Schwartsmann CR, Boschin LC, Moschen GM, Gonçalves RZ, Ramos ASN, Gusmão PDF, Jacobus LS 264 ARTIGO ORIGINAL Classificação das fraturas trocantéricas: avaliação da reprodutibilidade da classificação AO* Trochanteric fracture classification: a reproducibility evaluation of the AO classification CARLOS ROBERTO SCHWARTSMANN1, LEONARDO CARBONERA BOSCHIN2, GUSTAVO MUNARO MOSCHEN2, RAMIRO ZILLES GONÇALVES2, ÁLVARO SANTOS NOVAES RAMOS2, PAULO DAVID FORTIS GUSMÃO2, LUCAS SENGER JACOBUS3 RESUMO Objetivo: Avaliar a reprodutibilidade da classificação AO entre diferentes observadores e estabelecer uma comparação entre elas. Métodos: Foram selecionadas 50 imagens radiográficas de fraturas trocantéricas do fêmur. Estas foram classificadas por 19 observadores, sendo 10 ortopedistas e nove residentes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia. O sistema de classificação utilizado foi o AO. A avaliação da reprodutibilidade foi através do índice estatístico de Kappa. Após avaliação em separado de cada classificação, todas foram agrupadas e submetidas ao teste t de Student para avaliar diferenças estatísticas entre si. * Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (RS), Brasil. 1. Professor Titular de Ortopedia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre – FFFCMPA – Porto Alegre ( RS), Brasil; Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre Porto Alegre ( RS), Brasil. 2. Assistente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (RS), Brasil. 3. Acadêmico de Medicina da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre – FFFCMPA – Porto Alegre ( RS), Brasil. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Carlos Roberto Schwartsmann, Rua Leopoldo Bier, 825 – Bairro Santana – 90620-100 – Porto Alegre (RS), Brasil. Tel.: (51) 3214-8074 (manhã), (51) 3217-6422 (tarde). Tel./ fax: (51) 32148285. E-mail: [email protected] Recebido em 19/10/05. Aprovado para publicação em 25/7/06. Copyright RBO2006 Rev Bras Ortop. 2006;41(7):264-7 Resultados: Quando avaliada a classificação AO, as médias e desvios-padrão foram de 0,34 e 0,14, respectivamente. A reprodutibilidade da classificação AO foi estatisticamente fraca. Conclusão: Os autores sugerem o uso da classificação AO simplificada como de escolha para a prática clínica da avaliação das fraturas trocantéricas. Descritores – Fraturas; Fraturas do quadril/radiografia; Fraturas do quadril/ classificação ABSTRACT Objective: To assess the reproducibility of AO classification among different observers, while establishing a comparison among the observations. Methods: Fifty radiographic images of femoral trochanteric fractures were selected. They were rated by 19 observers, including 10 orthopaedic surgeons and nine Orthopaedics and Traumatology Unit residents. The AO classification system was employed. Reproducibility assessment was performed by Kappa statistic coefficient. After separate evaluation of each classification, all ratings were grouped and submitted to Student’s “t” test to assess the presence of statistical differences among the findings. Results: Regarding AO classification, means and standard-deviations were 0.34 and 0.14, respectively. AO classification reproducibility was statistically weak. Conclusion: Authors suggest the choice of a simplified AO classification for clinical practice when evaluating trochanteric fractures. Keywords – Fractures; Hip fractures/radiography; Hip fractures/ classification Classificação das fraturas trocantéricas: avaliação da reprodutibilidade da classificação AO 265 INTRODUÇÃO As fraturas do quadril são primariamente classificadas em intra e extracapsulares de acordo com a inserção da cápsula articular no fêmur proximal. As fraturas extracapsulares correspondem a pelo menos metade das fraturas do quadril, divididas em fraturas trocantéricas (também chamadas de inter ou transtrocantéricas) e subtrocantéricas (abaixo do nível do pequeno trocânter)(1). Vários sistemas de classificação têm sido usados para classificar fraturas trocantéricas do fêmur. Os sistemas mais usados são a classificação de Tronzo, Evans e o sistema de classificação AO(2-6). Uma classificação tem valor quando, através dela, podemos definir a gravidade, o tratamento e o prognóstico de uma lesão. Diversos estudos necessitam de uma classificação para