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Dossiê Brasil
A política está dominada pelos grandes grupos econômicos
e o Brasil não tem nenhum projeto nacional de longo prazo
Iser Assessoria
SUMÁRIO
REINALDO GONÇALVES - O Leviathan brasileiro e o espetáculo de
playground do governo ......................................................................... 3
ADRIANO BENAYON - A desnacionalização da economia brasileira .............. 7
CARLOS LESSA - "O Brasil não tem nenhum projeto nacional de longo prazo,
a não ser a expansão da economia do petróleo" .....................................13
JOSÉ LUÍS OREIRO - ''O risco é o Brasil continuar eternamente um país
subdesenvolvido''................................................................................15
PAULO PASSARINHO - Em meio a agravamento da crise financeira, governo
brasileiro aprofunda princípios neoliberais ..............................................20
PAULO PASSARINHO - O futuro do Brasil ...............................................22
Seis produtos são responsáveis por metade das exportações brasileiras ....25
DELFIM NETTO - Economistas foram coadjuvantes da crise ao criar 'ideologia
científica' para o mercado financeiro. ....................................................26
LADISLAU DOWBOR - A rede do poder corporativo mundial .....................28
Uma introdução - Ivo Lesbaupin
Esta série de artigos que reunimos aqui traça um quadro da situação sócioeconômico-política brasileira e mundial bem diferente daquele transmitido pela
grande mídia.
Em primeiro lugar, eles apontam a razão pela qual a maioria dos países tem
adotado políticas anti-sociais para enfrentar a crise econômica: os governos, do
mesmo modo que as instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial, OMC), estão
dominados pelos grandes grupos econômicos (empresas financeiras, grandes
bancos, multinacionais). Suas políticas atendem, em primeiro lugar, aos interesses
destes setores e não aos interesses da maioria dos seus cidadãos. A grande mídia
reflete o pensamento destes setores e não coloca em debate, muito menos em
questão, as posições dominantes. Nós não temos uma "imprensa livre", nós temos
uma imprensa do "pensamento único". Os veículos que poderiam trazer um
pensamento independente e alternativo sofrem enormes dificuldades, de todo tipo,
para furar o bloqueio imposto pela legislação e pelos órgãos públicos – graças à
pressão permanente dos grandes grupos de comunicação (por exemplo, contra a
legalização das rádios comunitárias).
O Brasil, contrariamente à campanha mediática em torno do PAC I e do PAC II e
das privatizações - "finalmente assumidas pelo governo do PT" - não tem projeto
nacional de longo prazo.
Sua política econômica está centrada no pagamento da dívida e de seus juros –
quase 50% do orçamento anual - e tanto os programas lançados recentemente
como aqueles que estão em execução consistem em investimentos em obras de
infraestrutura (hidrelétricas, aeroportos, ferrovias, portos). Obras feitas em
parceria com o setor privado, em condições extremamente favoráveis aos
empresários, com generoso apoio de dinheiro público, através do BNDES. Do
mesmo modo que este banco público foi usado pelo governo FHC para as
privatizações, o governo Lula-Dilma o usa para as obras do PAC (para as usinas
hidrelétricas, entre outras) e já o colocou à disposição para as privatizações "de
novo tipo".
A principal opção do governo é o apoio à exportação de produtos primários –
minério de ferro, petróleo bruto, complexo de soja e carne, açúcar e café.
Assistimos desde o início dos anos 90 a um processo de reprimarização de nossa
economia e a um desprezo pela industrialização e pelo investimento em tecnologia
de ponta. O governo não elabora políticas macroeconômicas que impulsionem a
indústria - e a manutenção da valorização cambial contribui para a
desindustrialização e a desnacionalização produtiva.
O crescimento é garantido pelo incentivo ao consumo através da redução de
impostos sobre alguns produtos e o crédito facilitado, o que levou a um forte
endividamento das famílias brasileiras. Exatamente por esta razão, tal política está
chegando ao seu limite: não há mais espaço para novas dívidas.
A política macroeconômica se baseia no controle da inflação, no pagamento dos
juros da dívida (superávit primário) e no câmbio flutuante, atendendo
prioritariamente aos interesses do capital financeiro e não do setor produtivo. A
ausência quase total do controle de fluxos de capital permite a entrada ininterrupta
de capital especulativo e nos torna reféns dos investidores financeiros
internacionais e nacionais. Apesar da recente redução da taxa de juros, ela é ainda
uma das mais altas do mundo. Esta postura significa que se abandonou a
preocupação com a garantia da soberania nacional.
O Brasil poderá continuar crescendo a uma taxa anual de 3% durante muitos anos,
mantendo a estabilidade macroeconômica e com uma baixa taxa de desemprego.
Porém, se o país seguir esse ritmo, vai continuar sendo eternamente um país
subdesenvolvido.
Fala-se que este governo tem uma ampla política social. No entanto, seria
necessário precisar que ele tem uma forte política de assistência social. As áreas
sociais mais importantes, como saúde e educação, sofrem com recursos
insuficientes e limitados, nunca ultrapassando, nos últimos vinte anos, 5% do
orçamento, para a saúde, e 3%, para a educação. Não sem razão, a grande maioria
da população sofre com as más condições de serviços de saúde e de educação. Não
se trata de afirmar que nada se fez nestas duas áreas, mas de que esta não é a
prioridade. A prioridade é o pagamento da dívida pública e de seus juros: a curva
destas despesas é claramente ascendente.
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REINALDO GONÇALVES - O Leviathan brasileiro e o espetáculo
de playground do governo
Entrevista IHU On-Line 29.08.2012
“A percepção é de que vivemos um dos momentos mais medíocres da
história do Brasil”, aponta o economista.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o projeto econômico do governo, de transferir
133 bilhões para a iniciativa privada investir em infraestrutura nos
próximos 25 anos? O governo diz que se trata de concessão e os críticos
dizem que se trata de uma privatização.
Reinaldo Gonçalves (foto) – Venda de ativos, concessão ou parceria são formas
de privatização. O atual processo de privatização, na forma de concessão ou
parceria, expressa a combinação de três fatores: o fracasso do Estado brasileiro; a
evolução do modelo liberal periférico; e o desenvolvimento às avessas. O fracasso
do Estado brasileiro envolve déficit de governança ou incapacidade gerencial e
organizacional para administrar atividades relevantes (no caso, infraestrutura).
Esta incapacidade ocorre ainda em outras áreas como saúde, educação e regulação.
A privatização no governo Dilma é mais um atestado de incompetência ou de
reprovação do Estado brasileiro. Vale notar que não há restrição financeira e,
portanto, trata-se simples e vergonhosamente da questão de se encontrar
administradores privados para serviços de utilidade pública. É curioso notar que
isso ocorre em um período da história do Brasil em que, para compensar a total
falta de liderança política, propaga-se a imagem da chefe de governo como uma
“gerentona”.
O fato é que Dilma faz, com a infraestrutura no âmbito federal, o que
governadores e prefeitos fazem com a contratação de organizações sociais para
gerenciar a saúde. Na realidade, todos fogem da sua responsabilidade e, com as
privatizações e terceirizações, desvelam a incompetência administrativa e a
degradação institucional existente no país. A privatização expressa também a
consolidação do modelo liberal periférico, que tem três conjuntos de características
marcantes:
liberalização,
privatização
e
desregulação;
subordinação
e
vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro. Por fim, a
privatização é própria ao desenvolvimento às avessas, que é a trajetória do Brasil
no início do século XXI e que se caracteriza, na dimensão econômica, por fraco
desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações
estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou
de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo.
Nas dimensões social, ética, institucional e política desta trajetória observa-se
invertebramento da sociedade, deterioração do ethos, degradação das instituições,
e sistema político corrupto e clientelista.
IHU On-Line – Há diferenças entre os modelos de privatização dos
governos pré-Lula e das concessões dos governos Lula e Dilma?
Reinaldo Gonçalves – Nenhuma. O governo Dilma é réplica do governo Lula só
que com dose menor de paparrotadas. Menos do mesmo!
IHU On-Line – O PT sempre criticou as privatizações e agora propõe um
modelo de
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parceria público-privada, em que o setor privado não terá prejuízos. O que
isso significa? É impossível, nos dias de hoje, diante da conjuntura
econômica, o Estado fazer parcerias com o setor privado?
Reinaldo Gonçalves – É o retorno à política do Segundo Império quando Pedro
II, para atrair o capital inglês, dava garantias de taxas mínimas de retorno para
investimentos em ferrovias. É o capitalismo subdesenvolvido e cartorial. O
capitalismo no Brasil reproduz os vícios do sistema político cartorial e retrógrado.
Isso também é parte do modelo liberal periférico e mostra a incapacidade dos
grupos dirigentes de gerir um “vagão de 3ª classe” do capitalismo que é a
economia brasileira. Com o descolamento relativo aos EUA e a atrelagem à China, o
Brasil transformou-se em vagão de 4ª classe.
IHU On-Line – Seria possível desenvolver o país com outras políticas
econômicas? Há outros caminhos? Que alternativas propõe?
Reinaldo Gonçalves – Não se trata de políticas econômicas, mas sim de diretrizes
estratégicas. Somente as raparigas em flor do keynesianismo ou os novos
desenvolvimentistas confundem políticas macroeconômicas com diretrizes
estratégicas. O modelo liberal periférico implica a volta ao passado. Vale notar que
parte expressiva dos investimentos em infraestrutura está focada no escoamento
da produção do setor primário-exportador. O Brasil tem que romper com este
modelo. Recomendo a leitura do livro que escrevi com Luis Filgueiras (A
economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). Vejam
ainda o livro organizado pelo Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Os
anos Lula. Rio de Janeiro: Garamond, 2010).
IHU On-Line – Quais são os limites e as implicações da parceria públicoprivada, tal qual está sendo implementada no país?
Reinaldo Gonçalves – A privatização via concessões ou parcerias tem problemas
estruturais graves. O primeiro é a consolidação do modelo liberal periférico e o
viés de deslocamento da fronteira de produção do país na direção do setor
primário-exportador; ou seja, aumento da vulnerabilidade externa estrutural na
esfera comercial. O segundo é que distorce ainda mais a estrutura de produção e
distribuição de renda a favor dos grandes grupos econômicos (concentração do
capital) focados na exploração de recursos naturais e na degradação do meio
ambiente; isto é, aumenta a vulnerabilidade externa estrutural do país nas esferas
produtiva e tecnológica. O terceiro é que se faz apelo a empresas estrangeiras
para administrar empreendimentos, o que implica permanente vazamento de renda
via contas externas, remessas de lucros (desnacionalização); ou seja, aumento da
vulnerabilidade externa estrutural nas esferas produtiva, tecnológica e financeira.
Para ilustrar, os trechos da BR-101, da Fernão Dias e da Régis Bittencourt, que
têm pedágios elevados, são administrados por empresa espanhola (OHL).
Enquanto durar estas concessões haverá vazamento de renda do Brasil para a
Espanha. O quarto problema é que, tendo em visto a fragilidade institucional, em
particular a inoperância das agências reguladoras, aumenta ainda mais as práticas
de abuso do poder econômico que provocam inúmeros problemas (ineficiência,
corrupção etc). Vejam os problemas recentes na área de telecomunicações, com a
falta de investimentos e as práticas comerciais restritivas usadas pelas empresas
que surgiram com a privatização. Ou seja, em um país marcado por frágil aparato
regulatório, enormes deficiências institucionais e invertebramento da sociedade, o
processo de privatização agrava a vulnerabilidade externa estrutural, a
concentração de poder econômico, o abuso do poder econômico e a ineficiência
sistêmica.
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IHU On-0Line – Diante desse pacote, que incentiva a parceria públicoprivada, como ficam os investimentos nas empresas estatais? Essa
compreensão de que o Estado deve ser o indutor do crescimento, e não seu
gestor, direciona que rumos para o desenvolvimento do país?
Reinaldo Gonçalves – O Estado tem quatro funções: distributiva, estabilizadora,
alocativa e reguladora. Como mencionado, a função distributiva tem como eixo
estruturante as políticas assistencialistas que tornam a sociedade brasileira ainda
mais invertebrada. A política estabilizadora é determinada pelo jogo de interesses;
de um lado, os grupos dirigentes que focam na perpetuação no poder; de outro, os
setores dominantes, com destaque para os bancos, que procuram manter absurdas
taxas de retorno sobre patrimônio. A função alocativa do Estado é fragilizada com a
privatização e com o uso discricionário de empresas estatais para se alcançar
objetivos econômicos e políticos, alguns deles questionáveis (com recursos, por
exemplo, do BNDES, Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal).
