulação com o PAIF, isto porque, é mediante o trabalho com famílias, desenvolvido pelo PAIF, que os serviços referendados pelo CRAS são reordenados e operacionalizados. De acordo com o que preconiza a NOB/SUAS, a capacidade de atendimento é estabelecida de acordo com o tamanho ou porte dos municípios, conforme demonstramos no quadro 3 que segue: Quadro 3: número de CRAS por quantidade de família referendada e por porte de município Porte de Municípios Pequenos I (até 20.000 hab.) Números de CRAS Mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referendadas Pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab.) Mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referendadas Médios (de 50.001 a 100.000 hab.) Mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referendadas Grandes (de 100.001 a 900.000 hab.) Mínimo de 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referendadas Metrópoles (mais de 900.000 hab.) Mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referendadas Fonte: Elaboração própria, com adaptação dos dados da NOB/SUAS (2004). Nesse sentido, em se tratando da realidade do Rio grande do Norte, até 2011, encontrava-se em funcionamento 215 CRAS, distribuídos nos 167 municípios (SETHAS, 2011). Ao consideramos, o contingente populacional e a quantidade de CRAS existentes, no município de Natal, no que se refere à classificação preconizada pela PNAS/SUAS, esse município, se enquadra na categoria de “grande porte”. Deste modo deve contar como a existência de, no mínimo, 4 CRAS cada um com a capacidade de referendar 5.000 famílias. Portanto, observamos que 128 o município do Natal, atende aos requisitos formais que a NOB/SUAS estabelece neste aspecto. A “territorização” também é um dos fatores determinantes no trato das situações de vulnerabilidade e riscos sociais, além de ser um dos mecanismos para o seu enfrentamento. Portanto, se materializa mediante a descentralização da Política de Assistência Social pela oferta dos serviços socioassistenciais, em locais próximos à comunidade usuária dos serviços do CRAS. O conceito de “território” abrange, portanto, as relações de reconhecimento, afetividade e identidade entre os sujeitos sociais que compartilham a vida cotidiana em dada localidade (BRASIL, 2009a). Isso suscita-nos o entendimento que é no âmbito do território, em que mais são evidenciadas as contradições da realidade, os conflitos e as desigualdades que perpassam o universo das relações familiares e comunitárias. Nessa direção, a presença do Estado nos territórios dos CRAS propõe possibilitar a democratização do acesso aos direitos socioassistenciais, e ao mesmo tempo, contribuir para o fortalecimento e ampliação dos direitos sociais. A despeito disso, estendemos que os entraves74 que circundam a operacionalização dos serviços nos CRAS, os tornam ainda distantes do que determina a normativa do SUAS. Insere-se ainda na gestão territorial da Proteção Social Básica, a promoção da articulação intersetorial, cujo intento é proporcionar melhorias nas condições de vida das famílias, viabilizando o acesso aos serviços socioassistenciais, primordialmente, àquelas que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social. Para tanto, deve haver uma conexão fluida e eficiente entre as demais políticas sociais, de maneira que desmistifique o equívoco, ainda preeminente, que todas as demandas sociais são resolutas no campo da assistência social, sobretudo, no âmbito dos CRAS e CREAS. Referente ao exposto anteriormente, corroboramos com assertiva de Mota (2009) sobre a centralidade que tem sido dada a Política de Assistência Social, a qual desvela a não efetividade da rede socioassistencial e a ineficiente ou quase inexistente articulação com as demais políticas sociais, o que culmina convergindo para a assistência social, outras demandas que não são inerentes a sua natureza de atuação e execução. 74 Logo mais adiante sinalizaremos alguns destes entraves. 129 Ainda no tocante a atuação do CRAS, se faz necessário acrescentar o pensamento de PAIVA (2006, p. 6-7): Pensar as políticas sociais para além do horizonte de mera acomodação de conflitos requer referenciá-la no processo de disputa política pelo excedente econômico real pelas massas historicamente expropriadas de maneira que ela não possibilite somente reduzir as manifestações mais agudas da pobreza, através de serviços sociais básicos e do acesso, mas, sobretudo, permitir que a política social torne-se um instrumento de transformação social que mobiliza e organiza as massas a partir de seus interesses mais fortes. Insistir na densidade político-emancipatória das políticas sociais. Na contramão dessa perspectiva, no tópico a seguir, teceremos incursões acerca do perfil sociodemográfico dos usuários do CRAS-Pajuçara, construídos a partir da aproximação da realidade concreta dos sujeitos sociais da presente pesquisa. 4.2.1 Quem são os usuários dos CRAS-Pajuçara? Onde e como vivem? Em que trabalham e sob que condições? O trabalho empírico, por meio do instrumental-entrevista, possibilitou-nos traçar o perfil sociodemográfico dos usuários que participaram dos cursos profissionalizantes, no CRAS-Pajuçara, no ano de 2010. Sobre o qual, passaremos a destacar algumas implicações reveladoras do nosso objeto em análise. A fim de desvelar quem são e como vivem estes sujeitos acima referendados, partiremos da discussão sobre a categoria “superpopulação relativa 75” como um produto necessário e funcional a lógica capitalista a fim de dar movimento ao processo de reprodução e acumulação do capital. Tal como ressalta Marx (1999, p. 735), essa se torna “a alavanca da acumulação capitalista e, mesmo, condição de existência do modo de produção capitalista”. Constituída por uma massa de trabalhadores que vagam de emprego em emprego, oferecendo sua força de trabalho barata e superexplorada. Além disso, é ainda composta por uma população de desempregados os quais, desprovidos dos meios de subsistência, servem como “um reservatório de força de trabalho”, intitulado por Marx como “exército industrial 75 Registramos aqui a fecunda contribuição dos estudos de César Maranhão (2009) e Sitcovsky (2010) os quais trouxeram as reflexões da “superpopulação relativa” para o campo da assistência social. 130 de reserva”, o qual está disponível ao capital, sendo, pois, acionado e utilizado por esse, sempre que lhe parecer útil e necessário (MARX, 1988). Assim, identificamos que a “superpopulação relativa”, submete-se a qualquer tipo de trabalho e salário a fim de prover renda e garantir sua sobrevivência. Esses trabalhadores, os quais Marx denomina de “supérfluos” para o capital, se inserem dentre àqueles disponíveis ao circuito do capital e são acionados sempre que esse precisar explorar. Sobre a população de supérfluos, Marx (1999, p. 732) acrescenta: [...] a verdade é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção de sua energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo, excedente. Nesse sentido, a “superpopulação relativa” se assenta no campo social e econômico, e cotidianamente são estimulados a se inserirem no mercado de trabalho pela via da informalidade. Sendo, pois, no contexto da reestruturação produtiva que se dissemina o discurso: “no combate à pobreza extrema, a promoção do „setor informal‟ é apresentada como um complemento às políticas focalizadas de assistência” (TAVARES, 2004, p. 60). No tocante a identificação dos sujeitos que são elegíveis para os programas e projetos assistenciais no município, nos reportamos aos estudos de Marx (1988), expresso em o Capital, vol. II, em sua Crítica à Economia Política, o qual situa a superpopulação relativa em três formas: flutuante, latente e estagnada. A forma “flutuante” refere-se à força do trabalho industrial de fábricas e empresas, que será repelida ou atraída a atividade laboral, dependendo das alterações orgânicas do capital. A “latente” congrega os trabalhadores que estão rebaixados ao mínimo de sobrevivência, os quais são expulsos, gradativamente do campo, visto a expansão do grande capital na agricultura. E a forma “estagnada” é composta por trabalhadores que estão desenvolvendo atividades laborais, porém, sob condições irregulares ou precárias. Marx denomina a forma estagnada “[...] como um reservatório inesgotável de força de trabalho disponível” (MARX, 1988, p, 199). Isso revela-nos que a existência dessa “superpopulação relativa” se constitui como condição determinante 131 para a acumulação capitalista, portanto, adquiriu um relevo significativo nesse estudo. Assim, partindo da apreensão Marxiana sobre o termo “superpopulação relativa”, identificamos que o tipo de beneficiários dos programas e projetos da assistência social, no âmbito do CRAS-Pajuçara, se enquadra na forma “estagnada”, pois, dentre a maioria das entrevistadas, apesar de não estar inseridas no processo produtivo, se mostram dispostas a assumir qualquer ocupação e disponíveis a aceitar qualquer valor na venda de sua força de trabalho. Partindo desse preâmbulo é cabível acrescentar que os critérios estabelecidos pelo MDS, para definir os usuários beneficiários da assistência social são definidos por parâmetros próprios de cada programa, projeto, serviço e benefício socioassistencial. Sendo, portanto, através desses parâmetros e pelo instrumento da coleta de entrevista, que constatamos a preeminência da figura da mulher como representante legal das famílias beneficiadas na rede socioassistencial. Salientamos que a referida constatação não é nova, mas histórica. Prevalece à atenção a famílias por critérios de renda, e aquelas que se enquadram às condicionalidades dos programas de transferência de renda, ou seja, a família “pobre”, com filhos, de renda insuficiente para prover suas necessidades básicas da vida material. O padrão de família da rede socioassistencial é, portanto, diverso, contraditório, marcado pelos contornos da pobreza, por relações hierarquizadas e desiguais. Para tanto, a questão de gênero deve ganhar relevo na pauta dos serviços oferecidos no âmbito do CRAS, tanto a nível local e nacional. Essa constatação é reforçada, por meio das entrevistas, quando em 100% delas, apontaram a presença feminina nos cursos oferecidos, e em todas elas, as participantes estavam inscritas no Programa Bolsa Família. Revelando assim, o aspecto condicional e limitante para participar dos referidos cursos. De maneira que aqueles que não possuíam inscrição nos programas de transferência de renda, mas externavam vontade de participar dos cursos viabilizados no CRAS, deveriam atender aos critérios de algum outro serviço do CRAS. Com isso constatamos que, prioritariamente, esses cursos eram oferecidos aos usuários do “Programa Bolsa Família”, conforme assinalaram as entrevistas. Ressaltamos que a predominância da participação feminina nos cursos é decorrente da presença majoritária das mulheres como representante legal dos serviços socioassistenciais dos CRAS. Deste modo, a oferta dos cursos é pensada, 132 estrategicamente, para atender ao público feminino. A presente inferência segue a conjuntura nacional dos CRAS, mostrado através de um substancioso estudo realizado em 2011, o qual demonstrou que a maioria dos CRAS no Brasil, assenta suas atividades no público feminino, seja através das atividades socioeducativas, seja no fomento à geração de renda. (Ver: COUTO et al, 2011a). A tabela 1 a seguir, nos deu elementos para identificar a faixa etária das entrevistadas e participantes dos cursos oferecidos no CRAS-Pajuçara: Tabela 1: Faixa etária dos entrevistados - CRAS/Pajuçara Faixa etária Quantidade Porcentagem 15-20 21-30 31-40 41-50 51-60 61 a mais 0 5 2 2 1 0 0 50% 20% 20% 10% 0 Total 10 100% Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. Quanto ao estado civil das entrevistadas, prevaleceram à participação de mulheres, solteiras, nascidas nesta Capital, de faixa etária entre 21 a 30 anos (50%), com filhos. Além disso, a tabela 1 revela que a faixa etária das entrevistadas oscilou entre 21 e 60 anos. Isso nos dá subsídio para justificar a necessidade de futuras formulações e execuções de políticas públicas adequadas à idade e ao interesse dos usuários, principalmente, em se tratando de iniciativas do Estado, relacionadas à Política do Trabalho e de fomento à geração de renda. Todavia, devemos ponderar o fato de que, a simples capacitação ou formação profissional não resulta necessariamente em “inclusão” durável no mundo do trabalho, principalmente, em tempos de desemprego estrutural. Além disso, as iniciativas do Estado na tentativa de promover emprego e renda, destinada a populações subalternas, pela via da assistência social, têm revelado limites bastante significativos em relação à sustentabilidade e empregabilidade, conforme já discutimos anteriormente. No trato do nível de escolaridade, houve prevalência no grau de escolaridade do ensino fundamental incompleto (40%), seguido do médio incompleto 133 (30%) com formação em escola pública, o que revela ainda outro problema preocupante no campo das políticas públicas, que é a questão da evasão escolar e da situação das escolas públicas no Brasil: professores mal remunerados e desestimulados, crianças com fome ou mal nutridas, péssimas condições de estudo e trabalho, conteúdo inadequado, além das condições de vida precárias dos estudantes, que são obrigados a abandonarem a escola para ajudar no sustento da casa, filhos, etc. Dados do último Censo do IBGE (2010) revelam que no Rio Grande do Norte há mais de 1,5 milhões de pessoas sem instrução e com ensino fundamental incompleto. Deste modo, o baixo grau de instrução, mostra-se como um fator limitante para a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho e aquisição de renda para satisfação das necessidades da família, tornando a situação em um círculo vicioso. A tabela 2 apresenta os dados sobre a escolaridade dos Participantes dos cursos no CRAS em análise. Vejamos: Tabela 2: Grau de Escolaridade Grau de Escolaridade Quantidade Porcentagem Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Completo Ensino Médio Incompleto Ensino Médio Completo Outros 4 1 3 2 0 40% 10% 30% 20% 0 Total 10 100% Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. Assim, para destacar à escolaridade dos jovens e adultos residentes nesta capital, precisamente em áreas vulnerabilizadas, retomamos aos dados apresentados na pesquisa: Pobreza e Desigualdade Social em Natal (OLIVEIRA et al, 2012), os quais revelam que 