IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA

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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA
HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA.
A BAHIA DURANTE O PRIMEIRO REINADO: ENTRE A ADESÃO
E A RESISTÊNCIA À ORDEM IMPERIAL
Lucas de Farias Junqueira
Mestre em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Bahia. Primeiro Reinado. Política. Sociedade.
Há muito a historiografia nacional discute o processo de construção da identidade
brasileira, da nação. História lenta e por vezes conturbad a, somente ao longo do Segundo
Reinado se consolidou o projeto político da nação unitária . Ainda hoje, constatamos os
localismos ou regionalismos que afloram em meio ao ser brasileiro. Dado o distanciamento
entre as capitanias à época colonial , era natural esperar que a unidade não fosse conseguida
sem esforço após a emancipação. E a Bahia, berço da ma is renhida luta pela liberdade frente
aos lusos, teve papel chave ao longo do Prim eiro Reinado para o destino do P aís que então se
formava.
O forte antilusitanismo acabou disseminando o ideário nativista na Bahia. Tal ideário
não era novidade nas Américas, pois deu o tom ideológico nas lutas emancipatórias, a
começar pela primeira. George Washington, comandante do Exército Patriota, em meio às
dificuldades em se comunicar com comandados oriundos de diferentes colônias, passou a se
referir a todos como americanos (BOORSTIN, 1997, p. 337). Na América espanhola o
nativismo foi fundamental na busca pela junção de componentes distintos da sociedade
colonial em torno da luta, como criollos e mestiços. Porém, a experiência nativista nesta parte
do continente, fragmentada após as independ ências, demonstrou seus limites quanto à
formação de uma identidade unitária .
A força do nativismo no Brasil não-automaticamente se transmutou em identidade
nacional, dados os localismos da era colonial. Porém, foi um forte instrumento para a
construção da idéia de nação ante a identidade luso-brasílica, colonial.
Em parte foi a forte presença lusitana na Cidade da Bahia e seu entorno – que tantos
rancores gerava – e as consideráveis tropas de Madeira de Melo que levaram a elite
escravocrata a aderir ao Rio de Janeiro como centro político. Percebeu no apoio a (de) D.
Pedro um meio de evitar armar grandes contingentes de libertos e escravos para a luta.
Somente aderindo ao projeto da monarquia bragantina no Brasil puderam os senhores
minimizar os custos e riscos da luta que se desenhava no alvorecer de 1822, além de visarem
a um regime monárquico unitário que lhes conviesse.
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Entretanto, a historiografia baiana das últimas décadas trouxe à luz pesquisas em que
se afiguram os diferente s projetos de naç ão e regime político presentes na Bahia da época.
Absolutismo, monarquia constitucional – unitária ou federalista – e república dividiram a
província, não obstante a vitória do projeto da monarquia constitucional centralizada.
Mesmo antes da guerra pela emancipação, os baianos demonstraram seu apego ao
constitucionalismo, com a adesão à Revolução do Porto em fevereiro de 1821 . A eleição para
as Cortes demonstrou como estava dividido o ânimo político dos baianos: dos oito deputados,
eleitos com voto universal, porém indireto, metade era tida como liberal e contrária à
subordinação da Bahia a Portugal, incluindo nesta Lino Coutinho e o radical Cipriano Barata
(TAVARES, 2001, p. 225).
Frustradas as esperanças depositadas n o constitucionalis mo português, o apoio à
causa da separação em torno de D. Pedro se fortaleceu. Em junho de 1822, as vilas do
Recôncavo responderam à carta -consulta dos deputados baianos às Cortes, sendo que o
pronunciamento da vila de Santo Amaro (influenciado pelo ideári o contido no periódico
Diário Constitucional, editado por Montezuma e Corte Real ) aponta para a opinião política
que aí se formava:
Os santamarenses opinaram pela instituição de um centro único do Poder
Executivo no Brasil, exercido pelo Príncipe Real (Pe dro I), segundo as
regras prescritas em uma liberal Constituição. A sede desse poder devia
localizar-se onde fosse mais útil ao b om regime e administração do reino do
Brasil. [...] Pediam os santamarenses para as províncias um governo
democrático: junta el eita pelo povo e presidida por um membro dela,
escolhido pelo Poder Executivo “deste reino”; subordinação de todas as
autoridades civis e militares, dentro das normas de um regulamento
descentralizador , a essa Junta a quem co mpetiria propor, ao Poder Execu tivo
do reino, “aqueles concidadãos da Província que forem adotados para os
cargos públicos dela ” (PINHO, 2004, p. 292-293).