Pode-se mencionar o envolvimento do Banco do Brasil no esquema do Mensalão ou
da CEF no esquema do Banco Panamericano. A função reguladora é lamentável
no Brasil tendo em vista a fragilidade das agências reguladoras. Para ilustrar,
reportagem recente sobre concessões de estradas federais à empresa espanhola
OHL conclui que “4 anos após licitações de estradas do governo Lula melhorias não
foram entregues” (O Globo, 25 de agosto de 2012, p. 27). O fracasso da atividade
reguladora no Brasil é evidente quando se constata que no período 2008-2010
somente 4,7% das multas aplicadas pelas agências reguladoras no Brasil foram
efetivamente pagas (cf. O Globo, 27 de novembro de 2011, p. 33). É o Estado
ruim, incapaz de exercer adequadamente suas funções, que direciona o capitalismo
ruim, marcado pela ineficiência sistêmica e pelo abuso do poder econômico, cujo
rumo é o desenvolvimento medíocre.
IHU On-Line – Como esse pacote irá refletir no cenário de
desindustrialização acentuada no país? Ou não há espaço para o
desenvolvimento da indústria diante deste pacote?
Reinaldo Gonçalves – Com a inoperância da atividade reguladora há abuso de
poder econômico por parte das empresas que foram privatizadas. Para ilustrar, no
Norte Fluminense o custo de transporte rodoviário dobrou no passado recente
enquanto as deficiências persistem (cf. O Globo, 25 de agosto de 2012, p. 27).
Além do aumento do custo de transporte, a indústria é negativamente afetada pelo
desvio de recursos de investimento para o setor primário-exportador. Na realidade,
parte expressiva dos projetos apresentados refere-se a rodovias e ferrovias
orientadas para o escoamento de produtos primários (alimentos, matérias-primas e
minérios). Um levantamento recente mostra que a participação da indústria de
transformação no total dos financiamentos do BNDES caiu de aproximadamente
50% no período 2000-2006 para menos de 30% em 2011-2012 (O Estado de São
Paulo, 27 de agosto de 2012).
IHU On-Line – Como esse pacote tenderá a repercutir no emprego?
Reinaldo Gonçalves – No curto e médio prazo há aumento do emprego no setor
de construção pesada. Entretanto, como as experiências recentes de construção de
hidrelétricas têm mostrado, as condições de trabalho frequentemente são
deficientes. No longo prazo o deslocamento da fronteira de produção na direção do
setor primário-exportador tende a gerar problemas de desemprego estrutural visto
que estes setores são, ao mesmo tempo, intensivos em recursos naturais e
intensivos em capital.
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IHU On-Line – Muitos especialistas criticam a ação do governo e afirmam
que o projeto de desenvolvimento do PT é o mesmo do PSDB. Em que
aspectos são diferentes e semelhantes?
Reinaldo Gonçalves – Agora sim, mais do mesmo! Com o PT, a partir de 2003,
consolidou-se o modelo liberal periférico, que tem sua origem no início dos anos
1990 e que se aprofundou durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A
diferença marcante é que com o PT surgiu de forma ainda mais evidente o
desenvolvimento às avessas. Durante o governo Lula o que se constata claramente
é: desindustrialização, dessubstituição de importações; reprimarização das
exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização; perda de
competitividade internacional, crescente vulnerabilidade externa estrutural em
função do aumento do passivo externo financeiro; maior concentração de capital; e
crescente dominação financeira, que expressa a subordinação da política de
desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação.
IHU On-Line – Considerando que o PT surgiu no Brasil também com uma
proposta social, como avalia os investimentos nessa área nos últimos
anos?
Reinaldo Gonçalves – Esse tema é tratado no capítulo 4 do livro A economia
política do governo Lula. Os governos Lula e Dilma ilustram bem o caso de
grupos dirigentes latino-americanos que aprenderam, com o Banco Mundial, que
a perpetuação no poder pode resultar da linha de menor resistência. Não se fazem
mudanças estruturais no que diz respeito ao estoque de riqueza e à geração de
renda. Trata-se, simplesmente, de um pacto social tácito em que todos, no curto
prazo, ganham via alocação dos recursos públicos ou, em decorrência, de políticas
públicas. O Leviathan brasileiro (esse Estado que controla quase 40% da renda via
arrecadação de impostos) finge que não é um monstro que protege os interesses
dos setores dominantes. Via hegemonia às avessas (leiam as análises de grande
valor de Francisco de Oliveira), o governo opera o Estado brasileiro que se
transforma simplesmente em mágico em espetáculo de playground.
O sistema político clientelista e corrupto é alimentado pelo orçamento público em
todos os níveis. O Estado brasileiro beneficia dezenas de milhões de pessoas com
políticas assistencialistas que geram, de um lado, bem-estar e, de outro,
acomodação, invertebramento e cooptação. Por exemplo, o Programa Bolsa
Família atende 13,3 milhões de famílias em que 93% têm mulheres como
titulares. Somente este programa social atinge quase 60 milhões de brasileiros
(30% da população). Programas assistencialistas são necessários, porém eles
também são capazes de enfraquecer de forma significativa o próprio tecido social.
Este é o caso, por exemplo, do Movimento dos Sem Terra – MST, que já foi
considerado um dos mais importantes movimentos sociais do Hemisfério Ocidental.
A deterioração da sociedade civil organizada também é evidente quando se
constatam irregularidades em parcela expressiva dos convênios entre a União e as
organizações não governamentais. Isso sem contar, naturalmente, os analistas
que, financiados por órgãos públicos ou empresas estatais ou na expectativa de
uma função gratificada, limitam-se a qualificar as políticas pontuais, jamais o
governo e, até mesmo, mudam de princípios. É o Brasil invertebrado!
IHU On-Line – Que desenvolvimento é possível vislumbrar para o país nos
próximos 25 anos diante deste pacote?
Reinaldo Gonçalves – No Brasil o modelo liberal periférico tem tido fraco
desempenho pelos padrões históricos brasileiros e atuais padrões internacionais,
inclusive durante os governos Lula e Dilma. E, como resultado do modelo liberal
periférico, o país está em trajetória de desenvolvimento às avessas. Se
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continuarmos com este modelo e nesta trajetória, a poucos anos do bicentenário da
independência o país fará viagem rumo ao passado. O Brasil invertebrado
entranha-se em trajetória de fraco desempenho econômico, com recorrentes
momentos de instabilidade e crise, e embrenha-se em nuvens cinzentas que
turvam o caminho do desenvolvimento social, político, ético e institucional. A
privatização só reforça esta trajetória. A percepção é de que vivemos um dos
momentos mais medíocres da história do Brasil. Isso também é parte da herança
nefasta do governo Lula.
(Por Patricia Fachin)
Reinaldo Gonçalves é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Obteve o título de mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas
– FGV-RJ, e de doutor em Letters and Social Sciences pela University of Reading, na
Inglaterra. Atualmente leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria
e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política
internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil
(Rio de Janeiro: Elsevier, 2005).
ADRIANO BENAYON - A desnacionalização da economia
brasileira
Entrevista realizada pelo IHU – 08/08/2012 (www.ihu.unisinos.br)
“Há uma quantidade de capital brasileiro no exterior muito
maior do que o total investido anualmente no país pelo
conjunto do capital nacional, inclusive o estatal, e o
estrangeiro”
O projeto desenvolvimentista em curso no país desde 1954, apoiado no
ingresso de capital estrangeiro, intensificado no governo Juscelino
Kubitschek e, posteriormente, na ditadura militar, levou a economia
brasileira a um processo de desnacionalização. Na avaliação do economista
Adriano Benayon, isso é consequência de uma política econômica
“contrária aos interesses nacionais”, e que criou “imensos atrativos para o
capital estrangeiro, alegando haver necessidade de poupança externa para
complementar a nacional”. Segundo ele, a reestruturação do capitalismo
brasileiro beneficia as empresas transnacionais, que “gozam do privilégio de
ter custo de capital e de tecnologia praticamente zero no Brasil”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Benayon
enfatiza que a desnacionalização em curso nos últimos 60 anos levou à
desindustrialização, e tem tornado a indústria “menos competitiva
internacionalmente”. Na avaliação dele, se um país deseja ser competitivo e
alcançar o progresso, “não deve de modo algum favorecer, em desfavor das
locais, empresas de porte muitíssimo maior que essas e experientes
tecnologicamente, através da produção e das vendas em mercados de alta
renda e grande dimensão”. E reitera: “Só com firmas nacionais competindo
no mercado é viável a acumulação de capital e de tecnologia no país”. Crítico
do ingresso de capitais estrangeiros na economia nacional, o economista
esclarece que “eles sempre foram desnecessários e continuam sendo. Além
disso, são contraproducentes, porque acabam retirando muito mais capital do
país do que o que fazem ingressar nele”.
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Adriano Benayon é formado em Direito, pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ, e doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo,
na Alemanha. Foi professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio
Branco, do Ministério das Relações Exteriores. É autor de Globalização
versus Desenvolvimento (São Paulo: Ed. Escrituras, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Percebe uma reestruturação do capital brasileiro e
internacional? Quais são as razões?
Adriano Benayon – Certamente. Quanto ao Brasil, os capitais de maior vulto têm
tido pouco espaço no país, dado que os setores da economia produtiva têm sido
ocupados por transnacionais estrangeiras, favorecidas pela política econômica por
subsídios de várias ordens, desde setembro de 1954, logo após o golpe de Estado
que derrubou o presidente Getúlio Vargas.
Com isso, hoje o principal do grande capital brasileiro está nos bancos e nas
empreiteiras, as quais trabalham também no exterior. Mesmo nos bancos há
presença significativa do capital estrangeiro, desde o governo Fernando Henrique
Cardoso – FHC. O propósito deste, a serviço de interesses externos, foi apagar o
que restava da Era Vargas. Assim, um dos cinco maiores bancos em atividade no
Brasil é o Santander, vinculado ao grupo Alpha, da Inglaterra, através do Royal
Bank of Scotland. Esse banco abocanhou o Banespa, o maior banco estadual do
mundo, por cifra ridiculamente baixa em relação aos ativos do banco, e livre de
passivos, pois a União, através do PROES, os sanou antes da privatização. E há
outros bancos estrangeiros importantes, como o HSBC.
Capital externo
O expressivo montante dos ativos de brasileiros em refúgios fiscais no exterior
(offshore tax-havens), de 562 bilhões de dólares, é indicativo da peculiar condição
de um país onde nunca faltaram capitais, mas cuja política econômica – de forma
contrária aos interesses nacionais – criou imensos atrativos para o capital
estrangeiro, alegando haver necessidade de poupança externa para complementar
a nacional. Ao contrário do que ocorre aqui com as transnacionais, o grosso dos
capitais brasileiros no exterior não controla atividades produtivas.
Quanto ao capital internacional também caberia melhor o termo “desestruturação”
do que reestruturação, porque a principal mudança foi, desde, pelo menos, 1980, a
hipertrofia do capital financeiro e a perda de importância relativa do capital aplicado
na produção real. Isso resultou da concentração. Esta leva a que as oportunidades
de investimento na produção se tornem cada vez menores em relação à
acumulação de capital resultante dos lucros oligopolistas.
Concentração de capital
A concentração do capital faz também com que cresça a concentração de renda. E
foi a queda relativa do poder aquisitivo de 80% a 90% da população que fez
minguar o investimento do capital na produção, já que só se investe se se prevê
demanda. Isso tudo levou à extrema financeirização do capital, e essa é a principal
mudança estrutural em âmbito mundial, à exceção de poucos, como a China.
A financeirização, por sua vez, levou ao primeiro surto do colapso financeiro, em
2007, e à depressão econômica nos EUA, Europa e Japão, entre outros. A
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concentração é a tendência normal na economia capitalista. Para atenuá-la, teriam
de ter sido adotadas políticas públicas em favor da desconcentração. Entretanto,
nos EUA, desde o início dos anos 1980, e especialmente dos anos 1990, não só não
se fez qualquer coisa para deter a concentração como também foram revogadas as
principais leis que regulavam os mercados financeiros.
Assim, juntou-se a avalanche de ganhos oligopolistas do grande capital, causadora
de grande oferta de capitais, com a desregulamentação do setor financeiro, em que
predominam operações alavancadas, i.e., realizadas sem estarem cobertas senão
por uma pequena fração de seu valor. Tudo isso contribuiu para que, em 2007, os
derivativos não contabilizados nos balanços dos bancos ultrapassassem a
inacreditável soma de 600 trilhões de dólares.
Como novos derivativos têm sido criados, essa soma não foi significativamente
reduzida com a liquidação forçada de talvez US$ 40 bilhões desses ativos, em todo
o mundo, às custas dos contribuintes, mediante a intervenção dos bancos centrais
e governos, na realidade governados pelos grandes bancos. Grande parte dos
títulos podres foi vendida por seu valor nominal (quando não valem nem 15%
deste), em incríveis negociatas. Em suma, o colapso financeiro mundial não mostra
sinais de estar sendo debelado.