33% dos entrevistados estudaram até a quarta série e apenas 2% concluíram o ensino fundamental. No processo de alfabetização, estudos consideram que somente depois de consolidada por completo a quarta série, os indivíduos são considerados alfabetizados. As pessoas com menos de 4 anos de escolaridade são denominadas analfabetas funcionais (IBGE, 2000). Assim, tomando por base tais considerações, observamos a partir da Tabela 2, que apenas 01 (10%) dos entrevistados concluiu a 134 quarta série. Enquanto que 04 (40%) desses encontram-se na condição de analfabetos funcionais e, apenas 02 (20%), possuíam o 2°grau completo. A referida constatação interfere na ocupação, desses sujeitos, no mercado de trabalho, haja vista que identificamos, também por meio das entrevistas, que as participantes desempenham atividades centradas em ocupações informais como: trabalhos domésticos, sem vínculo empregatício formal, como: diarista/faxineira e atendente de restaurante. Deste modo, encontravam-se submetidas a baixos salários e a péssimas condições de trabalho. Salientamos que embora seja legítimo o discurso que quanto maior o nível de escolaridade, qualificação e experiência profissional, maiores serão as chances de auferir rendimentos futuros e garantias trabalhistas. Há de considerarmos que as formas alienantes, alienadas e degradantes, intrínsecas na relação capital-trabalho, perpassam por todos os níveis de formação e tipos de inserção no processo produtivo. Além disso, todas as atividades realizadas, já que necessárias à sociedade deveriam oferecer condições adequadas de trabalho e remuneração suficiente para suprir as necessidades dos indivíduos e suas famílias viverem dignamente. Contudo, urge à necessidade de ações por parte do poder público, que possibilitem mudanças concretas no quadro atual destes sujeitos via políticas públicas, tanto na educação-base, como resultado de uma política que viabilize a expansão do acesso à escola, quanto em uma maior atenção para aqueles que estão na condição de „disponíveis para o mercado‟. No aspecto de infraestrutura, o contexto natalense, apresentado no relatório sobre pobreza e desigualdade social em Natal, realizado nos 1.319 domicílios situados nas quatro zonas da Capital, comprovou que a situação de moradia é própria, abrangendo uma porcentagem de 80%. Aqui sinalizamos uma ressalva: o estudo referendado mostra que, desses domicílios, apenas 56% possuem registro com escritura pública. À condição de moradia alugada, abrange um total de 14%. Um dos fatores apontados como causado grande número de propriedades sem registro é o aumento de loteamentos irregulares na cidade, além de outras formas de ocupação, a exemplo de invasão de áreas verdes (OLIVEIRA et al, 2012). Ainda no trato do alto número de “casas próprias”, há que se considerar o tipo de moradia própria. São comuns os casos, em que famílias, por vezes às numerosas, se “aglomeram” em 135 áreas de ocupação irregulares, com pequenos cômodos, sem saneamento, água potável etc. Apesar disto, são consideradas pelas entrevistadas como “casa própria”. Com efeito, a partir da coleta de dados, quanto à expressão da situação habitacional dos nossos entrevistados, prevaleceu à condição de casa própria, mesmo que a maioria encontre-se em situação não formalizada. Assim, constatamos que dentre as 10 entrevistadas, 07 delas residem em casa própria, 02 (duas) em domicílios cedidos por parentes e apenas 01 (uma) mora em casa alugada. Esses entrevistados moram na companhia de no mínimo 02 (duas) e no máximo 10 pessoas, as quais se acomodam entre 01 e 05 cômodos. Destacamos ainda que, dentre as condições de moradia, vivenciada pelos participantes dessa pesquisa, todos afirmaram possuir fossas improvisadas no quintal e, 09 disseram ter escoamento das águas servidas a céu aberto, e apenas 01 (uma) entrevistada citou ter sumidouro. Tal descaso quanto ao saneamento básico do Pajuçara, não difere dos demais bairros periféricos da capital. Ao considerarmos o cenário nacional, de acordo com o último Censo do IBGE (2010a), os índices são mais assustadores, 11% dos domicílios no país, possuem esgoto a céu aberto, o que representa 18 milhões de pessoas que convivem, em áreas urbanas, sem saneamento básico. O cenário em tela ratifica o quadro degradante e deficitário da questão do saneamento básico no Brasil. Nesse sentido, urge dos órgãos públicos, concretizarem projetos, que ultrapassem os interesses partidários e estratégias de campanhas eleitorais e promovam melhorias reais nas condições de vida da população brasileira. Dentre as pessoas que moram na casa com as entrevistadas, a pesquisa mostrou que 09 delas, destacaram a presença de filhos e 05 afirmaram conviver com companheiros/cônjuge. Além disso, em 04 domicílios, apresentou o homem como principal responsável pela renda familiar, revelando assim, uma participação significativa da figura masculina na provisão da renda familiar. Contudo, conforme mostram os diversos estudos sobre mulheres, é também significativa a participação das mulheres como responsável pela renda familiar (60%). Vejamos o que mostra a realidade cotidiana das entrevistadas: 136 Tabela 3: Responsável pela renda familiar Responsáveis Quantidade Porcentagem Próprio entrevistado (mulheres/mãe) Mãe (da entrevistada) Avó (da entrevistada) Cônjuge/companheiro Mãe e pai Outros 3 30% 2 1 4 1 0 20% 10% 40% 10% 0 Total 10 100% Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. A composição familiar das entrevistadas revela a presença significativa do cônjuge ou companheiro como o provedor da renda familiar. O que mostra que as taxas de ocupação dos homens ainda persistem superiores às das mulheres, apesar das taxas de ocupação dentre as mulheres girarem em torno dos 54% (IBGE, 2007). É importante analisar ainda que os dados apresentados na Tabela 3 revelam que a responsabilidade pela renda familiar é atribuída, majoritariamente, ao sexo feminino, seguindo assim, a tendência verificada em âmbito nacional. Segundo dados do IBGE (2007), o número de mulheres que atuam como referência da família cresceu notoriamente, passando de 10,3 milhões em 1996, para 18,5 milhões em 2006, um crescimento de quase 80%, contrastando com o número de homens provedores da família que aumentou 25%, nesse mesmo período. Destaca ainda que, em relação à prevalência feminina no provimento da renda, as maiores proporções de mulheres que se declaravam como pessoa de referência da família, incluía-se nos grupos de faixa etária de 25 a 39 anos e de 60 anos ou mais de idade. Já nos contornos da capital natalense, os dados da pesquisa sobre pobreza e desigualdade social em Natal, apontam que 30% dos domicílios estão sob a responsabilidade de mulheres. Assim, lançando mão dos percentuais expostos na tabela 3, percebemos uma predominância de mães responsáveis pelos domicílios, contrastando com apenas 01, cuja responsabilidade é compartilhada com o pai. Porém, vale ressaltar que, a participação das mulheres no mercado de trabalho para sustentar suas famílias se dá, principalmente, através de trabalhos domésticos como faxinas e/ou auxílio a serviços gerais; funções estas precarizadas 137 nas relações de contratação de trabalho, tendo em vista que os direitos trabalhistas, nesse caso, não são assegurados. Essa pesquisa reforça análises sobre os novos arranjos familiares nos dias atuais, que indicam um aumento acentuado de famílias monoparentais, com mulheres incumbindo-se da responsabilidade (renda) da família 76. Muitas vezes, as mulheres são chamadas a assumir total encargo pelo provimento das necessidades básicas da casa, responsabilidade essa, assegurada graças a uma inserção no mercado de trabalho pela via da precarização e flexibilização das relações de trabalho, reforçando assim, a informalidade tão presente na sociedade atual e ratificada nos resultados empíricos dessa pesquisa. Autores como Góis (2006) e Montali (2000) revelam que na sociedade contemporânea, verifica-se na família brasileira uma tendência em reduzir a concepção de filhos por família, no entanto, esse dado ainda é muito determinado pela classe média e burguesa. Desse modo, a partir da coleta das entrevistas, identificamos que a quantidade de filhos presentes nas famílias, sujeitos/objetos dessa pesquisa é constituída de 1 a 4 filhos. Contudo 80% das entrevistadas tem 3 ou 4 filhos, mostrando também que o acesso a informação sobre métodos contraceptivos, bem como o acesso aos próprios métodos não alcança a realidade da população subalternizada. Vejamos: 76 A rigor, há substanciosos estudos que discutem a tendência do crescimento da “participação feminina” no provimento da renda familiar no Brasil. Para conferir ver: (HIRATA, 2002) e (NOGUEIRA, 2006). 138 Tabela 4: Números de Filhos Números de filhos Porcentagem 1 2 3 4 5 Mais de 5 Números de entrevistados 1 1 4 4 0 0 Total 10 100% 10% 10% 40% 40% 0 0 Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. Nesse sentido, no trato do número de pessoas que formam a composição familiar, relativos à Natal, recorremos ao já mencionado Relatório (OLIVEIRA et al, 2012), para mostrar que em 240 dos 456 domicílios visitados, 25% possuem 03 pessoas por residência, e 23% constitui-se, em média, de 4 membros. Já quanto à composição familiar da nossa pesquisa, prevaleceu a média de 07 membros por domicílio. Variando entre 03 e 10 pessoas por residência. Diante de uma sociedade forjada por contornos tão elevados quanto aos índices de concentração de riqueza como é o caso da brasileira, torna-se relevante sabermos qual a renda disponível dos entrevistados, para gastos com alimentação, fornecimento de água e de luz, transporte coletivo, dentre outros, que trate do atendimento das necessidades básicas das famílias. Nesse sentido, a tabela 5, nos apresenta a “malha” da renda familiar dos entrevistados desta pesquisa, sobre o qual tecemos algumas considerações a seguir: Tabela 5: Malha da renda familiar dos entrevistados Especificidade de Salário Porcentagem Menos de 1 salário mínimo (SM) Até 1 SM Entre 1 e 2 SM Entre 2 e 3 SM Entre 3 e 4 SM Entre 4 e 5 SM Acima de 5 SM Sem renda Quantidade dos entrevistados 2 4 1 2 0 0 0 1 Total 10 100% 20% 40% 10% 20% 0 0 0 10% Fonte: Elaboração própria, com base na pesquisa de campo realizada em março e abril de 2012. 139 De acordo com o último Censo do IBGE (2010a), 33% da população brasileira, recebiam até 1 salário mínimo de rendimento pelo trabalho realizado, contrastando com 0,9% da população ocupada que ganhavam mais de 20 salários mínimos. Ao considerarmos a parcela de brasileiros que não possuem nenhum rendimento, a realidade se mostra ainda mais perversa e desigual. As estatísticas anunciam que 7% da população brasileira não possuem qualquer renda para suprir necessidades básicas da vida cotidiana. No Rio Grande do Norte os números atingem um contingente de 965.313 pessoas que não possui rendimentos algum, o que corresponde a 30% da população potiguar. As regiões Norte e Nordeste se destacaram quanto ao aspecto dos “sem rendimento de trabalho” (12% e 14%, respectivamente). Em se tratando do número de pessoas que ganham até 1 salário mínimo de remuneração mensal de trabalho atingem taxas ainda maiores (42% e 51%, respectivamente). Esses valores se mostram bastantes diferentes das demais regiões do país, as quais atingem variações de 23% a 29% (IBGE, 2010a). Em Natal, em especial nas áreas de maior concentração de pobreza, os dados da pesquisa consultada (OLIVEIRA et al, 2012) revelam que 14% das famílias contam com até 1 salário mínimo para a satisfação das necessidades básicas do grupo familiar. Os resultados apresentados na Tabela 5 apontam que a maioria das entrevistadas, 04 delas, contam com uma renda familiar de até 1 salário mínimo, seguindo assim, a prevalência nacional. Enquanto que, 02 (duas) possuem renda “inferior” a 1 salário mínimo e 01 (uma) não possui qualquer renda, ou seja, 60% das entrevistadas ganham no máximo 1 salário mínimo. Os outros 30% das entrevistadas ganham entre 2 e 3 salários mínimos. Ressaltamos que a entrevistada que não possui renda, depende exclusivamente do benefício do Programa Bolsa Família e de uma ínfima ajuda de parentes para alimentar os 10 membros da casa. Registramos que esta entrevista fora a mais expressiva quanto ao retrato das condições de vida e miséria que muitos brasileiros ainda vivenciam nesse país. Esse quadro desvela que a pobreza extrema, apesar de não ser vista de imediato, está bem viva no município do Natal, tal como sugere o atual slogan da 140 administração da Prefeitura da Capital: “se você olhar, você vai ver”77. Não avanços, no tocante à distribuição da riqueza ou melhorias na oferta dos serviços assistenciais e públicos, mas o descaso, a pulverização e a residual intervenção do Estado nos contornos da pobreza e desigualdade social. Constatamos assim, que a maioria das famílias tem renda de até 1 salário mínimo para o provimento de suas necessidades básicas, o que indica uma situação de pobreza acentuada. Como já assinalamos, apenas 02 (duas) entrevistadas afirmaram ter renda um pouco mais de dois salários mínimos para manutenção de suas necessidades básicas. O que não representa a ausência de privações e tranquilidade na garantia da sobrevivência. Parece-nos oportuno finalizar esta seção, tocando em um dos aspectos, que perpassam pelos contornos da pobreza, no cenário da vida cotidiana dos usuários dos serviços do CRAS-Pajuçara. A partir das falas expressas nas entrevistas, observamos a presença preeminente da “resignação” às condições de ocupação que lhes foram possíveis. Concatenado a lógica dos interesses do capital, o qual também é transversal a ideia de conformação e subalternidade à condição de vida e lugar que o “pobre” supérfluos, descartáveis e “sobrantes” - ocupam na sociedade de classe. Conforme anunciam as falas das entrevistadas, vai se delineando os sonhos e a desistência deles, em função das condições concretas de vida: Foi a que apareceu mesmo. Quero tomar conta do povo doente, [enfermeira]? É isso ai mesmo. Num deu pra estudar não... É sim difícil, do jeito que é aqui! [expressão de desestimulo e desesperança]. (ENTREVISTADA “B”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] A que foi possível eu ter né? Porque se eu pudesse escolher [risos]. Se eu pudesse escolher minha filha, acho que eu não estaria nem aqui [risos]. A mulher é tantas. Recepcionista, acho bonita aquelas meninas, toda vestidona [risos]. (ENTREVISTADA “I”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] Ai meu Deus! Foi eu que escolhi não [risos]. Mulher, a que eu queria ter [risos]. Mulher olhe, meu sonho [emocionada]. Eu posso ainda ser é enfermeira. (ENTREVISTADA “J”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] 77 Slogan da administração da Prefeitura Municipal de Natal para se referir ao trabalho realizado pela gestão atual (2009-2012) e que aqui nos utilizamos dele para falar da realidade de miséria e descaso na capital potiguar. 