Sala Especializada 4: Pragas emergentes no sistema algodoeiro PRODUÇÃO COMERCIAL DE PARASITÓIDES, PREDADORES E PATÓGENOS DE PRAGAS DO ALGODOEIRO Dirceu Pratissoli1 1 Departamento de Produção Vegetal, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias, Caixa Postal 16, 29500-000, Alegre, Espírito Santo, Brasil. ([email protected]) O controle biológico almeja reduzir o nível populacional de uma espécie classificada como praga, mantendo-a abaixo do nível em que é capaz de causar prejuízo econômico. Portanto, podese definir o controle biológico de pragas como a regulação natural dos indivíduos de uma população de uma espécie-praga através da ação de outra população cujos indivíduos apresentam hábitos de predação, parasitismo, antagonismo ou patogenia, os quais são genericamente conhecidos como agentes de controle biológico, e que agem de forma a impedir que a população da praga, sobre a qual eles atuam, se torne numericamente tão alta a ponto de causar prejuízo econômico, e mantendo ambas as populações em equilíbrio. Num ecossistema, o tamanho de uma população é determinado por uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos a essa população. Dos fatores intrínsecos; isto é, inerentes à espécie, destacam-se o potencial biótico, taxa de reprodução, longevidade, habilidade de migrar, capacidade de adaptação a novos habitats, mecanismos de defesa, habilidade de tolerar condições adversas, etc. Os fatores extrínsecos são conhecidos como fatores ecológicos, que podem ser de natureza física (temperatura, umidade relativa do ar, radiação solar, etc.) e os de natureza biológica (competidores, parasitas, predadores, etc.). Isto caracteriza o que se chama de Controle Natural das populações, que nada mais é do que a regulação do número de indivíduos de uma população pela ação coletiva dos fatores ecológicos de natureza física e biológica. Existem vários tipos de controle biológico. Para a produção comercial o alvo deve ser o controle biológico artificial. CONTROLE BIOLÓGICO ARTIFICIAL É a forma de maior eficiência, pois o seu uso requer a interferência do homem, que passa a ser necessária para a introdução ou manipulação de insetos ou outros organismos cuja finalidade é controlar quaisquer outras espécies que prejudicam os cultivos. O controle biológico artificial trata da liberação de inimigos naturais, após a criação massal em laboratório, visando à redução rápida da população da praga para seu nível de equilíbrio, tendo assim, ação semelhante aos inseticidas convencionais. O controle biológico artificial refere-se ao preceito básico de controle biológico atualmente chamado de multiplicação (criação massal), que evolui muito com o desenvolvimento das dietas artificiais para insetos. Apesar da produção de insetos em massa pelo homem existir desde muitos anos, somente a partir do século XX ocorreram progressos significativos nesta área. No inicio desse século a utilização de Drosophila spp. como suporte, para estudo genéticos, representou um grande avanço, bem como o desenvolvimento de técnicas para a produção de inimigos naturais para liberação inoculativa. Em resposta os problemas gerados no fim da década de 30, devido ao uso inadequado de agroquímicos na agricultura, a comunidade científica começou a implantar o manejo integrado de pragas (MIP), que demandava o conhecimento da bioecologia das pragas e como mantê-las em Brasilia, 3-6 Setembro 2013 laboratório de forma contínua, sem depender de sua ocorrência natural. Por isso, o desenvolvimento de dietas artificiais foi fundamental, possibilitando a criação de insetos para diversos fins, entre eles o controle biológico. Nesse sistema os inimigos naturais podem ser liberados de três formas: - Inoculativo Envolve a multiplicação massal, a liberação de pequenas porções de inimigos naturais no agroecossistema, e posterior manutenção dos mesmos no meio, por favorecer ou fornecer condições de sobrevivência e reprodução e, consequentemente, aumentando sua efetividade. - Inoculativo Sazonal Nesse