O MECENATO FEDERAL NA POLÍTICA CULTURAL À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL CULTURAL DA ATUAÇÃO ESTATAL COMO SUPORTE LOGÍSTICO THE FEDERAL PATRONAGE IN THE LIGHT OF CULTURAL POLICY CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF CULTURAL ACTIVITY AS STATE LOGISTICS SUPPORT Fabíola Bezerra de Castro Alves Brasil1 Áurea Cristina Fernandes Guerra2 Resumo: No atual cenário social em que prepondera a diversidade cultural os direitos culturais ganham mais espaço no ordenamento jurídico e se firmam na sociedade, sendo esta a produtora e beneficiária dos referidos direitos, dessa forma, faz-se necessário uma análise acerca desses direito, assim, o presente artigo tem por objetivo analisar o mecenato federal na política nacional cultural sob a ótica do princípio constitucional cultural da atuação estatal como suporte logístico para a materialização das prescrições constitucionais sobre a cultura, tendo em vista o regramento constitucional de elaboração do Plano Nacional de Cultura. Nesse sentido, serão observados a localização dos direitos culturais no ordenamento jurídico e seu status, os princípios constitucionais culturais e sua relação com a Constituição Federal, a política cultural, a inserção do Plano Nacional de Cultura com a Emenda Constitucional nº 48 de 2005, a Lei nº12.343, de 2 de dezembro de 2010, instituidora do plano, e sua disciplina sobre os incentivos fiscais, um breve histórico das leis de fomento e seus mecanismos de funcionamento e a concessão de deduções fiscais através do mecenato federal, para ao final verificar se o mecenato federal, que está inserido na política cultural, está em harmonia com o princípio da atuação estatal como suporte logístico. Palavras-chave: Direitos Culturais, Princípios Culturais, Política Cultural, Mecenato. Summary: In today's social scene in which predominates the cultural diversity cultural rights gain more space in the judicial system and stay themselves in society, this being the producer and recipient of such rights. Because of this, it is necessary on an analysis about those rights, well, this article aims to analyze the federal patronage in national cultural policy from the perspective of the constitutional principle of state action as cultural logistical support for the realization of the constitutional provisions on the crop, given the regramento constitutional drafting the National Plan Culture. In this sense, will be observed the location of cultural rights in the legal system and its status, the constitutional principles of culture and its relationship with the Federal Constitution, cultural policy, the inclusion of the National Culture for the Constitutional Amendment No. 48 of 2005, law No. 12. 343 of December 2, 2010, instituting the plan, and discipline on tax incentives, a brief history of the laws of development and their mechanisms of operation and granting tax deductions through the federal patronage, the end to verify that the patronage federal, which is inserted in cultural policy, is in harmony with the principle of state action as logistical support. Keywords: Cultural Rights, Principles Cultural, Policy Cultural, Patronage. 1 UNIFOR – Universidade de Fortaleza. Fortaleza, Ceará – Brasil. CEP: 60.811-905 – E-mail: [email protected] 2 Graduando em Direito e pesquisadora bolsista da Fundação Edson Queiroz. [email protected] E-mail: INTRODUÇÃO O constituinte originário ao elaborar a Constituição Federal de 1988 reservou seção específica para a cultura, dentro do capítulo que trata Da Ordem Social. Ao proceder dessa forma garantiu aos direitos culturais guarida constitucional, munindo-os das armaduras constantes no sistema Democrático de Direito, qual seja: a submissão do Estado à Carta Magna. Com localização constitucional emanam dos direitos culturais princípios setoriais constitucionais, que estão em consonância com toda a base de princípios da Lei Maior. Entre os princípios constitucionais setoriais é possível encontrar o princípio da atuação estatal como suporte logístico. Referido princípio vem nortear a intervenção do Estado na seara cultural, permitindo que o poder público lance as bases necessárias para a produção da cultura por parte da sociedade, além de garantir a todos o acesso aos bens culturais produzidos, corroborando com o que prescreve a Constituição a cerca do Plano Nacional de Cultura. Vale ressaltar que os direitos culturais além de serem constitucionais são fundamentais o que lhes garante grau maior de eficácia, estabilidade e exigibilidade, beneficiando assim a sociedade. Dessa forma, o legislador ordinário objetivando cumprir os preceitos constitucionais editou lei instituindo o Programa Nacional de Cultura – PRONAC e deu materialidade a norma constitucional de concessão de incentivos fiscais. PRINCÍPIOS Os Direitos Culturais a partir Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, passaram a gozar do status de Direitos Fundamentais, haja vista seu reconhecimento na Declaração que estabelece em seu o art. 27: Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também, reconhece e abriga Direitos Culturais como fundamentais, no entanto, não dentro do título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, mas sim no título VIII – Da Ordem Social, em que há uma seção, dentro do capítulo III destinada a cultura, o que não significa que tais direitos, na Constituição Federal de 1988, não ostentem o prestígio de cláusula pétrea, uma vez que podemos encontrar na própria redação do art. 5º proteção a diversos Direitos Culturais, como expressão artística, IX e o patrimônio cultural, LXXIII. Na lição Francisco Humberto Cunha Filho, (2000). Além disso, no corpo de toda a Constituição espalham-se direitos culturais que, pelo conteúdo, nenhum intérprete, como o mínimo de sensibilidade, pode negar-lhes o status de fundamental. Isto porque referem-se a aspectos subjetivos de importância capital, por vezes de individualidades, por vezes de grupo e também de toda a Nação, no que concerne à questão da chamada