141 Nessa mesma direção, algumas falas mostram a resignação ao que foi possível e outras afirmaram ter aprendido a gostar do possível: Foi a que foi possível ter mesmo, né? [risos]. É isso mesmo. Outra coisa... né? É mais difícil [risos]. É atendente de Restaurante mesmo. Essa tá bom! (ENTREVISTADA “A”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] [ASG]. Foi a que eu escolhi porque eu gosto. É a que eu gosto. Assim sobre estudo eu nem penso não, porque você sabe que hoje em dia tem que ter estudo. Pra coisa melhor, caso a pessoa queira, mas como meu estudo é pouco, eu mesmo, eu acho que vou morrer nessa profissão porque eu gosto. A profissão que dou valor é essa que eu trabalho, me sinto bem. É eu gosto... (ENTREVISTADA “C”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] Não, eu fiz costureira porque eu queria mesmo ser costureira. Mas agora mesmo que eu tô querendo mesmo é camareira, (...). É assim... das duas mesmo eu prefiro mesmo é a de costureira, né? Que já tenho o hábito já, peguei o costume. (ENTREVISTADA “E”, pesquisa de campo, março/2012). Outra incursão que podemos extrair das falas supracitadas, é a dicotomia existente entre a profissão desempenhada no momento da pesquisa, e a desejável pelos sujeitos entrevistados. No transcorrer da coleta das entrevistas, notadamente, pudemos por em evidência a subjetividade dos participantes, marcada por vontades, sonhos e desejos, os quais vão se tornando inalcançáveis diante dos “muros (in) visíveis da pobreza”. Assim, a população vai abdicando dos sonhos, se adaptando ao possível, e em alguns casos, conformando-se com o “inevitável”. Por conseguinte, as falas extraídas das entrevistas nos apresentam pistas substanciosas para apreendemos que a pobreza, não apenas demarca o lugar do “pobre” na sociedade, como também os paralisa, roubando-lhes a maior das potencialidades humanas: a capacidade de sonhar, acreditar na superação de seus limites. Incutindo-lhes o maior dos entraves: a desesperança, de maneira que a pobreza não se expressa apenas pela carência de bens materiais, antes se traduz e se mantém pela carência de direitos, oportunidades, informações, possibilidades, sonhos e esperanças, conforme atesta Martins (1991). 142 Em face disto, estamos cônscios que o espectro da realidade social, na contemporaneidade, sob o comando e regência do capital, imprime cortes drásticos às políticas sociais tornando-as pulverizadas, seletivas e residuais. Nesse contexto, a população usuária de tais políticas e entre elas, a assistência social, sobrevive em meio a parcos recursos e serviços precários que não atendem, minimamente, a suas demandas, nem lhes possibilita romper ou mesmo sonhar com uma vida/ocupação mais digna. Desse modo, no que concerne a intersecção entre a Política de Assistência Social e trabalho informal, temos claro que o trabalho informal alimenta a sociedade capitalista, contudo, as ações da Política de Assistência Social, investigadas no CRAS-Pajuçara, através da materialização dos cursos profissionalizantes, não conseguem inserir a população usuária nem nos meandros do mercado informal. Entretanto, o Serviço Social brasileiro, se posiciona na contramão do imperialismo do grande capital e da barbárie social, mas na direção das conquistas dos direitos sociais, na distribuição da riqueza socialmente produzida e no compasso das lutas e conquistas civilizatórias para todos os seres humanos. No tópico a seguir, nos deteremos em trazer para o debate, a operacionalização do CRAS-Pajuçara, tentamos através da materialização dos cursos profissionalizantes, desvelar as verdades e equívocos da relação assistência social e trabalho informal, em âmbito local. 4.2.2 CRAS-Pajuçara em foco: a dinâmica de uma realidade complexa Partimos da aproximação teórica de alguns estudos, para afirmar que em Natal, a gestão do CRAS-Pajuçara, campo empírico dessa pesquisa, se assemelha, em alguns aspectos, à realidade nacional. Entretanto, cada município efetiva as suas ações considerando os limites e possibilidades da alocação dos recursos, além das potencialidades e demandas específicas de cada região. Apresentaremos em seguida, através do registro fotográfico, o imóvel onde atualmente funciona o referido CRAS, nesse município: 143 Figura 5: CRAS-Pajuçara (Fonte: Pesquisa de campo, abril/2012). O CRAS Região Norte III - Pajuçara, assim denominado, foi inaugurada em 05 de agosto de 2004, com o intuito de atender às demandas da rede de Proteção Social Básica, as quais se mostraram expressiva, não apenas pela abrangência populacional do Pajuçara, mas, sobretudo, por apresentar altos índices de risco e vulnerabilidade social, a saber: pobreza, desemprego, violência, altas taxas de analfabetismo, descaso ou quase inexistência e/ou precariedade dos serviços públicos. Segundo estudo realizado pela SEMURB (2009), o crescimento populacional do Pajuçara ganha expressão desde 1990, quando aconteceu o crescimento e adensamento de diversos conjuntos habitacionais, em seu entorno. Registra ainda que em 2007 havia no Bairro Pajuçara, 14.692 domicílios particulares permanentes. A contagem populacional, nesse mesmo ano, alcançou um quantitativo de 54.091 mil habitantes. O que também contribuiu para justificar a existência do CRAS nesse território. Quanto às instalações físicas do referido CRAS, esse se localiza em uma área central e de fácil acesso no Bairro-Pajuçara78. Seguindo o modelo de todos os CRAS, no município de Natal, a materialização de suas ações é realizada em um imóvel alugado, sob responsabilidade do órgão gestor da SEMTAS. Funciona, cinco dias por semana, atingindo oito horas diárias de funcionamento, totalizando 40 horas semanais. Possui boa sinalização, através da existência de “placa de identificação”, o que garante à visibilidade da unidade e a facilidade de acesso das famílias beneficiárias ao CRAS, conforme preconiza as Orientações Técnicas do CRAS. 78 Para visualizar a localização do referido CRAS, (ver ANEXO C). 144 De acordo como as informações cedidas pela Coordenação do CRASPajuçara, suas instalações físicas estão assim definidas: possuem 05 salas multiuso com capacidade para 30 pessoas (03 destas cedidas para a realização de cursos profissionalizantes e 02 para oficinas de arte e oficinas do PAIF); 01 sala de espera para até 50 pessoas; 01 salão para eventos que comporta até 60 pessoas; 01 sala da equipe técnica; 02 salas para atendimentos individualizados (01 para atendimento psicossocial da equipe de referência do PAIF e 01 para atendimento do Cadastro Único); além de 01 espaço de recepção; cozinha e 05 banheiros (sendo 01 com acesso para pessoas com deficiência). Identificamos que as salas de multiuso, disponíveis para os “cursos profissionalizantes” são amplas, possuem iluminação e ventilação ambiente agradável. Já o salão de espera, as salas de atendimento individualizado e a sala da equipe técnica (onde se desenvolve o atendimento psicossocial) possuem pouca iluminação e nenhuma ventilação natural, conforme podemos visualizar nas fotos a seguir: 145 Figura 6: Salão de espera atendimento (Fonte: Pesquisa Campo, abril/2012) de de Figura 8: Sala de atendimento individualizado (PAIF/Cadastro Único) (Fonte: Pesquisa de Campo, abril/2012) Figura 7: Salamultiuso/sala dos cursos (Fonte: Pesquisa de Campo, abril/2012) Figura 9: Sala da equipe técnica (Fonte: Pesquisa de Campo, abril/2012) Remetemo-nos as fotos 8 e 9, para destacar que, no se refere à privacidade de atendimento, apenas um espaço localizado no canto da sala da equipe técnica (foto 9), delimitado por uma divisória, no qual funciona a sala da Coordenação, mostrou-se o mais utilizado para esse fim, apesar de ser “minúsculo” (2x1,50m), não possuir circulação de ar, nem tão pouco, iluminação natural. Não obstante a todas essas precariedades, por vezes, a sala da “equipe técnica” e sala da “coordenação” são compartilhadas com o Serviço Social e a Psicologia para a realização do atendimento psicossocial e individualizado, já que esses atendimentos, em algumas ocasiões, são feitos simultaneamente. Desse modo, as condições estruturais de trabalho, principalmente, o sigilo dos profissionais que ali labutam, deixam muito a desejar e, portanto, é necessário providências do órgão gestor dessa política, quanto a adequações físicas do referido equipamento social. 146 Para, além disso, corroboramos com Castro (2008, p. 101), ao afirmar que: [...] espaços físicos adequados não garantem o bom desenvolvimento das atividades de atendimento integral às famílias; mas estas atividades, com metodologias bem estruturadas, inversamente, terão dificuldades de se desenvolveram em equipamentos precários. E quanto mais consistentes estas atividades forem, mas exigentes em termos espaciais elas serão. Partindo dessa premissa, há de considerarmos: mesmo que em dada unidade estatal - CRAS, os profissionais contem como uma metodologia de trabalho estabelecida (embora esbarrem em condições de trabalho inadequadas para executá-las); seja firmada em uma direção política, que atende em primeira, instância aos interesses da população usuária, fazendo da sua ação profissional uma possibilidade de rompimento do clientelismo e favor, isso não significa que os entraves institucionais deixarão de existir, pois, colidirão na conjuntura neoliberal, na qual as políticas sociais sofrem constantes cortes de recursos financeiros e humanos. Mas, também é inconteste que “espaços precários e improvisados tendem a acomodar a metodologia à ambiência limitada de trabalho” (YAZBEK et al, 2011, p. 155) restringindo, muitas vezes, o exercício profissional a práticas residuais, imediatistas e fragmentadas. Em se tratando da composição técnica dos profissionais do CRASPajuçara, vejamos o Quadro 4 que segue: 147 Quadro 4: Equipe Técnica do CRAS-Pajuçara Profissionais Coordenadora - assistente social Assistentes sociais Psicólogas Pedagoga Educadores Recepcionista e administrativo Porteiro e ASG Estagiários remunerados/entrevistadores Cadastro Único Estagiários curriculares obrigatórios do Escolaridade Quantitativo Nível superior Nível superior Nível superior Nível superior Nível médio Nível médio Nível fundamental Graduandos em Serviço Social Graduandos em Serviço Social 01 03 02 01 04 02 02 Total 04 05 24 Fonte: Elaboração própria, com base nos dados institucionais do CRAS-Pajuçara de 2011. Conforme preconiza a NOB/RH-SUAS (BRASIL, 2009b), a qual delibera normas a respeito do quadro de profissionais responsáveis pela oferta dos programas, projetos, serviços e benefícios no âmbito da Proteção Social Básica e Especial, constatamos que o referido CRAS atende aos parâmetros de equipe de referência, tal como é exigido. O que não implica afirmar que esse quantitativo de profissionais dê conta de toda a demanda que, cotidianamente, advém ao CRAS. Dados institucionais do CRAS-Pajuçara registram que 3.834 famílias foram atendidas em 2010, e 3.747, no ano de 2011. Ao contrastar esses dados com o que preconiza a meta do MDS (mil famílias/ano), atestamos que esse quadro de profissionais é insuficiente, para o cumprimento satisfatório de todos os serviços, programas, projetos e benefícios prestados no âmbito do CRAS. Isso nos revela que, inserido em um cenário árduo, perverso e deficitário, os profissionais do CRAS, culminam por organizar o seu trabalho, pela escolhas das “demandas prioritárias”, pondo em ordem de atendimento, a demanda que lhe parece mais complexa, urgente ou grave. Não obstante, outros aspectos são imprescindíveis para um exercício exitoso, nessa unidade estatal. Um deles são as condições de trabalho, com implicações diretas na qualidade dos serviços prestados aos usuários. No contexto do CRAS-Pajuçara, destacamos: a falta e/ou escassez de recursos materiais para 148 viabilização do trabalho da equipe técnica, como a falta de um veículo, exclusivo, para atender demandas institucionais, sejam elas eventuais ou permanentes, a exemplo das visitas domiciliares; além de formas flexíveis e precárias de contratação de profissionais que ainda persistem. Ainda nesse contexto, ressaltamos a questão de contratação de vínculos e escolaridade dos profissionais do SUAS. Para tanto, reportamos aos dados do Censo SUAS/2011, publicado em 2012, o qual mostrou que dos 535.005 milhão de trabalhadores do SUAS, 55% desses, o que representa 294 mil, estão exercendo suas funções sob o vínculo de contratações temporárias, e 34%, ou 182 mil, prestam serviços voluntários ao SUAS. Quanto ao aspecto da escolaridade, 36% possuem nível superior, 39% nível médio e, 24% ensino médio fundamental (completo e incompleto). Tal quadro de precariedade também se incide em âmbito local, quando dentre os 14 profissionais, em exercício no CRAS-Pajuçara, apenas 03, são do quadro efetivo da SEMTAS, ou seja, tiveram contratação via concurso público79, os demais possuem vínculos terceirizados pela Associação de Atividade de Valorização Social (ATIVA)80 ou estão submetidos a contratos temporários, a exemplo de contratações mediante Processos Seletivos, portanto, sem chances de renovação. Ressaltamos que esses últimos, são os que mais sofrem com os constantes atrasos de pagamentos. Os dados supracitados, ratificam que os trabalhadores do SUAS também estão imbricados nas relações de precarização e terceirização dos processos de trabalho, conforme atesta o Censo SUAS/2011 (MDS, 2012). Tal cenário incide diretamente na vida do trabalhador através da instabilidade empregatícia, baixos salários e desproteção dos direitos trabalhistas. Além disso, traz sérios prejuízos a continuidade e a qualidade dos serviços prestados à população usuária. Ainda no invólucro do referido CRAS, grifamos que esse tem como órgão gestor a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social - SEMTAS a qual atua, atualmente, em duas frentes de atuação: Assistência Social e Trabalho. A primeira é constituída de quatros Departamentos a saber: Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e Segurança Alimentar. Já a segunda é formada pelos 79 A propósito, os princípios e diretrizes da NOB-RH/SUAS (BRASIL, 2009b, p. 15), já trazem deliberações sobre a necessidade da existência de servidores públicos na execução dos serviços socioassistenciais. 