A 25 deste mês foi D. Pedro aclamado Regente e Perpétuo Defensor e Protetor do
Reino do Brasil em Cachoeira. Porém, em seus pronu nciamentos os baianos deixavam claro
que apoiavam um regime baseado em uma monarquia constitucional e liberal, com elevado
nível de descentralização. Desde então, a questão central na política baiana ao longo do
Primeiro Reinado foi o grau de aceitação à p olítica centralizadora da Corte. Talvez o ano de
luta transcorrido até o dois de julho influenciou numa tomada de posição mais conservadora
entre a elite senhorial , ao passo a opinião pública liberal se manteve próxima daquele
programa santamarense, marcan do as bases da oposição ao regime que desembocou no
federalismo do início da década seguinte.
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Mesmo estabelecida a unidade política debai xo da ordem imperial, não deixou a
hegemonia da elite escravista de sofrer com as constantes ameaças à manutenção da ordem
interna. Muito trabalho tiveram as autoridades provinciais para conter os bandos armados no
Recôncavo pós-independência, revoltas escravas, antilusitanismo, banditismo e conflitos nos
sertões, falsificação maciça da moeda de cobre, conspirações polít icas, bem como a
insubordinação da tropa.
Já na época da independência verificamos a atenção voltada para a contenção de
qualquer desordem que poderia advir das camadas populares. O processo belicoso dos anos
1822/23 inspirava cuidados:
[...] o Conselho [Interino de Governo] produziu uma série de ações em várias
frentes, buscando impedir que as classes populares tivessem poder de
comando, decisão ou se articulassem minimamente de forma política. Para
as elites, a manutenção da ordem, contra as “anarchias” foi efetivamente um
movimento visando desarticular qualquer possibilidade de ação popular
(GUERRA FILHO, 2004, p. 69).
Assegurada a libertação da província, as atenções se voltaram para a Assembléia
Nacional Constituinte sediada na Corte, em meio aos di stúrbios que grassavam por Salvador e
Recôncavo e às intrigas políticas. Podemos perceber no testemunho da esposa de Luís Paulino
d’Oliveira Pinto da França o ambiente político da província no segundo semestre de 1823:
[...] ainda me acho na cidade e só p or todo este mês irei para fora. O que bem
me custa, pois a cidade está um verdadeiro asilo para negros. Tudo quanto se
vê e ouve revolta o ânimo mais pequeno e frouxo. E vejo -lhe, por ora,
pequenos remédios para males tão forte s. O general e governo têm a gora
dado enérgicas providências, mas a pluralidade dos habitantes, casta brava e
revoltosa, nem as percebeu, nem fazem caso. Tanto podem os ocultos
facciosos que querem acabar com esta malfadada província. Todos os dias
vomita infernal veneno um Barata e outros da mesma laia. [...] Eu creio que
o tal Lino vai deputado para aí, pois que a cabala já trabalha ( FRANÇA,
1980, p. 122-123).
Tal o testemunho de uma senhora de engenho conservadora, de família luso -brasileira
e casada com um defensor da conciliação entre Brasil e Portugal. Deixa transparecer as
associações feitas entre anarquia, radicalismo político e camadas populares , ilustrando a
polaridade sociopolítica existente na Bahia de então. Deste modo, podemos trabalhar tal
contexto a partir da tese da “luta de classes sem classes” proposta por Thompson (1979, p. 1361). Tendo em conta as características da sociedade baiana da primeira metade dos oitocentos,
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a polarização entre “elite” e “plebe” não conseguiu produzir uma luta genuinamente classista,
nos moldes das sociedades industrializadas, principalmente devido à hetero geneidade do pólo
subalterno da pirâmide social . Tal não impediu a resistência dos diversos atores sociais, cada
qual a seu modo, ao golpe de 12 de novembro que feriu a soberania da naç ão que se formava.
A notícia da dissolução da Constituinte de 1823 causou frustração e protestos na
Bahia. O Senado da Câmara exprimiu “‘a profunda magoa dos baianos pela dissolução da
Assembléia Constituinte’”, assim como pediu providências para a defesa contra possíveis
investidas recolonizadoras portuguesas (TAVARES, 2001, p. 256). Se mais ao norte
a
resposta ao despotismo de D. Pedro foi a Confederação do Equador, na Bahia o esforço pela
“manutenção da ordem” conseguiu evitar o contágio revoluc ionário, mas não por completo.
