Relato de caso: Sucesso no tratamento da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono grave com terapia posicional Salvia, VF, Dolci RLL, Marçal GJ, Xavier SD, Dolci JEL. A Síndrome da Apneia obstrutiva do sono (SAOS) caracteriza-se por eventos de redução ou cessação do fluxo aéreo durante o sono com duração mínima de 10 segundos, que podem estar associadas a queixas de hiperssonolência diurna e fadiga decorrente da fragmentação do sono. Atualmente, a SAOS é considerada um problema de saúde pública por causar sonolência excessiva diurna, risco acentuado de acidentes de trânsito e de trabalho além de complicações cardiovasculares (Phillipson, 1993; Bittencourt et al, 2003b). Em 1996, Bagnato et al. estudaram a prevalência de ronco entre 1000 habitantes da cidade de São Paulo e verificaram que, em homens de 20 a 40 anos, era de 26,5% e aumentava para 36% nos homens acima de 40 anos; já nas mulheres, na primeira faixa etária, era de 8,9%, subindo para 24,5% na segunda faixa etária. Assim como o ronco, a SAOS é mais prevalente em homens que em mulheres e a prevalência aumenta em ambos os sexos com o avanço da idade, independentemente do peso (Owens et al, 2008). Em alguns casos, a apneia pode ocorrer predominantemente ou exclusivamente no decúbito supino, chamada de apneia posicional. É definida como um aumento do índice de apneia e hipopnéia (AIH: número de apneias e hipopnéias por hora de sono) em 50 % na posição supina em relação ao decúbito lateral. Os mecanismos causadores da piora da SAOS na posição supina ainda não estão totalmente esclarecidos, porém acredita-se que na posição lateral ocorra uma menor redução de colapso da faringe e a língua não fique ocupando uma posição tão posteriorizada. (Cartwright et al, 1985) A apneia posicional é mais freqüente em pacientes com obstrução leve a moderada, geralmente em jovens e com índice de massa corpórea normal (Sherman et al, 2005). Existe controvérsia na literatura quanto a prevalência de apneia posicional, variando de 9 a 60 % (Oksenberg et al, 2006). Um recente estudo com 574 pacientes com SAOS diagnosticados pela polissonografia (PSG) foi encontrado 55,9% de pacientes com apneia posicional e a prevalência foi maior entre a SAOS leve e moderada (65-69%), quando comparada com a SAOS severa (Mador et al, 2005) Os pacientes com apneia posicional parecem apresentar alterações respiratórias mais leves e, com isso, apresentam sono menos fragmentado, além de estar em maior alerta durante o dia e Escala de Epworth menor (Ramachandran et al, 2005) A escolha do melhor tratamento para pacientes com SAOS depende de fatores como idade, peso, achados do exame clínico e a gravidade da apneia . O tratamento da SAOS pode ser divido em cirúrgico e não cirúrgico. O tratamento não cirúrgico inclui a perda de peso caso haja obesidade, medidas gerais de higiene do sono, o uso de CPAP (continuous positive airway pressure) e os aparelhos intra-orais. Para o tratamento específico da apneia posicional, pode-se optar por um tratamento que visa unicamente não permitir que o paciente permaneça em decúbito supino, chamado “terapia posicional”. Uma das formas mais tradicionais deste tratamento é a colocação de bola de tênis presa nas costas do paciente, seja no pijama ou em uma cinta ao redor da região torácica do paciente. Assim, toda vez que o paciente ficar na posição supina, sentirá pressão nas suas costas e imediatamente mudará de decúbito. RELATO DE CASO SSR, 58 anos, sexo feminino, natural de São Paulo, do lar. Sua queixa principal era apresentar roncos relatados pelo esposo e muita fadiga diurna. Negou apneia testemunhada e apresentava sonolência excessiva diurna (Escala de Epworth= 15). No exame físico, tinha peso de 91 Kg e altura de 1,71m (Índice de massa corpórea de 31). O exame físico otorrinolaringológico mostrou Malampati modificado IV, amígdalas grau I, palato não redundante e nariz sem alterações. Na polissonografia que foi pedida, foi observada presença de SAOS grave (AIH=46.5/hora) e as apneias e hipopnéias eram concomitantes a posição supina, como pode ser visto a seguir. RESUMO POLISSONOGRAFIA PRÉ TRATAMENTO (24/06/09) Desde modo, foi indicada a terapia posicional para a paciente com o uso da bola de tênis em uma faixa presa às costas, além de medidas de higiene do sono