80 Empresa que presta serviços terceirizados a Prefeitura Municipal de Natal. 149 seguintes Departamentos: Empreendedorismo, Incentivos e Ações para o Trabalho e o Departamento de Qualificação profissional (DQP). Destacamos que a SEMTAS possui como atribuição, a execução da política de assistência social, buscando implementar ações a serem ofertadas pelos serviços, programas, projetos e benefícios, assim elencados, no âmbito do CRASPajuçara: Quadro 5: Programas, projetos, serviços e benefícios realizados no CRAS Região Norte III - Bairro Pajuçara Serviços demandados Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) (Atendimento individualizado) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) (Atendimentos coletivos/Grupos) Programas e Projetos referenciados ao CRAS Detalhamento de atividades Atendimento Psicossocial Cadastro PAIF Encaminhamentos Visitas Domiciliares Visitas institucionais Acompanhamento Familiar individualizado 81 Busca Ativa Acompanhamento Familiar em Grupo Grupo de arte-educação (teatro, canto, flauta) Grupos de convivência Campanhas/ações socioeducativas Eventos comemorativos Cursos de qualificação profissional Programa Bolsa Família Serviço de Convivência e Fortalecimento de 82 Vínculos para Adolescentes de 15 a 17 anos Pro jovem Adolescente Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Crianças e Adolescentes de 06 a 15 anos Benefício de Prestação Continuada (BPC) Cadastro Único PEMSEMA (Adolescente em Medida Socioeducativa no CRAS) Projeto Vira Vida (SENAI) Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do Relatório de Gestão da Coordenação Geral do CRAS da SEMTAS (2011) e dados institucionais de 2011. 81 É realizada para localizar e viabilizar o acesso dos beneficiários de Programas de transferência de renda na participação dos cursos profissionalizantes, e/ou encaminhá-los para instituições que operam a intermediação de mão de obra (Centros Públicos, Casas dos ofícios, SINE). Além disso, é um serviço executado pela equipe do PAIF para verificar o descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família e das crianças beneficiárias do BPC. 82 Atualmente esse serviço não é feito no CRAS-Pajuçara, mas pela rede conveniada, a exemplo do Instituto D. Bosco, Marinha, Casa da Juventude e outros, no que se refere ao atendimento de crianças e adolescentes. 150 Ressaltamos que dentre as ações materializadas no CRAS em análise, as entrevistadas (sujeitos da pesquisa) apontaram o Programa Bolsa Família, os cursos profissionalizantes e o Pro Jovem, como as ações de maior relevância. A maioria das participantes destacou o Programa Bolsa Família, como o Programa que lhes trouxe contribuição de alguma forma. Conforme sinaliza algumas falas: Só o Bolsa Família mesmo. Só por causa desse dinheiro mesmo porque não tem outra coisa [risos]. Mulher dá pra ajudar em alguma coisa. Só isso, como eu disse: só o Bolsa Família mesmo. Ajuda só no dinheiro, né? (ENTREVISTA “J”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] Bem, o Bolsa Família trouxe benefício, né? Porque tem me ajudado muito, né? Tá certo que o dinheiro num é muito não é, 32 reais, mas me serve né? (ENTREVISTA “G”, pesquisa de campo, março/2012). Foi bom a distância né? O Bolsa Família pra mim é uma benção. É uma ajuda muito grande né? (ENTREVISTA “F”, pesquisa de campo, março/2012). O único benefício que a gente tem é só do Bolsa Família mesmo. Só isso que deu. Só pelo Bolsa Família. (ENTREVISTA “E”, pesquisa de campo, março/2012). Essa constatação, conforme já anunciada anteriormente, revela-nos que tal relevância atribuída ao Programa Bolsa Família se dá, prioritariamente, pela viabilidade de acesso à renda, e por consequência, o acesso a alguns serviços básicos, mesmo que este aconteça, de forma reducionista, limitada e idealizada. Salientamos que o acesso ao consumo, nesse caso, não significa ter o que comer ou fazer o que deseja. Ainda dentre as falas das entrevistadas destacamos que a expressão de agradecimento e benesse ao Programa está relacionada, tão somente, ao aspecto financeiro. O que revela a presença marcante da resignação e reprodução da subalternidade incorporada pela população. Identificamos ainda a importância atribuída aos cursos profissionalizantes, os quais são vistos como um horizonte possível para a inserção no mercado de trabalho. Conforme expressa as falas a seguir: 151 Eu acho bom né, porque pelo menos ajuda a gente arrumar um emprego né? Que tá difícil. Ai quando tem os cursos fica melhor pra arrumar. (ENTREVISTA “E”, pesquisa de campo, março/2012). [...] E os cursos também me ajudou muito, porque eu aprendi, me profissionalizei. Gostei muito dos cursos que eu fiz né? (ENTREVISTA “G”, pesquisa de campo, março/2012). Eu acho bom. Porque pelo menos a gente abre mais a mente, né? Com os cursos que tem lá. (ENTREVISTA “I”, pesquisa de campo, março/2012). Os cursos, porque assim... do jeito que emprego tá difícil né? Você tendo um currículo com vários cursos, eu acho que já é meio caminho andado, né? (ENTREVISTA “J”, pesquisa de campo, março/2012). Fora então, partindo da análise da efetividade desses cursos, no âmbito do CRAS-Pajuçara, especificamente, sob a proposta impressa na assistência social em promover a “integração” ao mercado de trabalho, em que os “cursos profissionalizantes” se inserem, é que o objeto dessa pesquisa foi desenhado e elaborado. Nessa direção, é sabido que os referidos “cursos” são viabilizados, no âmbito dos CRAS/RN, em articulação com o Departamento de Qualificação Profissional (DQP), o qual se insere na Pasta do trabalho da SEMTAS. Salientamos que o DPQ/SEMTAS é o responsável pela equipe técnica operacional desses cursos e demais custeios, incluindo mão de obra e material didático para a realização desses. O DQP, então, visa à promoção de emprego e renda via a oferta de cursos profissionalizantes, alcançando comunidades periféricas e subalternizadas da Capital, mediante articulação com diversas entidades socioassistenciais que procuram esses serviços, a saber: clubes de mães, associação de moradores, conselhos e associações comunitárias, grupos de idosos, institutos e espaços com fins filantrópicos. Além disso, a equipe do DQP atendia às demandas oriundas dos CRAS em Natal, prioritariamente, os beneficiários do Programa Bolsa Família, conforme constatamos na coleta das entrevistas dessa pesquisa. Aliás, em se tratando, particularmente, dos cursos profissionalizantes, recebemos informações que esses não são materializados pelo CRAS, apenas o espaço físico é cedido para facilitar o acesso dos usuários aos cursos, e assim, 152 torná-los mais próximos a residência deles. Os técnicos do CRAS, então, participariam apenas na busca ativa dos usuários e encaminhamento desses aos cursos profissionalizantes. Não obstante, após constatação in loco, inferimos que se no âmbito do referido CRAS existem 03 salas, cedidas para a realização dos cursos profissionalizantes, e após termos presenciado lista de cursos afixadas nas instalações do CRAS, entendemos que essa unidade estatal, tem participação direta na mediação e articulação para realização dos cursos, no âmbito do CRAS, muito embora, não seja responsável pela execução dos mesmos. Isso porque, a procura dos cursos profissionalizantes se apresentou como uma demanda bastante significativa, sob a perspectiva capaz de oportunizar emprego e renda para o público usuário do CRAS em análise. Ressaltamos ainda que a proposta da “inclusão produtiva” tem sido vista com descrédito pelos profissionais que intermediam essa iniciativa estatal, nas instâncias do referido CRAS. Ainda na busca por respostas, realizamos, aliado a leituras e tessituras de Relatórios técnicos, um levantamento dos cursos profissionalizantes, consolidados nos CRAS em Natal, nos anos de 2010 e 2011, por meio dos Relatórios de Gestão da SEMTAS/Coordenação dos CRAS. Os referidos Relatórios nos deram elementos fecundos para constar que em 2010, o DQP realizou 30 cursos profissionalizantes, nos oito CRAS existentes naquele período. Sendo que em 2011, conforme notifica o Relatório de Gestão da SEMTAS (2012), houve apenas a oferta de 03 cursos. Ao indagarmos a coordenadora do DQP/SEMTAS acerca da redução na oferta dos cursos, essa nos informou que a realização dos cursos, depende da solicitação da administração de cada CRAS, muito embora, reconheça a redução significativa na alocação dos recursos para esse fim. Especificamente, no âmbito do CRAS/RN, dentre os cursos realizados nos anos de 2010-2011, identificamos que a tipificação desses, estava assim distribuída: promotor de vendas, recepcionista, corte e costura, cabeleireiro, ASG, manicure, pintura em tecido, crochê, costumização83, “biscuit”, camareira e aproveitamento de alimentos, atingindo um total de 489 participantes. Ressaltamos que, por meio da coleta de dados, a referida “listagem” foi ratificada. E no que diz respeito à duração dos cursos, esses perduravam entre 01 a 03 meses. 83 Atividades voltadas ao bordado, enfeites, fuxico, artesanato. 153 A partir da tipologia dos cursos oferecidos, atestamos forte similaridade com as atividades da “área de serviços”, em que mais se evidenciam a reprodução de atividades informais. Nesse sentido, inferimos como uma tendência, desses cursos, no máximo, convergirem trabalhadores para a modalidade de atividades informais. Outra constatação refere-se à viabilização de acesso ao mercado de trabalho, através dos cursos profissionalizantes, realizados no CRAS-Pajuçara. Identificamos que das 10 pessoas entrevistadas, 09 informaram não ter conseguido nenhum trabalho mediante esses cursos. Nisto, atestamos a sua ineficiência e ineficácia quanto ao aspecto da empregabilidade. Algumas falas das entrevistadas, no que concerne a conquista do trabalho, reforçam essa constatação: Até agora nenhum, já andei tanto lá que até afinei as pernas, pedindo até pelo o amor de Deus... “tenha calma Dona Fátima”. Tenha calma o que mulher? A gente sai da nossa casa, confiando primeiramente em Deus e segundo em vocês mulher? E chega aqui e... Num recebe diploma e a gente perde tempo assim [...]. Termina os cursos e a gente fica com a mão batendo, fica com a cara batendo. Eu me constrangi sabe? Eu fiquei muito constrangida. Não contribuiu não, pois que eu num fiquei em nenhum emprego! (ENTREVISTADA “B”, pesquisa de campo, março/2012). Assim... cheguei até perto de consegui, mas não deu certo não. E aqui dentro, onde eu moro aqui é muito devagar. Tem gente demais fazendo unha por ai. Tem manicure demais. (ENTREVISTA “G”, pesquisa de campo, março/2012). Fiz curso ai no CRAS, curso de ASG, promotora de vendas, recepcionista, aproveitamento de alimento (Cozinha Brasil), mas não, se bem que eu já botei vários currículos. Já andei bastante e até agora nada. (ENTREVISTADA “H”, pesquisa de campo, março/2012). Anteriormente, a fase da coleta dos dados, esperávamos demonstrar a inserção dos entrevistados no trabalho informal pela via de acesso dos cursos profissionalizantes, mas não foram esses resultados que as entrevistas revelaram. De fato, os cursos, nos contornos do CRAS, não contribuem para a inserção no mercado de trabalho formal nem informal. Além disso, a pesquisa nos deixou pista fecundas para sublinhar que é falho o discurso que por si só, a assistência social 154 dará conta do desemprego ou da proteção social no Brasil 84, haja vista todos os determinantes, normativas e limites que circundam essa política. Ressaltamos que tamanha ineficácia, no exercício dessa ação estatal, não está necessariamente nos cursos oferecidos, nas pessoas que deles participam ou executam-no. É necessário considerar a direção social posta e para quem essa “capacitação” está sendo viabilizada. Quem a fomenta? Quais interesses a constituem? Seria mesmo na direção de emancipar os sujeitos? Nessa perspectiva, é preciso trazer para o debate o recente programa do Governo Federal, denominado, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), que em âmbito local, também deve ser executado pela SEMTAS via Política de Assistência Social. Isso é fruto de uma parceria firmada entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Esse Programa foi criado pela Lei nº. 12.513, de 26 de outubro de 2011, como uma das iniciativas de incremento da formação técnica e profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O PRONATEC alinha-se ao esforço de superação da extrema pobreza do Plano “Brasil Sem Miséria”. Visa contemplar os beneficiários dos programas federais de transferência de renda, da faixa etária entre 18 e 54 anos, e os estudantes de ensino médio como públicos prioritários. Segundo nota oficial do site da Prefeitura de Natal, os cursos inseridos no PRONATEC, serão executados pelo SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), UFRN, Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), nos seguintes locais: Centros Públicos, CRAS, SENAI, SENAC, UFRN, IFRN e Centro de Tecnologia do Gás e Energia Renováveis (CTGÁS). Nesse sentido, registramos que durante a fase da pesquisa empírica, o CRAS-Pajuçara articulou, dentro da proposta do PRONATEC, a oferta de 04 cursos profissionalizantes, a saber: camareira, manicure, promotor de vendas e auxiliar administrativo. Ressaltamos que embora todas as vagas oferecidas tenham sido preenchidas, e com data de inicio anunciada, para abril de 2012, os usuários do CRAS-Pajuçara, ainda não tinham realizado esses cursos85. 