IHU On-Line – Desde que momento está ocorrendo o processo de
desnacionalização da economia brasileira? Ela é uma tendência
internacional ou acontece apenas em alguns países?
Adriano Benayon – Desde 1954. A globalização, que se estendeu muito desde o
final da segunda guerra mundial, envolveu, em escala crescente, a aquisição de
empresas em países que não os da transnacional adquirente, além dos
investimentos diretos estrangeiros. A globalização aconteceu na maioria dos países
com intensidades diferentes. Ela afeta de modo mais grave os países que não se
haviam desenvolvido, nos quais ela asfixia o capital local e intensifica a
concentração. Essas duas coisas tornam impossível o desenvolvimento econômico e
social.
Implicações nos países não desenvolvidos
Mas os países não desenvolvidos reagiram de forma diversa à globalização: Coreia
do Sul e Taiwan tinham de manter o comércio exterior aberto, mas evitaram, tanto
quanto puderam, os investimentos diretos estrangeiros e conseguiram que as
transnacionais não dominassem suas economias. O Brasil inicialmente manteve
muitas barreiras ao comércio, mas onde deveria ter-se defendido não o fez. Não só
se abriu aos investimentos diretos estrangeiros como lhes deu benefícios enormes.
Então, a indústria da Coreia do Sul e a de Taiwan, mesmo partindo de base
muito baixa em 1960, e sendo esses países carentes de recursos naturais, eles
superam hoje em muito, qualitativamente, a indústria do Brasil e a da Argentina.
Eu explico em meu livro “Globalização versus Desenvolvimento” que o Estado
na Coreia do Sul e em Taiwan, repetindo o Japão e o que fizeram todos os
países que se desenvolveram, apoiou as empresas nacionais de todos os modos. No
Brasil, as nacionais foram grandemente prejudicadas pela política econômica que,
ao mesmo tempo, favoreceu as transnacionais.
Ora, isso contraria toda lógica: pois, se você quer competição e progresso, você
não deve de modo algum favorecer, em desfavor das locais, empresas de porte
muitíssimo maior e experientes tecnologicamente, através da produção e das
vendas em mercados de alta renda e grande dimensão. Só com firmas nacionais
competindo no mercado é viável a acumulação de capital e de tecnologia no país.
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O resultado da política de “atração aos investimentos estrangeiros” é lastimável e
está à vista de todos não só nas degradadas periferias das grandes cidades, mas
também dentro delas. Esse resultado demonstra bem, mais de cinquenta anos
depois, a falsidade do desenvolvimento sob Juscelino Kubitschek, e, cerca de 40
anos depois, a dos supostos milagres econômicos de alguns dos governos militares.
IHU On-Line – Quais são os setores econômicos nacionais mais atrativos
para o capital internacional?
Adriano Benayon – Na realidade, todos, pois a coisa começou na indústria, depois
estendeu-se aos serviços, como se vê hoje, na hotelaria, no turismo etc. e no
agronegócio. Um dos mais rendosos é certamente o dos bancos.
IHU On-Line – Quais os riscos e implicações desse processo para o
desenvolvimento da nação, e fortalecimento da economia? Quais são os
setores econômicos brasileiros mais prejudicados por causa dessa política
de investir em transnacionais?
Adriano Benayon – Os riscos são a iminente crise no Brasil, com a bolha de
crédito já desenhada e demais gargalos decorrentes da infraestrutura econômica e
social (saneamento, saúde, educação). Eu diria que danos imensos já ocorreram
em grande escala. Diria também que o risco é de esses danos continuarem
aumentando.
Na direção em que se está indo, o risco não é apenas o apontado pelo professor
José Luís Oreiro, de o subdesenvolvimento tornar-se eterno em nosso país. É o
risco é de este ser desagregado, deixando de existir como país.
IHU On-Line – Pode-se dizer que a desnacionalização tem contribuído para
acentuar o processo de desindustrialização?
Adriano Benayon – Sem a menor dúvida. A desnacionalização levou à
industrialização, e o setor industrial, cuja participação no PIB já andou aí pelos
35%, caiu para 15%. Essa é a queda quantitativa expressada nessa proporção.
Ela decorre de a indústria ter-se tornado menos competitiva internacionalmente, o
que é facilitado pela política econômica, que abriu o mercado na indústria e isentou
de impostos a exportação de produtos primários (Lei Kandir/Collor). Sem falar na
taxa de câmbio, que se valorizou por causa da entrada de capital do exterior na
compra de títulos públicos. Portanto, a dívida, consequência do modelo
dependente, também contribui muito para a desindustrialização.
Também qualitativamente a queda é abissal, pois, com maior intensidade nos
últimos 30 anos, produções da indústria e dos serviços de maior valor agregado e
conteúdo tecnológico têm saído do Brasil, sendo agora realizadas no exterior.
Além disso tudo, a indústria se tornou menos competitiva em razão do que expus
no recente artigo “O custo da desnacionalização”: em suma, os altos custos de
produção, apesar do baixo custo real de produção. Como assim? Respondo: as
transnacionais gozam do privilégio de ter custo de capital e de tecnologia
praticamente zero no Brasil. Entretanto, em sua contabilidade superfaturam as
importações de produtos finais e de insumos (o que cresceu com a abertura
comercial) e subfaturam exportações. Ademais, pagam às matrizes por
transferência – inexistente – de tecnologia e por outros supostos serviços. Daí
preços altos, em contraste com custos baixos.
Também mostrei que a descapitalização do país, resultante do modelo, leva a baixo
investimento público na infraestrutura econômica e na social, ademais de os
investimentos serem mal direcionados, pois os governos têm preferido atender aos
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interesses dos fornecedores (muitos transnacionais) dos bens e serviços a cuidar
dos interesses nacionais.
IHU On-Line – Por quais razões os grupos econômicos se tornaram mais
robustos e sólidos do que o Estado? A globalização econômica, por si só,
explica essa mudança? E por que os Estados incentivam a solidificação
desses grupos transnacionais, especialmente o Estado brasileiro?
Adriano Benayon – Essas tendências existem há muitos séculos. A globalização,
como a maioria das políticas, foi promovida sob a influência, para não dizer a
comando, dos grupos econômicos sobre os governos. Isso no caso do Brasil foi
muito extenso e profundo. Como disse no artigo citado, aí reside a maior – e menos
conhecida – corrupção.
IHU On-Line – Diante da globalização econômica e da atuação
internacional das empresas, qual a possibilidade de os países fazerem
escolhas no sentido de fortalecer a economia nacional e diminuir a
intervenção internacional? Quais os limites nesse sentido?
Adriano Benayon – Precisam de uma tomada de consciência, que vá incluindo
mais pessoas, e pessoas determinadas a mudar o presente estado de coisas. A
vontade humana, bem inspirada, pode levar a êxitos inacreditáveis. Os limites são
os atuais sistemas políticos nas “democracias” de modelo ocidental, em que a
pluralidade de partidos, eleições periódicas etc. passam por democracia, mas não o
são. Está tudo manipulado através da massa de dinheiro nas eleições e do controle
absoluto da grande mídia por parte dos concentradores.
IHU On-Line – Recentemente circulou na imprensa a informação de que
60% dos recursos do BNDES são destinados ao investimento das grandes
empresas.
O
banco
tem
contribuído
para
esse
processo
de
desnacionalização?
Adriano Benayon – Certamente.
IHU On-Line – Em artigo recente o senhor menciona que os investimentos
diretos estrangeiros registrados no Brasil de 1947 a 2008 totalizaram mais
de 222 bilhões de dólares, mas as rendas remetidas do Brasil para o
exterior, entre 1995 e 2008, somam mais de 292 bilhões. O que estes
dados sinalizam?
Adriano Benayon – Eles ilustram o resultado da estrutura econômica e social
determinada pela desnacionalização. E essa é apenas uma das ilustrações de que o
Brasil está manietado em seu desenvolvimento.
IHU On-Line – Diante de tantas fusões, é possível saber se ainda há
bastante capital nacional no Brasil? Há mais capital “nacional” no exterior?
Adriano Benayon – Talvez o que há seja suficiente para multiplicar por dez o
volume dos produtivos no país, hoje em nível baixíssimo, por ter sido o Brasil
coagido a adotar o modelo dependente. Como mencionei, há uma quantidade de
capital brasileiro no exterior muito maior do que o total investido anualmente no
país pelo conjunto do capital nacional, inclusive o estatal, e o estrangeiro.
IHU On-Line – Por que o senhor não é favorável ao ingresso de capitais no
país?
Adriano Benayon – Em primeiro lugar, eles sempre foram desnecessários e
continuam sendo. Além disso, são contraproducentes, porque acabam retirando
muito mais capital do país do que o que fazem ingressar nele. Se tivéssemos
estrutura política como a da China, poderíamos receber capitais estrangeiros com
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vantagem para o país. Mas aqui é diferente: o sistema político, aberto à influência
do dinheiro concentrado nas eleições, inviabiliza políticas favoráveis à sociedade.
Note-se que, quando as eleições puseram Vargas no governo, mesmo contra a
grande mídia, inteira, que o denegria, o capital estrangeiro ainda não se tinha
apropriado do grosso da economia. Além disso, havia mais trabalhadores
assalariados em relação à população total. Getúlio venceu em São Paulo, onde
estava o grosso da indústria, por maioria superior às vitórias tidas nos demais
Estados. E em São Paulo estava o principal foco da oposição a ele, em classes mais
abastadas.
Quando da “redemocratização” com a Constituição de 1988, o sistema de poder já
se podia arriscar de novo ao processo das eleições pluripartidárias. Antes, não.
Vargas vencera em 1950, e então houve intervenção através do golpe de Estado de
1954, dirigido, como o de 1964, pela oligarquia anglo-americana, cujos serviços
secretos trabalharam, durante anos, para esses eventos.
IHU On-Line – Quais os desafios da economia brasileira diante da
conjuntura
atual,
de
crise
internacional
e
do
processo
de
desnacionalização? É possível reverter esse quadro?
Adriano Benayon – Sugeri algo nesse sentido, em resposta anterior. É possível
reverter o quadro, desde que nos livremos das ilusões inculcadas nas mentes dos
brasileiros ao longo de dezenas de anos.
IHU On-Line – Como o governo Dilma tem se posicionado diante desta
desnacionalização?
Adriano Benayon – Parece não morrer de amores por ela, e tenta atenuar alguns
de seus efeitos. Mas, no essencial, acomoda-se a ela.
IHU On-Line – Muitos economistas consideram o governo Dilma, do mesmo
modo que o ex-governo Lula, neodesenvolvimentista. O senhor concorda?
Que modelo de desenvolvimento o Estado projeta para o país?
Adriano Benayon – A meu ver, esses economistas não têm ideia clara do que seja
desenvolvimento e julgam ter sido o governo de JK gerador de desenvolvimento.
JK dizia-se desenvolvimentista. Pela mesma razão, esses economistas consideram
que Dilma tenta se aproximar de algo parecido com as políticas de JK.
A semelhança é que JK manteve e ampliou os subsídios para as transnacionais
estrangeiras ocuparem o mercado brasileiro e que Lula/Dilma manteve os
desastres institucionais implantados por Collor e principalmente por FHC, como as
privatizações, as concessões, as agências reguladoras, que servem às prestadoras
dos serviços públicos privatizados, e não aos consumidores.
Lula, tal como FHC, pressionou o Congresso para aprovar emendas constitucionais
das reformas tributária e previdenciária, a Desvinculação das Receitas
Tributárias – DRU. Manteve também a Lei de “Responsabilidade Fiscal” e
tudo mais que o sistema de poder mundial mandou instituir, na era de FHC, em
favor dos banqueiros beneficiários dos absurdos juros da dívida pública,
inviabilizando adicionalmente a capacidade de as empresas nacionais competirem
nos mercados.
Lula e Dilma
Lula e Dilma não seriam tão monoliticamente defensores do capital estrangeiro,
nem decididos anuladores das possibilidades de sobrevivência das empresas de
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capital nacional quanto o foi o “governo” de FHC. Mas principalmente Lula cedeu
às pressões com facilidade.
Dilma tenta elevar o baixíssimo quantum dos investimentos públicos, que
prevalece desde o início da década perdida, dos anos 1980. Na realidade, a dos
anos 1990 foi mais desastrosa, devido às privatizações e demais transformações
institucionais voltadas para sufocar em definitivo o desenvolvimento do país. Mas
Dilma não tem conseguido êxito. O absurdo serviço da dívida pública, a qual nunca
foi auditada, consome dinheiro demais, e a redução da taxa Selic ainda não afetou
significativamente essas despesas que aleijam a capacidade de o governo investir.
O programa de investimentos públicos federais depende das parcerias públicoprivadas, um modelo incompatível com a política de um Estado capaz de comandar
e orientar o processo de desenvolvimento.