caso os inimigos naturais são liberados em áreas restritas ou em casas de vegetação, com cultivos de ciclo curto, no período de ocorrência da praga. O objetivo é distribuir um grande número de indivíduos para permitir o crescimento da população do agente de controle, e obter um controle imediato durante o ciclo do cultivo. - Inundativo Nessa estratégia, o inimigo natural é multiplicado massalmente em laboratórios especializados e, posteriormente, liberados no campo no momento apropriado, baseando-se na biologia da praga alvo, de modo a sincronizar as liberações quando a praga encontra-se em seu estágio mais susceptível. Casos bem sucedidos do uso dessa estratégia para manejo de pragas agrícolas no Brasil podem ser destacados. O maior sucesso de controle biológico é o da broca-da-cana de açúcar (Diatraea saccharalis), onde mais 30 laboratórios produzem de forma massal a vespinha Cotesia flavipes, a qual quando liberada em campo propiciam cerca de 70% a 80% do parasitismo das lagartas dessa praga. Na cultura da soja, destaca-se o controle biológico de ovos de percevejos, especialmente o percevejo verde da soja (Nezara viridula), pelo parasitóide Trissolcus basalis. Atualmente o maior potencial de uso de parasitoides é o de liberação de espécies de Trichogramma, que tem sido empregado em culturas expressivas como milho, cana, soja, tomate, melão e algodão. Outros casos também tem-se despontado como o protocolo de criação de Diachasmimorpha longicaudata para o manejo de mosca-das-frutas; o protocolo de criação de Telenomus podisi para Spodoptera frugiperda; o protocolo de criação de Ageniaspis citricola, para a minadora-do-citrus, Phyllocnistis citrella; etc. O uso de microrganismos entomopatogênicos é outro bom exemplo de sucesso como estratégia de controle biológico no Brasil. O exemplo clássico foi preconizado pela Embrapa Soja, que viabilizou o uso em larga escala do vírus da poliedrose nuclear da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), denominado de Baculovirus anticarsia. A bactéria Bacillus thuringiensis tem sido largamente utilizada no manejo de lagartas em várias culturas, isso devido a disponibilidade de produtos comerciais serem encontrados no Brasil. No caso de fungos, destacam-se Metarhizium anisopliae, que é utilizado no controle da cigarrinha da cana-de-açúcar (Mahanarva fimbriolata e M. posticata) e das pastagens (Deois spp. e Zulia spp.), e Beauveria bassiana, que tem sido recomendado para controle da broca do café (Hypothenemus hampei), moleque da bananeira (Cosmopolites sordidus) e broca do pedúnculo floral do coqueiro (Homalinotus coriaceus). Diversas empresas tem produzido comercialmente esses fungos e disponibilizados aos produtores. PRODUÇÃO DE AGENTES DE CONTROLE BIOLÓGICO O mercado de produção de agentes de controle biológico está em pleno desenvolvimento e Brasilia, 3-6 Setembro 2013 fortemente influenciado por pequenas empresas. Esse é o principal problema a ser enfrentado, pois para se manterem no mercado e pela falta de diversidade e produção de agentes biológicos, suas produções tem sido vendidas sem a realização de testes que demonstrem sua eficiência nos cultivos. A produção de agentes de controle biológico se dá através de protocolos de criação, metodologicamente definidos. Nesses protocolos tem-se diferenciado processo e produção, da seguinte forma: na criação massal de inimigos naturais, os processos são as etapas de que tem como finalidade a produção. É importante distinguir entre as funções da produção e do processo, pois, tratando-se de avaliar a qualidade, cabe ao processo avaliar os insumos e a produção o produto final. O Controle de Produção é o acompanhamento e manutenção de todas as entradas, em termos de criação, materiais, equipamentos, horários, ambientes, os processos operacionais e assim por diante. Tipos de Produção Para a produção de insetos em laboratório, há necessidade de criação de duas espécies de insetos: o hospedeiro e o parasitoide ou predador. Portanto, em primeiro lugar