Falava-se em federalismo e (em menor medida) republicanismo na Província, mas a repressão
que se abateu sobre os opositores do governo – como, por exemplo, o exílio de Montezuma,
de 1823 a 1831 – enfraqueceu a possibilidade de ruptur a revolucionária.
Mas entre os militares a contestação à ordem não pôde ser evitada. Em 25 de outubro
de 1824 a destituição do comandante do Batalhão dos Periquitos ocasionou o assassinato do
governador das armas, Felisberto Gomes Caldeira. Por mais que o s periquitos em suas
exigências não fossem para além da continuidade do comando em seu Batalhão, não devemos
desconsiderar o movimento como político. Faltou planejamento, comando e/ou porta -voz para
seus reclames, bem como adesão do restante da tropa ou po pulação. É lícito pensar que o
lastimável serviço militar, os baixos e rotineiramente atrasados soldos, os mantimentos de má
qualidade e a questão em torno do comando levavam os rebeldes a criticar o governo, quiçá o
sistema. Contribui u para a hipótese de politização dos periquitos o fato de que alguns deles,
após sua estada e m Pernambuco, emigraram juntamente com fugitivos da repressão aos
confederados rumo a Buenos Aires, objetivando lutar ao lado dos republicanos platinos contra
o regime imperial brasile iro (CALMON, 1963, p. 1589).
Foi em meio à tensão pós-dissolução que D. Pedro soube trazer para si o apoio
decisivo da nata senhorial da Bahia , que muitos serviços prestou ao seu governo, tanto no
Conselho de Estado e nos ministérios como no Senado ou na diplomacia. A Constituição
outorgada em 1824 foi uma mostra do peso que a elite política baiana possuía no momento.
Entre os dez conselheiros indicados para redigi -la, cinco eram baianos, sendo que José
Joaquim Carneiro de Campos foi o principal responsáve l pela última redação dada ao texto
constitucional, o que não impediu o mal estar da opinião pública para com a Carta o utorgada,
bem como as restrições a ela pr opostas pela Câmara do Senado de Salvador (CASTRO, 1984,
p. 18-19). Por mais que as bases do pro jeto constitucional já tivessem sido formuladas no
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Apostolado e na Assembléia Constituinte, a importância de Carneiro de Campos na
moldagem do texto, atendendo às indicações do imperador e de Francisco Gomes da Silva, o
“Chalaça”, reside na remoção do que havia de mais liberal e descentralizador e a inclusão do
que teve a Constituição de menos liberal e mais centralizador (CASTRO, 1984, p. 19;
MORAIS, 2004, p. 104-105; BASILE, 1990, p. 212-213).
Se as teses de José Murilo de Carvalho sobre a homogeneidade ideológica da elite
política imperial contribuem para explicar a adesão ao pro jeto da monarquia unitária , a Bahia
oferece exemplo gritante. A formação dos quadros baianos na Universidade de Coimbra foi
notória: Francisco Vicente Vianna (Barão do Rio de Con tas), Antônio Luiz Pereira da Cunha
(Marquês de Inhambupe), José Egídio Álvares Pinto de Almeida (Marquês de Santo Amaro),
José Joaquim Carneiro de Campos (Marquês de Caravelas), Domingos Borges de Bar ros
(Visconde de Pedra Branca), Miguel Calmon du Pin e Almeida (Marquês de Abrantes), Luís
José Carvalho de Melo (Visconde de Cachoeira), José da Costa Carvalho (Marquês de Monte
Alegre), José da Silva Lisboa (Visconde de Cair ú), entre outros, todos passaram pela dita
Universidade portuguesa e foram figuras de proa na política provincial e/ou imperial,
apoiando o governo de Pedro I . Do lado oposicionista contam -se Cipriano Barata, Francisco
Gê Acaiaba de Montezuma e Lino Coutinho entre os formados em Coimbra.
Boa parte do que o governo de D. Pedro I teve de q uadros brasileiros foi cedida pela
Bahia, o que nos faz pensar acerca d a relação política entre a província e a Corte. Se o
governo era central, a elite baiana fazia parte deste centro, posto que não estejamos muito
longe da verdade se considerarmos o Prim eiro Reinado, após a saída dos Andrada, como um
governo luso-baiano...