Os estados estão manietados inclusive pelo serviço de suas dívidas para com a
União. As estatais – que hoje são poucas – e com a Petrobrás prejudicada desde a
era FHC e sem reversão tampouco disso – pouco investem em montante e em
qualidade suficientes para impulsionar um desenvolvimento real. Este, de resto,
depende também do setor privado, e o modelo dos últimos quase 60 anos o foi
eliminando em favor das transnacionais.
CARLOS LESSA - "O Brasil não tem nenhum projeto
nacional de longo prazo, a não ser a expansão da
economia do petróleo"
Carlos Lessa - 01/08/2012 - Jornal Valor Econômico
"O problema macroeconômico brasileiro é o crescimento medíocre, que não
se apoia em investimento nem público nem privado e que foi mantido pela
evolução favorável das exportações primárias brasileiras (minério, soja,
proteínas, açúcar, tendo a presença crescente de petróleo bruto) e pelo
endividamento assustador das famílias com compras (de veículos,
eletrodomésticos etc) e com a corrosão de suas rendas familiares com os
juros leoninos", assevera Carlos Lessa, economista, ex-presidente do
BNDES, no artigo "Desconfiança empresarial I", publicado no jornal Valor,
01-08-2012.
O ex-reitor da UFRJ constata que "há uma desconfiança estrutural no
empresariado que está no Brasil".
Eis o artigo.
É previsível que a leitura oficial da política econômica sempre procure manter os
corações brasileiros aquecidos e se esforce por renovar esperanças. Em tempos de
crise, essa postura reproduz uma sucessão de declarações enigmáticas, cada uma
delas apoiada em uma dimensão. Sua sucessão acaba amplificando desconfianças.
Dia 17 de julho, o Banco Central assume uma tonalidade otimista e prognostica
um crescimento de 4% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, a partir do
trimestre final do ano corrente, para o qual prognosticou algo maior que 1%;
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anuncia que haverá a cobertura de todo déficit em conta corrente a partir de
investimentos estrangeiros diretos e a melhora da inadimplência e atraso de
pagamentos entre 15 e 90 dias (fala de uma estabilização da inadimplência das
famílias em torno de 8%). Porém, em 13 de junho, a presidente Dilma havia
afirmado que "o Brasil terá de superar as turbulências da crise econômica externa
com base na força de seu mercado doméstico". Dilma afirmou, também, que
"ainda há margem para o aumento de consumo" e do endividamento por parte das
famílias e, simultaneamente, defendeu medidas de estímulo ao consumo e
ressaltou que "os investimentos públicos devem se intensificar no segundo
semestre".
Em passado recente, o governo exaltava o dinamismo (?!) da economia brasileira,
mas frente ao "pibinho", abandonou o "pibão" como justificativa político-econômica.
A presidente Dilma, no dia 12 de julho, mudou o centro de seu otimismo,
afirmando que "uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas
crianças e adolescentes; não é o PIB, é a capacidade do país, do governo e da
sociedade de proteger o que é seu presente e seu futuro, que são suas crianças e
seus adolescentes". Entretanto, Guido Mantega, o ministro da Fazenda, alegou
que o aumento de gastos com educação para 10% do PIB "quebra o Estado" e
cobrou ousadia dos empresários, numa reunião onde explicitou a seguinte pérola:
"A crise atual é tão grave quanto a de 2008".
Poderia polemizar com todas essas declarações e justificativas oficiais para reiterar
que o problema macroeconômico brasileiro é o crescimento medíocre, que não se
apoia em investimento nem público nem privado e que foi mantido pela evolução
favorável das exportações primárias brasileiras (minério, soja, proteínas, açúcar,
tendo a presença crescente de petróleo bruto) e pelo endividamento assustador das
famílias com compras (de veículos, eletrodomésticos etc) e com a corrosão de suas
rendas familiares com os juros leoninos.
Ativar o investimento produtivo das empresas, retomar uma taxa de investimento
de, pelo menos, 23% a 24% do PIB (superar a ultra medíocre taxa de 19%) é
impossível com um simples apelo ao "espírito empresarial", que se nutre e se
alimenta com desconfianças. Não é repetindo o pacote de 2008 (com incentivos
fiscais), nem reanunciando o PAC (necessário, urgente e insuficiente) ou
assumindo que se repete em 2012 o clima de 2008, que se reporá confiança no
empresariado.
O Brasil não tem nenhum projeto nacional de longo prazo, a não ser a expansão da
economia do petróleo. Qualquer empresário de médio ou grande porte sabe que a
crise mundial está longe de ser superada. Não iremos revisitar o cenário
inquietante. É fácil constatar que o Brasil não propõe nada viável em relação aos
próximos anos. Qualquer empresário quer incentivos, facilidades creditícias e
tributárias e a remoção dos pontos de estrangulamento de suas atividades. Sendo
uma sobrevivente da desindustrialização e, por vezes, uma beneficiária da
desnacionalização, a empresa no Brasil vê no endividamento familiar apenas uma
defesa da procura corrente e sente a ameaça crescente da inadimplência; não
consegue perceber qual é a política de longo prazo para multiplicar empregos e
renda. O empresário sabe não só que o cenário internacional é de crise, mas
também que o Brasil é extremamente vulnerável às oscilações financeiras (o
Bovespa oscila frequentemente mais que as bolsas do exterior, com as mesmas
vicissitudes internacionais).
Os japoneses reduziram em 30% suas aplicações financeiras no Brasil durante o
primeiro semestre; o Japão se declara preocupado com a estagnação brasileira. O
patrimônio da família americana diminuiu terrivelmente durante a crise; o FMI
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adverte o "Bric" de sua volatilidade; a Moodys adverte o Brasil. A Krupp alemã
põe à venda sua siderúrgica no Brasil; a General Motors fecha uma planta em São
Paulo. Os exportadores estão preocupados com a instabilidade das relações BrasilArgentina. A ofensiva mundial chinesa reduz o espaço das exportações brasileiras.
Tudo é conhecido pelos empresários.
O empresário sabe que o endividamento sem crescimento do investimento
macroeconômico gera uma bolha de crédito e conhece a devastação que essas
bolhas produzem quando estouram; sabe que 2012 é um episódio de uma longa
crise iniciada antes de 2008; sabe que o Citigroup tem tido prejuízos crescentes e
que a Libor foi recém-manipulada pelo Barclays; sabe que o problema espanhol não
está superado e que a City de Londres corre o risco de vir a ser esvaziada.
No Brasil, os empresários sabem que os desejados incentivos fiscais reduzem o
superávit fiscal, mas também que o governo teme a inflação e considera o
superávit fiscal absolutamente prioritário. Assim, percebem que é extremamente
difícil ampliar significativamente o investimento público. Além disso, sabem que a
Petrobras colocou à venda suas refinarias no Japão e nos EUA, que o diesel subiu e
a gasolina está pressionando nossas importações; percebem a ambiguidade
estrutural na política cambial.
É possível afirmar que há uma desconfiança estrutural no empresariado que está no
Brasil. Não dá para tapar essa dimensão com declarações oficiais como as aqui
listadas.
JOSÉ LUÍS OREIRO - ''O risco é o Brasil continuar
eternamente um país subdesenvolvido''
Entrevista com José Luís Oreiro – 02/08/2012 (www.ihu.unisinos.br)
“A desindustrialização, se não for revertida, vai condenar a economia
brasileira a um curto crescimento medíocre a médio e longo prazo”
A receita de aumentar a renda e oferecer crédito para fomentar o consumo e
alavancar a economia, adotada durante o governo Lula, já dá sinais de
enfraquecimento, diz o economista José Luís Oreiro à IHU On-Line.
Segundo ele, o “sucesso desse modelo acabou levando ao seu esgotamento”,
porque a taxa de desemprego, que era de 12% entre 2003 e 2004, caiu para
6% no ano passado, e a utilização da capacidade produtiva da indústria subiu
de 78% para 81% no mesmo período. Diante desse cenário, alerta, “o país
precisa urgentemente investir no aumento do investimento e da
produtividade do trabalho, e isso não se consegue apenas estimulando a
demanda de consumo”.
Na avaliação de Oreiro, a atual desaceleração da economia brasileira é
decorrente da desindustrialização, especialmente por causa da baixa
competitividade da indústria de transformação que, embora seja o setor
industrial mais dinâmico da economia brasileira, responde por “menos de
15% do PIB” nacional. “Como o setor responde por uma situação muito
pequena do PIB, a capacidade dele de gerar ganhos de produtividade, que se
alastrem para o resto da economia, é muito pequena. Isso, do meu ponto de
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vista, é a razão estrutural mais forte pela qual a economia brasileira hoje,
perde dinamismo”, assinala em entrevista concedida por telefone.
A estimativa do economista é de que a economia brasileira cresça de 2,5 a
3% nas próximas décadas, crescimento que, segundo ele, “é insustentável”.
Para Oreiro, a economia nacional enfrenta um “conflito entre a estabilidade
a curto prazo e o potencial de crescimento a longo prazo”. Para reverter esse
quadro, salienta, “é preciso reindustrializar a economia brasileira, porque na
medida em que se reindustrializa, aumenta a importância do setor mais
dinâmico da economia e, portanto, há maiores ganhos de produtividade. (...)
Tem de estimular a indústria de transformação, aumentando o componente
da demanda agregada, e o investimento”.
José Luís Oreiro (foto abaixo) é graduado em Ciências Econômicas pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, possui mestrado em
Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e
doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Organizou
Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de
preços (São Paulo: Monole, 2003) e Sistema financeiro: uma análise do setor
bancário brasileiro (Rio de Janeiro: Campus, 2007). Atualmente leciona no
Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que a expansão do crédito e o aumento da renda salarial
como receita para estimular a economia brasileira dão sinais de
esgotamento? Por que essa política foi importante nos últimos anos e
agora não é mais suficiente para alavancar a economia?
José Luís Oreiro – Porque em 2003, quando o presidente Lula assumiu a
presidência da República, a economia brasileira encontrava-se em uma situação
completamente diferente da que se encontra hoje. Em 2003 e 2004, a taxa de
desemprego estava muito elevada, em torno de 12% da força do trabalho, e se
tinha uma utilização de capacidade da indústria em torno de 78%. Então, havia
muita mão de obra desempregada além de capacidade produtiva não utilizada.
Nesse contexto, para garantir o crescimento econômico rápido e robusto, foi
preciso aumentar a demanda agradada para garantir uma utilização mais intensa
dos recursos produtivos existentes. A estratégia adotada pelo governo do PT nesse
período foi estimular o consumo. Havia aumento do crédito e, em menor grau,
aumento da renda salarial, e isso permitiu um crescimento rápido da demanda de
consumo. Esse aumento pode ser atendido facilmente porque havia muita
capacidade ociosa e desemprego grande da força de trabalho.
O problema é que o próprio sucesso desse modelo acabou levando ao seu
esgotamento, no sentido de que hoje a taxa de desemprego é a metade da que se
tinha em 2003, algo inferior a 6% da força de trabalho, e um nível de utilização da
capacidade em torno de 81%. Então, esses dados mostram que o Brasil chegou ao
teto de expansão do nível de atividade econômica apenas com base no consumo. O
país precisa urgentemente investir no aumento do investimento e da produtividade
do trabalho, e isso não se consegue apenas estimulando a demanda de consumo.
IHU On-Line – A equipe econômica do governo está atenta a esse cenário
de mudança?
José Luís Oreiro – Sim. A presidente Dilma sabe que precisa de um aumento de
investimento. O problema é que ela se defronta com uma armadilha herdada do
governo anterior: em função de aumento de salários que foram concedidos durante
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o governo Lula, tem-se pouco espaço para investimento público. Essa é a principal
barreira para mudar o modelo de crescimento para um modelo baseado no
investimento e não no consumo.
IHU On-Line – A que atribui a desaceleração da economia brasileira neste
momento? O crescimento diminui por causa da política econômica, da crise
internacional?
José Luís Oreiro – Tem uma razão de natureza conjuntural, sem dúvida nenhuma,
porque a crise na Europa está afetando as exportações de produtos manufaturados
desde meados do ano passado, mas desaceleração também está relacionada com a
desindustrialização da economia brasileira. Hoje a indústria de transformação
responde por menos de 15% do PIB, e é o setor mais dinâmico da economia, fonte
ou principal difusor do projeto tecnológico. Como o setor responde por uma
situação muito pequena do PIB, a capacidade dele de gerar ganhos de
produtividade, que se alastrem para o resto da economia, é muito pequena. Isso, a
meu ver, é a razão estrutural mais forte pela qual a economia brasileira, hoje,
perde dinamismo. Quer dizer, ela perdeu dinamismo porque não é capaz de gerar
ganhos de produtividade que permitam um crescimento mais robusto do PIB num
contexto em que o desemprego, aparentemente, chegou a um nível mais baixo, e
onde a capacidade instalada está sendo bastante hostilizada.