84 Conforme apregoa o discurso burguês atual. Ao retornarmos ao CRAS-Pajuçara, em meados de junho/2012, a Coordenadora da Instituição nos informou que a SEMTAS cancelou todos os cursos, previstos para serem realizados nos CRAS em 85 155 Diante de todas as interpelações que circundam a operacionalização desse Programa, entendemos que esta pesquisa, sugere o despertar para outros estudos, e nesse sentido, questionar a efetividade do PRONATEC, parece ser um interessante ponto de “partida”, no tocante a essa proposta do governo federal de “capacitar para empregar”. É preciso então, acompanhar e analisar a viabilidade desse discurso ideológico burguês que ganha força e dimensão na cena contemporânea de crescente desemprego, que esconde o desemprego estrutural, a inviabilidade do capitalismo e apresenta o desemprego como simples falta de capacitação ou qualificação. Notoriamente, é legítimo o esforço da equipe do CRAS-Pajuçara em viabilizar a possibilidade de geração de renda aos seus usuários. Mas também é inconteste que, muitas vezes, a discussão sobre o mercado de trabalho é talhado em ideias depreciativas e de culpabilização aos usuários, como se eles não fossem capazes de desenvolver nada mais do que lhe fora ensinado e oferecido, e ainda como se a condição de empregabilidade dependesse só do esforço dos usuários. Tal como sinaliza Couto (et al, 2011a), nessa discussão é pertinente considerar a escassa (ou quase inexistente), iniciativa de diálogo entre as Secretarias que constituem a Política de Trabalho. Do contrário, a assistência social continuará sendo acionada para abarcar atribuições que não são suas e nem de sua competência: “capacitar para empregar” é uma delas. Aliás, preparar, qualificar e garantir a inserção no mercado de trabalho, não seria uma demanda para a Política do Trabalho? Mas onde e em que frentes essa política atua na questão da “inserção produtiva”? Simplesmente ela aparece timidamente e, quando aparece, é inexpressiva em se tratando de ações voltadas aos beneficiários do CRAS em Natal. Seria então, a Política de Assistência Social o campo viável para o exercício dessa tentativa? Evidente e contundentemente, não. É preciso entender que o fomento da “inclusão produtiva”, preconizada dentre os serviços de proteção básica da assistência social, perpassa pelo princípio da intersetorialidade entre as outras políticas sociais, portanto, é ingenuidade pensar na efetividade da “Integração ao mercado de trabalho”, só e tão somente, pela via da assistência social. Natal, transferindo esse serviço para a Pasta do Trabalho. Queiramos nós que tenham entendido que não é papel da Assistência Social executar o PRONATEC, mas sim, mediar e articular formas de acesso, desse serviço, aos usuários. 156 Ainda no âmbito dessa discussão, corroboramos com Couto (2011b, p. 56) ao afirmar que: “a inclusão produtiva que a Assistência Social promove não pode e não deve distensionar o campo do trabalho como política garantidora de direito”. Logo, não podemos ser ingênuos o suficiente a ponto de acreditar que esses cursos, operacionalizados na assistência social, com prevalência nas oficinas de “biscuit”, artesanato, manicure e corte e costura seriam capazes de “empoderar” ou configurar-se como saída para resolver a questão do desemprego no país, e mais distante ainda, emancipar os sujeitos sociais que deles participam. Na verdade, tais cursos criam a ilusão da “inclusão” e só servem para reproduzir e demarcar o lugar social da classe subalternizada. Apenas uma das entrevistadas afirmou ter conseguido um trabalho em decorrência dos cursos, na empresa Guararapes. Contudo, a mesma não suportou as condições de trabalho. Ao mesmo tempo, a fala da entrevistada foi dotada de resignação às condições de trabalho precárias e exploradoras ali vivenciadas: Eu estava tão necessitada de arranjar um emprego que quando a Guararapes me chamou eu fui embora pra lá. Mas fui e me arrependi né? Não estava preparada psicologicamente pra trabalhar lá. A pressão é muito grande[trabalho por produção]. Eu não sei trabalhar sobre pressão, não sei. Disseram uma coisa foi outra totalmente diferente [...].Mas eu não queria... porque eu já tinha trabalhado, já tinha experiência... não na carteira, mais assim, já tinha trabalhado em duas “pontas entregas” e tinha muitos currículos espalhados por ai. É tanto que quando fiz a entrevista na Guararapes, o teste no instante eu passei. Eu não queria de forma alguma... mas o marido queria que eu trabalhasse lá, ai eu fui e fiz. Era fazendo tudo errado [...], mas eu não queria de jeito nenhum trabalhar lá não. Por causa dessa pressão psicológica, eu sabia que era grande, já tinha trabalhado noutra fábrica na época ai... já viu como que é... (ENTREVISTADA “D”, pesquisa de campo, março/2012). [acréscimo nosso] Aqui fazemos um contraponto da fala anterior, com outra, na qual o tempo todo, a entrevistada, externava o desejo de trabalhar na empresa Guararapes, como se esse trabalho fosse o máximo possível em sua vida. Vejamos: Meu sonho é entrar na Guararapes como serviços gerais [...]. Como lá a gente trabalha com carteira de trabalho. Eu num quero saber que a gente trabalha pra morrer. O povo fala demais. Tem gente que diz que a Guararapes é um inferno. Eu digo minha gente não diga isso não, porque vocês não sabem nem o que é o inferno. Dê glória a Deus ter um emprego lá... Trabalhando. Ter sua carteira assinada. 157 Ter seu comer lá, pra comer na hora certa. Eu mesmo, na minha idade, se eu conseguisse... Eu num vou menti pra você não, eu dava glória a Deus toda hora, porque eu tava trabalhando. (ENTREVISTADA “C”, pesquisa de campo, março/2012). Essa conformação inviabiliza a percepção das pressões existentes nas fábricas que funcionam por produção e com vistosa valorização dos lucros. O que incide diretamente na saúde do trabalhador, obscurecendo assim, as relações de alienação, precariedade e subalternidade inerente à relação capital-trabalho. Destacamos ainda, unanimidade nas falas, quanto à escolha dos cursos que as entrevistadas participaram no CRAS: 100% delas, afirmaram terem feito a escolha dos cursos, dentre as opções que lhes foram apresentadas. Essa afirmativa se ratifica, quando todas as entrevistadas, externaram o desejo de fazer outros cursos, que na ocasião da inscrição, não constavam na lista dos cursos oferecidos, ou ainda não tiveram a oportunidade de fazê-lo, já que só pode inscrever-se em apenas um curso por vez. Além disso, alegaram que o tempo para oferta e execução de um curso a outro, era bastante estendido. Das 10 entrevistas realizadas, em 06 delas, grifamos o curso de informática como o mais desejável. As entrevistadas atribuem, portanto, alto grau de importância aos cursos de informática para a inserção no mercado de trabalho. Conforme mostra as falas das entrevistadas “A”, “E” e “H”: Informática. É... Por que a gente com informática vai ter um resultado bem..., né? A gente com informática, né? Aprende muita coisa. Pode conseguir outro trabalho. (ENTREVISTADA “A”, pesquisa de campo, março/2012). O de informática né? Dos cursos... é... o mais importante. O de informática, que é o que mais o povo pede. Pergunta logo se a pessoa sabe mexer no computador essas coisas [...] (ENTREVISTADA “E”, pesquisa de campo, março/2012). [...]. Acho que seria bem legal se tivesse um curso com ovos da páscoa, com essas coisas né? Artesanato com chocolate e de computação, de informática. Fora o de informática tem um... é... de camareira, porque no curso de ASG a professora deu alguns...ensinou algumas coisas básicas. A gente até chegou a visitar o motel e olhou lá... Teve um dia todinho de aula lá no motel, mas só que foi básico, dos básicos mesmo. (ENTREVISTADA “H”, pesquisa de campo, março/2012). 158 Tal constatação suscitar-nos questionarmos: seria mesmo, a informática ferramenta primordial para a inserção produtiva? De fato, consideramos ser importante o manuseio dessa ferramenta de trabalho, no exercício de qualquer profissão, mas “nem de longe”, a falta dela pode ser apontada como causa do desemprego como afirmam os discursos ideológicos da empregabilidade. Esse dado revela ainda, ser pertinente atentar para as necessidades, interesses e solicitudes da população usuária quanto à oferta dos cursos. Já que a demanda (cursos) oferecida pelo Estado, segundo as falas das entrevistadas, não corresponde, quase nunca, a demanda e vontades dos usuários do CRAS-Pajuçara. Ao que se refere à efetividade dos cursos, seguindo a visão das entrevistadas, averiguamos constantes reclamações sublinhadas por falhas graves na sua operacionalização. Além da precariedade e falta de materiais necessários para a condução das aulas, as entrevistadas apontaram ineficiente competência técnica dos monitores, mostrando-se muitas vezes, despreparados e descomprometidos no cumprimento da carga horária estabelecidas para os cursos. Conforme anunciado nas falas “D”, “E” e “J”: [...] Costurar eu sei. Só que eu queria só o corte e ai eu fui né? Só que quando eu cheguei lá, eu sabia costurar mais do que a mulher [risos]. Ai eu fiquei lá pra me receber o diploma né? Ai, durante a semana que eu estava lá... me chamaram pra trabalhar na Guararapes. Mas eu acho assim, que no meu ponto de vista deveria ter, no seu caso aí, já que você tá fazendo isso que é pra melhorar, deveria colocar pessoas capacitadas pra fazer isso e máquinas boas porque as máquinas que tinha lá não prestavam. Eu sabia colocar a linha nas máquinas todinhas... A mulher mal sabia usar. A pessoa que tava ensinando não sabia. Quer dizer, ela deve ter vindo da Guararapes porque a farda que estava lá era igual a farda que tem na Guararapes, do primeiro emprego. Eu queria ter ficado lá pra eu ajudar ela um pouco, entendeu? [...]. Se não fosse a Guararapes eu não tinha feito não. É tanto que uma colega minha, (eu cedi dei até a passagem pra ela ficar no meu lugar) é tanto que ela queria só o diploma ela disse: olhe, é uma bagunça é muito desorganizado. Eu disse: olhe, eu vim pra cá para mim aprender a cortar, porque costurar eu já sei. Ela disse não a menina que vem dar esse curso (...). Não teve a parte do corte. Eu passei uma semana e uns dias eu acho, só que a menina que ficou lá disse: não tem esse negócio de corte e costura não. É só isso e as máquinas são muito velhas, mal costura as máquinas. (ENTREVISTADA “D”, pesquisa de campo, março/2012). [...] era bom que quando dissesse que fosse começar os cursos né? Começasse mesmo na data e não ficasse assim demorando, porque 159 às vezes passa mais de 4 meses pra começar os cursos. Às vezes aparece uma oportunidade e você não tem o diploma na mão, né? (ENTREVISTADA “E”, pesquisa de campo, março/2012). Tem que ter mais cursos... mais pessoas que possam... tipo assim... Professor... tinha uns lá... faltava demais. Ter mais cursos, mais professores, assim... com mais qualificação, né? É que precisa mesmo [...]. (ENTREVISTADA “J”, pesquisa de campo, março/2012). [...] é bom que vocês investiguem mesmo, porque tem muita enrolagem, muito desorganizado lá nesse curso. Infelizmente sei que é uma coisa séria, você se esforça pra ir, você perde muito tempo, sai de sua casa e quando chega lá é... Era uma brincadeira, uma máquina estava quebrada, ficava só batendo papo e ali... eu fui me desestimulando [...]. Assim, a gente procura uma coisa pra se organizar, pra aprender, se for depender de aprender de lá, não ia aprender nada [...]. (ENTREVISTADA “D”, pesquisa de campo, março/2012). Tamanho descaso, na prestação desse serviço socioassistencial, só reforça a má condução e operacionalidade do sistema econômico vigente que cada vez mais precariza as políticas sociais, tornando-as residuais, inoperantes, deficitárias em seus princípios, objetivos e execução. Ressaltamos que no âmbito da referida questão, as condições de trabalho, salários e desestímulo dos professores/monitores devem ser consideradas, portanto, aos trabalhadores não devem ser atribuída à culpa por tamanho descaso dessa iniciativa estatal, que tem lastro e direção no modelo neoliberal. No caso da assistência social, há um esforço ainda preeminente em romper com o legado histórico, marcado por contornos que a delimita e condena: “[...] como uma política pobre, destinada aos mais pobres, por meio de ações pobres, ofertadas em unidades pobres” (BRASIL, 2009a, p. 47). Tal definição pode ser facilmente correlacionada à iniciativa estatal pelo viés dos cursos profissionalizantes, oferecidos nos CRAS e executado pela DQP, nesse município. Portanto, os referidos cursos estão aquém dos seus objetivos, e mais distante ainda, da dimensão de garantia de direitos e de promover mudanças reais nas condições de vida dos sujeitos sociais que deles participam. Outra constatação interessante é que no invólucro desses cursos, dissemina-se, no espaço institucional, a falácia da empregabilidade imediata, tornando-os atrativo aos usuários dos serviços dos CRAS, incutindo neles, a possibilidade de inserção no circuito produtivo, mediante a realização dos cursos 160 profissionalizantes. Conforme anunciado em algumas entrevistas desta pesquisa: “[...] porque a gente deixa a nossa casa pra fazer os cursos naquela boa vontade como elas dizem que deixa a gente empregada e quando chega cadê?” (ENTREVISTADA “C”, pesquisa de campo, março, 2012, grifo nosso), ou ainda: “A gente quer fazer o curso e ter o trabalho da gente, né? É igual ai o CRAS. O CRAS disse que a gente ia trabalhar quando tivesse os cursos, cadê? Até hoje nada” (ENTREVISTADA “I”, pesquisa de campo, março/2012, grifo nosso). A partir das referidas falas, podemos desmistificar o equívoco que os usuários dos CRAS, diferentemente do que comumente é anunciado, não objetivam viver do benefício do Programa Bolsa Família. Do mesmo modo que, não se submetem à realização dos cursos, os quais são ofertados nas unidades dos CRAS, tão somente como um “passa tempo”. Contrariamente a isso, os usuários dos CRAS, buscam trabalho, e na tentativa de consegui-lo seguem o que lhe é incutido ideologicamente: “o mercado busca habilitados”. Nesse sentido, a partir da tentativa do desenvolvimento de suas habilidades ou capacidades, procuram nos CRAS a possibilidade de acesso ao trabalho. Isso atesta-nos que o trabalho ainda exerce um papel fundamental na (re)produção da vida social e material para milhares de brasileiros, ao mesmo tempo em que, atrelado a ideia de “desenvolvimento de capacidades e habilidades”, o discurso que não existe desemprego no Brasil ganha força e expansão. O que culmina culpabilizando os sujeitos pela sua condição de desemprego, atribuindo-lhes estereótipos de “despreparados” ou como aqueles que não possuem capacidades suficientes para ocupar os postos de trabalho disponíveis no mercado. No prisma dessa falácia já anunciada, e diante da demanda dos cursos profissionalizantes, que se “agigantam” nos CRAS, somadas a tantas outras que, cotidianamente, são impressas e delineadas no exercício profissional dos assistentes sociais, não podemos nos tornar meros “gestores da pobreza” ou ainda culpabilizar os sujeitos de direitos pelas suas vicissitudes, inclusive, no tocante à condição de inserção no mercado de trabalho. Se nesse rumo trilharmos, reduziremos o nosso Projeto ético-político (conquistado às “duras penas”) a uma normativa legal distante do que ela preconiza em sua natureza e essência, portanto, sem funcionalidade e efeito no tocante a conquista e defesa dos direitos sociais, bem como na busca da plena emancipação humana. 