e perda de peso. Após 5 meses de tratamento, não houve mudança significativa do índice de massa corpórea da paciente. No entanto, paciente relatou importante melhora das queixas diurnas bem como melhora das queixas de roncos relatadas pelo esposo. Foi então solicitada nova polissonografia com o uso da bola de tênis, que pode ser vista abaixo. RESUMO POLISSONOGRAFIA PÓS TRATAMENTO (23/11/09) Neste segundo exame, houve importante diminuição do AIH, para valor dentro da faixa de normalidade (3,8/hora) sendo que a paciente durante todo o exame não permaneceu no decúbito supino. Segue abaixo a tabela na qual é possível comparar os valores antes e após o tratamento posicional ANTES TRATAMENTO APÓS TRATAMENTO POSICIONAL POSICIONAL Eficiência do Sono 69,2% 76,5% Estágio 1 1,6% 5,4% Estágio 2 39,8% 61,6% Estágio 3 3,3% 5% Estágio 4 28,2% 22,2% REM 27,1% 5,8% Microdespertares 26,8/ hora de sono 15,4/ hora de sono IAH 46,5 3,8 Número total de eventos 224 17 Tipo de eventos Todos obstrutivos 16 obstrutivos e 1 central Saturação basal 93% 93,3% Saturação média 92,3% 92,7% Saturação mínima 86% 90% DISCUSSÃO No caso relatado, a paciente não relatou nenhum desconforto com a terapia posicional. No entanto, em estudo prospectivo realizado por Oksenberg et al, em 2006, foram avaliados 78 pacientes com apneia posicional sendo que apenas 50 (61%) iniciaram o tratamento utilizando a técnica da bola de tênis. Após 6 meses de acompanhamento, 19 (38%) conseguiram usar a bola de tênis durante todo o período, 12 (24%) utilizaram a bola de tênis por poucos meses, porém conseguiam manter o decúbito lateral mesmo na ausência da bola de tênis e 19 (38%) usaram por poucos meses, porém não conseguiam manter o decúbito lateral depois disso. As principais razões para não terem seguido o condicionamento foram: a queixa de o tratamento ser desconfortável, queixa de que a bola de tênis escapava durante a noite, com isso, o paciente mantinha a posição supina e alguns referem não ter sentido melhora do sono com essa terapia posicional. Ainda segundo Oksenberg et al. (2006) a terapia posicional apresentou dados estatisticamente significativos quanto à diminuição dos roncos noturnos, qualidade de vida e alerta diurno. A maioria dos pacientes apresentou uma diminuição significativa dos eventos de apneia e hipopneia em posição supina, com isso, ocorrendo uma redução do índice de apneia e hipopneia (AIH). A média do AIH dos pacientes apresentou um decréscimo importante de 46,5 para 19,4, principalmente às custas da diminuição do tempo despendido em posição supina além da melhora da saturação mínima de 81% para 90%. Com o uso da bola de tênis, houve diminuição importante do tempo na posição supina de 259 para 42 minutos. Nesse relato a paciente apresentou diminuição do AIH para 3,8/hora, sendo que durante todo o exame não permaneceu no decúbito supino. Em um estudo comparando 2 semanas da terapia posicional e o uso de CPAP em 13 pacientes com SAOS leve posicional, averiguou-se que o CPAP foi mais efetivo em reduzir os eventos respiratórios e as dessaturações, mas a terapia posicional teve uma eficácia similar em relação à qualidade do sono, alerta diurno, qualidade de vida e humor (Jokic R et al 1999) O tratamento mais efetivo para SAOS moderada e grave é, sem dúvida, a terapia com CPAP. No entanto, devido à baixa aderência ao CPAP, novas formas de tratamento clínico para SAOS vêm sendo usadas após análise individualizada do paciente. Assim, a terapia posicional pode ser uma opção simples e eficaz de tratamento para pacientes com SAOS posicional como relatado no caso acima. (1)Cartwright R, Lloyd S, Lilie J, et al. Sleep position training as treatment for sleep apnea syndrome: a preliminary study. Sleep 1985; 8:87–94 (2)Oksenberg A, Silverberg DS, Arons E, Radwan H. Positional vs nonpositional obstructive sleep apnea patients: anthropomorphic, nocturnal polysomnographic, and multiple sleep latency test data. Chest 1997;112:62939. (3) Mador MJ, Kufel TJ, Magalang UJ, et al. Prevalence of positional sleep apnea in patients undergoing polysomnography. Chest 2005;128:2130–2137. (4) Jokic R, Klimaszewski A, Crossley M, et al. Positional treatment vs. continuos positive airway pressure in patients with positional obstructive sleep apnea syndrome. Chest 1999;115:771–781.