comparação de resultados, complicações e métodos de tratamento e, para isso, essa classificação deve ser, acima de tudo, reprodutível por observadores diferentes(7). O objetivo deste trabalho é avaliar a reprodutibilidade das classificações AO e AO modificada para fraturas trocantéricas utilizando o coeficiente de concordância Kappa. MÉTODOS Foram utilizadas 50 imagens radiográficas de fraturas trocantéricas do fêmur aleatoriamente selecionadas no arquivo do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre. Estas foram classificadas por 19 observadores, 10 ortopedistas (sendo dois especialistas em quadril) e nove residentes em Ortopedia e Traumatologia (três do 3o ano, três do 2o ano e três do 1o ano). Utilizaramse apenas radiografias em incidência ântero-posterior (AP), realizadas sem nenhuma forma de tração, previamente a redução, sem restrição à rotação. Pacientes que apresentavam fratura patológica ou outras deformidades (cirurgias prévias, osteoartrose, necrose avascular, etc.) não foram incluídos na amostra. Com a finalidade de minimizar o viés devido a dificuldades de interpretação da classificação, foi realizada uma explanação das classificações pelos autores. Além disso, o protocolo a ser preenchido continha as imagens da classificação analisada com seus nove tipos (figura 1). As imagens radiográficas foram individualmente numeradas e projetadas em seqüência de um a 50. Cada imagem foi analisada durante 30 segundos, para avaliar a classificação AO. Figura 1 – Classificação AO alfanumérica Fonte: Muller ME, Nazarian S, Koch P. Classification AO des fractures. Berlin: Springer-Verlag; 1987. Os dados coletados foram analisados e interpretados por um estatístico utilizando o teste de concordância de Kappa e, após, foram agrupados e comparados usando o teste t de Student. RESULTADOS As séries de radiografias foram analisadas pela classificação completa do grupo AO (nove tipos) e pela classificação simplificada, sem subgrupos (três tipos). Como resultado da avaliação da classificação AO completa com a totalidade dos observadores, encontramos um índice Kappa de 0,34 (± 0,14) (gráfico 1). A análise isolada do grupo de residentes foi de 0,52 (± 0,21) (gráfico 2). A análise isolada dos ortopedistas foi de 0,30 (± 0,14) (gráfico 3). Quando a classificação AO foi simplificada (sem subgrupos), obtivemos os seguintes índices: todos observadores 0,60 Rev Bras Ortop. 2006;41(7):264-7 266 Schwartsmann CR, Boschin LC, Moschen GM, Gonçalves RZ, Ramos ASN, Gusmão PDF, Jacobus LS Gráfico 1 – Variação dos índices de Kappa entre todos os observadores Gráfico 2 – Avaliação dos índices de Kappa entre os médicos residentes Gráfico 3 – Avaliação dos índices de Kappa entre ortopedistas Gráfico 4 – Avaliação dos índices de Kappa para a classificação AO modificada entre todos os observadores Gráfico 5 – Avaliação dos índices de Kappa para a classificação AO modificada entre médicos residentes Gráfico 6 – Avaliação dos índices de Kappa para a classificação AO modificada entre ortopedistas (± 0,13) (gráfico 4); somente os residentes, 0,64 (± 0,10) (gráfico 5) e somente os ortopedistas, 0,59 (± 0,16) (gráfico 6). Ao compararmos as médias e dispersões (com intervalo de confiança de 95%) dentre os grupos observados (gráfico 7), podemos observar que nos grupos nos quais a modificação da classificação AO foi utilizada, as médias foram estatisticamente mais altas do que as demais, com exceção do subgrupo entre residentes, que teve dispersão muito grande. DISCUSSÃO Diversos autores já expressaram sua opinião de que ao avaliar a confiabilidade da concordância entre observadores há necessidade de incorporar a concordância devida ao acaso na avaliação(8-9). A primeira fórmula, com este objetivo, foi utilizada por Cohen, em 1960, o índice estatístico de Kappa (10). Kappa é um coeficiente de concordância que corrige o erro devido ao acaso e é usado para determinação da variação intra Rev Bras Ortop. 