deve-se criar o hospedeiro em dieta artificial ou natural, dependendo da ordem de inseto envolvida. A partir daí, terão de ser estudadas as condições ótimas para desenvolvimento e multiplicação do inimigo natural. As formas de produção têm como objetivo a obtenção de inimigos naturais, que podem ser sobre o hospedeiro natural, hospedeiros alternativos ou in vitro. A forma de obtenção de inimigos naturais sobre o hospedeiro natural é a forma mais largamente utilizada no mundo, embora apresente uma série de dificuldades, como a produção em larga escala para liberações inundativas. Na obtenção de inimigos naturais sobre hospedeiros alternativos, ocorre através da criação sobre insetos que não são os favoritos, porém são aceitos sem que sofram alterações comportamentais. Normalmente esses hospedeiros alternativos são escolhidos pela sua facilidade de criação em larga escala no laboratório, e pelo baixo custo de produção. O uso de hospedeiros alternativos tem permitido a produção de predadores e parasitoides das famílias Chrysopidae, Coccinellidae, Aphelinidae, Braconidae, Trichogrammatidae entre outros. A obtenção de inimigos naturais sobre meios artificiais “in vivo” pouco se desenvolveu entre os pesquisadores em controle biológico, uma vez que, embora as exigências nutricionais qualitativas de todos os insetos sejam semelhantes, são poucos os casos de sucesso de dieta artificial para parasitóides ou predadores, independendo totalmente do hospedeiro. Como o parasitóide está muito adaptado fisiológica e bioquimicamente ao hospedeiro vivo para sobrevivência e desenvolvimento, torna-se muito difícil o preparo de um meio artificial. Mesmo para os predadores, cujo desenvolvimento é independente da fisiologia do hospedeiro, além de apresentarem menor especificidade, ainda hoje não se conseguiu uma dieta totalmente sintética. Um dos poucos casos de sucesso de criação de um parasitóide in vitro é a produção de Trichogramma, pelos chineses, em ovos artificiais com córion de polietileno. O meio artificial é composto de hemolinfa pupal de Anthereae pernyi (Lepidoptera: Saturniidae), gema de ovo de galinha, malte e sais de Neisenhemer. Este meio pode ser utilizado para criação de várias espécies de Trichogramma, havendo necessidade, no entanto, há se de utilizar plástico de diferentes espessuras, em função do tamanho do ovipositor da espécie criada. Brasilia, 3-6 Setembro 2013 Processos de produção de entomopatógenos são relatados em função da estrutura do patógeno a ser produzida e utilizadas no campo. Para produção de blastoporos e corpos hifais é utilizado o processo de cultivo submerso em meio líquido, também conhecido por fermentação, realizado pela aeração constante do meio. A produção submersa de fungos tem sido utilizada também para obtenção de micélio seco, conforme o processo denominado “Marcescent”. Esporos de resistência de alguns Entomophthorales podem ser produzidos em meio sólido, especialmente aqueles suplementados com gema de ovo. Entretanto, a produção é mais pratica pelo processo de fermentação em meio líquido. Superfície em meio sólido tem sido utilizado para produção de conídios, dentro de diferentes recipientes conforme o objetivo e escala de produção. Para trabalhos em laboratórios tem sido utilizados meios sólidos preparados com Ágar, sendo o meio Sabouraud- Dextrose- Ágar suplementado com extrato de levedura (SDAY), um dos mais utilizados. Para a produção de conídios em larga escala, têm sido utilizados meios naturais, a base de produtos vegetais de baixo custo, especialmente grãos de arroz. Meios com inertes como papel celofane são utilizados como suporte para crescimento superficial de fungos, facilitando a secagem do patógeno, colheita de conídios, bem como formulação dos mesmos. A produção de fungos em meio líquido e sólido é conhecida por processo bifásico e combina o benefício da alta produção de biomassa obtida pelo cultivo submerso em meio líquido, com a produção de conídios estáveis e hidrofóbicos (lipofílicos) em meio