IHU On-Line – Há anos muitos economistas defendem o investimento na
indústria de transformação. Por que é difícil fortalecer esse setor? A aposta
brasileira pelo modelo agroexportador interfere no desenvolvimento desse
setor?
José Luís Oreiro – É difícil defender a indústria de transformação porque esse é o
setor mais exposto à concorrência internacional. Num contexto em que se tem,
desde 2005, uma apreciação bastante significativa da taxa de câmbio, fica difícil
defender o setor. Embora nos últimos três meses se tenha tido uma desvalorização
do câmbio em torno de 15 a 20%, esse valor ainda não é suficiente para
compensar seis anos de apreciação contínua da taxa de câmbio. Para se ter ideia,
se analisarmos o custo unitário do trabalho – que é o custo salarial dividido pela
quantidade produzida pela indústria – desde 2003 até o final de 2011, e deflacionar
o valor pela taxa real e efetiva de câmbio, veremos um aumento de mais de 60%.
Quer dizer, o custo de produção por unidade produzida na indústria de
transformação brasileira entre janeiro de 2003 e dezembro de 2011 aumentou,
quando comparado com a taxa real de câmbio, 60%. Isso mostra que a grande
fonte de perda de competitividade da indústria brasileira é a apreciação da taxa de
câmbio, num contexto de forte aumento salarial, que foi produzido durante o
governo Lula.
IHU On-Line – Quais são as raízes da desindustrialização brasileira?
Recentemente o senhor publicou um artigo em que mencionava duas
hipóteses em relação à desindustrialização brasileira: que esse não é um
processo natural e resulta da política macroeconômica adotada nos últimos
20 anos; ou de que a desindustrialização brasileira é natural e igual a dos
países desenvolvidos. Já é possível fazer um diagnóstico?
José Luís Oreiro – A desindustrialização brasileira é precoce. Quando comparamos
com os países desenvolvidos, observamos que o Brasil começou a se
desindustrializar com um nível de renda per capita inferior ao dos países
desenvolvidos, quando eles mesmos iniciaram os seus respectivos processos de
desindustrialização. Então, a desindustrialização brasileira é de uma natureza
diferente da dos países desenvolvidos no sentido de que é precoce, ou seja, ocorre
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num nível de renda per capta inferior da dos países desenvolvidos, e ela é motivada
fundamentalmente pela taxa real de câmbio.
IHU On-Line – Então resulta da política macroeconômica?
José Luís Oreiro – Exatamente.
IHU On-Line – Quais os riscos de a indústria e a economia brasileira se
manterem estáticas nos próximos anos? Vislumbra essa possiblidade?
José Luís Oreiro – O Brasil pode continuar crescendo em torno de 2,5, 3% ao ano
durante vários anos ou décadas, com um razoável grau de estabilidade macro, e
com uma taxa de desemprego não muito grande. O problema é que, se o país
crescer a esse ritmo, o Brasil vai continuar eternamente um país subdesenvolvido.
Um crescimento de 2,5% do PIB no longo prazo gera um crescimento da renda per
capta em torno de 1,2, 1,5% ao ano. Isso é muito pouco. Quer dizer, os países
desenvolvidos têm uma tendência de crescimento de renda per capta em torno de
1,5 a 2% ao ano – com exceção desse momento, em que eles estão crise. Porém,
observando um período mais longo, percebe-se que a renda cresce nesse ritmo.
Então, se a renda per capta brasileira crescer em torno de 1,5 a 2%, significa que o
Brasil nunca irá alcançar os países desenvolvidos. O risco é o Brasil continuar
eternamente um país subdesenvolvido.
IHU On-Line – O crescimento econômico de pouco mais de 7%, em 2010,
foi uma exceção? Há chances de o crescimento ser sustentável nos
próximos anos?
José Luís Oreiro – Aquele crescimento foi uma exceção. Dada as condições da
economia brasileira hoje, o crescimento é insustentável.
IHU On-Line – Como garantir o crescimento sustentável? Pode nos explicar
sua aposta na capacidade produtiva e taxa de crescimento da
produtividade do trabalho?
José Luís Oreiro – É preciso reindustrializar a economia brasileira, porque na
medida em que se reindustrializa, aumenta a importância do setor mais dinâmico
da economia e, portanto, há maiores ganhos de produtividade. Então, basicamente
minha proposta é mudar a composição da demanda agregada em direção a
produtos industrializados. Quando se estimula o consumo, puro e simplesmente,
uma parte desse estímulo vai para produtos industriais, sem dúvida nenhuma,
como automóveis, mas também se aumenta a demanda de serviços. No entanto,
isso não interessa ao Brasil, porque o setor de serviços no país, além de já estar
muito inchado, é de baixa produtividade, porque a mão de obra brasileira tem baixo
nível de instrução.
Então, tem de estimular a indústria de transformação, aumentando o componente
da demanda agregada, e o investimento. Quando se fala em aumentar o
investimento público, se pensa em aumentar a demanda de máquinas, de cimento,
de asfalto, de construções, etc. Em vez de simplesmente aumentar a demanda
global da economia, é preciso mudar a composição dela em direção a bens que são
produzidos pelo setor de maior dinamismo: a indústria de transformação.
IHU On-Line – Que mudanças devem ser feitas na política econômica para
garantir esse fortalecimento da indústria de transformação?
José Luís Oreiro – É preciso, primeiro, aumentar significativamente o
investimento público nas três esferas: União, estados, e municípios, e nas
empresas estatais. Atualmente esses investimentos estão em torno de 3% a 3,5%
do PIB. É preciso elevá-los para 5% ou 6% do PIB, pelo menos. Ou seja, tem que
aumentar o investimento público entre 40% ou 50% do valor que ele possui hoje.
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Em segundo lugar, é preciso continuar o processo de desvalorização da taxa de
câmbio. Embora o câmbio hoje esteja melhor do que estava há quatro meses, ele
ainda não é suficiente para garantir uma competitividade mais robusta da indústria
de transformação. Então, precisa-se desvalorizar o câmbio para um patamar entre
R$ 2,20 a 2,40, por exemplo. Esses dois elementos são fundamentais para garantir
um início do processo de reindustrialização da economia brasileira.
IHU On-Line – Como estão os investimentos na área do pré-sal? Vislumbra
uma indústria competitiva nessa área?
José Luís Oreiro – Particularmente, sou muito cético com respeito ao pré-sal.
Trata-se de um investimento muito volumoso, de uma tecnologia que, ao que tudo
indica, está em via de se tornar obsoleta. Não consigo visualizar, nos próximos
vinte anos, a matriz energética do mundo ainda baseada na exploração de
derivados de petróleo. Então, trata-se de uma aposta de altíssimo risco. O pré-sal
veio tarde demais para a economia brasileira, no sentido de que, se o Brasil o
tivesse descoberto há vinte anos, realmente poderia ter se aproveitado dessa
abundância de petróleo de maneira positiva. O risco que o Brasil corre agora é de
investir um monte de dinheiro na exploração do pré-sal e, daqui dez anos ou quinze
anos, toda essa tecnologia se tornar obsoleta, porque vamos ter uma revolução
energética que vai implicar no abandono, ou pelo menos, numa redução
significativa na demanda por derivados de petróleo.
IHU On-Line – O Estado brasileiro pode ser caracterizado
neodesenvolvimentista? Quais são suas características?
como
José Luís Oreiro – O desenvolvimentismo brasileiro é meio inconsistente no
sentido de que realmente há uma preocupação maior com o desenvolvimento, com
o crescimento, mas as metas e os instrumentos da política macroeconômica não
são totalmente consistentes entre si. De maneira que os resultados que se obtém
são muito fracos.
IHU On-Line – O modelo de desenvolvimento também é ultrapassado?
José Luís Oreiro – Exatamente. Quer dizer, se apostar em uma tecnologia velha,
que é uma matriz energética com base em derivados do petróleo. Realmente acho
que é apostar no passado.
IHU On-Line – Como vê as políticas econômicas do governo Dilma?
José Luís Oreiro – Houve algumas mudanças importantes. Claramente, a política
monetária está melhor conduzida do que era no governo Lula, no sentido de que
agora há uma preocupação maior com o crescimento do que apenas com a
estabilidade de preços, como havia na gestão do Henrique Meirelles, no Banco
Central. Há também o início de uma preocupação com o aprofundamento da
responsabilidade fiscal, no sentido de que hoje se entende isso não apenas como
uma manutenção de um superávit primário suficiente para garantir a estabilidade
ou a queda da dívida pública como proporção do PIB, mas também no sentido de
que é preciso deixar espaço no orçamento para aumentar o investimento público.
Então, a presidente Dilma tem essa preocupação. Houve uma evolução nesse
sentido, mas ainda é fraca, pequena, se comparada com aquilo que se precisa para
garantir um crescimento sustentável no médio e longo prazo.
IHU On-Line – Quais os reflexos e as consequências que se pode esperar
diante da desindustrialização e de uma possível queda na exportação de
commodities, caso a crise internacional se mantenha nos próximos anos?
José Luís Oreiro – A desindustrialização, se não for revertida, vai condenar a
economia brasileira a um curto crescimento medíocre a médio e longo prazo.
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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Atualmente, o potencial de crescimento de longo prazo da economia brasileira é em
torno de 2,5% a 3% ao ano.
A queda da exportação de commodities – isso deve acontecer em curto prazo,
talvez no intervalo de um ano – deve produzir um aumento bastante significativo
no déficit em conta corrente, e, se isso acontecer, teremos uma desvalorização bem
forte da taxa de câmbio. Nota-se que há uma espécie de trade off entre o risco de
curto prazo e as perspectivas a longo prazo no seguinte sentido: para o Brasil seria
bom se tivesse uma desvalorização muito forte da taxa de câmbio hoje, porque
seria possível acertar os ponteiros para permitir que a economia brasileira, num
prazo de três a quatro anos, entrasse numa trajetória de crescimento bem mais
sustentável do que ela tem hoje. Então, há um conflito entre a estabilidade a curto
prazo e o potencial de crescimento a longo prazo, no sentido de que, ao garantir a
estabilidade de curto prazo, garante-se um nível alto de preços para as
commodities que o Brasil exporta. Isso é bom a curto prazo, mas, a longo prazo,
mantém as condições que geram o processo de desindustrialização e que, portanto,
fazem com que o potencial de crescimento da economia brasileira seja mais baixo a
médio e longo prazo.
PAULO PASSARINHO - Em meio a agravamento da crise
financeira, governo brasileiro aprofunda princípios
neoliberais
01/08/2012 (www.correiocidadania.com.br)
"Ao que tudo indica, o governo Dilma se encontra em uma armadilha ditada
pelas suas opções de governabilidade, herdadas do governo Lula. Abrindo
mão do papel protagônico que deve guiar o Estado, em um país dominado
pelo capital financeiro, o recrudescimento das atuais dificuldades do governo
deverá ser respondido com maiores concessões ao capital privado. Mudanças
na legislação trabalhista voltam a ganhar destaque e, sob o ponto de vista do
investimento, o que se prenuncia é um conjunto de medidas para a entrega à
iniciativa privada dos setores de infraestrutura", analisa Paulo Passarinho,
economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre, em artigo
publicado pelo Correio da Cidadania e reproduzida por Envolverde, 07-082012.
Segundo ele, a opção pelas políticas ditadas pelo neoliberalismo acarreta o
"alto e grave" preço "de condenar o Brasil a uma condição subalterna às
pressões privatistas e estrangeiras. Mantemos a triste trajetória de renúncia
de nossa soberania, autodeterminação e de nossa própria inteligência, por
conta da incapacidade e pusilanimidade das elites econômicas e políticas do
país".
Eis o artigo.
Em meio a agravamento da crise financeira, governo brasileiro aprofunda princípios
neoliberais. O atual mês de julho deveria ser encarado por Dilma Rousseff como
um marco importante das absurdas limitações que vão se impondo ao seu governo,
em decorrência de decisões equivocadas que vêm sendo assumidas desde o início
do seu mandato.
O início da gestão do atual governo foi marcado pelo temor de um propalado
recrudescimento inflacionário, que o levou a decidir, através do Banco Central,
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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pela elevação sistemática da taxa Selic, por cinco diferentes vezes consecutivas. O
ministro da Fazenda declarava, então, que o seu objetivo era produzir uma
desaceleração no ritmo da atividade econômica, como forma de arrefecer a pressão
inflacionária que, supostamente, se apresentava como uma perigosa tendência,
necessária de ser combatida. Outra preocupação explícita da equipe econômica era
com o processo de valorização do real frente ao dólar, especialmente pelos efeitos
negativos produzidos nos resultados da balança comercial.
