73 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Jornal Paranaense de Pediatria EDITORES Paulo Breno Noronha Liberalesso Médico do Departamento de Neuropediatria e Neurofisiologia do Hospital Pequeno Príncipe; Supervisor do Programa de Residência Médica em Neuropediatria do Hospital Pequeno Príncipe. Sérgio Antônio Antoniuk Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria; Coordenador do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas (CENEP). EDITORES ASSOCIADOS Aristides Schier da Cruz Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná, Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica. Donizetti Dimer Giamberardino Filho Pediatra Diretor do Hospital Infantil Pequeno Príncipe. Gilberto Pascolat Preceptor da Residência Médica de Pediatria do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. Luiza Kazuko Moriya Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Londrina. CONSELHO EDITORIAL Alexandre Menna Barreto Endocrinologista Pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe. Alfredo Löhr Professor de Clínica Pediátrica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Disciplina de Neuropediatria. Carlos A. Riedi Professor de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Alergia-Pneumologia Pediátrica. Geraldo Graça Médico Endócrinologista Pediátrico; Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da UFPR. Gislayne C. Souza Nieto Médica Neonatologista; Chefe da UTI Neonatal do Hospital Santa Brígida; Neonatologista da UTI Neonatal do Hospital Pequeno Príncipe. Herberto José Chong Neto Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Alergia e Imunologia; Pesquisador Associado do Serviço de Alergia e Imunologia Pediátrica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná; Doutor em Medicina Interna, UFPR; Pós-Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente, UFPR; Professor Titular de Medicina da Universidade Positivo. Isac Bruck Professor Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria. José Carlos Amador Doutor em Pediatria pela UNICAMP. Pós-Doctor em Nutrição Enteral e Parenteral pela Universidade de Maastricht - Holanda. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Maringá. Katia Aceti Oliver Neonatologista do Hospital Pequeno Príncipe e Hospital Maternidade Santa Brígida; Médica Pediatra com atuação na Área de Desenvolvimento do Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas. Kerstin Taniguchi Abagge Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Dermatologia Pediátrica. Lucia Helena Coutinho dos Santos Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Neuropediatria. Luiz Antônio Munhoz da Cunha Chefe do Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Infantil Pequeno Príncipe. Luiz Ernesto Pujol Médico plantonista do pronto-socorro do Trauma Pediátrico do Hospital do Trabalhador; Vice-Presidente do CRM-PR; Diretor do Departamento de Defesa Profissional da Associação Médica do Paraná. Mara Albonei Pianovski Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Hematopediatria. Margarida Fatima Fernandes Carvalho Professora Adjunta de Pediatria da Universidade Estadual de Londrina, Doutora em Pediatria pela Universidade de São Paulo. Mariana Faucz Munhoz da Cunha Nefrologista Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe. Marina Hideko Asshiyde Professora de Clínica Pediátrica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Disciplina de Infectologia Pediátrica. Mário Vieira Preceptor em Gastroenterologia da Residência Médica em Pediatria do Hospital Infantil Pequeno Príncipe, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Milton Elias de Oliveira Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Oeste do Paraná - Cascavel. Monica Nunes Lima Professora Associada do Departamento de Pediatria da UFPR; Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e Adolescente do Departamento de Pediatria da UFPR. Nelson Augusto Rosário Filho Professor Titular do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Alergia e Imunologia. Nelson Itiro Miyague Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Cardiologia Pediátrica. Regina Paula Guimarães Vieira Cavalcante da Silva Médica Neonatologista do Serviço de Neonatologia do Hospital de Clínicas; Professora Adjunta do Departamento de Pediatria - UFPR. Rosana Marques Pereira Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Disciplina de Endocrinologia Pediátrica. Vania Oliveira de Carvalho Médica Pediatra com concentração em Dermatologia Pediátrica do Hospital de Clínicas; Professora Adjunta do Departamento de Pediatria - UFPR. 74 DIRETORIA SPP - TRIÊNIO 2013-2015 Presidente: Gilberto Pascolat (Curitiba) Presidente de Honra: Darci Vieira S. Bonetto (Curitiba) 1º Vice-Presidente: Donizetti D. Giamberardino Filho (Curitiba) 2º Vice-Presidente: Milton Macedo de Jesus (Londrina) 3º Vice-Presidente: José Carlos Amador (Maringá) 4º Vice-Presidente: Marcos Antônio da Silva Cristóvam (Cascavel) Secretário Geral: Paulo Ramos David João (Curitiba) 1ª Secretária: Mário Marcondes Marques Jr. (Curitiba) 2º Secretário: Luiz Carlos Busnardo (Apucarana) Tesouraria 1º Tesoureiro: Maurício Marcondes Ribas (Curitiba) 2ª Tesoureira: Cristina Rodrigues da Cruz (Curitiba) Conselho Fiscal: Aristides Schier da Cruz (Curitiba), Nelson Augusto Rosário Filho (Curitiba), Renato Mikio Moriya (Londrina), Eliane Mara Cesário Pereira Maluf (Curitiba), Gilberto Saciloto (Guarapuava) Comissão de Sindicância: Mario Eduardo Gutierrez Branco (Curitiba), Ismar Strachman (Curitiba), Maristela Gomes Gonçalves (Curitiba), Danielle Caldas Buffara Rodrigues (Curitiba), Antonio Carlos Sanseverino Filho (Maringá) Conselho Consultivo: Antônio Carlos Bagatin (Curitiba), Víctor Horácio de Souza Costa Jr. (Curitiba), Kennedy Schisler (Foz do Iguaçu), Alberto Saparolli (Curitiba), Rubens Kliemann (Curitiba) Diretoria de Defesa Profissional Coordenador: Gregor Paulo Chermikoski Santos (Curitiba), Armando Salvatierra Barroso (Curitiba), Álvaro Luiz de Oliveira (Londrina), Antonio Carlos Sanseverino Filho (Maringá), Luiz Ernesto Pujol (Curitiba), Maristela Gomes Gonçalves (Curitiba) Diretoria de Patrimônio: Rubens Kliemann (Curitiba) Diretoria Acadêmica: Darci Vieira da Silva Bonetto (Curitiba), Tony Tannous Tahan (Curitiba) Diretoria de Publicações: Coordenador: Sérgio Antoniuk (Curitiba), Paulo Breno Noronha Liberalesso (Curitiba) Diretoria de Eventos Científicos Coordenadora: Gislayne Castro e Souza de Nieto (Curitiba) Julio Cesar Pereira Dias (Pato Branco) Diretoria de Educação Continuada Coordenador: Lais Regina Rocha de Carvalho (Ponta Grossa) Liga Acadêmica de Pediatria Tony Tannous Tahan(Curitiba) Ouvidoria Luiz Ernesto Pujol (Curitiba) Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Departamento de Residência Coordenador: Eliane Mara Cesário Pereira Maluf (Curitiba) Hospital Pequeno Príncipe DEPARTAMENTOS CIENTÍFICOS DA SOCIEDADE PARANAENSE DE PEDIATRIA Departamento de Adolescência Beatriz Elizabeth Bagatin V. Bermudez Departamento de Aleitamento Materno Patrícia Barbosa Ferrari Departamento de Alergia - Imunologia Adriana Vidal Schmidt Departamento de Cardiologia Renato Pedro A. Torres Departamento de Dermatologia Juliana Loyola Departamento de Endocrinologia Suzana Nesi França Departamento de Gastroenterologia e Nutrição Aristides Schier da Cruz Departamento de Infectologia Adriana Blanco Departamento de Nefrologia Lucimary Castro Sylvestre Departamento de Neonatologia Gislayne Castro e Souza de Nieto Departamento de Neurologia Mara Lucia Schmitz Ferreira Santos Departamento de Pneumologia Debora Carla Chong Departamento de Saúde Mental Jussara Ribeiro dos Santos Varassin Departamento de Segurança da Criança e do Adolescente Sergio Ricardo Lopes de Oliveira Departamento de Suporte Nutricional Vanessa Yumie Salomão W. Liberalesso Departamento de Nutrologia Jocemara Gurmini Departamento de Terapia Intensiva Paulo Ramos Davi João Referência em Genética Salmo Raskin Referência em Hemato-Oncologia Ana Paula Kuczynski Pedro Bom Referência em Oftalmologia Ana Tereza Ramos Moreira Referência em Ortopedia Edilson Forlim Referência em Otorrinolaringologia Rodrigo Guimarães Pereira Referência em Reumatologia Marcia Bandeira JORNAL PARANAENSE DE PEDIATRIA - ANO 15, NÚMERO 04, 2014. O Jornal Paranaense de Pediatria é o órgão oficial da Sociedade Paranaense de Pediatria para publicações científicas. Correspondência para: SPP - Rua Des. Vieira Cavalcanti, 550 - 80510-090 - Curitiba-PR Tiragem: 1.000 exemplares Sociedade Paranaense de Pediatria - Rua Des.Vieira Cavalcanti, 550 Telefone: 41 3223-2570 Fax: 41 3324-7874 Curitiba-PR Http://www.spp.org.br e-mail: [email protected] Projeto gráfico, diagramação e editoração: Fidellize Marketing Ltda. Tel.: 41 9231-6247 [email protected] Curitiba-PR Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 75 EDITORIAL A epilepsia está entre as doenças neurológicas crônicas mais frequentes da infância, sendo responsável por elevada morbidade e comprometimento da qualidade de vida. A despeito dos enormes avanços tecnológicos no setor de diagnóstico neurológico e do surgimento de novos fármacos antiepilépticos, algo em torno de um terço das crianças com epilepsia não obterão um controle sustentado e prolongado das crises convulsivas. Este grupo de pacientes com epilepsia clinicamente refratária é particularmente exposto ao risco de complicações clínicas, acidentes fatais e morte súbita no leito. Da mesma forma, estas crianças com epilepsias de mais difícil controle tendem a apresentar maior comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor piorando ainda mais sua qualidade de vida. É neste contexto que durante o ano de 2014 surge fortemente a discussão por parte da sociedade e da classe médica a respeito da Cannabis sativa (nome cientifico da maconha) como mais uma alternativa de tratamento adjuvante para epilepsias clinicamente intratáveis. A maconha é uma planta da família das Canabiáceas, cultivada em todo o mundo, incluindo diversos países da América do Sul. Esta planta herbácea apresenta centenas de produtos químicos, parte deles com atividade potencialmente farmacológica e um dos principais canabinóides é justamente o canabidiol (CBD). Estudos realizados há décadas já apontavam efeitos terapêuticos do CBD. Contudo, mais recentemente, pesquisas sugerem que esta substância possa ser empregada especificamente em algumas formas graves de epilepsia, principalmente na população de crianças e de adolescentes. Neste último volume do JPP de 2014, Dr. Sérgio Antônio Antoniuk faz uma revisão atualizada sobre este tema, trazendo os artigos mais importantes que embasam a indicação de CBD no tratamento de crianças epilépticas. Por fim, os Editores do JPP, aproveitam para desejar a todos os colegas e amigos pediatras do Estado do Paraná um excelente final de ano. Aproveitamos, ainda, para agradecer à Sociedade Paranaense de Pediatria pela confiança em nos depositada na condução de mais um ano do “jornal do pediatra paranaense”. Dr. Paulo Breno Noronha Liberalesso Dr. Sérgio Antônio Antoniuk 76 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 ARTIGO ORIGINAL PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO TRAUMA ORTOPÉDICO PEDIÁTRICO NO HOSPITAL DO TRABALHADOR DE MARÇO DE 2008 A MARÇO DE 2012 EPIDEMIOLOGIC PROFILE OFORTHOPEDIC PEDIATRIC TRAUMA AT HOSPITAL DO TRABALHADOR FROM MARCH 2008 TO MARCH 2012 Saulo F. de Miranda¹, Cristina T. Okamoto², Fábio Henrique de Carvalho³ Instituição vinculada: Hospital do Trabalhador, Universidade Positivo. Resumo Objetivo: analisar o perfil epidemiológico das crianças e adolescentes (0 a 19 anos) vítimas de trauma com acometimento do sistema músculo esquelético, atendidas pelo SIATE/SAMU e trazidas ao Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador, no período de março de 2008 a março de 2012. Materiais e Métodos: estudo transversal descritivo com coleta de dados retrospectivos através da revisão dos prontuários de pacientes de 0 a 19 anos, vítimas de trauma, atendidos pelo SIATE/SAMU, trazidos ao Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador no período de março de 2008 a março de 2012 e que houve acometimento músculo esquelético, após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Foram revisados 508 prontuários (40,96%), sendo que 391 atendiam os critérios de inclusão. Resultados: em relação à faixa etária e sexo, foram vítimas de trauma com acometimento músculo esquelético 249 pacientes (63,7%) do sexo masculino e 142 (36,3%) do sexo feminino, com prevalência em adolescentes de 13 a 19 anos incompletos (68,5%). Os mecanismos de trauma mais encontrados na casuística analisada foram: colisões (34,5%), atropelamentos (17,3%), quedas de mesmo nível (15,9%), quedas de outro nível (12,5%), quedas de bicicleta (6,9%), ferimento por arma de fogo (5,8%) e agressões (3,1%).Os segmentos mais afetados foram: os membros (47,6%), crânio (30,7%) e tórax (20,5%). Conclusões: os dados encontrados neste estudo corroboram o que é descrito na literatura atual para as outras regiões do país, sendo que a maioria das lesões traumáticas poderiam ser evitadas ou minimizadas com medidas simples de saúde pública. Palavras-chave: trauma, ortopedia, pediatria, morbimortalidade, prevenção. Abstract Objective: to analyze the epidemiological profile of children and adolescents (0-19 years) trauma patients with involvement of skeletal muscle, assisted by SIATE / SAMU and brought to the Emergency Room of the Hospital do Trabalhador system, from March 2008 to March 2012. Materials and Methods: a descriptive cross-sectional study with retrospective data collection by reviewing the records of patients 0-19 years died from trauma, seen by SIATE / SAMU, brought to the emergency room of the Hospital do Trabalhador from March 2008 to March 2012 and that there were skeletal muscle involvement, after approval by the Research Ethics Committee (CEP). 508 records (40.96%) were reviewed, and 391 met the inclusion criteria. Results: in relation to age and sex, were victims of trauma musculoskeletal involvement 249 patients (63.7%) of males and 142 (36.3%) females, with a prevalence in adolescents aged 13 to 19 years incomplete (68.5%). Traumas mostly found in the sample were analyzed: collisions (34.5%), pedestrians (17.3%), falls on the same level (15.9%), falls from another level (12.5%), falls cycling (6.9%), injury by firearms (5.8%) and assaults (3.1%). The most affected sectors were: members (47.6%), head (30.7%) and chest (20.5%). Conclusions: the findings in this study corroborate what is described in the literature for other regions of the country, and the majority of traumatic injuries could be avoided or minimized with simple public health measures. Key words: trauma, orthopedics, pediatrics, morbidity and mortality, prevention. 1. Acadêmico de Medicina da Universidade Positivo. 2. Médica neonatologista pediatra; Professora da cadeira de pediatria da Universidade Positivo. 3. Médico proctologista; Professor da cadeira de trauma da Universidade Positivo. SFM: Av. Iguaçu 2666, ap.1602.2 Telefone: (44) 9886-1188 Água Verde 80240-030 e-mail: [email protected] Curitiba-PR 77 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Introdução As lesões traumáticas são atualmente reconhecidas como um importante problema de saúde pública1. Esse tipo de lesão está diretamente relacionado com a perda prematura de anos produtivos, altos gastos hospitalares, efeitos emocionais negativos e é uma das maiores causas de óbito no mundo², sendo a faixa etária pediátrica uma das mais acometidas. Os principais mecanismos de traumas que levam à morte infanto-juvenil no Brasil são os atropelamentos, quedas e acidentes automobilísticos, havendo uma importante variação desses mecanismos de acordo com a faixa etária estudada. Em crianças menores de 3 anos as quedas de outro nível são as mais comuns; atropelamentos e quedas de bicicleta são mais prevalentes entre 6 e 12 anos, e na faixa etária que engloba os adolescentes, as causas externas, como agressões, acidentes automobilísticos e ferimentos por armas de fogo (FAF) sobrepõem as demais causas3. O sexo masculino predomina em todas as faixas etárias, sendo mais expressivo entre os adolescentes2,4-10. O trauma representa a principal causa de morte e incapacidade nos pacientes pediátricos nos Estados Unidos, onde anualmente, cerca de 22 milhões de crianças sofrem algum tipo de lesão traumática11. Em todo o Brasil, no ano de 2002, a taxa de mortalidade por causas externas, na faixa etária de 10 a 19 anos de idade, foi de 47,6 por 100 mil habitantes, com marcante diferença entre os gêneros masculino (79,8/100 mil) e feminino (14,9/100 mil habitantes)4. Estatísticas demonstram que para cada criança que vem a falecer pelo trauma, quatro adquirem sequelas permanentes12. As lesões traumáticas que acometem o sistema músculo-esquelético, mais raramente determinam risco à vida se isoladas, mas costumam determinar perdas funcionais importantes13. Além das altas taxas de mortalidade, o trauma ocasiona morbidade significativa, consumindo grandes volumes monetários na maioria dos países do continente americano, nos quais representa grande impacto, segundo a Organização Pan Americana de Saúde11. Uma em cada cinco crianças norte-americanas recebe atenção médica em decorrência de traumas anualmente, sendo que esse tipo de lesão constitui o principal grupo de condições que exigem atendimento médico, gerando mais de 20% das admissões hospitalares e dias de internamento hospitalar 5. A escolha deste tema justifica-se pela necessidade de estudos regionais que possam gerar uma melhor caracterização dos agentes e fatores envolvidos nesses tipos de lesões, e consequentemente propiciar a criação de ações preventivas que sejam mais específicas, funcionais e efetivas. Material e Métodos Trata-se de um estudo transversal descritivo com coleta de dados retrospectivos através da revisão dos prontuários. Os critérios de inclusão na pesquisa foram os prontuários das crianças e adolescentes, de 0 a 19 anos, vítimas de trauma com acometimento do sistema músculo esquelético, atendidas pelo SIATE ou SAMU e trazidas ao Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador no período de março de 2008 a março de 2012. Foram excluídos da pesquisa os pacientes desta faixa etária trazidos pelo SIATE ou SAMU que não foram víti- mas de trauma com acometimento ortopédico, os pacientes vítimas de trauma que foram trazidos ao Pronto Socorro do Hospital do Trabalhador por outros meios (familiares/acompanhantes), e os prontuários cujo preenchimento era insuficiente ou ilegível. Foi utilizado um instrumento de coleta desenvolvido pelos pesquisadores para coleta dos dados, que posteriormente foram digitados em planilha do Microsoft Excel® para análise. Foram revisados um total de 508 prontuários, sendo que houve uma perda de 117 casos, por não cumprirem os critérios de inclusão, sendo utilizados, portanto, 391 prontuários na análise dos resultados. A seleção dos prontuários revisados se deu através de sorteios, utilizando a ferramenta do programa Microsoft Excel® que selecionava um prontuário a cada 5 na lista, de maneira aleatória, gerando uma planilha, que foi encaminhada ao setor de arquivos de prontuários do Hospital do Trabalhador para coleta de dados. A revisão dos prontuários foi realizada pelo pesquisador principal, após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Hospital do Trabalhador e dispensa do Termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados coletados foram analisados, organizados em planilhas do Microsoft Excel® e submetidos à análise quantitativa e qualitativa das variáveis sendo apresentadas com o uso de porcentagens, dos intervalos de confiança de 95%, gráficos, tabelas e quadros. Resultados Na casuística analisada no presente trabalho (N = 391), o trauma foi prevalente no sexo masculino, 249 pacientes (63,7% - IC 95%: 57,7 - 69,7), enquanto no sexo feminino, foi de 142 pacientes (36,3% - IC 95%: 28,4 - 44,2). O gráfico 1 demonstra a prevalência do trauma no sexo masculino em todas as faixas etárias estudadas com predomínio entre os adolescentes. Os mecanismos de trauma mais encontrados na casuística analisada foram: colisões (31,7%), atropelamentos (15,8%), quedas de mesmo nível (14,6%), quedas de outro nível (11,5%), quedas de bicicleta (6,9%), ferimento por arma de fogo (5,4%) e agressões (3,8%) e outros (10,3%), conforme evidencia o gráfico 2. O gráfico 3 apresenta os segmentos corporais que foram mais acometidos por lesões traumáticas, sendo os membros os mais afetados (n=360; 92,1%): membros inferiores (MMII) em 189 pacientes (48,3%), membros superiores (MMSS), em 171 pacientes (43,7%), seguidos por crânio (n =120; 30,7%) e tórax (n = 80; 20,5%). Além da Ortopedia, que foi requisitada em todos os atendimentos, as outras especialidades com maior número de atendimentos foram: Cirurgia Geral (259 - 67,4% IC 95%: 61,7 - 73,2) e Neurocirurgia (125 - 32,6% - IC 95%: 24,3 - 40,8), sendo comum a associação entre essas especialidades pela grande quantidade de pacientes politraumatizados. Em relação ao desfecho do caso, a maioria dos pacientes recebeu alta imediata (n= 338; 86,4% - IC 95%: 82,8 90,1), houve 43 internamentos em enfermaria (11%), destes, 5 em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 6 pacientes receberam alta após ficaram em observação (1,53%) e houve 1 óbito. Necessitaram de retorno ambulatorial 100 pacientes (25,5%). Dos 391 casos analisados, 64 (16,4%) necessitaram de realização de tomografia computadorizada (TC). 78 Ao avaliar os diversos diagnósticos entre os prontuários avaliados (gráfico 4), houve 107 contusões (27,4% - IC 95%: 18,9 - 35,8), 131 fraturas (33,5% - IC 95%: 21,3 - 45,7), 37 traumatismos cranioencefálicos (TCE), 52 politrauma, 45 feridas cortocontusas (FCC), 21 FAFs, 5 entorses, 5 luxações (4 em patela e 1 em ombro), 2 pronações dolorosas e 1 epifisiólise. Quanto aos casos de fratura (N=131 casos), 57,25% foram em MMSS, 35,11% em MMII, 6,11% em face e 1,53% em coluna. 