161 Ademais, corroborando com o posicionamento de Braga (2011, p. 150), o CRAS deve ser entendido “enquanto lugar estratégico de articulação no território, de tornar a ação intersetorial uma prática, concreta”. Se assim não for, estaremos fadados a uma ação profissional meramente técnica, residual e compensatória, aquém de uma intervenção política mediadora dos direitos sociais. Para tanto, sinalizamos o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro, como um dos instrumentos norteadores e imprescindíveis para os CRAS fazerem a diferença na vida da classe subalterna. Só assim, tem sentido dessa unidade estatal existir: se gerar mudanças reais na realidade concreta dos sujeitos, cerceados pelos contornos da pobreza, espoliação e expropriação da riqueza. 162 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS [...] „sobreviver na adversidade‟ supõe certa habilidade em transitar entre fronteiras. E isso pode decidir a vida e os sentidos da vida, escapando dessa dura partida entre a morte matada e a desfiguração da vida para aqueles que viram pobres de tudo e se configuram em público-alvo dos programas sociais ditos de inserção que, [...] não são mais do que a administração da exceção. (Vera Telles) No transcorrer do processo de construção e maturação desta dissertação, e na busca por definir nosso objeto de estudo, adentramos em “lugares teóricos” desconhecidos, mas que ao longo do percurso, mostrou-se revelador e surpreendente. Entretanto, foi nas aproximações sucessivas, pautadas em tessituras teóricas e confrontadas com a realidade social, vivenciada pelos sujeitos sociais do CRAS-Pajuçara, que o objeto desta pesquisa fora ganhando movimento, formato e consistência. Quanto aos caminhos traçados e alcançados na pesquisa, podemos considerar que diante dos muitos nós e reveses que circundam o nosso objeto, não obtivemos todas as respostas, mas outras dúvidas e incertezas foram suscitadas ao longo desse processo. Isso revela-nos que “o processo do conhecimento é uma contínua aproximação dos nossos objetos, sem jamais esgotá-lo completamente” (LIMA, 1998, p. 126). Em fase disso, esta pesquisa, possibilitou-nos aproximarmos, um pouco mais, do universo da vida dos usuários, partícipes dos cursos profissionalizantes, no âmbito do CRAS-Pajuçara. Nesse mesmo movimento, permitiu-nos apreender algumas verdades e equívocos que circundam os nexos entre a assistência social e o trabalho informal, em tempos de crises do capital. Nessa envergadura, o contexto institucional do CRAS-Pajuçara configurou-se como espaço relevante no trato do objeto em análise, como também subsidiou, norteou e maturou a apreensão do perfil sociodemográfico dos usuários do referido CRAS em Natal. Desvelando assim, quem são, onde vivem e em que contexto social, econômico e cultural estão inseridos. Acreditamos que o perfil dos usuários do CRAS-Pajuçara, apresentado na seção 4, contribuirá para intervenções futuras, tanto na atuação do Serviço Social, quanto em outras áreas do 163 conhecimento, nas quais os profissionais se sintam instigados a analisar e a intervir, quer seja no Bairro-Pajuçara, quer seja no espaço socioinstitucional dos CRAS. Na tentativa de apreender a relação entre assistência social e trabalho informal em tempos de crise do capital, discutimos a temática da questão social e da pobreza em nível nacional e local, por entendermos que é no cenário das contradições de classe que são engendradas o agravamento da pobreza e desigualdade social. É, pois, nesse cenário de disputa diverso e adverso, que se insere a problemática do desemprego e as formas de atenção do Estado a ele auferido. No tocante a pobreza contemporânea brasileira, Telles (2006, p. 80) afirma que essa se apresenta de modo “persistente e desconcertante”, visto que ainda está fortemente presente nos dias atuais. O que revela-nos que apesar dos avanços legais e das conquistas sociais da sociedade, a pobreza ainda é um “desconcerto social” e também um forte meio de manipulação do sistema predatório, destrutivo e desigual: o modo de acumulação capitalista. Nesse sentido, corroboramos com a análise de Silva e Silva (2010, p. 157): O entendimento é de que o sistema de produção capitalista, centrado na expropriação e na exploração para garantir a mais-valia, e a repartição injusta e desigual da renda nacional entre as classes sociais são responsáveis pela instituição de um processo excludente, gerador e reprodutor da pobreza, entendida enquanto fenômeno estrutural, complexo, de natureza, multidimensional, relativo, não podendo ser considerada como mera insuficiência de renda. É também desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida; é não acesso a serviços básicos; à informação; ao trabalho e a uma renda digna; é não participação social e política. Em face disso, no que se refere à questão da pobreza, essa requer apurada atenção, de todos os sujeitos sociais que labutam e estudam a temática e defendem o seu enfrentamento na contramão do capital contemporâneo. Salientamos que a aproximação das condições de vida dos sujeitos, no campo empírico, possibilitou-nos por em relevo, a presença viva e cruel da pobreza, a qual também justifica o objeto de estudo desta pesquisa. É válido o resgate do pensamento de Telles (2006), no trato da dicotomia entre o mercado formal e informal, a qual afirma que essa deixou de ser o parâmetro de delimitação entre pobres e não pobres, seja pela desvalorização salarial, seja 164 pela degradação dos serviços públicos, somados ao aumento do desemprego que atingiu ferozmente o “setor” formal da economia brasileira. Além disso, a pobreza “é traçada como uma realidade em negativo, uma espécie de limbo para onde são projetadas as carências, as precariedades, as maioridades e os atrasos do país” (TELLES, 1992, p. 3). Em um contexto em que a pobreza não aparece como manifestação da questão social, mas como o lugar da não política ou como algo a ser administrado tecnicamente ou gerido no âmbito da filantropia (TELLES, 1998). Tal cenário nos desafia e revela que estamos diante de uma “tarefa difícil, que esbarra na herança perversa de uma pobreza persistente e naturalizada” (YAZBEK, 2012, p. 318), que sempre redirecionou para o pobre a culpa por sua condição de aviltamento e escassez de vida material e social. No entanto, não tocam nos determinantes - idealizados na sociedade burguesa - que engendram, nutrem e mantém a existência da pobreza por excelência. Assim, o contexto atual no qual a pobreza ganha patamares acentuados, o Estado suscita respostas ao seu enfrentamento. Em face disso, difunde-se, dentre as propostas neoliberais, iniciativas do Estado, através da assistência social, na tentativa de “enfrentar” a pobreza. Nessa mesma direção, o trabalho informal tem sido visto como alternativa de superação ao desemprego. Sendo, pois, frente a esse discurso ideológico, que ganha força e dimensão nessa conjuntura, que esta pesquisa se desdobrou. Para tanto, pomos em relevo, a iniciativa estatal, através dos cursos profissionalizantes, materializados via Política de Assistência Social, para assim, investigar a relação dela com a reprodução do trabalho informal em tempos de crises do capital. Diante desse paradoxo, consideramos indispensável pensar nos dois “lados da moeda”, ao analisarmos a iniciativa estatal, através dos cursos profissionalizantes, no âmbito do CRAS-Pajuçara. Os resultados da pesquisa mostraram que, por um lado, essa iniciativa não possibilita a inserção dos seus usuários, nem no trabalho formal, nem tão pouco no informal, revelando então, ineficiência quanto a sua operacionalização e efeito. Além disso, mantém o usuário no mesmo “nicho social”, ou seja, conserva os participantes dos serviços do CRAS, na mesma condição de pobreza, pois não se constitui em estratégia de superação do desemprego, tal como apregoa a proposta do programa de governo denominada “inclusão produtiva”. 165 Trata-se, pois, de ações pulverizadas, fragmentadas e focalizadas, as quais selecionam dentre os pobres, os mais pauperizados. Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer a importância do espaço socioinstitucional do CRAS para as famílias beneficiadas, nem de considerá-lo com um espaço possível para a discussão, luta e acesso aos direitos da classe aviltada pela pobreza. Especificamente, quanto à proposta do programa de “inclusão produtiva”, que traz como pano de fundo a ideologia do empreendedorismo, autonomia e fomento de geração de renda e trabalho, se traduz como uma via de acesso, cujo propósito confunde, engessa, segrega e restringe o usuário, mais que qualquer outra coisa. É, portanto, “uma iniciativa pobre para o pobre”, sem alteração do lugar que ocupam na sociedade ou sem mudanças concretas nas condições de privações que vivenciam e nas quais sobrevivem e se mantém. Sobre isso, inferimos que os cursos profissionalizantes, referendados no endosso deste estudo, funcionam como um “passa tempo” ou “faz de conta”, cuja proposta se sustenta pelo discurso da profissionalização. São, portanto, ineficientes na sua operacionalização e propósito. Antes, apresentam ineficiência quanto ao cerne do seu intento: inserção no processo produtivo. Se bem que não vemos problema quando ao uso desses cursos como um “passa tempo” ou como meio de distração, mas munir-se deles como estratégia capaz de “capacitar para empregar” ou mesmo superar o desemprego, é descabido e ineficaz. No tocante à atuação do CRAS, neste município, prevaleceu à atenção e execução dos programas de transferência de renda, com proeminência no cadastramento e controle das condicionalidades. Quanto ao trato dessa questão, reconhecemos que os programas de transferência de renda trouxeram mudanças nas políticas sociais atuais, principalmente, em relação à substituição de políticas universais por programas focalizados na pobreza e extrema pobreza, como se as políticas tivessem somente uma direção e propósito: atender aos “mais pobres dentre os pobres” e seus agravos mais essenciais, negando assim, o seu caráter universalista. Nisto, entendemos que as políticas sociais têm sido utilizadas como uma ferramenta de manipulação de classe, principalmente, dos segmentos subalternizados, mantendo marcas do teor assistencialista e, portanto, distante do caráter emancipatório pretendido e defendido pelos aparatos legais do Serviço Social brasileiro. 166 Comungando com Yazbek (2012), esses programas focalizados e fragmentados apenas “aliviam” a pobreza, porém, não tocam nos determinantes estruturais que engendram a questão da pobreza e a desigualdade social na contemporaneidade. Sua direção, portanto, é manter e controlar a pobreza e, ao mesmo tempo, potencializar a legitimação do Estado e seus governantes. Amparadas em uma política neoliberal de retração dos direitos sociais, portanto, distante da emancipação social, política e humana dos sujeitos, as políticas sociais e dentre elas, a assistência social operacionalizada nos CRAS, encontram-se ainda, diante de dilemas de grande envergadura. Destarte, estamos cônscios que o entrave para o exercício de políticas sociais emancipatórias, esbarra no sistema neoliberal vigente, que retrai a ação operante do Estado, reduz direitos sociais à mercadoria, reguladas pelo mercado, reforça fórmulas que culpabilizam os sujeitos pelas suas vicissitudes e condições de vida material e social. Nesse sentido, coadunamos com o pensamento de Yazbek (2012, p. 317) a qual infere e defende que: [...] embora saibamos que escapa às políticas sociais, às capacidades, desenhos e objetivos reverter níveis tão elevados de desigualdade, como os encontrados no Brasil, não podemos duvidar das virtualidades possíveis dessas políticas. Elas, por serem contraditórias, podem ser possibilidade de construção de direitos e iniciativas de contra desmanche, de uma ordem injusta e desigual. Ainda sob essa envergadura, ao que concerne a proteção social no Brasil é preciso considerar que essa se “calcifica” em um espaço eivado de contradições e sob um viés conservador. Desse modo, entendemos ser nessa arena de ambiguidade e disputa, que também se instaura um espaço o qual possui bastante potencial de mediação e acesso aos direitos sociais da população brasileira. Em consonância com o entendimento de Couto (et al, 2011a), a proteção social impressa na conjuntura nacional, não pode mais limitar-se aos três pilares que constituem a Seguridade Social no país. É, portanto, necessário considerar, discutir e por em relevo todas as dimensões das necessidades humanas, haja vista que o modelo de seguridade brasileira, não contempla a política do trabalho, habitação, transporte, segurança, cultura e tantas outras políticas fundantes e basilares para a constituição e reprodução do ser humano em todas as dimensões da vida social. 167 Nesse sentido, posicionamos a proteção social para além dos limites da seguridade social conforme é definida, formalmente, no Brasil. Para tanto, deve-se trilhar o compasso das lutas, defesa e conquistas dos direitos sociais. É pertinente também sublinharmos a importância atribuída, pelos entrevistados desta pesquisa, ao “benefício assistencial”, oferecidos pelo diversos programas, projetos e serviços socioassistencias do município de Natal. Sobre isso, entendemos ser inegável a importância desse “benefício”, para quem dele precisa e depende, a fim de garantir a sua sobrevivência frente ao desemprego, a pobreza e todas as nuances de privações que desembocam na vida cotidiana, muito embora, esse não se constitua na perspectiva do direito. Deste modo, identificamos que há uma tendência do direito, cada vez mais, não tornar-se “reclamável”, principalmente, por quem dele depende para prover suas necessidades básicas. Como é o caso da maioria dos beneficiários dos programas de transferência de renda, que não o faz, quer pela falta de motivação ou descrédito, quer pela conformação ao que lhe é dado, ou pelo temor da perda do benefício assistencial. Ratificamos isso através de diversas falas dos sujeitos entrevistados, que afirmaram ser residual, ínfimo e insuficiente o valor do benefício do Programa Bolsa Família, “mas pior seria não ter nenhum”86. Assim, entendemos que a participação dos usuários no controle, discussão e implementação dos serviços no âmbito da assistência social é algo que precisa trilhar na direção dos movimentos de luta e no rumo do espírito revolucionário. Do contrário, a assistência social retrocederá ao lugar de regulação, controle e ajuste dos sujeitos sociais. Aliás, emana do neoliberalismo, a disseminação do descrédito das “lutas coletivas”, fazendo-nos crer que a via do “espírito revolucionário” e do direito reclamável, não tem mais efeito e impacto, portanto, com força cada vez mais diminuta no fomento da transformação social. Tal descrédito tem contribuído direta e eficazmente para o desmonte das lutas dos movimentos sociais. Diante desse “desconcerto” social vigente, apostamos na “luta coletiva” como a via possível para a conquista do acesso aos direitos sociais, que ”diga-se de passagem”, foram fomentados na efervescência das lutas coletivas. Nesse sentido, inferimos que, se a 86 Fala extraída em uma das entrevistas. 