Já a partir da metade do ano passado, contudo, a percepção dos gestores da
política econômica havia se alterado: a desaceleração econômica já se fazia sentir
de forma mais intensa que o desejável e o agravamento da crise europeia se
adicionava às preocupações do governo. As medidas de elevação da taxa de juros
acabaram por produzir uma estagnação econômica no terceiro trimestre do ano e
as medidas de injeção de liquidez – adotadas pelos bancos centrais americano e
europeu – mantiveram em alta os fluxos de capital especulativo para países como o
Brasil, contribuindo para a valorização indesejável do real.
Neste contexto, 2012 tem início com Dilma Rousseff preocupada em evitar o pífio
crescimento do PIB observado em 2011 (2,7%), abaixo da média do PIB mundial e
o mais fraco desempenho entre os países da própria América do Sul. Para o
governo, a ideia era procurar assegurar uma expansão do PIB de 4,5%. Com
relação ao câmbio, medidas buscando inibir operações de empréstimos e
financiamentos entre filiais de multinacionais e suas matrizes ajudaram a diminuir o
fluxo de entrada de recursos especulativos no país. Além disso, a saída de recursos
de estrangeiros aplicados nas bolsas de valores e mercadorias acabou por produzir
uma relativa desvalorização do real.
Entretanto, sob o ponto de vista do ritmo da atividade econômica, os resultados
não poderiam ser mais desanimadores. Sucessivas reavaliações foram feitas desde
o início do ano, por parte do próprio governo e de instituições ligadas ao chamado
mercado, e hoje se torna consenso que, na melhor das hipóteses, a economia
deverá crescer em torno de apenas 2%. As várias medidas que têm sido
anunciadas, sempre em torno da desoneração fiscal e da concessão de crédito
subsidiado a setores empresariais, parecem não mais surtir o efeito esperado. Há
incertezas por parte do capital privado para novos investimentos e as respostas na
esfera do consumo se mostram tímidas frente ao forte endividamento das famílias,
contraído nos últimos anos, mesmo diante da política em curso de redução das
taxas de juros.
A grande alternativa que poderia estar ao alcance do governo seria uma guinada
nos chamados gastos públicos, tanto em termos de novos investimentos como no
incremento de gastos de custeio, particularmente no atendimento às demandas
salariais do funcionalismo. Para tanto, a diminuição das metas de superávit fiscal
poderia abrir uma margem de manobra importante ao governo, para a viabilização
desses objetivos. Porém, esta é uma medida quase proibitiva, dentro da lógica do
governo.
Para o rompimento da verdadeira ditadura fiscal representada pelo superávit
primário, de forma consequente e sustentável, haveria a necessidade de uma
abrangente mudança no conjunto da política macroeconômica. Mecanismos de
controle sobre os fluxos cambiais, maior eficácia fiscalizatória sobre os bancos e
uma substantiva mudança no padrão de administração da dívida pública, com uma
forte redução nas taxas de juros dos títulos públicos – muito além da redução da
taxa Selic – seriam medidas essenciais.
Haveria, particularmente, a necessidade de uma forte atenção com nossas contas
externas, fortemente pressionadas pela conta de serviços e pela redução do saldo
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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comercial, ampliando ano após ano o déficit em conta corrente do país. Controlar
as remessas de lucros ao exterior e dotar nossas exportações de maior
competitividade, através de uma taxa de câmbio desvalorizada, seriam também
medidas importantes para uma transição que tivesse como objetivo uma nova
realidade econômica, favorável ao capital produtivo, à geração de empregos de
qualidade e à ampliação dos gastos públicos.
A maior dificuldade para uma mudança dessa natureza não se encontra na esfera
técnica. Os obstáculos são de natureza política. A adoção de uma política
econômica alternativa implicaria romper com o pacto de poder hegemônico,
construído desde meados dos anos 90, e que tem nos bancos e multinacionais os
seus principais avalistas e beneficiários. Exigiria, portanto, coragem política para
enfrentar os atuais donos do poder.
Mas, ao que tudo indica, o governo Dilma se encontra em uma armadilha ditada
pelas suas opções de governabilidade, herdadas do governo Lula. Abrindo mão do
papel protagônico que deve guiar o Estado, em um país dominado pelo capital
financeiro, o recrudescimento das atuais dificuldades do governo deverá ser
respondido com maiores concessões ao capital privado. Mudanças na legislação
trabalhista voltam a ganhar destaque e, sob o ponto de vista do investimento, o
que se prenuncia é um conjunto de medidas para a entrega à iniciativa privada dos
setores de infraestrutura.
Aeroportos, ferrovias, rodovias e portos deverão ser concedidos a operadores
privados, inclusive estrangeiros, através de parcerias público-privadas, e onde
curiosamente – assim como ocorre desde o início da tragédia das privatizações – o
sempre presente BNDES estará atuante, como financiador-mór dessas operações.
Dessa forma, em meio ao agravamento da crise do capital financeiro no mundo
mais desenvolvido, em meio à fragilidade do Estado brasileiro frente às suas
obrigações constitucionais com o nosso povo (em termos de educação, saúde,
habitação popular ou transportes públicos), continuamos a aprofundar o
enraizamento dos princípios e políticas ditadas pelo neoliberalismo, para um país
periférico.
O preço dessa opção, de condenar o Brasil a uma condição subalterna às pressões
privatistas e estrangeiras, é alto e grave: mantemos a triste trajetória de renúncia
de nossa soberania, autodeterminação e de nossa própria inteligência, por conta da
incapacidade e pusilanimidade das elites econômicas e políticas do país.
PAULO PASSARINHO - O futuro do Brasil
7 de Julho de 2011 - (www.correiocidadania.com.br)
"Não há pior veneno para o futuro nacional do que o desânimo que
acompanha a perda de esperança da juventude quanto ao país. Explicitar um
projeto nacional é prioridade para a preservação da identidade e da
autoestima do Brasil; exige colocar o presente do país em pauta. Um projeto
nacional é sempre percebido e adotado em parte pelos atores sociais que
preconizam mudanças mais ou menos acentuadas em dimensões estruturais
e comportamentais de uma sociedade nacional. Obriga os conservadores a
saírem da casca; cria uma diferenciação entre aqueles que querem preservar
intacto o status quo e aqueles que admitem - via negociação - adaptações e
transformações parciais. Pensar o futuro ilumina o presente; restaura
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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esperanças e dá substância à retórica democrática convertendo-a em prática
substantiva social e política".
Apresento essa epígrafe, extraída do texto do último artigo do professor Carlos
Lessa, publicado no jornal Valor Econômico, em seis de julho desse ano, para
evidenciar, mais uma vez, a importância de um projeto nacional para o Brasil.
Lessa, nesse artigo, nos lembra a trajetória de alguns dos poucos países da
economia globalizada desse início do século XXI que lograram construir projetos de
nação, dignos desse nome. A partir dos primeiros passos da revolução industrial
iniciada na Inglaterra, no século XVIII, poucos países conseguiram de fato se
constituir em nações soberanas na definição de suas prioridades. Além da própria
Inglaterra, apenas a França, os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e agora, já no
século XX, a Rússia, a China e a Índia podem ser considerados países portadores de
definições estratégicas e condições para a afirmação soberana de seus destinos.
O Brasil é um país que potencialmente teria todas as condições para já estar
incluído nesse seleto grupo. Para tanto, é importante esclarecer, não nos bastaria
vontade e condições políticas adequadas. As dimensões territorial e populacional,
as especificidades vinculadas às possibilidades para a produção de alimentos e a
geração de energia são, por exemplo, variáveis essenciais para uma determinada
nação almejar o objetivo de atingir um grau de autonomia que lhe livre da
dependência estrutural a outros países. Em relação a essas variáveis, o Brasil
talvez seja o país que reúna as melhores condições, junto com os Estados Unidos,
para pensar e definir uma estratégia nacional, com o objetivo de construir um
modelo específico, adequado às nossas necessidades e peculiaridades, de
desenvolvimento econômico, social e cultural. Um modo brasileiro de vida.
Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos fez a sua opção radical, de romper com a
potência imperial de então, a Inglaterra, envolvendo inclusive um conflito bélico, e
ousar a construção de uma nação soberana, ainda no século XVIII. Sem entrar no
mérito sobre a natureza do modelo adotado por eles – baseado na guerra e na
radical defesa de sua moeda, como formas de defesa de sua economia nacional – a
realidade é que foram exitosos em seus objetivos.
Aqui no Brasil, ao contrário, a renúncia a uma perspectiva séria de soberania
sempre foi a tônica do comportamento de nossas elites. Apenas no século passado,
e a partir das contradições da crise global capitalista dos anos trinta, é que
começamos a engatinhar em torno da idéia de construir uma nação soberana.
Contudo,
de
forma
extremamente
mambembe.
O
projeto
nacionaldesenvolvimentista, que sequer foi capaz de efetivar uma verdadeira reforma
agrária, foi na prática atropelado por um desenvolvimentismo associado ao capital
estrangeiro, cujo ápice se deu no golpe civil-militar de 1964.
Posteriormente, quando restabelecemos um regime de liberdades democráticas
formais, já nos anos oitenta, o desenvolvimentismo encontrava-se em xeque, por
conta do endividamento externo e pela própria pressão do capital financeiro global,
em favor das políticas de abertura e privatizações em favor de corporações
privadas.
A eleição de Collor, em 1989, nos jogou definitivamente na aventura dos
financistas. Os governos de FHC azeitaram o modelo inaugurado de forma
atabalhoada por Collor, com as mudanças constitucionais e o arranjo institucional
impulsionado pelo PSDB e seus aliados. Entretanto, as sucessivas crises do
capitalismo global na segunda metade dos anos noventa colocaram o modelo
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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neoliberal na berlinda, não somente aqui no Brasil, mas especialmente em toda a
América Latina, região onde esse modelo havia se implantado com força.
Foi nesse contexto que, em 2002, Lula, o PT e os seus aliados chegaram ao
governo federal. Contudo, ao contrário do que se poderia esperar, os novos
governantes se adaptaram rapidamente ao credo dos seus antigos adversários
políticos. A nomeação de um alto executivo de um banco americano para a
presidência do Banco Central, em decisão anunciada em Washington, foi apenas o
início de uma profunda metamorfose explícita dos novos governantes, antiga
vanguarda na luta contra o projeto dos bancos e transnacionais.
Com a expansão dos fluxos de comércio internacional que caracterizou a primeira
década do século XXI, impulsionada pela demanda asiática – e especialmente
chinesa - por alimentos e matérias-primas, houve uma extraordinária melhoria em
nossas contas externas, propiciando ao governo avançar em políticas de
transferência de renda aos miseráveis, reajustes reais ao salário-mínimo e a
ampliação do mercado de crédito, particularmente para setores pobres que jamais
haviam tido esse tipo de acesso.
Lula e seus aliados, dessa forma, conseguiram dar popularidade ao modelo que, em
2002, se encontrava politicamente derrotado. Mantendo e ampliando a abertura
financeira, não alterando e inovando a política de privatizações, não revendo as
mudanças constitucionais patrocinadas por FHC e abandonando bandeiras
históricas, como a reforma agrária, a mudança do modelo agrícola e a reforma
tributária em prol dos trabalhadores, o Brasil de hoje nunca esteve tão distante da
perspectiva de um modelo nacional, democrático e popular.
Mais grave: dada a conversão política e ideológica do PT e de seus aliados,
fortaleceu-se a apologia – quase sem contestações – de que o Brasil está no rumo
certo. A mídia dominante, junto com a demagogia e manipulação dos governantes,
proclama aos quatro ventos a emergência do país no cenário internacional, um
extraordinário processo de distribuição de rendas e um ufanismo que não resiste a
nenhuma avaliação mais séria, menos apaixonada e isenta dos oportunismos de
ocasião.
A acelerada desnacionalização produtiva; o endividamento galopante do Estado,
das empresas e das famílias; a reprimarização de nossas exportações ou a
transformação do setor industrial, cada vez mais dependente da importação de
peças e componentes, parecem não ter importância alguma.
Nosso futuro, dado o enorme retrocesso em que nos encontramos – na perspectiva
de um modelo soberano de país – dependerá da capacidade dos setores que não se
renderam à guinada do PT e de seus aliados sensibilizarem e terem a capacidade de
organizar novas lutas, em torno de um projeto nacional a ser assumido por amplas
parcelas dos trabalhadores e de nossa juventude.
Vivemos hoje, no país, o ocaso da esperança de mudanças que uma geração de
políticos e lutadores populares alimentou por anos, mas que não foi capaz, na hora
decisiva, de ser fiel aos desafios que se colocaram para uma ruptura que era
esperada.
Somente a construção de um novo projeto nacional - que recupere a importância
de nossa soberania, a necessidade de uma democracia exercida pelo povo (e não
pelos donos do dinheiro) e coloque a defesa do bem-estar dos trabalhadores como
questões inalienáveis - poderá recuperar a defesa da política como instrumento de
mudanças, e resgatar a juventude para as lutas políticas que se fazem necessárias.