26 casos (19,8% - IC 95%: 4,5 – 35,2) foram fraturas expostas, sendo 12 (9,2% - IC 95%: 0,0 – 22,7) destas por FAF. Em relação à intervenção em casos de fratura, em 67 casos (51,1%) foi realizado tratamento conservador. Dentre estes, houve 23 gessos (17,5%), 12 talas (9,2%), 11 tipoias (8,4%) e 1 atadura (0,8%). A imobilização não foi citada em 20 casos. Sessenta pacientes necessitaram de cirurgia (45,8%), e em 3,1% dos casos não houve nenhuma intervenção. Discussão Assim como demonstra a literatura4,6,7,14,16, a casuística analisada neste trabalho evidenciou um maior acometimento do sexo masculino, em especial na faixa etária dos adolescentes. Os homens foram 1,75 vezes mais vítimas de trauma do que as mulheres, fato que pode ser explicado devido às diferenças culturais e comportamentais, como maior liberdade e exposição a atividades de maior risco2. Dados de um grande centro de tratamento de crianças vítimas de trauma, corroboram o achado com uma relação de 1,7 meninos para cada menina, sendo que de todos os traumas, 36% apresentavam lesões ortopédicas17. Os adolescentes são mais vulneráveis à exposição ao trauma, devido aos seus padrões comportamentais, uma vez que nesta fase da vida estão experimentando importantes mudanças biopsicossociais. Estão fortemente presentes, especialmente no sexo masculino a hiperatividade, a impulsividade e a agressividade, principalmente em áreas urbanizadas2,4. O estudo realizado por Landin et al.18 demonstrou que o risco de um menino sofrer uma fratura até os 16 anos é de 42% enquanto nas meninas é de 27%. A fratura mais comum costuma ser a do terço distal do rádio, seguida pela fratura das falanges e dos ossos da mão. O estudo demonstrou que as extremidades são as mais acometidas (54% do total) em qualquer tipo de lesão. Este percentual aumenta em razão direta quando consideramos a idade, havendo um pico no início da adolescência. Os mecanismos de trauma estão diretamente relacionados à idade do paciente. Quedas de outro nível e de mesmo nível são comuns em crianças menores de 3 anos; atropelamentos e quedas de bicicleta são mais prevalentes entre 6 e 12 anos, e na faixa etária acima de 13 anos, as causas externas, como agressões, acidentes automobilísticos e FAF’s são mais encontrados6,7,10,15,19. As colisões mostraram-se extremamente frequentes na nossa casuística, sendo que as mais comuns ocorreram entre automóvel-automóvel, contra anteparo, bicicletaanteparo, moto-automóvel, automóvel-ônibus e automóvel-caminhão. Em relação às quedas, estas foram mais prevalentes em menores de 6 anos, com destaque para queda da cama em menores de 1 ano. Os menores de 3 anos apresentam maior número de quedas de mesmo nível, enquanto as crianças de 3 a 6 anos apresentam maior queda de outro nível2. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Quedas e atropelamentos foram os mecanismos de trauma mais comuns em 890 pacientes menores de 12 anos, em estudo realizado por Filócomo et al.6, sendo que Kong et al.20 encontrou em sua casuística que as crianças são acometidas em 27% dos casos de atropelamento.Um estudo com 791 pacientes menores de 12 anos, realizado em 2011, evidenciou que a queda de altura foi o mecanismo de trauma mais prevalente, seguido por acidentes automobilísticos e queimaduras19. Koizumi et al.19, em estudo com 16.376 pacientes internados, identificou que as quedas, seguido de acidentes de transporte foram os mecanismos mais comuns de trauma, assim como o estudo de Knudson et al.7.Outros estudos corroboram a queda, os acidentes de trânsito, atropelamentos e acidentes com bicicleta como as principais causas de trauma nessa faixa etária16. As quedas de motocicleta ocorreram mais frequentemente em adolescentes do sexo masculino devido à sua maior propensão a atividades de risco e pelo fato de que esses motoristas não têm a estrutura do veículo para protegê-los, absorvendo toda a energia do impacto e sendo ejetados, tornando-se vítimas com maior probabilidade de lesões graves e maior necessidade de internamento21. Em relação aos segmentos afetados, o presente estudo demonstrou ser comum a associação de dois ou mais segmentos, sendo que o predomínio pelo acometimento dos membros e crânio está correlacionado principalmente pela alta prevalência de quedas como mecanismo de trauma, justificando o fato de grande parte dos pacientes necessitarem da avaliação de outras especialidades além da Ortopedia, de acordo com os dados da literatura7,9. No politraumatizado as fraturas são elementos frequentes, devendo ser consideradas também as lesões dos tecidos moles que circundam o osso, o sangramento, a dor, o estresse, a contaminação e outros elementos. Na faixa etária pediátrica, as fraturas representam cerca de 10% a 25% quando consideradas todas as lesões e raramente são fatais22. A literatura apresenta uma carência de estudos que abordem poli traumatismo em crianças, sendo que existem diferenças importantes no acometimento dessa faixa etária, em relação aos tipos de lesão, mecanismo, fisiopatologia e tratamento. A interpretação destas variáveis é fundamental para o planejamento e normas de prevenção e tratamento. Em relação ao desfecho do caso a maioria dos pacientes recebeu alta imediata (n= 338; 86,4%), assim como demonstrou Filócomo et al., em que 95,7% dos casos houve alta logo após o atendimento9. Entretanto os traumas de maior energia como FAF’s e acidentes automobilísticos exigem um tempo maior de hospitalização e consequentemente maiores gastos10. Outro importante fator que agrava a oneração do sistema de saúde é a necessidade de exames de maior sofisticação, os quais estão disponíveis apenas em centros mais especializados e que geram um maior custo. No presente estudo em 16,4% dos casos houve a necessidade de realização de TC, o que comprova o achado da literatura de que além de altas taxas de morbimortalidade o trauma ocasiona um consumo de grandes volumes monetários em vários países, nos quais representa grande impacto23. Segundo Minayo e Deslandes24, as fraturas são responsáveis por 38% das internações por causas externas. Nossa casuística mostrou o MMSS como o sítio anatômico mais afetado em fraturas, estando de acordo com literatu- 79 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 ra onde este representa 76,1%, seguido pelo MMII (23,9%)25. Nosso estudo corrobora tais dados, com 57,2% das fraturas em MMSS, seguida por 35,1% em MMII. Sabe-se que os traumas nos membros superiores costumam ocorrer nos mecanismos de defesa, seja por uma queda, ou contra uma agressão, enquanto os traumas nos membros inferiores estão mais relacionados a acidentes, principalmente automobilísticos. Justificando a alta prevalência do acometimento dos membros nos pacientes estudados em nossa casuística. Outro fato importante a ser lembrado é que o movimento no foco de fratura de um osso longo pode gerar aumento da pressão intracraniana, o que requer uma imobilização precoce do foco fraturário visando evitar danos neurológicos26. Em crianças vítimas de poli trauma e com múltiplas lesões, a colocação de tala costuma ser suficiente para o cuidado ortopédico inicial, até que se estabilize o quadro geral. Normalmente opta-se nessa faixa etária pelo tratamento de fraturas com o uso de redução fechada e imobilização gessada, por serem métodos fáceis e pouco traumáticos para a área já lesada, entretanto no poli trauma pode-se optar mais frequentemente por tratamento cirúrgico. Atualmente alguns autores afirmam que a fixação definitiva deve ser realizada em até 3 dias, sendo que isso reduziria a morbimortalidade27, entretanto questiona-se isso pelo fato de que os pacientes jovens costumam apresentar menos complicações pelas fraturas28, o que se tem ao certo é que o ortopedista deve atentar para o risco de outras lesões concomitantes que tragam risco de morte ao paciente. Apesar da ocorrência de TCE nas crianças ser mais elevada que as lesões ortopédicas, quando comparado ao indivíduo adulto, a capacidade de recuperação de lesões no sistema nervoso central é muito maior22, sendo im- portante o Ortopedista programar seu tratamento levando em conta esse dado. Ocorre uma associação de situações de risco e traumas constantes que ameaçam a integridade corporal e emocional das crianças e adolescentes. As causas e os efeitos traumáticos, quando não interrompidos ou resolvidos, contribuem para a marginalização escolar, exclusão social e outros episódios de violência e traumas, que podem ocasionar desfechos trágicos2,4. Alterações psicológicas, comportamentais, da afetividade e do aprendizado podem ser percebidas por um longo período de tempo, estando presentes em mais de 50% das crianças tratadas, principalmente naquelas com sequelas29. Conclusões Os dados encontrados neste estudo são semelhantes aos encontrados na literatura, com predomínio do trauma em adolescentes do sexo masculino, decorrentes de quedas, acidentes automotivos e violência. Geralmente são acometidos mais de dois segmentos corporais, com predomínio das lesões em membros, sendo necessária, além da avaliação da Ortopedia e Traumatologia, de outras especialidades, como Cirurgia Geral e Neurocirurgia. A maioria dos pacientes recebe alta no mesmo dia, e os traumatismos que resultam em internamentos necessitam de seguimento ambulatorial, especialmente as fraturas decorrentes de acidentes motociclísticos. As fraturas são causas importantes de morbimortalidade e muitas vezes necessitam de correção cirúrgica. A maioria das lesões traumáticas poderiam ser evitadas ou minimizadas com o uso de equipamentos de segurança em transportes automobilísticos, equipamentos de proteção nas práticas esportivas, medidas de proteção domiciliar, como grades em janelas, guarda e manutenção de materiais perigosos para crianças, além de políticas de proteção à saúde do adolescente. Gráfico 1. Distribuição dos pacientes por faixa etária e sexo (N=391). 80 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Gráfico 2. Principais mecanismos de trauma. Tabela 1. Principais mecanismos de trauma. Mecanismos de trauma Colisão Atropelamento Queda do mesmo nível Queda de outro nível Outros FAF n 124 62 57 45 39 21 Gráfico 3. Segmentos afetados nas vítimas de trauma. % (IC95%) 34,5 (26,2 - 42,9) 17,3 (7,9 - 26,7) 15,9 (6,4 - 25,4) 12,5 (2,9 - 22,2) 10,9 (1,1 - 20,6) 5,8 (0,0 - 15,9) 81 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Tabela 2. Segmentos afetados. Segmento afetado nas vítmas MM II MM SS Crânio Tórax Face n 189 171 120 80 75 % (IC95%) 48,3 (41,2 - 55,5) 43,7 (36,3 - 51,2) 30,7 (22,4 - 38,9) 20,5 (11,6 - 29,3) 19,2 (10,3 - 28,1) n 75 46 8 2 % (IC95%) 57,3 (46,1 - 68,4) 35,1 (21,3 - 48,9) 6,1 (0,0 - 22,7) 1,5 (0,0 - 18,5) Gráfico 4. Diagnósticos. Tabela 3. Fraturas. Fraturas MM SS MM II Face Coluna Tabela 4. Intervenção nas fraturas. Intervenção nas fraturas Tratamento conservador Gesso Imobilização Talas Tipoias Cirurgia n 67 23 17 12 11 60 % (IC95%) 51,1 (39,2 - 63,1) 17,6 (2,0 - 33,1) 13,0 (21,5 - 4,5) 9,2 (0,0 - 25,5) 8,4 (0,0 - 24,8) 45,8 (46,1 - 45,5) 82 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Referências Bibliográficas 1. Schvartsman C, Carrera R, Abramovici S. Avaliação e transporte da criança traumatizada. J Pediatric (Rio J). 2005; S 2239. 2. Imamura JH. Epidemiologia dos traumas em países desenvolvidos e em desenvolvimento. [Dissertação]. Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. 