Além dos quadros nativos da Bahia que participaram da política na Corte, notamos
que não descuidava o Imperador de indicar para os postos administrativos da Bahia figuras de
sua total confiança. Caso exemplar foi o brigadeiro, depois marechal e Visconde de Camamú,
José Egídio Gordilho de Barbuda. Português de nascimento , tinha completa confiança e
estima de D. Pedro, tend o, juntamente com seu irmão, o brigadeiro, s enador e Marquês de
Jacarepaguá, Francisco Maria Gordilho de Barbuda, fortes ligações com o “Gabinete Secreto”
em torno do Imperador . Foi José Egídio Barbuda encarregado de pôr ordem na Bahia após o
Levante dos Periquitos como governador das armas que instaurou a comissão m ilitar para
punição dos envolvidos. Além deste serviço, foi posteriormente nomeado governador das
armas da Corte, presidente do Rio Grande de São Pedro (em plena Guerra Cisplatina, tendo
neste cargo cond enável atuação) e, finalmente, p residente da Bahia, carg o em que foi
assassinado no início de 1830. Além de Camamú, contou Pedro I com outros fiéis
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colaboradores no governo provincial, como o Marquês de Queluz, seu conselheiro de Estado.
Na tarefa da manutenção da ordem socio política foram igualmente importante s os coronéis,
principalmente do Recôncavo, se destacando entre eles
Joaquim Pires de Carvalho
Albuquerque, o Visconde de Pirajá. Sua adesão à figura do imperador era tão forte que a ele
foi imputada uma conspiração para aclamar D. Pedro I imperador absolu to em 1827 (BN,
CM, II- 33, 19, 56).
Para a continuidade do status quo na província, o jogo de forças entre as autoridades
designadas pela Corte para governar a Bahia e as elites locais foi seguramente mediado pelos
representantes da província no governo imperial. Sabiam as autoridades que a conservação da
ordem deveria estar lastreada em dois pilares básicos: a satisfação da elite com o regime e a
disciplina da tropa para conter a “plebe”. É o que transparece o ofício do presidente José
Severiano Maciel da Costa ao ministro Estevão Ribeiro de Resende, de 30 de agosto de 1825:
Acha-se pois esta Cidade em socego, porque a massa dos habitantes,
principalmente Proprietarios, e Capitalistas deseja a Paz e vive satisfeita
com o Governo Paternal de S. M. o Imper ador.
O Governador das Armas affirma que a tropa he subordinada, e fiel. Se esta
assim permanecer, poderá contar -se, que a tranqüilidade será mantida, e
consolidado o Governo Imperial (BN, CM, II-33, 19, 16).
Entretanto, quando o peso da Guerra Cisplatina atingiu a província em princípios de
1826, D. Pedro I não mais contava com o mesmo apoio e entusiasmo vislumbrados na Bahia à
época da independência. O c onflito contra as Províncias Unidas do Rio da Prata não foi
considerado pela opinião pública como uma causa nacional, e sim como uma aventura
imperial proposta para salvar a “honra” do imperador, buscando manter a herança política
colonial lusitana nas margens do Rio da Prata (JUNQUEIRA, 2005, p. 51 -52). Os esforços
despendidos no recrutamento de homens pa ra o complemento dos corpos da província e envio
para o conflito no Sul obtiveram resultados insatisfatórios e geraram inúmeras resistências por
parte da população vítima deste expediente. O voluntariado dos tempos da independência foi
praticamente inexist ente à época da Guerra e os conflitos provocados pelas arbitrariedades
das autoridades recrutadoras agravaram o clima de insegurança existente no interior.
Podemos considerar a oposição ao serviço militar , a partir de 1825 , como um
termômetro quanto ao grau de adesão das camadas subalternas à ordem imperial. O fato de
que o serviço em te mpo de guerra pudesse representar um sacrifício extremo (a própria vida)
fazia com que somente os que consideravam a causa como sua se alistassem, como visto na
independência. Porém, passados dois anos após o d ois de julho, foram poucos os que
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aceitavam dar a vida pela imperial honra... Por mais que a imagem do imperador como líder
da independência e sua áurea monárquica sagrada pudessem influenciar o imaginário popular
a seu favor, quanto mais a política de Pedro I se aproximava da política interna de Portugal,
mais ele perdia apoio entre as diferentes camadas da socied ade baiana, permeada p or forte
antilusitanismo.
O receio quanto ao clima de insatisfação presente na província trouxe o imperador
para as terras baianas entre fevereiro e março de 1826. D. Pedro visitou apenas quatro
províncias em todo o Primeiro Reinado (São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande de São
Pedro), sempre com a missão de apaziguar os ânimos op ositores. Ademais, havia prometido o
imperador uma visita aos baianos como reconhecimento aos esforços despendidos na
independência. O momento pareceu oportuno , pois urgia manter a lealdade da elite baiana.