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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Uma oportunidade histórica ímpar se perdeu. E, nesse sentido, o alerta de Carlos
Lessa ganha destaque e importância. Mais que nunca, o nosso futuro dependerá
das possibilidades e perspectivas a serem construídas junto a nossa juventude.
Paulo Passarinho é economista
Seis produtos são responsáveis por metade das
exportações brasileiras
A reportagem é de Luiz Guilherme Gerbelli e publicada pelo jornal O Estado
de S. Paulo, 12-03-2012
O Brasil vem aumentando cada vez mais nos últimos anos sua dependência da
exportação de matérias-primas. No ano passado, apenas seis grupos de produtos minério de ferro, petróleo bruto, complexo de soja e carne, açúcar e café representaram 47,1% do valor exportado. Em 2006, essa participação era de
28,4%.
Esse aumento da dependência ganha contornos ainda mais preocupantes porque o
maior comprador atual das matérias-primas brasileiras passa por um momento de
transição. Na semana passada, a China anunciou que vai perseguir uma meta de
crescimento de 7,5% ao ano. A meta anterior era de 8% ao ano.
"Esse novo crescimento chinês ainda é expressivo para qualquer país, mas, nesse
momento, cria um fato negativo para a cotação das commodities", diz o vicepresidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de
Castro. "Ao dizer que vai reduzir o ritmo de crescimento, a China diz,
indiretamente, que vai comprar menos insumos."
Em dezembro, a entidade previu que o Brasil terá este ano um superávit de US$ 3
bilhões, resultado bem inferior ao saldo comercial de US$ 29,7 bilhões do ano
passado. "Mas houve uma melhora do cenário dos preços desde então", diz Castro.
De qualquer forma, o Índice de Preços de Commodities do Banco Central (IC-BR) já
aponta um recuo na cotação das commodities. Em fevereiro, o indicador caiu
2,96% na comparação com janeiro e, no acumulado de 12 meses, teve queda de
12,68%.
"Essa tendência de queda só não é mais forte porque está havendo uma injeção
global de recursos no mundo todo. Há uma expansão de crédito para economia
mundial que não começou agora", diz Fábio Silveira, economista da RC
Consultores. Apesar disso, ele estima um recuo de 10% no preço da soja, carne,
açúcar e do café este ano. "O crescimento menor da China reafirma a perspectiva
de baixa dos preços", afirma.
Meta de vendas
Entre 2006 e 2011, puxada pelas commodities, a receita de exportação do Brasil
aumentou de US$ 135,9 bilhões para US$ 256 bilhões. Este ano, o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) definiu US$ 264 bilhões
como a meta de exportação, valor 3,1% maior que o do ano passado.
Para Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio
Exterior (Funcex), as exportações de commodities vão continuar dominando a
pauta brasileira este ano. Ele ressalta, porém, que o saldo comercial do País deverá
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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ser menor, porque, além do preço mais baixo das commodities, as importações
devem permanecer em um patamar elevado.
"Estamos com uma demanda relativamente aquecida em relação ao resto do
mundo, principalmente de bens de consumo duráveis", diz.
DELFIM NETTO - Economistas foram coadjuvantes da crise
ao criar 'ideologia científica' para o mercado financeiro.
Antonio Delfim Netto – ( www.ihu.unisinos.br, 07/08/2012, reproduzindo matéria do
Jornal Valor Econômico).
Nessa crise onde parece "não haver ator que tenha sido sua causa eficiente,
há quem esteja recebendo a conta do malfeito. São os mais de 30 milhões de
desempregados que estão nas ruas recusando-se a pagar as "falhas" dos
governos - que provavelmente corrigirão nas urnas - e as "falhas" do
mercado financeiro, cujos responsáveis esperam ver julgados e condenados
pela Justiça. Acreditaram que os governos e os mercados sabiam o que
faziam. Continuam sendo ignorados pelos estudos mais recentes de
economistas ainda presos ao paradigma que a crise destruiu", escreve
Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP,no artigo "É o
desemprego, tontos!", publicado pelo jornal Valor, 07-08-2012.
E o economista acusa: "Não se estuda o verdadeiro "custo social do imenso
desemprego".
Eis o artigo.
Na preparação e na expansão dos fatos que levaram à crise que estamos vivendo
não existem inocentes: os governos falharam miseravelmente, o setor financeiro
sem regulação - como o velho escorpião da fábula - cumpriu o seu objetivo
matando o setor real da economia e alguns economistas, gloriosamente,
"teorizaram matematicamente" a alta qualidade dos malfeitos...
Seria ridículo e pretensioso dizer que os economistas foram causa eficiente da crise.
Eles foram apenas coadjuvantes (e algumas vezes beneficiários) do processo.
Ajudaram a criar uma "ideologia" que pretendia dar base "científica" ao papel do
mercado financeiro desregulado na aceleração do desenvolvimento econômico e do
bem-estar do mundo. A mensagem construída a partir da fantástica hipótese dos
"mercados perfeitos" tinha com consequência subliminar a ideia do velho presidente
Reagan: "Os governos não são a solução, são o problema!" Mas é ridículo,
também, isentá-los de qualquer responsabilidade. Produziriam trabalhos científicos
na Academia, onde se faria "ciência pela ciência", na qual não é proibido inventar
universos que não existem, como uma sociedade com um único produto, com uma
função agregada de produção domesticada, com um agente representativo que
incorpora todos os consumidores e os produtores, mas onde não há nem o crédito,
nem as bolsas de valores. Agora esforçam-se em incorporá-los no famoso modelo
designado de DSGE (Dynamic Stochastic General Equilibrium, Equilíbrio Geral
Dinâmico Estocástico). Não teriam, entretanto, responsabilidade pelo mau uso dos
seus modelos, mesmo porque esses não se referem, necessariamente, a este
mundo...
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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Paradoxalmente, nesse processo no qual parece não haver ator que tenha sido sua
causa eficiente, há quem esteja recebendo a conta do malfeito. São os mais de 30
milhões de desempregados que estão nas ruas recusando-se a pagar as "falhas"
dos governos - que provavelmente corrigirão nas urnas - e as "falhas" do mercado
financeiro, cujos responsáveis esperam ver julgados e condenados pela Justiça.
Acreditaram que os governos e os mercados sabiam o que faziam. Continuam
sendo ignorados pelos estudos mais recentes de economistas ainda presos ao
paradigma que a crise destruiu.
Não se estuda o verdadeiro "custo social do imenso desemprego". Insiste-se em
continuar a estimar os efeitos sobre o bem-estar (o consumo) produzidos pelas
flutuações do PIB, na velha e abusada tradição de Robert Lucas (o brilhante
Prêmio Nobel de 1995) para quem as flutuações do emprego são pouco mais do
que ataques de vagabundagem que, ciclicamente, atingem a mão de obra. Chegase à conclusão que sobre esse ser inefável e metafísico - o consumidor
representativo - ele é pequeno. Aliás, as estimativas variam fortemente porque
todos conhecem - mas ninguém leva a sério - a afirmação do economista C. Otrok
("On measuring the welfare cost of business cycles", "Journal of Monetary
Economics", 47, 2001, 61:92) que é "trivial fazer o custo do bem-estar produzido
pela variação do PIB do tamanho que cada um quiser, simplesmente escolhendo
uma forma conveniente da preferência" [do consumidor]. Repete apenas o grande
Vilfredo Pareto, que já no século XIX afirmou: "Me deem as hipóteses adequadas
e provarei qualquer coisa"...
A demonstração mais evidente dessa "disfunção teórica" é um recente trabalho de
E. B. Yehoue também inspirado em Robert Lucas ("On Price Stability and
Welfare", IMF Working Paper 12/189, julho de 2012). Suas conclusões são
interessantes: "Usando um agente-representativo conservador num modelo de
equilíbrio geral e baseado em parâmetros consistentes com os dados dos EUA,
estimamos o custo social associado com diferentes níveis de metas inflacionárias,
em particular 2%, 4% e 10%. O trabalho sugere que o custo social adicional de
elevar a meta de inflação de 2% para 4% é igual a 0,3% do PIB real. Se a elevação
for de 2% para 10%, esse custo se eleva a 1%. Com outros valores para os
parâmetros na curva de demanda de moeda chega-se a 7% quando se eleva a
inflação de 2% para 4%, e a 30% quando se passa de 2% para 10%" (página 4).
Em poucas palavras, vale "a fortiori", o que disse - repetindo Pareto - o
economista C. Otrok citado acima. Quando as hipóteses são arbitrárias, "Deus está
morto e tudo é permitido!"
Mas o ponto realmente importante no trabalho de Yehoue é que, salvo algum
engano, ele menciona uma única vez nas 35 páginas do artigo, a palavra
"desemprego" (página 21) referindo-se ao economista prático Arthur M. Okun
(1928-80), que mostrou uma regularidade entre a taxa de crescimento do PIB e a
taxa de crescimento do desemprego agora conhecida como "Lei de Okun".
Obviamente, Yehoue não a utilizou porque ela introduziria ainda mais "ruído" nas
suas conclusões. Aliás, uma coisa me intriga: seria o "custo social" produzido por
um eventual aumento da meta de inflação de 2% para 4% nos EUA menor do que o
custo do desemprego causado pela sua persistência ao longo dos últimos cinco
anos de pelo menos 3% (dos 8% atuais para os 5% "normais")? É sugestivo que
nas 58 referências do artigo, nenhuma tenha no título a palavra "desemprego"!
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
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LADISLAU DOWBOR1 - A rede do poder corporativo mundial
4 de janeiro de 2012 - http://www.dowbor.org/wp
“There is a big difference between suspecting the existence of a fact
and in empirically demonstrating it”2
Todos temos acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas
comprando-se umas às outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio
para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do
mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites. Em geral, nas principais
cadeias produtivas, a corrida termina quando sobram poucas empresas, que em
vez de guerrear, descobrem que é mais conveniente se articularem e trabalharem
juntas, para o bem delas e dos seus acionistas. Não necessariamente, como é
óbvio, para o bem da sociedade.
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande
poder econômico, político e cultural. Econômico através do imenso fluxo de
recursos – maior do que o PIB de numerosos países – político através da
apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e cultural pelo fato da mídia
de massa mundial criar, através de pesadíssimas campanhas publicitárias, uma
cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, gerando boa
parte dos problemas globais que enfrentamos.
Uma característica básica do poder corporativo, é o quanto é pouco conhecido. As
Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC (United Nations Center for
Transnational Corporations), que publicava nos anos 1990 um excelente relatório
anual sobre as corporações transnacionais. Com a formação da Organização
Mundial do Comércio, simplesmente fecharam o UNCTC e descontinuaram as
publicações. Assim, o que é provavelmente o principal núcleo organizado de poder
do planeta deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas pontuais
dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas por países ou setores.
O documento mais significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente
documentário A Corporação (The Corporation), estudo científico de primeira linha,
que em duas horas e doze capítulos mostra como funcionam, como se organizam, e
que impactos geram. Outro documentário excelente, Trabalho Interno (Inside Job),
que levou o Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder
corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a presente crise
financeira. Temos também o clássico do setor, Quando as Corporações Regem o
Mundo (When Corporations Rule the World) de David Korten. Trabalhos deste tipo
nos permitem entender a lógica, geram a base do conhecimento disponível.
Mas nos faz imensa falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações
funcionam, como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O
fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial que são as
corporações.
É natural e saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não
inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas ao vermos como
Ladislau Dowbor é professor da PUC-SP nas áreas de economia e administração, e consultor de
várias agências das Nações Unidas. Autor de Democracia Econômica e de numerosos estudos
disponíveis
online
em
http://dowbor.org
ou
http://www.dowbor.org/wp
Contato
[email protected]
1
Há uma grande diferença entre suspeitar a existência de um fato, e demonstrá-lo empiricamente” –
Vitali, Glattfelder e Battiston - http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporatecontrol.html
2
Iser Asssessoria - Dossiê Brasil
- ago.2012
28
nos principais setores as atividades se reduziram no topo a poucas empresas
extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder
político. Agindo no espaço planetário, na ausência de governo mundial, e frente à
fragilidade do sistema multilateral,
manejam grande poder sem nenhum
contrapeso significativo.
A pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica)3 vem pela
primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A metodologia é
muito clara. Selecionaram 43 mil corporações no banco de dados Orbis 2007 de 30
milhões de empresas, e passaram a estudar como se relacionam: o peso econômico
de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que
empresas têm participações que permitem controle indireto. Em termos
estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie ¸ou “gravata borboleta”, onde
temos um grupo de corporações no “nó”, e ramificações para um lado que apontam
para corporações que o “nó” controla, e ramificações para outro que apontam para
as empresas que têm participações no “nó’.