3. Figueiredo JRI, Carvalho MV, Lima GM. Trauma pediátrico devido a acidente veicular em via de grande tráfego. Einsten (São Paulo). 2010. 4. Eisenstein E. Traumas e suas repercussões na infância e na adolescência. Adolesc Saude. 2006;3(2):26-28. 5. Pereira JRGA, Andreghetto AC, Basile-Filho A, Andrade JI. Trauma no paciente pediátrico. Medicina, RibeirãoPreto, 1999. 32: 262-281. 6. 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Os efeitos colaterais são leve ou moderados e transitórios. Esta revisão estuda as propriedades anticonvulsivantes e neuropsiquiátricas do Canabidiol. Palavras-chave: canabidiol, cannabis sativa, tetra-hidrocarbinol , Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut, maconha medicinal. Abstract Cannabidiol (CBD) is the most abundant non-psychoactive cannabinoid in the cannabis plant. Animal studies demonstrate anticonvulsant efficacy in multiple species. CBD is used for treatment-resistant epilepsy such Dravet and Lennox-Gastaut Syndromes and other neuropsychiatric disorders, including anxiety,schizophrenia, Psychosis e addiction. CBD has neuroprotective and antiinflammatory effects, The adverse events were mild or moderate and many were transient. The present review summarizes studies on the anticonvulsant and neuropsychiatric properties of cannabidiol. Key words: cannabidiol, cannabis sativa, tetrahydroacannabinol, Dravet syndrome, Lennox-Gastaut Syndrome, medical marijuana. Informações Gerais O uso da maconha como medicamento é muito antigo, desde antes da Era Cristã. Era usada para dor, constipação intestinal, malária, expectoração, convulsões e como tranqüilizantes, sedativos e antidepressivo1. Nas últimas cinco décadas estudos modernos e mais eficientes têm comprovado a segurança e eficácia do uso de substâncias canabinóides para aliviar os sintomas de uma grande variedade de doenças2. Essas substâncias são extraídas há milênios da Cannabis sativa, popularmente chamada de maconha, e desde então foi constatado o uso medicinal da planta. A ação medicinal da Cannabis sativa é produzida pelos compostos da planta chamados de canabinóides. Mais de 80 tipos de canabinóides são encontrados na maconha. A quantidade e a proporção dessas substâncias em cada planta muda segundo sua variedade genética e suas condições de cultivo. Prof. Adjunto da Disciplina de Neuropediatria do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná Rua Hildebrando Cordeiro, 147 Campina do Siqueira [email protected] 80740-350 Curitiba-PR 84 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 O tetra-hidrocarbinol (THC) e o canabidiol (CBD) são os canabinóides mais estudados3. O CBD está presente em toda a planta, mas é encontrado em maior quantidade na raiz e no caule da Cannabis. Ele não é intoxicante, apresenta poucos efeitos colaterais e não provoca dependência. Ele não é psicoestimulante e tem ação terapêutica, principalmente como ansiolítico, antipsicótico e antiepiléptico. crises dos seus filhos. 84% dos pesquisados referiram melhora no controle das convulsões, 11% apresentaram controle completo, 42% controle de mais de 50% das crises e 32% com controle de 20 a 60% das crises. Destes, 79% melhoraram o humor, 74% a atenção e 68% o sono. O efeitos negativos foram poucos frequentes: 37% apresentaram sonolência, 16% fadiga e 5% diminuição do apetite9. Entre as indicações do CBD estão o tratamento de convulsões, inflamações, ansiedade, psicoses, distúrbios da imunidade, além de ser antioxidante, e neuroprotetor. Já o THC é extraído das flores e da resina das plantas fêmeas. Causa efeitos tóxicos e pode causar dependência. No entanto pode ser usado para o tratamento de dores, inflamações, anorexia, enjoos, e espasmosmusculares. 2- Estudo retrospectivo com o uso do canabidiol foi apresentado no dia 11 de dezembro de 2014 no Encontro anual da Sociedade Americana de Epilepsia. Revisaram 58 pacientes com a idade média de 7 anos (6 meses a 23 anos de idade) quando do início do tratamento. Destes, 28 (48.3%) apresentaram melhora das crises e em 18 (31%) o controle das crises foi acima de 50%. Destes, com melhora acima de 50%, na Síndrome de Dravet a melhora foi de 27%, na Síndrome de Doose (0%), na Síndrome de Lennox Gastaut (80%) e em outras (30%). Os efeitos positivos foram melhora da atenção (29%) e melhora da linguagem (10%). Efeitos coadversos ocorreram em 47% dos pacientes com aumento das crises, sonolência ou fadiga em 14%. Regressão psicomotora ocorreu em 1 paciente, movimentos coreicos em 2, hemiparesia transitória em 1, Estado de Mal Epiléptico em 1. A maioria dos efeitos colaterais foram de intensidade leve10. As principais aplicações terapêuticas do CBD ocorrem em casos de epilepsia, esclerose múltipla, câncer, dores crônicas, entre outras indicações. Existem relatos de melhora dos sintomas de outras doenças como Alzheimer, diabetes, doença de Crohn, hepatite C, incontinência urinária, osteoporose, AIDS, artrite, síndrome de Tourette, e glaucoma. Nos Transtornos psiquiátricos como Transtorno Bipolar, Psicose e Eszquizofrenia diminui a ansiedade, controla a insônia, agressividade e fobias2. Comercialmente os medicamentos são produzidos a partir do canabinóides. O importante é que, o medicamento produzido comercialmente, tenha uma proporção adequada de CBD e THC. A produção e comercialização do canabidiol não são autorizadas no Brasil. Atualmente a única alternativa para adquirir o CBD é importar o produto, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No dia 11 de dezembro de 2014 o Conselho Federal de Medicina autorizou o uso do Canabidiol para o tratamento de Epilepsias refratárias em crianças e adolescentes (ver a resolução no final do artigo). Os canabinóides agem nas sinapses em um complexo sistema de comunicação entre os neurônios, denominado de sistema endocanabinóide.. Estes receptores (CB1 e CB2) se ligam ao canabidiol e liberam uma substância chamada anandamida, que estabiliza as comunicações dos neurônios controlando as atividades elétricas do cérebro além de outras ações que afetam a emoção, o apetite, a sensibilidade à dor, a imunidade, a inflamação entre outras ações. Os efeitos colaterais são leves. Nos produtos em que a proporção de CBD e THC são controladas os efeitos colaterais são leves como sonolência, tontura, aumento ou diminuição do apetite e alguns sintomas gástricos como enjôo e mal-estar2. Pesquisas atuais No Brasil o Canabidiol é estudado há muito tempo para tratamento de enfermidades Psiquiátricas3. Nestes estudos com animais e humanos relatam os efeitos positivos para controle da Ansiedade, Epilepsia, Tabagismo, Psicose, dependência de maconha, Distúrbios do Sono e Transtorno Bipolar. Schubart e cols. realizaram uma revisão da literatura e concluíram que o CBD tem provado eficácia como agente anti-psicótico8. Na literatura atual (2013-2014) são relatados os seguintes estudos: 1-Enquete realizada com 19 pais de crianças com Epilepsia refratária (13 com Síndrome de Dravet, 4 com Síndrome de Doose, 1 com Síndrome de Lennox-Gastaut e 1 com Epilepsia Idiopática) em relação ao controle das 3- Estudo prospectivo com crianças e adultos jovens que apresentavam Epilepsia refratária aos antiepilépticos. Foi utilizada a dose inicial de CBD 5mg /kg/dia até dose máxima de 25 mg/kg/dia. Vinte e três pacientes foram tratados por pelo menos 3 meses. A idade média foi de 10 anos (3-26 anos). Os diagnósticos foram: Síndrome de Dravet (9), Síndrome de Doose (4), Síndrome de LennoxGastaut (3), Epilepsias Generalizadas (2), CDKL5 (2), Dup15q (1) e malformação cortical (1). Todos utilizavam em torno de 3 medicamentos antiepilépticos. Após 3 meses de terapia, 39% tinham redução de mais de 50% das crises, uma média de 32%. Controle total das crises ocorreu em 3 de 9 pacientes com Dravet e 1 dos outros 14 pacientes. Um paciente com Síndrome de Dravet apresentou piora importante das crises, único efeito grave do estudo. Clobazam foi reduzido devido interação com CBD, sonolência e sedação. Efeitos adversos ocorreram em mais de 78% dos pacientes, sendo os mais comuns sonolência e fadiga (57%). Outros efeitos foram diarréia, ganho ou perda do apetite que melhoraram com diminuição da dose do CBD. A grande maioria dos eventos foi de intensidade leve a moderada e foram transitórios. Nenhuma alteração laboratorial importante foi observada11. 4- Foram estudados cinco pacientes com Esclerose Tuberosa, idade entre 5 e 14 anos de idade com Epilepsia Grave, já submetidos ao uso de mais de 7 antiepilépticos e outras terapias. Dos 5 pacientes, 1 apresentou melhora de 77% das crises, em 2 controle de 97% e outro com 40%. Todas as crises eram de início focal. Três pacientes com comprometimento cognitivo apresentaram melhora da compreensão, atenção e fixação do olhar. Nenhum apresentou efeitos colaterais12. 5- Estudo realizado através de uma enquete com 53 pais de crianças com Síndrome de West ou Síndrome de Lennox-Gastaut que tinham utilizado CDB. Destes 92% referiram redução do número de crises com controle total em 13%. A dose média foi de 4 mg /kg/dia. 94% mantiveram o tratamento. Ressaltam poucos efeitos colaterais e uma alta proporção de melhora como melhora do sono (53%), atenção (77%) e humor (64%)13. 85 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Conclusões O canabidiol tem uma ação ampla de efeitos biológicos no Sistema Nervoso Central. Evidencias clínicas e experimentais provam sua ação antiepiléptica com poucos efeitos colaterais. A sua capacidade neuroprotetora e ação nas doenças neuropsiquiátricas mostra a sua utilidade na medicina moderna. O CDB não é um milagre para a cura da Epilepsia, mas uma opção terapêutica para os casos de Epilepsia resistente aos tratamentos atuais. Na literatura atual temos somente um estudo prospectivo com poucos pacientes. Muita pesquisa precisa ser feita para definir quais são os Síndromes Epilépticos que se beneficiam com CBD, a dose ideal da medicação, as interações medicamentosas, os efeitos colaterais e ainda mais, des- conhece-se o que este tratamento pode produzir a longo prazo no cérebro em desenvolvimento das crianças. Muito se necessita aprender respeito do CBD, apesar dele ser utilizado há muitos séculos. A Anvisa e o Conselho Federal de Medicina permite a importação do Canabidiol, porém ainda há uma demora para a aquisição e muitas vezes os pacientes ficam sem os medicamentos. Outro ponto é o valor alto da medicação importada. A necessidade de comprovação antes da autorização ser expedida é um fator complicador para a importação. A pesquisa clínica deve ser estimulada no Brasil para que se possa produzir o medicamento com preços mais acessíveis para os pacientes. O primeiro passo é que o CBD saia do rol das substäncias proibidas. Norma do Conselho Federal de Medicina Conselho Federal de Medicina libera uso compassivo do canabidiol no tratamento de epilepsia A regra autoriza o uso compassivo do canabidiol para crianças e adolescentes portadores de epilepsias refratárias a tratamentos convencionais. De acordo com a autarquia, não há evidências científicas robustas sobre a segurança e eficácia do canabidiol, estando vedada a prescrição da maconha in natura para uso medicinal no país, o que é