168 “luta coletiva” não for à saída que traz efeitos mais imediatos, os seus feitos e conquistas ao longo da história, mostra-nos ser, a mais consequente. Consideramos este estudo não como um fim em si mesmo, mas como o despertar para outros, principalmente, no trato da análise da “Política do Trabalho” em nível nacional e local, haja vista que mediante a limitação de tempo e demais percalços enfrentados nesta pesquisa não foi possível tecermos aprofundamentos quanto à operacionalidade da Política do Trabalho. Para tanto, é pertinente analisar a sua efetividade, nos contornos da pobreza e no alastramento da informalidade no tempo presente. A oportunidade de analisar o programa de “inclusão produtiva”, inserida na Política de Assistência Social, e na busca de aproximar-se do discurso da empregabilidade via trabalho informal, se configurou para nós, como um espaço minado de disputas e contradições, além de considerá-lo um tema caro e digno de acuidade, na agenda atual do Serviço Social brasileiro. Destarte, a pesquisa em tela, possibilitou-nos ratificar que a proposta da empregabilidade, calcificada no universo do trabalho, não é a saída para o colapso social vigente, logo porque, incontestavelmente, o trabalho é também o lugar da exploração, dominação e espoliação. Assim, protagonizar o trabalho - que nessa sociabilidade é alienado e alienante - como via para a superação do desemprego e desigualdade social, sugere negar tais características e sua função principal no sistema vigente: criação e sustentáculo do sistema capitalista em sua fase mais aguda, cruel e destrutiva. Contudo, ao mesmo tempo em que se entende o trabalho como lugar de exploração e espoliação, contraditoriamente, entende-se também que ele possibilita, através do salário recebido, suprir, ao menos em parte, às necessidades de sobrevivência. Ou seja, o trabalho também responde as necessidades legítimas da classe trabalhadora. Nesse sentido, também são necessárias políticas de geração de emprego e renda eficazes e que, de fato, cumpram o seu papel: promover emprego e renda (dignos) a classe trabalhadora. Outrossim, essa profissão, a qual teve o seu nascedouro nos interesses da classe burguesa, após romper com tais interesses, construiu um caminho fértil, na luta por direitos dos sujeitos sociais, mesmo que ainda na contramão dos interesses do capital. Tendo como fundamento do seu exercício profissional, princípios balizados no Código de Ética da Profissão que prima, em primeira instância, pela defesa da democracia, justiça social, liberdade - que se traduz no 169 acesso, possibilidades e esperança de desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades, rumo à luta pela construção de um novo projeto societário que contrarie a ordem perversa, desigual e a barbárie social. Registramos aqui, o reconhecimento, admiração pela garra e coragem, com que os assistentes sociais labutam e encara os limites e possibilidades, dessa profissão, no âmbito do CRAS-Pajuçara, frente às diversas e adversas condições de trabalho, sem perder de vista, a razão pela qual existe e trabalha: defesa intransigente dos direitos da classe subalterna. Destacamos ainda de forma singela e especial, a nossa gratidão aos usuários do CRAS-Pajuçara, sujeitos desta pesquisa, os quais, cotidianamente, mostram bravura e resistência diante das inúmeras adversidades que provêm da pobreza e profunda desigualdade social. Resta-nos acrescentar que o processo de uma pesquisa científica, é uma fusão de vários sentimentos. É uma simbiose de diversos sabores e “dissabores”, mas indubitavelmente, dele, extraímos frutos excelentes, os quais não se limitam à conquista de um “título acadêmico”, mas culmina na construção do saber que carregamos para toda a vida. É, portanto, uma experiência que, categoricamente, exige um esforço “gigantesco” do pesquisador, frente os muitos percalços, alguns inerentes ao processo da pesquisa mesmo, outros, que desembocam da formação socio-histórica que por natureza é predatória, perversa e desigual. Mas ainda cabe-nos dizer: ela também é enriquecedora, reveladora, e, sobretudo, fomentadora de inúmeros “objetos de pesquisa” que eclodem, cotidianamente, na realidade da vida social. Isso mostra-nos que o “campos das ideias” não se esgota nela mesma, por uma razão simples: essa é uma construção inesgotável e em constante movimento... Finalmente, diante dos reveses, contradições e disputas enfrentados na contemporaneidade, és o que realçamos em tela como maior desafio: Temos ai o papel de partejar o novo, construir resistência, construir hegemonia, enfrentar as sombras que mergulham os subalternos de nossa sociedade. É preciso politizar e dar visibilidade aos interesses dessa classe [...]. Estamos cumprindo? Não basta a alta qualidade técnica de nosso trabalho, pois corremos o risco de sermos bons gestores, despolitizados (YAZBEK, 2012, p. 318-319). 170 Então, continuemos na luta cotidiana do nosso exercício profissional, mas cônscios de que o fazer cotidiano só encontra sentido, ao se articular a luta política por uma sociabilidade “para além do capital”, que não se alia à espoliação, dominação e todas as formas de mercantilização da vida social e humana. 171 REFERÊNCIAS ALENCAR, Mônica Maria Torres de. Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurício Castro de; LEAL, Maria Cristina (Orgs.). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2006. (p. 61-77). AMARAL, Ângela Santana do; MOTA, Ana E. Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e serviço social. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). A nova fábrica dos consensos. São Paulo: Cortez, 1998. 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A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição, DECRETA: o Art. 1 Fica instituído o Plano Brasil Sem Miséria, com a finalidade de superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações. Parágrafo único. O Plano Brasil Sem Miséria será executado pela União em colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios e com a sociedade. o Art. 2 O Plano Brasil Sem Miséria destina-se à população em situação de extrema pobreza. Parágrafo único. Para efeito deste Decreto considera-se em extrema pobreza aquela população com renda familiar per capita mensal de até R$ 70,00 (setenta reais). o Art. 3 São diretrizes do Plano Brasil Sem Miséria: I - garantia dos direitos sociais; II - garantia de acesso aos serviços públicos e a oportunidades de ocupação e renda; III - articulação de ações de garantia de renda com ações voltadas à melhoria das condições de vida da população extremamente pobre, de forma a considerar a multidimensionalidade da situação de pobreza; e IV - atuação transparente, democrática e integrada dos órgãos da administração pública federal com os governos estaduais, distrital e municipais e com a sociedade. o Art. 4 São objetivos do Plano Brasil Sem Miséria: I - elevar a renda familiar per capita da população em situação de extrema pobreza; II - ampliar o acesso da população em situação de extrema pobreza aos serviços públicos; e III - propiciar o acesso da população em situação de extrema pobreza a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de inclusão produtiva. Parágrafo único. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, previsto no Decreto o n 6.135, de 26 de junho de 2007, será utilizado como instrumento básico para identificação do público e planejamento das ações do Plano Brasil Sem Miséria. o Art. 5 São eixos de atuação do Plano Brasil Sem Miséria: I - garantia de renda; II - acesso a serviços públicos; e III - inclusão produtiva. o Art. 6 Ficam instituídas as seguintes instâncias para a gestão do Plano Brasil Sem Miséria: I - Comitê Gestor Nacional; II - Grupo Executivo; e III - Grupo Interministerial de Acompanhamento. Parágrafo único. O apoio administrativo necessário ao funcionamento das instâncias instituídas no caput será prestado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 185 o Art. 7 Compete ao Comitê Gestor Nacional do Plano Brasil Sem Miséria, instância de caráter deliberativo, fixar metas e orientar a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação do Plano. o § 1 O Comitê Gestor Nacional será composto pelos titulares dos seguintes órgãos: I - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que o coordenará; II - Casa Civil da Presidência da República; III - Ministério da Fazenda; e IV - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. o § 2 Os membros do Comitê Gestor Nacional indicarão seus respectivos suplentes. o § 3 A Secretaria-Executiva do Comitê Gestor Nacional será exercida pela Secretaria Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. o Art. 8 Compete ao Grupo Executivo do Plano Brasil Sem Miséria assegurar a execução de políticas, programas e ações desenvolvidos no âmbito do Plano. o § 1 O Grupo Executivo será composto pelos Secretários-Executivos dos órgãos mencionados nos o o incisos II a IV do § 1 do art. 7 e por representante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que o coordenará. o § 2 Os membros do Grupo Executivo indicarão seus respectivos suplentes. o Art. 9 Compete ao Grupo Interministerial de Acompanhamento do Plano Brasil Sem Miséria o monitoramento e a avaliação de políticas, programas e ações desenvolvidos no âmbito do Plano. o § 1 O Grupo Interministerial de Acompanhamento será composto por representantes, titular e suplente, indicados pelos seguintes órgãos: I - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que o coordenará; II - Casa Civil da Presidência da República; III - Secretaria-Geral da Presidência da República; IV - Ministério da Fazenda; V - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; VI - Ministério das Cidades; VII - Ministério do Trabalho e Emprego; VIII - Ministério do Desenvolvimento Agrário; IX - Ministério da Saúde; X - Ministério da Educação; e XI - Ministério da Integração Nacional. o o § 2 Os representantes de que trata o § 1 serão designados em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. o § 3 O Grupo Interministerial de Acompanhamento prestará informações ao Grupo Executivo e ao Comitê Gestor Nacional sobre as políticas, programas e ações, suas respectivas dotações orçamentárias e os resultados de execução, identificando os recursos a serem alocados no Plano Brasil Sem Miséria. o § 4 Poderão ser convidados para as reuniões do Grupo Interministerial de Acompanhamento representantes de entidades e órgãos públicos e privados, dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, bem como especialistas, para emitir pareceres e subsidiar o Grupo com informações. o § 5 Poderão ser constituídos no âmbito do Grupo Interministerial de Acompanhamento grupos de trabalho temáticos destinados ao estudo e à elaboração de propostas sobre temas específicos, a serem submetidos ao Comitê Gestor Nacional. Art. 10. A participação nas instâncias colegiadas instituídas neste Decreto será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada. 186 Art. 11. Para a execução do Plano Brasil Sem Miséria poderão ser firmados convênios, acordos de cooperação, ajustes ou outros instrumentos congêneres, com órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com consórcios públicos, bem como com entidades privadas, na forma da legislação pertinente. Art. 12. O Plano Brasil Sem Miséria será custeado por: I - dotações orçamentárias da União consignadas anualmente nos orçamentos dos órgãos e entidades envolvidos no Plano Brasil Sem Miséria, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento fixados anualmente; II - recursos oriundos dos órgãos participantes do Plano Brasil Sem Miséria e que não estejam consignados nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União; e III - outras fontes de recursos destinadas por Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como por outras entidades públicas e privadas. Parágrafo único. Para fins de acompanhamento do cumprimento do disposto no inciso I deste artigo, os órgãos e entidades participantes do Plano Brasil Sem Miséria deverão proceder à execução orçamentária utilizando Plano Interno - PI específico no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal SIAFI. Art. 13. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. o o Brasília, 2 de junho de 2011; 190 da Independência e 123 da República. DILMA ROUSSEFF Tereza Campello Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.6.2011 187 Anexo B: Resolução nº 33, de 28 de novembro de 2011 Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) - 1/3 RESOLUÇÃO Nº 33, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2011. Define a Promoção da Integração ao Mercado de Trabalho no campo da assistência social e estabelece seus requisitos. O CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS), em reunião ordinária realizada nos dias 23 e 24 de novembro de 2011, no uso da competência que lhe conferem os incisos II, V, IX e XIV do artigo18 da Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); Considerando a Lei Orgânica da Assistência Social – Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993, com última alteração dada pela Lei nº 12.435/2011, que em seu artigo 2º, inciso I, alínea c, estabelece a Integração ao Mercado de Trabalho como um dos objetivos da assistência social; Considerando a Resolução CNAS nº 145, de 15 de outubro de 2004, que aprova a Política Nacional de Assistência Social - PNAS; Considerando a Resolução CNAS nº 130, de 15 de julho de 2005, que aprova a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS; Considerando a Resolução CNAS nº 269, de 13 de novembro de 2006 que aprova a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS; Considerando a Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009, que aprova a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais; Considerando a Resolução CNAS nº 16, de 5 de maio de 2010, que define os parâmetros nacionais para a inscrição das entidades e organizações de assistência social, bem como dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais nos Conselhos de Assistência Social dos Municípios e do Distrito Federal; Considerando a Resolução CNAS nº 27 de 19 de setembro de 2011, que caracteriza as ações de assessoramento, defesa e garantia de direitos no âmbito da assistência social; Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) - 2/3 Considerando o Decálogo dos Direitos Socioassistenciais e os Compromissos Éticos Socioassistenciais como documentos orientadores da Política de Assistência Social, aprovados na V Conferência Nacional de Assistência Social; Considerando que a função primeira da assistência social é a proteção social e que a integração ao “mundo do trabalho” não é de responsabilidade exclusiva da assistência social, mas resultado da ação intersetorial de diversas políticas públicas. Considerando que a assistência social tensiona a demanda para a oferta de determinados serviços, inclusive os do sistema de trabalho, emprego e renda. Considerando que o trabalho sem proteção social é uma violação aos direitos; Considerando que o trabalho é estruturador de identidades, promove a sociabilidade e possibilita o pertencimento social, constituindo o sujeito em sua totalidade; Considerando que a assistência social identifica e recepciona as demandas, é mobilizadora, garantidora de direitos e vocalizadora da população em vulnerabilidade; Considerando que a assistência social reconhece as capacidades e potencialidades dos usuários, promove o seu protagonismo na busca de direitos e espaços de integração relacionados ao mundo do trabalho, bem como o resgate de sua auto-estima, autonomia e resiliência; Considerando que os indivíduos e famílias devem ser atendidos no conjunto de suas vulnerabilidades, identificadas a partir do processo de integração ao mundo do trabalho; Considerando as contribuições dos especialistas e das entidades envolvidas com a temáticanas reuniões do Grupo de Trabalho do CNAS; RESOLVE: Art. 1º. Para efeito desta resolução fica estabelecido que a promoção da integração ao mercado de trabalho no campo da assistência social deve ser entendida como integração ao “mundo do trabalho”, sendo este um conceito mais amplo e adequado aos desafios da política de assistência social; 188 Art. 2º. Definir que a Promoção da Integração ao Mundo do Trabalho se dá por meio de um “conjunto integrado de ações das diversas políticas cabendo à assistência social ofertar ações de proteção social que viabilizem a promoção do protagonismo, a participação cidadã, a mediação do acesso ao mundo do trabalho e a mobilização social para a construção de estratégias coletivas”. Art.3º. Estabelecer como requisitos básicos para as ações de promoção da integração ao mundo do trabalho no âmbito da assistência social: Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) - 3/3 I. Referenciamento na rede socioassistencial, conforme organização do Sistema Único de Assistência Social - SUAS; II. Articulação com as demais políticas públicas implicadas na integração ao mundo do trabalho; III. Atuação em grupos com foco no fortalecimento de vínculos e desenvolvimento de atitudes e habilidades para a inserção no mundo do trabalho com monitoramento durante este processo; IV. Promoção da formação político-cidadã, desenvolvendo e/ou resgatando e/ou fortalecendo o protagonismo através da reflexão crítica permanente como condição de crescimento pessoal e construção da autonomia, para o convívio social; V. Garantia da acessibilidade e tecnologias assistivas para a pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, viabilizando a condição de seu alcance para utilização com segurança e autonomia dos espaços, mobiliários, tecnologias, sistemas e meios de comunicação, conforme o conceito do desenho universal e as normas da ABNT; VI. Promoção dos apoios necessários às pessoas com deficiência e suas famílias para o reconhecimento e fortalecimento de suas potencialidades e habilidades à integração ao mundo do trabalho; VII. Execução de programas e projetos que qualifiquem os serviços e benefícios socioassistenciais; VIII. Articulação dos benefícios e serviços socioassistenciais na promoção da integração ao mundo do trabalho. Art. 4º. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. Carlos Eduardo Ferrari Presidente do CNAS 189 Anexo C: Localização do Cras-Pajuçara 190 APÈNDICES 191 Apêndice A: Cruzamento de dados para seleção dos CRAS Especificação do CRAS Bairros CRAS África* Redinha Zonas Quant./ Zona de Atuação Quant./ nº de Atendimento Quant./nº de cursos profissionalizantes 1751 9 4 Norte CRAS** Pajuçara Pajuçara 3659 6 CRAS Nossa Senhora da Apresentação Nossa Senhora da Apresentação 1958 1 CRAS Salinas* Potengi 3205 8 Passo da Pátria Alecrim 697 1 Planalto Planalto 1462 2 Leste Oeste 1 3 Guarapes** Guarapes 5116 4 Felipe Camarão Felipe Camarão 2698 0 *Representa os CRAS que realizaram o maior número de cursos profissionalizantes em 2010. **Representa os CRAS que realizaram maior número de atendimentos em 2010. 192 Apêndice B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL Campus Universitário BR 101, Lagoa Nova- Natal/RN- CEP: 59072-970, Fone: (84) 32153475 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado (a) Sr. (a), O objetivo deste termo é solicitar o seu consentimento para participar voluntariamente do projeto de pesquisa intitulado “ASSISTÊNCAL SOCIAL E TRABALHO INFORMAL: um estudo dos Centros de Referência de Pajuçara e Guarapes/RN”, tendo como objetivo analisar a atenção do Estado aos trabalhadores participantes dos CRAS’s Pajuçara e Guarapes, através da oferta dos cursos profissionalizante e assim, estudar a relação destes cursos com o trabalho informal. A coleta das informações, que será realizada somente após a assinatura deste termo, será feita através de entrevistas, a qual seguirá um roteiro, previamente elaborado, pela pesquisadora desta pesquisa. Para tanto, será necessário a sua prévia autorização para gravar e anotar todas as informações, colhidas durante a realização da entrevista. Assim, o deixamos ciente que essa entrevista será posteriormente transcrita e o seu conteúdo será utilizado especificamente para este estudo. Todas as informações obtidas são confidenciais e serão apenas usadas com o propósito científico, havendo o compromisso por parte da equipe da pesquisa em manter o sigilo e o anonimato de sua participação. Os desconfortos e riscos possíveis são mínimos, como o constrangimento em responder à entrevista, contudo, sua participação é voluntária. Ressaltamos, ainda, que o Sr. (Sra.) poderá desistir da pesquisa em qualquer momento, sem que lhe seja causado penalidades ou prejuízos. A pesquisadora responsável se responsabiliza por possíveis custos, bem como indenizações de danos decorrentes de sua participação na pesquisa, desde que fique comprovada legalmente sua necessidade. Lembramos também, que os benefícios esperados, por este estudo, será oferecer para o público usuário do CRAS/RN, para sociedade e para os órgãos gestores das Políticas de Assistência Social, reflexões úteis e necessárias sobre a execução e resultados das ações realizadas nos CRAS/RN, e, ao mesmo tempo, verificar se a práticas destas ações contribuem para a reprodução e/ou manutenção do trabalho informal. Você ficará com uma cópia deste Termo e toda a dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Jeane Medeiros de Souto, no endereço Rua Tarauá, 136, Conjunto Santarém, Potengi, ou pelo telefone (084) 8723-0945. Quaisquer dúvidas sobre questões éticas que envolvem a pesquisa, procurar o CEP-UFRN pelo telefone 3215-3135 ou pelo endereço: Praça do Campus Universitário, Lagoa Nova, Cep. 59072-970. Destacamos que a assinatura deste termo e o esclarecimento sobre a pesquisa são indispensáveis para a sua participação na mesma, assim lhe é garantido quaisquer esclarecimentos a qualquer etapa desta pesquisa. Para tanto, serão elaboradas duas (2) vias deste documento, uma de posse da pesquisadora e outra do entrevistado. Desde já agradecemos a sua atenção e colaboração em participar voluntariamente do estudo, e caso aceite participar, solicitamos a sua confirmação neste documento. TERMO DE CONSENTIMENTO: Eu, _______________________________________________, após ter lido e compreendido as informações acima apresentadas, concordo em participar da pesquisa realizada por Jeane Medeiros de Souto, mestranda do Programa de PósGraduação em Serviço Social da UFRN. Autorizo o uso dos dados obtidos através da entrevista, com o objetivo de desenvolver a pesquisa citada, como também a publicação deste estudo. Concedo também o direito de uso para quaisquer fins de ensino e divulgação em jornais e/ou revistas científicas, desde que mantenham o sigilo sobre minha identidade, podendo usar pseudônimos. Declaro ter ciência que esta pesquisa será desenvolvida através do preenchimento deste termo que me foi apresentado. Fui informado (a) dos objetivos do estudo, estando ciente que minha participação é voluntária e que posso a qualquer momento me desligar da pesquisa sem nenhum constrangimento ou penalização. Natal/RN, _____ de _____________de 2012. DE ACORDO ____________________________________ ____________________________________ Pesquisadora Responsável 193 Apêndice C: Roteiro das entrevistas. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL ROTEIRO DE ENTREVISTA Objetivo: identificação dos usuários do CRAS-Pajuçara (Quem são? Onde e em que condições vivem? Que ocupação possuem?). Critério: usuários que participam ou já participaram dos cursos profissionalizantes no âmbito dos referidos CRAS. Data da entrevista:___/___/___ Nº da entrevista:________ Bairro:_____________________ Município:__________________ IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO 1. Faixa etária: o 15 a 20 anos o o o o o 21 a 30 anos 31 a 40 anos 41 a 50 anos 51 a 60 anos 61 anos a mais 2. Sexo: o Feminino o Masculino 3. Nome do Município-Estado onde nasceu: ______________________ 4. Se não nasceu na capital, há quanto tempo você reside no Município? o o o o 5. Mais de 2 anos 2 a 5 anos 5 a 10 anos Mais de 10 anos Estado civil: o o o o Casado União estável Viúvo Separado/desquitado/divorciado 194 o solteiro 6. Grau de escolaridade: 6.1 Frequenta ou já frequentou escola? o o o Pública Privada Não frequentou Se frequentou? Qual o seu grau de escolaridade: o o o o o Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo Outros ________________________________ CONDIÇÕES DE HABITAÇÃO 7. Tipo de moradia: o o o Apartamento Casa Outro Se 'Outro', qual o tipo de moradia:_______________________ 8. Número de cômodos: o 1 o 2 o 3 o 4 o 5 o Mais de 5 cômodos 9. o o o o o Condição de moradia: Alugada Cedida Financiada Própria Outro Se 'Outro', qual a condição de moradia:___________ 10. Número total de pessoas residentes no mesmo domicílio: _______ 11. Quem são: o o o o o o o o o Pai Mãe Avó Avô Tios (as) Primos (as) Netos (as) Genro ou nora Outros: ________________________ 195 12. Origem da água utilizada: o o o o Rede pública Poço Outro __________ Não tem 13. Origem da rede de energia elétrica: o o o Rede pública Não tem Outro ________________ 14. Destino das águas servidas: o o o o Rede pública Fossa Céu aberto Outro____________ RENDA 15. Responsável pela renda familiar: o o o o o Pai Mãe Avó Avô Outros: ________________________ 16. Tem filhos? Quantos? ________ 17. Quantas pessoas trabalham na casa?______ 18. Tipo de vínculo empregatício: Quantos na casa trabalham com: o Carteira assinada:___ o Autônomo:____ 18.1 Se “autônomo”, em qual ocupação: ___________________________ 19. Renda familiar: o o o o o o o Até 1 sm Entre 1 e 2 sm Entre 2 e 3 sm Entre 3 e 4 sm Entre 4 e 5 sm Acima de 5 sm Sem renda 20. Outras formas de renda o Pensão o Programa Social Se “programa social”, qual:______________ 196 21. Despesas Fixas: o Aluguel ___________ o Alimentação____________ o Pensão Alimentícia ____________ o Água, Luz, Telefone ____________ o Financiamento ____________ o Outros ______________ o Total _______________ 22. Renda per capta o o o o o o o Até 1 sm Entre 1 e 2 sm Entre 2 e 3 sm Entre 3 e 4 sm Entre 4 e 5 sm Acima de 5 sm Sem renda CONDIÇÕES DE TRABALHO 23. Condição de trabalho: o o o o o Trabalho formal Trabalho informal Aposentado (a) Desempregado (a) Outro Se "outro", especificar:___________________ 24. Profissão: ______________________ 25. Atualmente, qual é a sua ocupação?______________ 26. Há quanto tempo está nesta ocupação?_____________________ 27. Esta é profissão que você escolheu ou é a que foi possível ter? 28. Qual profissão gostaria de ter? 29. (caso seja necessário) Você já teve algum tipo de ocupação formal (com carteira assinada)? Quanto tempo? 197 Objetivo: analisar se os cursos profissionalizantes, desenvolvidos no CRAS-Pajuçara, colaboram para a inserção de trabalhadores na informalidade. Critério: usuários que participam ou já participaram dos cursos profissionalizantes no âmbito do referido CRAS. 1. Quantos e quais cursos profissionalizantes você participou no CRAS? o Cabeleireiro _________ o Manicure___________ o Doces e salgados _____ o Corte e costura _______ o Outros Se outros, quantos e quais: ______ e _______________________ 2. Qual a duração destes cursos? o Dias o Semanas o Meses o Anos Se dias, quantos:______ 3. Estes cursos contribuíram para você conseguir algum trabalho? o Sim o Não Se “sim”, qual? _________________________________ 4.1 Se sim, qual o seu rendimento mensal com este trabalho? 4.2 Este rendimento é suficiente para você suprir as necessidades de sua família? 4. Você escolheu o curso que participou no CRAS? o Sim o Não o Era o único oferecido 5. Se você pudesse escolher um curso profissionalizante, qual faria? Por quê? 6. O que você acha das ações desenvolvidas pelo CRAS? 7. Dentre as ações desenvolvidas no CRAS, qual(is) a(s) que você considera mais importante(s)? Por quê? 8. As ações oferecidas no CRAS trouxeram algum benefício para sua família? Qual(is)? Por quê? 9. Há algo a mais que o/a senhor (o)/(a) queira dizer para melhorar os serviços no CRAS?