2006;41(7):264-7 Gráfico 7 – Análise comparativa dos grupos avaliados, demonstrando médias e intervalos de confiança de 95% e interobservador, sendo utilizado quando dois observadores classificam separadamente uma amostra de objetos empregando a mesma escala de categoria. Altman interpretou isso Classificação das fraturas trocantéricas: avaliação da reprodutibilidade da classificação AO como a concordância proporcionalmente correta das chances(11). O coeficiente de Kappa pode variar de –1 (discordância completa) a +1 (concordância completa). Não há definição precisa dos níveis de concordância aceitáveis. Os valores de concordância e reprodutibilidade mais usados são subdivididos em três tipos: pobre (0 a 0,5), bom (0,51 a 0,75) e excelente (0,76 a 1)(12). Landis classificou como: pobre (abaixo de 0), discreta (00,2), fraca (0,21-0,4), moderada (de 0,41-0,6), substancial (0,61-0,8), quase perfeita (0,81-1). A proporção simples do número de casos classificados na mesma categoria também poderia ser usada. Essa medida é facilmente compreendida e tem a virtude da simplicidade. No entanto, não é uma medida adequada de concordância, pois está ignorando os casos em que a concordância ocorreu devido ao acaso(8). Todos os sistemas de classificação das fraturas deveriam ser reprodutíveis entre diferentes observadores, assim como o mesmo observador em diferentes ocasiões(13-14). Além disso, deveriam sugerir o tratamento e prognóstico(15). Encontramos alguns artigos que avaliaram a reprodutibilidade da classificação AO e Evans. Pervez et al avaliaram 88 fraturas trocantéricas entre cinco observadores. Cada observador avaliou as fraturas independentemente em duas ocasiões. Para a classificação de Evans, o valor Kappa foi 0,52 intra-observador e 0,34 interobservador. Para a classificação AO com subgrupos, foi 0,42 intra-observador e 0,33 interobservador. Para a classificação AO sem subgrupos, foi 0,71 e 0,62, respectivamente. Concluíram que a classificação AO com subgrupos e Evans não são aceitáveis e recomendam o uso da classificação AO sem subgrupos(14). Schipper et al estudaram 20 fraturas por 15 observadores. Para a classificação AO com subgrupos, o valor Kappa intraobservador foi de 0,48 e interobservador foi de 0,33. Quando retirados os subgrupos, foi de 0,78 e 0,67, respectivamente. Concluíram que a classificação AO sem subgrupos tem boa reprodutibilidade, mas isso não se repete quando acrescentados os subgrupos(16). No presente estudo da classificação AO completa, obtivemos entre todos os observadores um índice Kappa de 0,34 (± 0,14), que segundo Svanvhol é “pobre” e segundo Landis é de concordância “fraca”. Isso significa que, apesar de as classificações serem muito usadas na teoria, na prática seu valor é muito discutido e até mesmo considerado nulo. 267 Entretanto, ao analisarmos a classificação AO simplificada (sem subgrupos), obtivemos índice Kappa de 0,60 (± 0,13). Pela classificação de Landis, ela se enquadra como “moderada ou “substancial” e, pela classificação de Svanholm, “boa”. CONCLUSÃO Dos dados obtidos na presente pesquisa, avaliando 50 radiografias de fraturas trocantéricas, podemos concluir que, assim como na literatura internacional, a classificação AO completa, com nove subtipos, apresentou inaceitáveis índices de reprodutividade Kappa 0,34 ± 0,14. Entretanto, a classificação AO simplificada, com apenas três subtipos, pode ser considerada boa ou substancial, com Kappa 0,60 ± 0,13. Sendo assim, sugerimos a classificação AO sem subgrupos como de escolha para a prática clínica da avaliação das fraturas trocantéricas. REFERÊNCIAS 1. Pynsent PB, Fairbank JC, Carr AJ. 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Cohen J. A coefficient of agreement for nominal scales. Educ Psychol Meas. 1960;20(1):37-46. 11. Altman DG. Practical statistics for medical research. 3rd ed. London: Chapman and Hall; 1995. p.403-9. 12. Svanholm H, Starklint H, Gundersen HJ, Fabricius J, Barlebo H, Olsen S. Reproducibility of histomorphologic diagnoses with special reference to the kappa statistic. APMIS. 1989;97(8):689-98. 13. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74. 14. Pervez H, Parker MJ, Pryor GA, Lutchman L, Chirodian N. Classification of trochanteric fracture of the proximal femur: a study of the reliability of current systems. Injury. 2002;33(8):713-5. 15. Burstein AH. Fracture classification systems: do they work and are they useful? J Bone Joint Surg Am. 1993;75(12):1743-4. 16. Schipper IB, Steyerberg EW, Castelein RM, van Vugt AB. Reliability of the AO/ASIF classification for pertrochanteric femoral fractures. 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