ilegal. O uso compassivo do canabidiol (CBD), um dos 80 derivados canabinoides da cannabis sativa, foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para o tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes que são refratárias aos tratamentos convencionais. A decisão faz parte da Resolução CFM nº 2.113/2014, encaminhada para publicação no Diário Oficial da União (DOU) e apresentada em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (11). A regra, que detalha os critérios para emprego do CBD com fins terapêuticos no País, veda a prescrição da cannabis in natura para uso medicinal, bem como de quaisquer outros derivados, e informa que o grau de pureza da substância e sua apresentação seguirão determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O plenário do CFM apenas aprovou a Resolução 2.113/ 14 após profunda análise científica, na qual foram avaliados todos os fatores relacionados à segurança e à eficácia da substância. A avaliação de vários documentos confirmou que ainda não há evidências científicas que comprovem que os canabinóides são totalmente seguros e eficazes no tratamento de casos de epilepsia. Assim, a regra restringe sua prescrição de forma compassiva - às situações onde métodos já conhecidos não apresentam resultados satisfatórios. O uso compassivo ocorre quando um medicamento novo, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), pode ser prescrito para pacientes com doenças graves e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país. A decisão do CFM deverá ser revista em dois anos, quando serão avaliados novos elementos científicos. - O CFM age em defesa da saúde dos pacientes, o que exige oferecer-lhes abordagens terapêuticas confiáveis. No caso do canabidiol, até o momento, os estudos realizados em humanos têm poucos participantes e não são suficientes para comprovar sua segurança e efetividade. Diante desse quadro, é importante desenvolver urgentemente pesquisas que possam vir a fornecer evidências robustas, de acordo com as normas internacionais de segurança, efetividade e aplicabilidade clínica do CBD -, ressaltou o presidente do CFM, Carlos Vital Tavares Corrêa Lima. Cadastro em sistema - A Resolução ainda estabelece que apenas as especialidades de neurologia e suas áreas de atuação, de neurocirurgia e de psiquiatria estão aptas a fazer a prescrição do canabidiol, sendo que os médicos interessados em recomendá-lo devem estar previamente cadastrados em plataforma online desenvolvida pelos Conselhos de Medicina. Os pacientes que realizarem o tratamento compassivo com a substância também deverão ser inscritos no sistema. Esse cuidado permitirá o monitoramento do uso para avaliar a segurança e possíveis efeitos colaterais da medicação. Além de cadastrado, o paciente submetido ao tratamento compassivo com o canabidiol (ou seus responsáveis legais) deverá ser informado sobre os problemas e benefícios potenciais do tratamento. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) terá de ser apresentado e assinado pelos interessados. No documento, entre outros pontos, o paciente reconhece que foi informado sobre as possíveis opções de tratamento e que, de forma autônoma, optou pelo CBD. Também admite ciência de que o canabidiol não é isento de riscos ou agravos à saúde. Entre os efeitos indesejáveis mais conhecidos, até o momento, estão sonolência, fraqueza e alterações do apetite. Não são descartadas outras reações, como alergias. - Com a resolução, o CFM se manifesta defensor das pesquisas com quaisquer substâncias ou procedimentos para combater doenças, desde que regidos pelas regras definidas pelo Sistema de Ética em Pesquisa (CEP/ CONEP) e desenvolvidos em centros acadêmicos de pesquisa. A aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é fundamental como maneira de expressar o respeito à autonomia dos pacientes e de ressaltar as obrigações dos médicos e pesquisadores, salientou Emmanuel Fortes Cavalcante, 3º vice-presidente do CFM. Critérios para uso - Para serem submetidos ao tratamento com o canabidiol, os pacientes deverão preencher critérios de indicação e contraindicação. Isso permitirá o uso compassivo da substância em doses adequadas. A seleção levará em conta a resistência da criança ou do adolescente aos tratamentos convencionais, segundo definição proposta pela International League Against Epilepsy (ILAE). Em síntese, significa que no tratamento do trans- 86 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 torno tem havido falha de resposta com dois anticonvulsivantes tolerados e apropriadamente usados para alcançar remissão de crises de modo sustentado. - A epilepsia é um distúrbio cerebral que acomete em torno de 1% da população mundial, prejudicando gravemente a qualidade de vida e podendo provocar danos cerebrais, especialmente no período de desenvolvimento. Há indícios de que, dentre os pacientes refratários a tratamento, se encontra um grupo específico, correspondente às epilepsias da infância e da adolescência, tais como as encontradas nas Síndromes de Dravet, Doose e LennoxGastaut, explicou o 1º vice-presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro. O protocolo para uso do canabidiol prevê, ainda, que deverá ser utilizado em adição às medicações que o paciente vinha utilizando anteriormente. Ou seja, ele não deve substituir completamente outros medicamentos, devendo ser administrado de forma associada. A dose mínima, por via oral, será de 2,5 mg por quilo, divididas em duas vezes ao dia. O médico poderá ajustar a recomendação e aumentá-la, segundo os parâmetros previstos na Resolução CFM nº 2.113/14. O CFM recomenda que o médico assistente fique atento às possíveis interações medicamentosas com o uso do CBD. A autarquia determina também que, após a introdução do canabidiol, o profissional responsável deverá encaminhar ao Conselho Federal, por via eletrônica, relatório de acompanhamento com uma periodicidade de quatro a seis semanas (no primeiro ano) e de 12 semanas após esse período. Contribuição com debate - Com a publicação da Resolução nº 2.113/14, o CFM oferece importante contribuição ao debate quanto à liberação da importação do canabidiol, tema discutido no âmbito da Anvisa, que é a autoridade federal que registra produtos e substâncias para uso em pesquisa ou comercial, obedecendo a rigorosos critérios de segurança. O canabidiol circula entre as substâncias vetadas pela Agência, no Brasil. Em maio, uma reunião da Diretoria Colegiada da Anvisa se discutiu se o CBD seria retirado da lista de substâncias de uso proscrito para entrar na de substâncias de controle especial (comercializado com receita médica, em duas vias). Porém, um dos diretores pediu vistas do processo, adiando a decisão. Contudo, a Anvisa já permite a importação do CBD mediante prescrição e laudo médico, termo de responsabilidade e formulário de solicitação de importação para remédios controlados. Diferença com maconha - O canabidiol (CBD) é um dos 80 canabinóides presentes na planta cannabis sativa e não produz os efeitos psicoativos típicos da planta. Ou seja, não se pode confundir o uso medicinal de “canabinoides” com o uso do produto in natura. Por isso, na Resolução 2.113/14, o CFM veda sua prescrição para tratamento de doenças. Apesar da liberação do uso do canabidiol no país, o Conselho Federal de Medicina reitera sua posição contrária sobre a descriminalização e a legalização das cannabis indica e sativa - e seu consumo “recreativo”. Esta posição está alinhada com a postura da autarquia com relação às políticas de combate ao tabagismo e alcoolismo e ao seu compromisso com a defesa do bem estar de todos. - Nós, médicos, estamos preocupados com a da saúde da população. Existem substâncias da canabis sativa que têm propriedades medicinais, para essas nós somos favoráveis que sejam pesquisadas em centros adequados. Não apoiamos a liberação para uso recreativo, pois sabemos o tanto que substâncias psicoativas fazem mal à saúde -, defende o psiquiatra Salomão Rodrigues, conselheiro federal por Goiás. Confira os principais destaques da Resolução CFM nº 2.113/14 - Aprovação: Está autorizado o uso compassivo do canabidiol no tratamento de epilepsias em criança e adolescentes que sejam refratárias aos tratamentos convencionais. - Restrito aos especialistas: Apenas as especialidades de neurologia e suas áreas de atuação, de neurocirurgia e de psiquiatria poderão prescrever o canabidiol. - Cadastro: Os médicos prescritores deverão ser previamente cadastrados em plataforma online criada pelo Conselho Federal de Medicina para este fim. O mesmo deverá ocorrer com os pacientes. - Pré-requisito: Para receber a prescrição, o paciente necessita preencher os critérios de indicação e contraindicação para inclusão no uso compassivo. - Acompanhamento: Os pacientes submetidos ao tra- tamento com o canabidiol deverão ser acompanhados, de acordo com relatórios enviados pelos médicos prescritores. - Esclarecimento: Os pacientes, ou seus responsáveis legais, deverão ser informados sobre os riscos e benefícios potenciais e assinar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). - Proibição: A regra veda a prescrição da cannabis in natura para uso medicinal, bem como quaisquer outros derivados, que não o canabidiol. O grau de pureza da substância e sua apresentação seguirão determinações da Anvisa. - Revisão: A decisão do CFM deverá ser revista em dois anos, quando serão avaliados novos elementos científicos. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 87 Referências Bibliográficas 1. Abel EL. Marihuana, the first twelve thousand years. New York, NY: Plenum Press; 1980. 2. Devinsky O, Cilio MR, Cross H e cols.. Cannabidiol: pharmacology and potential therapeutic role in epilepsy and other neuropsychiatric disorders. Epilepsia. 2014 Jun; 55(6):791802. 8. Schubart CD, Sommer IE, Fusar-Poli P e cols. Cannabidiol as a potential treatment for psychosis Eur Neuropsychopharmacol. 2014; 24(1):51-64. 9. Porter BE, Jacobson C. Report of a partent survey of cannabidiol-enriched cannabis use in pediatric treatmentresistantant epilepsy. Epilepsy Behav; 2013; 29(3): 574-7. 3. Zuardi AW, Crippa JA, Hallak JE e cols.. A critical review of the antipsychotic effects of cannabidiol: 30 years of a translational investigation. Braz J Med Biol Res. 2006 Apr; 39(4):421-9. 10. Press C, Knupp K, Chapman K . Parental reporting of response to oral cannabis extract as adjunctive treatment for medically refractory Epilepsy. https://www.aesnet.org/ meetings_events/annual_meeting/general_info,2014 4. Fusar-Poli P, Crippa JA, Bhattacharyya S, e cols.. Distinct effects of {delta}9-tetrahydrocannabinol and cannabidiol on neural activation during emotional processing. Arch Gen Psychiatry 2009;66:95–105. 11. Devinsky O, Sullivan J, Friedman D e cols. Efficacy and safety of Epidiolex (Cannabidiol) in children and young adults with treatament- resistant Epilepsy: Initial data from an expanded access program. https://www.aesnet.org/ meetings_events/annual_meeting/general_info,2014. 5. Crippa JA, Zuardi AW, Hallak JE. Therapeutical use of the cannabinoids in psychiatry]. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2010;32 Suppl 1:S56-66. 