Em sua estada, percorreu várias vezes Salvador, tendo especial interesse pelos
assuntos militares. Mandou consertar o qua rtel de Água de Meninos, pagar soldos devidos e
distribuir adequadamente os fardamentos, visando à submissão da tropa . Inspecionou as obras
executadas pelo Arsenal de Itapagipe, conce deu baixas e promoções a inúmeros oficiais, entre
outras medidas (APEB, SCP, maço 753-1).
A família imperial teve ainda uma curtíssima passagem pe la Vila de Cachoeira. O
autor da Chronica dos acontecimentos da Bahia legou para a posteridade interessante
depoimento sobre este acontecimento:
Em 8 de março, pelas 5 hs da manhã, embarcarão -se Suas Magestades,
Imperador, e Imperatriz, e a Princesa para a Villa da Caichoeira na barca de
vapor, e no dia 9 chegarão todos de volta nesta Cidade, por que os
cachoeiranos não souberão, por ignorância, comprir com os deveres de
Brasileiros, por cujos motivos, houve Suas Magestades Imperiaes de logo
em continente de voltarem (CHRONICA...., 1938, p. 90).
Ao que tudo indica, em 1826, Cachoeira continuava na vanguarda da contestação
política na Bahia, como o já tinha estado em junho de 1822, e onde se manteria no início da
década seguinte, com os movimentos federalistas. Porém , em 1826, devido à pouca
repercussão que teve o episódio descrito, pois não encontramos outras re ferências que
corroborem com a narrativa contida na Chronica, a insubordinação ao poder imperial ainda
estava em germe, pois a ordem prevalecia.
Antes de partir, o Imperador, talvez assombrado pelo que tinha passado no Recôncavo,
distribuiu, em um só dia, mais de uma centena de graças e títulos nobiliárquico s para a
“distinta” elite socio política baiana, com o intuito certo de fazer valer todos os meios ao seu
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alcance para garantir a continuidade do apoio ao seu Governo (APEB, SCP, maço 753-1).
Ademais, a experiência dos tempos da luta pela independência deve ter fixado no pensamento
de Pedro a importância estratégica de manter a proví ncia ordeira, pois era cristalino o risco de
se perder o domínio sobre todo o Norte em caso de uma revolu ção vitoriosa na Bah ia. A
província era à época a mais rica e a segunda mais populosa do País, reforçando o status que
possuía junto ao governo central, levando o imperador a privilegiar o apoio senhorial baiano
na Corte.
A imperial visita parece não ter surtido efeito tão duradouro, principalmente sobre os
liberais exaltados. A crise aberta pela sucessão ao trono português e a conseqüente atuação de
D. Pedro nos negócios internos da política lusitana bastaram para recrudescer a oposição ao
seu governo. Em setembro de 1 826, foi encontrado um manifesto revolucionário em pleno
Passeio Público de Salvador. O texto aponta para o clima de oposição ao poderio e
lusitanismo de Pedro I, que nos anos seguintes atingiu o clímax à época da Abdicação de sete
de abril:
Baianos! [...] a nossa Pátria se acha reduzida a mais horível escravidão, os
nossos direitos serão banidos e a nossa honra frustrada.
Baianos! Não vos deixeis iludir com ações vândalas, praticadas por auqele
monstro imperante, flagelo da Humanidade. Pugnai pelos nossos sagrados
direitos, defendei a vossa liberdade e amai a nossa Pátria. Lembrai -vos que
tendes no Trono do Brasil um Bragão, e não um Imperador [...] correi as
armas para derrubares do solo do Brasil a um tirano que tanto nos oprime e
instalares na nossa Pát ria um governo Democrático que nos garanta nossos
direitos, que nos honre a nação e que nos não castigue sem culpa formada.
Baianos! [...] derruba do trono sem mais demora aquele marotinho, siga o
exemplo da Província do Pará e outras do Norte [...] fechai as cadeias da
nossa liberdade, e gritai morra o Imperador e viva a Confederação do
Equador e o governo que há de nascer de nos mesmos (APEB, SCP, maço
3366).
Mesmo que se trate de uma mensagem oriunda dos tempos da Confederação do
Equador, o apareci mento de tais folhetins sediciosos demonstra a presença da oposição
radical ao governo de Pedro I em Salvador após sua visita.