A inovação, é que a pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o
conjunto das principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de forma
a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a escada de poder que às
vezes corporações menores detêm, ao controlarem um pequeno grupo de empresas
que por sua vez controla uma série de outras empresas e assim por diante. O que
temos aqui, é exatamente o que o título da pesquisa apresenta, “a rede do controle
corporativo global”.
Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é
importante mencionar que o ETH de Zurich faz parte da nata da pesquisa
tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar depois do MIT dos
Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31 prêmios Nobel, a começar por
Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de
redes e da arquitetura que resulta. Stefano Battiston, um dos autores, assina
pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. O presente
artigo, com 10 páginas, é curto para uma pesquisa deste porte, mas é
acompanhado de 26 páginas de metodologia, de maneira a deixar transparentes
todos os procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas
apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder que
resulta, e apontam as implicações.
A pesquisa é de difícil leitura para não leigos, pela matemática envolvida. Pela
importância que representa para a compreensão de como se organiza o poder
corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara possível os
principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos abaixo o link do artigo
completo. As notas que seguem podem ser vistas como uma resenha expandida.
O que resulta da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações
transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade
financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não
havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a
S. Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global Corporate Control - Chair of
Systems Design, ETH Zurich – corresponding author [email protected] – O texto completo foi
disponibilizado em arXiv em pré-publicação, e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011.
http://www.plosone.org/article/related/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025995;jsessionid=
31396C5427EB79733EE5C27DAFBFCD97.ambra02 A ampla discussão internacional gerada, com
respostas
dos
autores
da
pesquisa,
pode
ser
acompanhada
em
http://jnode.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html
3
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primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a
computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que as
corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata
borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core)
pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Este núcleo pode ser
visto como uma “super-entidade” (super-entity) o que levanta questões
importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas.”(1)
Para demonstrar como este travamento acontece, os autores analisam a estrutura
mundial do controle corporativo. O controle é aqui definido como participação dos
atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver os seus
interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Ao desenhar o
conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta
noção define o montante total de valor econômico sobre a qual um agente tem
influência.
O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações,
detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings)
identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Este tipo de
estruturas, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais
como estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover
strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento
de confiança e de grupos de interesse. Qual que seja a sua origem, no entanto,
fragiliza a competição de mercado... Como resultado, cerca de ¾ da propriedade
das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras
palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações
que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras”. (5)
Este mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. A
primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau
relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou “quão
concentrado é este controle, e quem são os que detêm maior controle no topo”.
Isto é uma inovação relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram
a concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há estimativas
quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar qual a
fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os
resultados são fortes: “Encontramos que apenas 737 dos principais atores (topholders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as empresas
transnacionais (ETN)... Isto significa que o controle em rede (network control) é
distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os
atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar
baseado na sua riqueza.”(6)
Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com as
suas interconexões, “encontramos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo
detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe,
quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, através de
uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de
147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do
topo dentro do núcleo podem assim ser considerados como uma “super-entidade”
na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste ponto é que ¾
do núcleo são intermediários financeiros.”
Exemplo de algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos
europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A dominância dos
dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise financeira atual. Somente uma
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pequena parte dos links é aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston,
http://j-node.blogspot.com/2011/10/network-of-global-corporate-control.html
Os números em si são muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo
científico, e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não só
confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se
referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99%. O New Scientist
reproduz o comentário de um dos pesquisadores, Glattfelder, que resume a
questão: “Com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda
a rede”. E a maioria são instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank,
JPMorgan Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes.4
Andy Haldane, diretor executivo de estabilidade financeira no Bank of England em
Londres, comenta que o estudo do ETH “nos deu uma visão instigante do melhor
dos mundos para as finanças...Uma análise como a da ‘rede que conduz o mundo’ é
bem-vinda porque representa um salto para frente. Um ingrediente chave para o
sucesso em outras áreas tem sido uma linguagem comum e acesso compartilhado
de dados. No presente momento, as finanças não dispõem de nenhum dos dois.”
New Scientist (em português)
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rede-capitalista-dominamundo&id=010150111022&mid=50 e original inglês
http://www.newscientist.com/article/mg21228354.500-revealed--the-capitalist-network-that-runsthe-world.html?DCMP=OTC-rss&nsref=online-news
4
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Haldane também comenta a enorme escala do problema: “O crescimento em certos
mercados e instrumentos financeiros tem ultrapassado de longe a lei de Moore que
previu que o poder dos computadores dobraria a cada 8 meses. O estoque de
contratos financeiros emitidos (outstanding financial contracts) atinge agora cerca
de 14 vezes o PIB anual global”.5
Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação de
alguns analistas, citados pelo New Scientist, as empresas se comprem umas as
outras por razões de negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão
entre esta concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente
falta de realismo. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher,
reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases do agravamento recente
da desigualdade planetária, não há dúvidas quanto ao poder político por trás das
iniciativas. A lei recentemente passada nos Estados Unidos que libera o
financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente
evidentes.6 O desmantelamento das leis que obrigavam as instituições financeiras a
fornecer informações e que regulavam as suas atividades passa a ter origens
claras.
Outra conclusão importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na
economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real, ninguém
consegue “fazer” o mercado, ditar os preços, e muito menos ditar o uso dos
recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações
pontuais, assegurando uma certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do
poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os
derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para
commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de
maneira simplista ao aumento da demanda da China por matérias primas. A
volatilidade dos preços de petróleo, em particular, está diretamente conectada a
estas estruturas de poder.7
Os autores trazem também implicações para o controle dos trustes, já que estas
políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do
mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro das
suas fronteiras nacionais. O fato de series de dados internacionais bem como
5Andy
Haldane, The Money Forecast, New Scientist, 10 December 2012; o fato deste “mercado de
papel” que gira no sistema caótico e não regulado atingir este volume é simplesmente assustador.
Sobre os mercados de derivativos, veja-se a excelente apresentação The Mechanics of the Derivative
Markets. Este último estudo traz uma clara definição da especulação financeira: “Speculators use
derivatives to seek profits by betting on the future direction of market prices of the underlying asset.
Hedge funds, financial institutions, commodity trading advisors, commodity pool operators, associate
brokers, introducing brokers, floor brokers and traders are all considered to be speculators” – IEA – p.
9 http://omrpublic.iea.org/special_sup_apr11.pdf, abril 2011. O BIS de Basiléia apresenta um volume
de 601 trilhões de dólares de derivativos emitidos (situação em Dez. de 2010) para um PIB mundial
da ordem de 55 trilhões - Bank for International Settlements - Committee on the Global Financial
System - The macrofinancial implications of alternative configurations for access to central
counterparties in OTC derivatives markets
- http://www.bis.org/publ/cgfs46.pdf - ISBN 92-9131895-7 (print) ISBN 92-9197-895-7 (online). Ver em particular a tabela da p. 4
Hazel Henderson comenta este impacto para a democracia americana com um artigo forte: The best
congress money can buy, www.ipsnews.net/columns.asp?idnews=50338
Paul Krugman e Robin
Wells, por sua vez, lembram que “é difícil encontrar um sentido na capacidade crecente dos
banqueiros de conseguir que as regras sejam reescritas a seu favor, se não se menciona o papel do
dinheiro na política, e como este se expandiu com um câncer nos últimos 30 anos”. Paul Krugman e
Robin Wells, Por qué las caídas son cada vez maiores?Nueva Sociedad N. 236, nov-dic. 2011,
www.nuso.org
6
O aumento do risco sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz em Risk and
Global Economic Architecture, 2010, http://www.nber.org/papers/w15718.pdf
7
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métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas
recentemente, pode explicar como esta descoberta não tenha sido notada durante
tanto tempo”(7) Em termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto
as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a
colaboração dos paraísos fiscais.
Outra implicação é a instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos
acostumados a dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes
para quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o sistema
que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos obrigados a manter
os seus privilégios. “Trabalhos recentes têm mostrado que quando uma rede
financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico. Com
efeito, enquanto em bons tempos a rede parece robusta, em tempos ruins as
empresas entram em desespero simultaneamente. Esta característica de ‘dois
gumes’ foi constatada durante o recente caos financeiro” (7).
Ponto chave, os autores apontam para o efeito de poder do sistema financeiro
sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos,
em geral, as instituições financeiras não investem em participações acionárias para
exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Os nossos
resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em
posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo votando
em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou através de
negociações informais”. (8)
Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos: “Do
ponto de vista empírico, uma estrutura em “gravata borboleta” com um núcleo
muito pequeno e influente constitui uma nova observação no estudo de redes
complexas. Supomos que possa estar presente em outros tipos de redes onde
mecanismos de “ricos-ficam-mais-ricos” (rich-get-richer) funcionam... O fato do
núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização
do fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon).” (8) A presença
esmagadora dos grupos europeus e americanos neste universo sem dúvida também
ajuda nas articulações e acentua os desequilíbrios.
Conclusões gerais a se tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de
serem poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que se trata
sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam de recursos
produzidos pela sociedade em proporções inteiramente desproporcionais
relativamente ao que produzem. Trata-se também de pessoas que controlam a
aplicação de gigantescos recursos, muito mais do que a sua capacidade de gestão e
de aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral
dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas
efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse
em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos, pois são
em boa parte vítimas indiretas do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH
aponta para uma deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento
de ser enfrentada.8
Krugman e Wells resumem bem a questão central que é a do desvio de recursos necessários ao
fomento da economia para atividades especulativas: ”Apesar de ciertas reivindicaciones académicas
(originadas en su mayoría en las escuelas de negocios), las enormes sumas de dinero canalizadas a
través de Wall Street no produjeron una mejora en la capacidad productiva de EEUU mediante la
‘asignación eficiente de capital para su mejor aprovechamiento’. Por el contrario, la productividad del
país disminuyó al dejar el capital librado a la argucia financiera, los paquetes de compensación
8
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E quanto ao que tanto preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que
sobressai da pesquisa, é que nenhuma conspiração é necessária. Ao estarem
articulados em rede, e com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há
nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Esta rede de
contatos pessoais é de enorme relevância. Mas sobretudo, sempre que os
interesses convergem, não é necessária nenhuma conspiração para que os
defendam solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os
impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre transações
financeiras, ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais. O resultado é esta
dupla dinãmica de intervenção organizada para a proteção dos interesses
sistêmicos, resultando em corporativismo poderoso, e o caos competitivo que trava
qualquer organização sistêmica racional.
gigantismo que abraça muito mais
recursos do que a capacidade de gestão. Demasiado fechado e articulado para ser
regulado por mecanismos de mercado, poderoso demais para ser regulado por
governos eleitos, incapaz de administrar os gigantescos volumes de recursos que
controla, o sistema financeiro mundial gira solto, jogando com valores que
representam cerca de 14 vezes o PIB mundial.9
O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma origem bastante clara,
de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de
austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na
sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira. No inicio do
pânico da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance & Development
estampou na capa em letras garrafais a pergunta “Who’s in charge?”, insinuando
que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou para o mal, a pergunta está
respondida.
O estudo do ETH abriu uma janela importante para a abordagem científica do poder
global das corporações, com implicações óbvias para as ciências econômicas,
políticas, sociais, de relações internacionais e outras. A verdade é que temos
ignorado o elefante que está no centro da sala.
Anexo
Abaixo, a lista das primeiras 50 corporações listadas. Note-se que na classificação
por setor (NACE Code), os números que começam por 65, 66 e 67 correspondem a
instituições financeiras. Lehman Brothers tem direito a uma nota a parte dos
autores.
absurdos y las valuaciones bursátiles infectadas por la burbuja” – Paul Krugman e Robin Wells, Por
qué las caídas son cada vez mayores, Nueva Sociedad N. 236, Nov.-Dic. 2011, p. 212 – www.nuso.org
Haldane, no artigo citado acima, reforça bem esta ausência de organização sistêmica do mundo
financeiro: ”Historicamente, as finanças não foram pensadas como um sistema. Em vez disto, a teoria
financeira, a regulação e a organização de dados se focaram em firmas individuais. Juntar os pontos
nunca foi a tarefa de ninguém. A ciência econômica sempre esteve desesperada em lustrar as suas
credenciais científicas e isto significava ancorá-la nas decisões de pessoas individuais. O erro vem de
se pensar que o comportamento do sistema era apenas uma versão agregada do comportamento do
indivíduo. Quase por definição, sistemas complexos não se comportam assim. As interações entre os
agentes são o que importa.” – Andy Haldane, The Money Forecast, New Scientist 10 December 2011,
p. 28 – Caótico na busca da maximização dos lucros e de emissão de papéis cada vez mais frágeis,
mas com reação sistêmica poderosa frente a qualquer tentativa de regulação externa, trata-se de um
novo espécimen de agente econômico, e perigoso.
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