6. Zuardi AW, Crippa JA, Hallak JE e cols. A critical review of the antipsychotic effects of cannabidiol: 30 years of a translational investigation. Curr Pharm Des. 2012; 18(32):513140. 7. Dos Santos RG, Hallak JE, Leite JP e cols. Phytocannabinoids and Epilepsy. J Clin Pharm Ther. 2014; doi: 10.1111/jcpt.12235. 12. Geffrey A., Pollack S, Jan Paolini J e cols.Cannabidiol (CBD) treatment for refractory Epilepsy in Tuberous Sclerosis Complex (TSC).https://www.aesnet.org/meetings_events/ annual_meeting/general_info,2014. 13. Zhou R, Jacobson C, Weng J e cols. Potential Efficacy of Cannabidiol for treatment of refractory Infantile Spasms and Lennox-Gastaut Syndrome. https://www.aesnet.org/ meetings_events/annual_meeting/general_info,2014. 88 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 RELATO DE CASO RELATO DE CASO: HIPERPLASIA SUPRARRENAL CONGÊNITA CLÁSSICA, PERDEDORA DE SAL CASE REPORT: CONGENITAL ADRENAL HYPERPLASIA, CLASSIC FORM Emanuella Stella Mikilita 1, Fernanda Henriques Camelo1, Fernanda Schier de Fraga 1, Jeferson Zanovelli Nalevaiko 1, Lucimary de Castro Sylvestre2 Resumo A hiperplasia suprarrenal congênita (HSC) é resultado de um erro no metabolismo dos esteroides, de caráter autossômico recessivo e transmitido geneticamente. A deficiência da enzima 21-hidroxilase é a forma mais comum da doença, que tem duas apresentações principais, sendo a forma clássica a mais abordada no presente relato de caso por se tratar da manifestação das pacientes descritas. O interesse deste artigo é apresentar a história de duas irmãs acometidas por HSC na forma clássica perdedora de sal, forma mais grave da doença, alertando sobre a importância do diagnóstico precoce na redução da morbidade e aumento da qualidade de vida dos pacientes portadores desta enfermidade. Palavras-chave: Hiperplasia suprarrenal congênita, esteroide 21-hidroxilase, virilismo. Abstract Congenital adrenal hyperplasia is the result of an error in steroids metabolism, a genetically transmitted autosomal recessive disease. 21-hydroxylase enzyme deficiency is the most frequent manifestation, which has two main features. The classic form is more discussed in this case report because it is the manifestation of the patients described. The objective of this paper is to present the story of two sisters affected by classic salt-wasting congenital adrenal hyperplasia, the most severe form of the disease, warning about the importance of early diagnosis in morbidity reduction and how to improve quality of life to these patients. Key words: Adrenal hyperplasia, Congenital, steroid 21-hydroxylase, virilism. Introdução A hiperplasia suprarrenal congênita (HSC) é uma doença autossômica recessiva que acomete 1 em cada 10.000 a 20.000 nascimentos1,2. Em 95% dos casos é causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase (21-OH), relacionada com o gene CYP21A23. O risco de recorrência entre irmãos de pais heterozigotos é de 25%1. A doença é classificada em duas formas clínicas: a clássica, subdividida em perdedora de sal e virilizante simples; e a não clássica. Na forma clássica virilizante simples há produção deficiente de cortisol e aumento de andrógenos desde o início da gestação, e consequente virilização. Pode ocorrer aumento de clitóris e pênis, pubarca precoce, avanço da idade óssea e prejuízo na estatura final1,3-6. Na forma perdedora de sal ocorre ainda uma deficiência grave da produção de aldosterona, com desidratação hiponatrêmica e hipercalêmica nos primeiros 30 dias de vida, e risco de choque e óbito1,3. O tratamento da HSC é baseado na reposição de glicocorticoides e mineralocorticoides7-9, e idealmente deve ser instituído precocemente10. O presente relato apresentará os casos de duas irmãs acometidas por HSC – forma clássica perdedora de sal. O objetivo é alertar sobre a dificuldade diagnóstica, a importância do diagnóstico precoce e a multidisciplinaridade envolvida no estudo desta enfermidade. 1. Acadêmicos do 12º período do curso de medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Serviço de Nefrologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba-Paraná. 2. Médica Nefrologista Mestre em Ciências da Saúde - Serviço de Nefrologia do Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba – Paraná. Professora auxiliar da Disciplina de Pediatria da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba-Paraná. FHC: Alameda Dom Pedro II, 332 ap. 64 Telefone: (41) 9981-8989 Batel 80420-060 e-mail: [email protected] Curitiba-PR Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Relatos dos casos Caso 1: KIC, 18 anos, sexo feminino, natural e residente de Foz do Iguaçu - Paraná. Sem intercorrências durante o período gestacional. Nasceu de parto normal e apresentou genitália ambígua ao nascimento. Realizado exame de cariótipo que demonstrou tratar-se do sexo feminino. Aos 3 meses iniciou com quadros de diarreia, vômito, anorexia e dispneia, sendo internada em estado de desidratação grave, e recebendo apenas tratamento de suporte. Após repetidas crises de desidratação, aos 6 meses de idade a paciente foi diagnosticada com HSC, forma perdedora de sal. Realizou cirurgia para abertura do canal vaginal aos 10 meses de idade, ampliação do canal vaginal aos 6 anos, vaginoplastia aos 11 anos e sucessivas dilatações vaginais. Aos 7 anos apresentou sinais de puberdade precoce (telarca e pubarca), tendo feito uso de análogo de LHRH. Apresentava idade óssea de 11 anos na ocasião. Menstruou aos 11 anos após indução hormonal, com irregularidade menstrual desde então. Nunca teve relações sexuais. Diagnóstico de hipertensão arterial em setembro de 2011, fazendo uso de Enalapril 10 mg/dia para adequado controle pressórico. Atualmente sem necessidade de uso de anti-hipertensivos. Pai e mãe saudáveis, não consanguíneos. Tem duas irmãs mais jovens, uma de 15 anos, saudável, e outra de 9 anos também diagnosticada com HSC (caso 2). Apresenta obesidade abdominal importante; não tem cuidados com a alimentação e faz hidroginástica 3 vezes por semana. Peso: 105 Kg, altura: 1,45 m (z-escore -2,79), IMC: 49,9 Kg/m2 (z-escore +2,53). A pressão arterial aferida na última consulta foi de 120x80 mmHg. Caso 2: AC, 9 anos, sexo feminino, natural e residente de Foz do Iguaçu - Paraná, irmã da paciente do caso 1. Prénatal de alto risco por suspeita de feto com HSC. Nasceu com 38 semanas, com hiperpigmentação da pele e genitália ambígua – figura 1, sendo encaminhada para a UTI neonatal para investigação clínica, com confirmação de HSC ainda na maternidade, o que possibilitou um tratamento precoce. Apresentou algumas crises adrenais até ajuste de medicação. Realizou a primeira cirurgia para genitália ambígua com 1 ano de idade – figura 2, seguida de vaginoplastia aos 4 anos. Com 7 anos também apresentou sinais de puberdade precoce e no momento em uso de análogo de LHRH, apresentando uma idade óssea no momento do diagnóstico de 11 anos. Diagnosticada com hipertensão arterial grave com 1 ano e 6 meses, tendo usado Nifedipino 10 mg/dia, até abril de 2013. Melhora nos índices pressóricos com a diminuição da dose do mineralocorticoide. Paciente ativa, pratica atividade física regularmente. Peso: 28 Kg (z-escore -0,22), altura: 1,41 m (z-escore +1,23), IMC: 14,1 Kg/m2 (z-escore -1,37). A pressão arterial aferida na última consulta foi de 90x60 mmHg. Comentários A forma perdedora de sal da HSC corresponde a 75% dos casos da forma clássica5. A deficiência na produção de cortisol e de mineralocorticoides dificulta o balanço eletrolítico do organismo. As formas clássicas da HSC condicionam virilização no recém-nascido do sexo feminino, pelo excesso de andrógenos, com a presença de genitália ambígua ao nascer e consequente dificuldade e erros na definição sexual, como ocorrido nos casos relatados 1,3,5. 89 A literatura também mostra que a estatura final dos pacientes com HSC costuma ser abaixo da estatura da população geral e abaixo do esperado pelo canal familiar. A paciente do caso 1 apresenta baixa estatura para a idade (z-score de -2,79), e apesar da paciente do caso 2 estar com a altura adequada para a idade, ela já apresenta idade óssea avançada, o que poderá ocasionar também uma baixa estatura final. O melhor crescimento apresentado nos trabalhos foi encontrado em pacientes com bom controle laboratorial da 17-OHP e da androstenediona, e pacientes com a forma perdedora de sal7,8,11. O diagnóstico da HSC não é simples. Informações essenciais: consanguinidade entre os pais, existência de casos semelhantes na família ou história de falecimento inexplicável de irmãos nos primeiros meses de vida. No momento da identificação da genitália ambígua na menina, pode ser realizado um cariótipo, que será normal (46,XX)6. A forma perdedora de sal, em especial deve ser rapidamente diagnosticada, pois confere risco imediato de vida à criança, manifestando-se geralmente em forma de crise adrenal, ainda na primeira semana de vida6,12. A paciente do caso 1 apresentou crise adrenal com 1 mês de vida. A irmã do caso 2 também apresentou crises adrenais até o ajuste correto das doses dos medicamentos. O diagnóstico definitivo da forma clássica é através do aumento da 17-OHP basal sérica superior a 60 ng/ ml13, o que foi identificado em ambos os casos relatados. Em caso de dúvida diagnóstica, a dosagem também pode ser realizada 60 minutos após a estimulação com ACTH (0,25 mg endovenoso), demonstrando níveis superiores a 1000-1500 ng/dl12,14. A triagem neonatal para HSC é realizada pela dosagem do metabólito 17-OHP em papel-filtro, preferencialmente entre o 2º e 4º dias de nascimento2,15,16, e é de extrema importância uma vez que se trata de uma doença relativamente comum, e que se não tratada resulta em uma significativa morbidade e mortalidade. O rastreio é fundamental para crianças do sexo masculino que nascem sem ambiguidade genital e para as do sexo feminino com virilização completa, uma vez que essas crianças não são diagnosticadas rapidamente apenas pela avaliação clínica. Estudos tem mostrado que os lactentes diagnosticados pela triagem neonatal apresentam quadros de hiponatremia menos significativos17. Ainda não há consenso na indicação do diagnóstico e tratamento pré-natal da HSC, considerado experimental e reservado para fins de pesquisas18. O objetivo é evitar a ambiguidade genital nos indivíduos do sexo feminino, sem evidências de benefícios para o sexo masculino. Visto que a virilização da genitália externa pelos andrógenos ocorre entre 6-8 semanas de gestação, a realização de biópsia das vilosidades coriônicas e a amniocentese são métodos diagnósticos possíveis, mas realizados tardiamente em relação à virilização5,19,20. Nesse contexto, todas as gestações de risco para HSC deveriam receber tratamento, apesar de apenas um em cada quatro fetos ser afetado (doença autossômica recessiva). Além disso, apenas metade dos fetos afetados serão do sexo feminino. Assim, o tratamento é potencialmente benéfico para apenas um em cada oito fetos18. Um dos protocolos existente para o tratamento pré-natal consiste em dexametasona 20 mcg/Kg de peso pré-gestacional materno por dia, via oral, em 3 doses (máximo 1,5 mg/dia), após a 7ª semana de gestação20-22. 