sólido. Na produção em meio líquido com cultivo especial, o fungo é produzido na superfície do meio de cultura, dentro de recipientes especiais como tubos de polietileno ou frascos de vidro, o que permite maximizar a área superficial do meio de cultura. CONTROLE DE QUALIDADE NO CONTROLE BIOLÓGICO A maioria das falhas de produção pode ser atribuída a deficiências no controle e são devido a erros causados pelos trabalhadores, mudanças imprevisíveis nos materiais ou perda de recursos. No entanto, um dos pontos que devem ser atentamente observados, visando proporcionar uma maior qualidade na produção de inimigos naturais, é a produção em condições ambientais de criação que diferem da situação na qual os insetos benéficos serão liberados. Os principais obstáculos que afetam a qualidade da produção de inimigos naturais são: dificuldade para produzir com boa qualidade e custos baixos; dificuldade na produção de dietas artificiais; falta de técnicas para evitar pressões de seleção que conduzam a deterioração genética; ocorrência de canibalismo (predadores) ou superparasitismo (parasitoides); mudanças de comportamento como resultante de criação em hospedeiros/presas alternativos ou condições não naturais; vigor reduzido (quando criados sobre hospedeiros alternativos); vigor reduzido quando criado sobre hospedeiro que é criado sobre dieta hospedeira não natural; contaminação patogênica. O controle de qualidade é um dos fatores determinantes do sucesso desses programas, sendo a qualidade total de um organismo definida como a sua capacidade de controlar a praga após a liberação em campo. Portanto, o objetivo do controle de qualidade é determinar se um inimigo natural, após gerações sucessivas em laboratório, continua eficiente no controle de pragas. Brasilia, 3-6 Setembro 2013 Os três principais elementos básicos, inter-relacionados do controle de qualidade, em criações massais, são os controles de produção, do processo e do produto. O problema do controle de qualidade de insetos benéficos pode ser abordado de duas formas: a primeira é através da relação dos possíveis mudanças que podem ocorrer quando a criação massal é iniciada. Este método apresenta como desvantagem o fato de ser inúmeras as variações a que um inseto pode ser submetido numa criação em laboratório, sendo portanto onerosa a sua utilização. A segunda forma é através de medições do desempenho do agente de controle biológico. A criação massal é a produção de insetos com aceitável relação custo/benefício. O estudo dos aspectos técnicos e econômicos da criação do inimigo natural é fundamental para o seu emprego efetivo como agente de controle biológico no campo ou em cultivos protegidos. O desenvolvimento de técnicas de produção massal, controle de qualidade, armazenamento, envio e liberação de inimigos naturais pode levar à redução do custo de produção e à melhoria da qualidade do produto, viabilizando sua utilização. O controle da produção é a garantia de que a criação do inseto e as operações a ela associadas estão sendo executadas corretamente, sendo o desempenho dessas operações controlado diretamente pelo monitoramento dos procedimentos, equipamentos e ambiente. Como exemplos de controle da produção pode-se citar a definição de condições ótimas de criação (como ambiente físico, ovos hospedeiros, densidade nas gaiolas de criação, sanidade, etc.). Os sistemas de criação dos parasitóides produzidos em escala massal devem permitir a produção de organismos com qualidade biológica similar aos insetos encontrados na natureza. A maioria dos laboratórios de criação massal monitora a qualidade dos inimigos naturais com base, principalmente, em parâmetros biológicos fáceis de serem medidos. No entanto, para que o inimigo natural tenha sua eficiência comprovada em campo, alguns fatores relacionados a produção devem ser checados: a performance das operações de criação; o monitoramento dos procedimentos e equipamentos; deterioração da linhagem ao longo das gerações de criação. Brasilia, 3-6 Setembro 2013