A revanche dos liberais derrotados em 1823 -4 teve na reabertura da Assembléia
Nacional, em 1826, um locus para se concretizar. E José Lino Coutinho, novamente feito
deputado, foi um dos maiores críticos da política imperial. Contra o recrutamento à época do
conflito cisplatino protestou afirmando que o procedimento “não é recrutamento, é assassinato
geral com título de recrutamento ” (LEMOS, 1996, p. 134).
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Outra questão que gerou críticas na Câmara em 1826 foi o tratado de reconhecimento
da independência. Indignado com o acordo va ntajoso a Portugal e ao pai do imperador, Lino
Coutinho verberava que “ Os brasileiros compraram a sua al forria a peso de dinheiro. Eu fiz a
conta, e sai a cinco patacas para cada brasileiro” (B OMFIM, 1998, p. 92). Sua terra tinha
lutado pela independência, porém teve que suportar o imperador pagar por algo conquistado
no campo de batalha. Na Bahia este era um tema sensível, dado o temor pela re-união com
Portugal, que fomentava o antilusitanismo. Em fins da década de 1820 , tal temor já não se
referia a iniciativas de Portugal, mas à s atitudes e inclinações de Pedro I. Sua aproximação
com os negócios lusitano s inquietava a opinião pública baiana, ciosa dos seus feitos pela
independência em 1822 -1823, e dava munição para as críticas da oposição no Parlamento e
na imprensa baiana.
Cipriano Barata, após ser libertado em 1830 e regressar a Bahia, continuou seu
incansável ofício de editor, com seu Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General
de Pirajá, no qual atacou duramente o governo imperial . Porém, as autoridades tiveram que
se preocupar com in úmeras outras ameaças à ordem mesmo antes, na segunda metade dos
anos vinte. Em agosto de 1827 o governo imperial determinou ao presidente da província que
tivesse a “maior vigilância” acerca dos “projectos d’alguns facciosos contra o governo
estabelecido” existentes na Bahia (APEB, SCP, maço 757). Passado pouco ma is de um ano,
voltou a determinar que se reprimisse as “maquinações, que huma facção de inimigos do
actual sistema de governo monarchico constituinte estava tramando” (APEB, SCP, maço 757 1). O federalismo e o republicanismo amadureciam na província à époc a, enquadrados no
âmbito do “liberalismo exaltado” . Juntava-se à oposição política os recorrentes episódios de
insubordinação das tropas, o que impunha mais obstáculos ao trabalho das autoridades, já
dificultado pelas guarnições diminutas dos corpos e cons equente utilização da 2ª linha como
polícia. O clima de insegurança era flagrante tanto na capital como no interior, onde bandos
armados atuavam em inúmeras vilas em confronto com as autoridades locais.
Tema recorrente na documentação da época foi a circul ação da moeda de cobre falsa.
O Visconde de Camamú, em fevereiro de 1829, reclamava da situação que “nos submergio no
mais profundo abismo” (APEB, SCP, maço 1074) e colocava em cheque a ordem pública e as
medidas que tomava para reprimir a cunhagem e circu lação desta moeda.
Nos anos finais do Primeiro Reinado explodiam na província os rancores
antilusitanos, sendo registrados inúmeros episódios de “mata -marotos”, culminando nos
conflitos de abril de 1831. O presidente Luiz Paulo de Araújo Bastos deu testem unho do
ambiente de rivalidade existente entre brasileiros e lusitanos: “Bahianos! He com o coração
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partido de dor, que vejo a capital da nossa bella Província agiotada, e preste a mergulhar -se
no sangue da guerra civil.” (APEB, SCP, maço 1074). Referia -se aos acontecimentos de
quatro de abril, quando o português João Crisóstomo Calado, governador das armas, foi
deposto por militares brasileiros, seguindo -se à deposição do próprio presidente. Assim, a
Bahia mostrou-se em sintonia com o ambiente político da Corte, onde três dias depois deu -se
o golpe que depôs o imperador.
Porém, não obstante a resistência ao sistema presente na província, é inegável o papel
que a Bahia teve para a consolidação do regime monárquico centralizado e da u nidade
territorial brasileira ao longo do Primeiro Reinado . A atuação de inúmeros dos seus políticos
no governo central, alguns fiéis ao monarca até os últimos dias, e a constante preocupação
com a manutenção da ordem na província foram fundamentais para a concretização do
projeto de País almejado pelas elites escravistas, em detrimento dos anseios dos liberais
exaltados que no Período Regencial procuraram reverter o regime construído pelos senhores
do Recôncavo.
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