90 No período pós-natal a medicação de escolha em crianças é a hidrocortisona, na dose de 10 a 15 mg/m2/dia, com objetivo de suprimir os andrógenos adrenais e ter pouca influência no crescimento18. Adolescentes e adultos são tratados com doses baixas de prednisona (5-7,5 mg/dia) ou dexametasona (0,25-0,5 mg/dia)6,18,23. Para a crise de perda de sal o tratamento adequado consiste em hidratação com reposição de sódio (1 a 2 g/dia) e na administração de fludrocortisona (mineralocorticoide), dose de 0,05 a 0,2 mg/dia, em uma ou duas tomadas17,18. Nos casos apresentados, as duas pacientes foram diagnosticadas com hipertensão arterial. A paciente do caso 2 apresenta inclusive lesão de órgão-alvo (hipertrofia ventricular). A hipertensão arterial, no entanto, não está relacionada à deficiência de 21-OH, mas é característica da HSC ocasionada por deficiência de 11-B-hidroxilase24. Figura 1. Genitália ambígua – paciente do caso 2 ao nascimento. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 A ocorrência da hipertensão arterial no paciente com HSC por deficiência de 21-OH pode ocorrer devido à reposição de doses elevadas de mineralocorticoide, como observado na paciente do caso 2, que após a diminuição da dose do medicamento teve melhora dos seus índices pressóricos14. O perfil emocional e o desenvolvimento psicossexual dos pacientes com HSC deve sempre ser considerado. Apesar de aproximadamente 71% das mulheres com HSC apresentarem algum problema psicossexual, apenas 17% procura aconselhamento profissional. Uma abordagem multidisciplinar sob as múltiplas facetas que essa condição impõe deve satisfazer todas as necessidades desse paciente, sejam elas médicas, cirúrgicas ou psicológicas21,22. Figura 2. Genitália da paciente do caso 2 após a primeira cirurgia. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 91 Referências Bibliográficas 1. Bento LR, Ramos CCA, Gonçalves EM, et al. Hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21 hidroxilase, forma clássica: estudo da frequência em famílias de indivíduos afetados. Rev. Paul. Pediatr. 2007; 25(3): 202-6. 13. Bachega TASS, Billerbeck AEC, Parente EB, et al. Estudo multicêntrico de pacientes brasileiros com deficiência da 21hidroxilase: correlação do genótipo com o fenótipo. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2004; 48(5): 697-704. 2. Barra CB, Silva IN, Pezzuti IL, et al. Triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita. Rev. Assoc. Med. Bras. 2012; 58(4): 459-64. 14. Brasil – Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas – medicamentos excepcionais. Hiperplasia adrenal congênita. 2012. Portaria SAS/MS nº 849. 3. Mello MP, Bachega TASS, Costa-Santos M, et al. Bases moleculares da hiperplasia adrenal congênita. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2002; 46(4): 457-77. 15. Van Der Kamp HJ, Wit JM. Neonatal screening for congenital adrenal hyperplasia. Eur. J. Endocrinol. 2004; 151: 71-5. 4. Fontes N, Pereira M, Nascimento M, et al. Hiperplasia congénita da suprarrenal por deficiência de 21-hidroxilase: correlação genótipo-fenótipo. Rev. Port. Endocrinol. Diabetes Metab. 2012; 7(2): 8-12. 5. Vieira A, Paiva S, Baptista C, et al. Hiperplasia congénita da supra-renal de expressão tardia por deficiência de 21hidroxilase. Acta Med. Port. 2011; 24(1): 99-110. 16. Cardoso CBMA, Fonseca AA, Oliveira MFS, et al. Triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita: experiência do estado do Rio de Janeiro. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2005; 49(1): 112-9. 17. Trapp CM, Speiser PW, Oberfield SE. Congenital adrenal hyperplasia: an update in children. Curr. Opin. Endocrinol. Diabetes Obes. 2011; 18(3): 166–70. 6. Lima CA, Monteiro DLM, Sousa WR. Hiperplasia congênita se suprarrenal por deficiência de 21-hidroxilase: relato de caso. Adolesc. Saúde. 2009; 6(4): 53-60. 18. Speiser PW, Azziz R, Baskin LS, et al. Congenital adrenal hyperplasia due to steroid 21-hydroxylase deficiency: an endocrine society clinical practice guideline. J. Clin. Endocrinol. Metab. 2010; 95(9): 4133-60. 7. Mendes-dos-Santos CT, Lemos-Marini SHV, Baptista MTM, et al. Crescimento de pacientes com hiperplasia congênita das supra-renais, forma perdedora de sal, nos dois primeiros anos de vida. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2009; 9(4): 415-21. 19. Lajic S, Nordenström A, Ritzén EM, et al. Prenatal treatment of congenital adrenal hyperplasia. Eur. J. Endocrinol. 2004; 151: 63-9. 8. Mendes-dos-Santos CT, Lemos-Marini SHV, Baptista MTM, et al. Normalização da estatura e excesso de adiposidade corporal em crianças com a forma perdedora de sal da deficiência da 21-hidroxilase. J. Pediatr. 2011; 87(3): 263-8. 9. Oliveira LMB, Faria Junior JAD, Nunes-Silva D, et al. Valores elevados de leptina e LDL colesterol em pacientes com hiperplasia adrenal congênita bem controlados. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2013; 57(5): 354-9. 10. Telles-Silveira M, Tonetto-Fernandes VF, Schiller P, et al. Hiperplasia adrenal congênita: estudo qualitativo sobre doença e tratamento, dúvidas, angústias e relacionamentos (parte I). Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2009; 53(9): 1112-24. 11. Ramos CCA, Bento LC, Gonçalves EM, et al. Avaliação do crescimento, do controle laboratorial e da corticoterapia em um grupo de pacientes com a forma clássica da deficiência da 21-hidroxilase. Rev. Paul. Pediatr. 2007; 25(4): 317-23. 12. Borges T. Formas clássicas. Nascer Crescer. 2012; 21(3): 179. 20. New MI, Carlson A, Obeid J, et al. Prenatal diagnosis for congenital adrenal hyperplasia in 532 pregnancies. J. Clin. Endocrinol. Metab. 2001; 86(12): 5651-7. 21. Lajic S, Wedell A, Bui T-H, et al. Long-term somatic followup of prenatally treated children with congenital adrenal hyperplasia. J. Clin. Endocrinol. Metab. 1998; 83(11): 3872-80. 22. Forest MG. Recent advances in the diagnosis and management of congenital adrenal hyperplasia due to 21hydroxylase deficiency. Hum. Reprod. Updat. 2004; 10(6): 469-85. 23. Bachega TASS, Madureira G, Brenlha EML, et al. Tratamento da hiperplasia supra-renal congênita por deficiência da 21-hidroxilase. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. 2001; 45(1): 6472. 24. Tosatti Júnior R, Souza HS, Tosatti A. Hiperplasia suprarenal congênita por deficiência de 11-?-hidroxilase. Arq. Bras. Cardiol. 2005; 85(6): 421-4. 92 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 RELATO DE CASO DOENÇA DE KAWASAKI - UM CASO ATÍPICO KAWASAKI DISEASE - AN ATYPICAL CASE Eduarda Bombonatto da Silva1, Danielle Corrêa de Andrade1, Bruna Piccinin Lazzaretti1, Herberto Jose Chong Neto2, Márcia Bandeira3 Instituição vinculada: Universidade Positivo. Resumo Objetivo: relato de caso e revisão da literatura enfatizando a dificuldade diagnóstica da Doença de Kawasaki diante de um caso incompleto ou atípico. Resultados: essa vasculite deve ser considerada sempre que a criança apresentar febre persistente e rash cutâneo. Os fatores que podem cursar com atraso diagnóstico são: especialidade do médico que realizou o atendimento, e o fato de pacientes com diagnóstico tardio receberem antibiótico para outras doenças, além da apresentação atípica ou inicialmente incompleta da doença. Discussão: o caso clínico apresentado mostrou essa dificuldade, pois o paciente não apresentou todos os critérios clássicos, além de ter sintomas incomuns à afecção. Essa dificuldade não é uma realidade incomum, o que leva a um tratamento tardio ou não instituído adequadamente, aumentando o risco de aneurismas coronarianos. Palavras-chave: Doença de Kawasaki, vasculite, doença exantemática, diagnóstico. Abstract Objective: case report and review of scientific papers aimed to emphasize the difficulties in diagnosing Kawasaki Disease facing an atypical or incomplete case. Results: this vasculitis should always be considered when a child presents persistent fever and skin rash. Factors that may contribute with delayed diagnosis are: specialty doctor who performed the primary service, the fact that patient with late diagnosis receives antibiotics for other diseases, as well as atypical or incomplete initially disease. Discussion: this case report showed that difficulty, since the patient did not have all the classic criteria, apart from having unusual symptoms to the disease. This difficulty is not an uncommon reality, which leads to a delayed treatment or not set properly, increasing the risk of coronary aneurysms. Key words: Kawasaki disease, vasculitis, rash illness, diagnosis. 1. Acadêmicas de Medicina, Universidade Positivo. 2. Professor Adjunto de Pediatria, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Medicina da Universidade Positivo. 3. Professora de Pediatria do curso de Medicina da Universidade Positivo. Médica responsável pelo setor de Reumatologia do Hospital Pequeno Príncipe. EBS: Rua Marquês do Paraná, 618 Telefone: (41) 3018-5882 Água Verde 80620-210 e-mail: [email protected] Curitiba-PR 93 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Introdução A Síndrome ou Doença de Kawasaki (DK), é uma vasculite sistêmica da infância, de causa desconhecida1, que acomete 85% das crianças com menos de 5 anos de idade2,3 e 50% abaixo de 2 anos1, sendo pouco freqüente abaixo dos 6 meses ou após os 8 anos de idade, trazendo mais prejuízos nessas faixas etárias. A prevalência é maior em crianças do gênero masculino (1,5 – 1,7/1) e em pacientes com descendência japonesa. Contudo, atualmente acomete toda faixa pediátrica nas Américas, Europa e Ásia. A etiologia da doença permanece desconhecida, porém características clínicas e epidemiológicas sugerem várias hipóteses, dentre elas exposição a agentes infecciosos, estimulação imunológica por superantígenos bacterianos e resposta imune exagerada a secreção de IgA25 . É diagnóstico diferencial de várias doenças exantemáticas da infância, e deve ser suspeitada em crianças com febre persistente há cinco dias com pelo menos quatro critérios clínicos clássicos, descritos pela American Heart Association 6: Hiperemia conjuntival bilateral, bulbar, não supurativa; alteração na mucosa oral ou lábios (eritema de orofaringe, fissuras labiais, descamação, língua em framboesa ou morango); alteração de extremidades: eritema e edema de palmas e plantas, descamação em ponta de dedos (descamação em dedo de luva); exantema polimorfo, sem vesículas; adenomegalia cervical maior que 1,5cm. Se houver acometimento de coronárias, o diagnóstico pode ser feito com apenas três parâmetros e febre. Além dessas características clínicas, devem ser excluídas outras doenças que apresentem o mesmo quadro clínico4,7. A DK apresenta uma evolução trifásica: aguda, subaguda e de convalescença. Alguns autores consideram uma quarta fase, denominada crônica. Na fase aguda, com duração de uma a duas semanas, ocorre febre e os outros sinais clássicos descritos acima. A fase subaguda, com duração de seis a oito semanas, inicia-se quando a maioria dos sinais de fase aguda cede, porém a irritabilidade, anorexia e conjuntivite permanecem. Ocorre a descamação periungueal, a trombocitose e a formação de aneurismas, tendo o risco de morte súbita. A fase de convalescença, seis a oito semanas após o início do quadro febril, é quando todos os sinais clínicos desaparecem e tem duração até a normalização do VHS2-4. A doença pode ser classificada em uma forma clássica completa, quando apresenta o quadro clínico descrito acima, e uma forma clássica incompleta, quando não apresenta todas as manifestações necessárias para confirmar o diagnóstico. O termo atípico é utilizado quando o paciente apresenta sinais e sintomas que não são comumente vistos nesta doença, como meningite asséptica, pneumonia, sintomas de abdome agudo cirúrgico entre outras2,4. Tanta forma clássica quanto a forma incompleta e a atípica podem apresentar acometimento de coronárias. Apesar de não apresentar um teste sorológico específico para o diagnóstico, alguns achados laboratoriais são sugestivos da DK como, por exemplo, trombocitose que surge mais tardiamente. Na fase aguda ocorre leucocitose com desvio à esquerda, e elevação das provas de atividade inflamatória (PCR, VHS e alfa-1-glicoproteína). Outros exames laboratoriais podem apresentar-se elevados, porém não são relevantes para o diagnóstico da doença7,8. O tratamento na fase aguda é realizado com a administração de uma dose alta de imunoglobulina intravenosa (2g/kg infundidos num período de 10 a 12 horas), associada à aspirina (80 a 100mg/kg/dia em 4 tomadas diárias). Para pacientes que desenvolveram sequelas, deve ser administrado continuamente o antiagregante plaquetário para prevenir a formação de trombos em locais de aneurisma4. Relato de Caso Paciente do sexo masculino, dois anos de idade, atendido em hospital infantil, com história de febre há cinco dias, que cedia ao uso de antitérmico. Apresentava coriza e tosse, dor abdominal e diarreia liquida sem sangue, muco ou pus. Há quatro dias do internamento apresentou rash eritematoso difuso, com remissão no período da admissão e há dois dias do internamento apresentou hiperemia de mucosa oral e conjuntival. Durante o período, fez uso de amoxicilina, sulfametoxazol + trimetropim, ibuprofeno e repositor de flora intestinal. Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, desidratado +/4, choroso, irritado, taquipnéico, taquicárdico, afebril. Havia hiperemia conjuntival bilateral, não exsudativa na oftalmoscopia. Apresentava enantema de mucosa labial, gengiva friável, língua com hiperemia discreta. Coriza hialina à rinoscopia e microadenopatia cervical. O paciente foi internado com diagnóstico inicial de gastroenterite e suspeita de DK incompleta. Foi iniciado antibioticoterapia com ceftriaxona 100mg/kg/dia. Os exames iniciais mostraram leucocitose com desvio à esquerda (leucócitos = 14.600/mm3, bastonetes=34%) e elevação das provas de atividade inflamatória (VHS = 62 mm; PCR = 267,8 mg/ml). O ecocardiograma foi normal. No primeiro dia de internamento foi suspenso a antibioticoterapia e mantido apenas medicações para controle dos sintomas. No segundo dia, o paciente persistiu apresentando hipertermia, e foram solicitados novos exames laboratoriais (Hb= 10,1g/dL; VG=31,9%; leucócitos= 10.500/mm3; bastonetes 11%; VHS= 49mm; PCR 147,4 mg/ ml). Ao terceiro dia persistia com hipertermia, sendo prescrito AAS 100mg/kg/dia a cada 6 horas. No quarto dia o paciente apresentou melhora da febre, sendo suspenso o AAS. No quinto dia permaneceu afebril, foi solicitado hemograma, PCR e VHS (Hb=10,7g/dL; VG=32,7%; plaquetas=592.000/uL; leucócitos=11.600/mm 3; bastonetes 12%; VHS: 60mm; PCR: 52,1g/dl). No sexto dia permaneceu afebril recebendo alta hospitalar. Retornou ao Pronto-Atendimento dez dias após o início do quadro apresentando há um dia descamação em ponta de dedos. Foi encaminhado para os serviços da reumatologia e cardiologia e solicitado novo ecocardiograma que estava dentro dos limites de normalidade. Retornou ao ambulatório da cardiologia e ambulatório da reumatologia assintomático. Discussão A DK deve ser suspeitada sempre que a criança apresentar febre persistente e rash cutâneo. O alto índice de erro ou atraso diagnóstico dessa doença é decorrente de diversos fatores. Tendo em vista um quadro mais amplo, as vasculites possuem uma classificação baseada em manifestações clínicas em adultos o que dificulta o diagnóstico na pediatria. Além disso, no início da doença as manifestações são inespecíficas (febre, elevação dos reagentes 94 de fase aguda, mal-estar, dor abdominal, etc) e com a evolução do quadro e progressão da vasculite começam a surgir sinais mais específicos da doença como: evidências clínicas, laboratoriais e auto-imunes10. Além de todas essas dificuldades a doença apresenta como agravante da inespecificidade da histopatologia, que é utilizada como padrão-ouro em outras vasculites. Outros fatores que cursam com o atraso diagnóstico são: especialidade do médico que realizou o atendimento, pacientes com diagnóstico tardio geralmente recebem antibiótico para outras doenças, o que atrasa a identificação da DK10,11. O paciente relatado foi atendido previamente ao internamento onde foram receitados dois antibióticos (sulfametoxasol+trimetropim e amoxacilina), o que pode retardar o diagnóstico de DK, pois é necessário aguardar pelo menos 48 horas para se observar resposta terapêutica ou mudar de conduta3,6. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 Como não existe critério satisfatório para identificar as crianças com risco de desenvolver aneurismas coronarianos, todas devem ser tratadas no diagnóstico. Uma vez que a etiopatogenia não está esclarecida os objetivos gerais do tratamento são: redução da vasculite, principalmente nas coronárias, minimizar o surgimento ou progressão de aneurismas e prevenir trombose arterial pela redução na agregação plaquetária. O controle da inflamação é feito com imunoglobulina EV (2g/kg dose única, infundida entre 10-12 horas), o que reduz para menos de 5% a taxa de formação de aneurismas. Além disso, é prescrito AAS (50-100 mg/kg/dia 6/6 horas), para reduzir o risco de formação de trombos. É preconizado que se inicie o tratamento até o décimo dia após o início da febre, para prevenção de complicações9,10. Um estudo realizado em um hospital pediátrico no Colorado (EUA) mostrou que 95% dos pacientes procuraram ajuda médica nos primeiros cinco dias de doença, porém apenas 5 dos 106 pacientes foram diagnosticados com DK. A média de dias para chegar ao diagnóstico correto foi 8,5. O diagnóstico tardio da doença (>10 dias de febre) deu-se, pois essas crianças apresentaram quadro clínico incompleto ou o médico que realizou o atendimento usou apenas um dos sinais ou aspectos da doença para fazer o diagnóstico11. O tratamento preconizado não foi instituído no paciente em questão, uma vez que, o diagnóstico de DK não foi confirmado. O AAS foi administrado devido a picos febris muito altos, refratários ao uso de antitérmicos e não dose antiagregante plaquetária. O fato do paciente não ter recebido imunoglobulina EV, aumenta os riscos de aneurisma coronariano para 35%, devendo fazer acompanhamento com ecocardiograma. Esse exame foi realizado duas vezes, durante o internamento e um mês após o retorno no PA. Ambos vieram dentro dos padrões de normalidade, sem presença de dilatações ou aneurismas coronarianos. A DK pode se apresentar de maneira incompleta ou atípica, retardando ainda mais o tratamento. O paciente do caso clínico descrito apresentou sintomas atípicos da doença como coriza, dor abdominal e diarréia, além de uma febre que cedia ao uso de antitérmicos (incomum na DK clássica). Ao exame físico, não preencheu os quatro critérios necessários para o quadro clássico, apresentando apenas hiperemia conjuntival bilateral, não-exudativa, enantema de mucosa labial e microadenopatia cervical (geralmente apresenta-se como nódulo cervical unilateral com 15mm de diâmetro ou mais). Apesar dos novos conhecimentos obtidos sobre a DK e vários fatos terem sido elucidados, muitos dilemas permanecem não resolvidos. Além disso, a maioria das crianças apresenta um quadro inespecífico, incompleto ou atípico no início da doença dificultando o diagnóstico precoce. O caso clínico apresentado mostrou essa dificuldade, pois o paciente não apresentou todos os critérios clássicos, além de ter sintomas incomuns à afecção. Essa dificuldade não é uma realidade incomum, o que leva a um tratamento tardio ou não instituído adequadamente, aumentando o risco de aneurismas coronarianos. Referências Bibliográficas 1. Rowley, A.H.; Sbulman, S.T. Doença de Kawasaki. In: Nelson, W.E.; Kliegman, R. NELSON: Tratado de Pediatria, 2009. Cap. 156, p.870. 2. Ramos, R. C. Doença de Kawasaki: doença rara ou mal diagnosticada? 2007. 44 f. Monografia de conclusão de Residência Médica (Título de Especialista) – Hospital Regional da Asa Sul, Brasília, 2007. 3. Castro, P.A; Costa, I.M.C; Urbano, L.M.F. Doença de Kawasaki. Anais Brasileiro de Dermatologia, 2009, vol.84, p.317-331. 4. Rangel, M.A.P.S.T. Doença de Kawasaki: diagnóstico e seguimento. 2011. 45 f. Tese de Mestrado - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto, Portugal, 2011. 5.Almeida, R.G; Goldenzon, A.V; Rodrigues, M.C.F; Sztajnbok, F.R; Elsas, M.I.C.G; Oliveira, S.K.F. Perfil da doença de Kawasaki em crianças encaminhadas para dois serviços de reumatologia pediátrica do Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Reumatologia, 2010, vol.50, p.529-538. 6. Sakane, P.T. Controvérsias no tratamento da Doença de Kawasaki. Revista Pediatria (São Paulo), 2003, vol. 25, pg. 138-139. 7. Tomikawa, S.O; Sakamoto, R.A; Gonçalves, A.M.F; Neto, A.J.R; Sakane, P.T. A dificuldade diagnóstica na doença de Kawasaki: relato de caso. Revista Pediatria (São Paulo), 2003, vol. 25, pg 128-133. 8. Dajani, A.S; Chairman, K.A.T; Gerber, M.A; Shulman, S.T; Ferrieri, P; Freed, M; et al. Diagnosis and Therapy of Kawasaki Disease in Children. American Heart Association Journals, 1993, vol.87, p. 1776-1780. 9. Falcini, F.; Capannini, S.; Rigante, D. Kawasaki syndrome: an intriguing disease with numerous unsolved dilemmas. Pediatric Rheumatology Journal, 2011, vol. 9, p. 9-17. 10. Ozen, S.; Fuhlbrigge, R.C .Update in pediatric vasculitis. Best Practice & Research: Clinical Rheumatology Journal, 2009, vol. 23, p. 679-688. 11. Anderson, M. S.; Todd, J. K.; Glode, M. P. Delayed Diagnosis of Kawasaki Syndrome: An Analysis of the Problem. Pediatrics Journal, 2005, vol. 115, p. 428-433. Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 15, Nº 4, 2014 95 NOTAS E EVENTOS Agende-se para os eventos de 2015: XI Jornada Paranaense de Terapia Intensiva e Emergências Pediátricas Curitiba - 19 e 20 de Março VIII Jornada Paranaense Integrada – Alergia e Imunologia – Dermatologia – Pneumologia Maringá - 26 a 28 de Março III Congresso Paranaense de Adolescência Curitiba - 19 e 20 de Junho I Jornada Paranaense de Endocrinologia Pediátrica Curitiba - Agosto (data a definir) Simpósio de Neurologia Neonatal Curitiba - 18 e 19 de Setembro III Simpósio Internacional de Neonatologia e Neuroneoatologia 20 a 22 de Novembro Jornada Paranaense de Pediatria Curitiba – data a definir Informações www.spp.org.br (41) 3223-2570