identidade cultural. Desconhecer isto é atentar contra os princípios adotados por nossa República, incluindo a dignidade humana. Dessa forma, é possível constatar que os direitos culturais gozam do status de direitos fundamentais, logo, também, são alcançados pela aplicabilidade imediata, incidindo o art. 5º, § 1º da CF/88, que preceitua: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” Assim, os direitos em comento devem ser efetivados de pronto pelo poder público e pela sociedade, tendo em vista que os princípios que formam e informam os direitos culturais guardam consonância com princípios fundamentais postos na Constituição Federal de 1988. Os artigos 215 e 216 da C. F./88, fazem a disciplinam a cultura, sendo as regras aplicáveis pelo Estado ao segmento cultural. A partir da leitura desses dois artigos chega-se aos princípios constitucionais setoriais da cultura, posto que as regras encontram fundamento nos princípios dos quais derivam. Como ensina, Francisco Humberto Cunha Filho, (2000, p.44) quando da interpretação sistemática da Constituição: base principiológica e regras constitucionais. Permeiam nitidamente o ordenamento constitucional sobre cultura, os seguintes princípios, todos eles decorrentes do elenco de fundamentos da República, fundamentos encartados nos inciso do art. 1º de nossa Constituição: 1. princípio do pluralismo cultural; 2. princípio da participação popular; 3. princípio da atuação estatal como suporte logístico; e 4. princípio do respeito à memória coletiva. O princípio da atuação estatal como suporte logístico é encontrado, de maneira mais nítida, no art. 215 da C.F./88 que diz: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” A prescrição constitucional e o princípio não são unívoco, ambos podem ser compreendidos em duas vertentes que se complementam, a primeira faz referência ao Estado mínimo, no sentido de não intervir na produção cultural, pois esta fica a cargo da sociedade. Nesse ponto é importante ressaltar a complementaridade dos princípios, pois fica em evidência o da participação popular. Assim, a produtora da cultura é a sociedade, ficando para o poder público o dever de propor a infraestrutura necessária para que a população exerça seu direito de livre manifestação cultural. Destarte, é factível compreender a segunda vertente do princípio em comento, pois fica clara a percepção que o Estado tem o dever de lançar as bases necessárias para a produção e o acesso à cultura. Logo, de um lado tem-se a não interferência do Estado na produção cultural e do outro a atuação estatal como garantidora do acesso aos meios de cultura, ou seja, ele fomenta a atividade cultural, como preleciona Humberto Filho: “devem ser apoiadas a dramaturgia, a literatura, as expressões populares, enfim todas as manifestações culturais, mas o conteúdo delas não pode ser ditado por quem gerencia os negócios públicos da cultura” (CUNHA FILHO, 2004, p.68). POLÍTICA CULTURAL O conceito de Política Cultura não é de fácil elaboração, em virtude da amplitude de seu conteúdo, entretanto, em última análise, Política Cultural pode ser entendida como uma ação positiva do Estado no segmento social, visando um objetivo específico; ou seja, o Estado, como administrador, intervém na sociedade com o objetivo de possibilitar a implementação dos direitos relacionados à cultura e seu livre acesso, garantido a exequibilidade de um princípio constitucional máximo, o da democracia – a possibilidade de todos terem acesso aos bens e meios de produção - que se efetiva também e a partir da cultura. Dessa forma, política cultural quer dizer a criação e execução de projetos na área cultural que tem como escopo a efetivação dos direitos atinentes à cultura que carregam os princípios constitucionais. Nesse sentido, pondera em sua dissertação, Fabíola Bezerra de Castro Alves Brasil (2010, p.83): Importante frisar que a obrigação constitucional de desenvolver política pública própria impõe ao Estado o dever de seguir parâmetros democráticos, ou seja, estabelecer ação oficial não significa instituir uma cultura, impõe criar mecanismos que permitam o acesso de todos às fontes de cultura nacional – principalmente à massa da população – favorecer a livre procura das diversas manifestações, bem como prover meios para que a difusão cultural se baseie em critérios de igualdade, ou seja, estabelecer uma democracia cultural onde todos possam manifestar as expressões. Em virtude da diversidade cultural e das suas mais variadas formas de manifestação faz-se necessário uma política cultural eficiente que garanta a todos a possibilidade de acesso e produção, uma vez que há a realidade dos grupos de difícil autossustentabilidade, ou seja, através das próprias receitas diretas, como afirma Cristiane Garcia Olivieri, (2004, p.29). para que se garanta o acesso e a produção da cultura não se pode contar apenas com a receita direta. Ou melhor, não se pode reduzir a produção cultural àquelas sustentáveis pela sua receita direta. Parte dela deverá buscar solução de financiamento externas à sua própria produção. Estes financiamentos externos são materializados, fundamentalmente, por meio da política cultural do Estado, pela benemerência dos amantes das artes, ou pelos patrocínios efetivados do marketing cultural. Dessa forma, o Estado deve elaborar uma política de fomento cultural que não limite a produção cultural, mas ao revés, que a promova. Pois, existem os segmentos culturais cuja produção tem valor comercial que geram receitas para o seu produtor, no entanto, há, também, a realidade de setores da cultura pouco rentáveis e de difícil sustentação que necessitam, sobremaneira, do suporte logístico do Estado, haja vista, sua importância para a preservação da identidade nacional e a valorização da diversidade. A Constituição não previa expressamente um plano nacional cultural, o que demonstrava o descaso na efetivação desse direito fundamental, situação que teve fim com a aprovação na Emenda Constitucional nº 48 de 2005. O autor constitucionalista Pedro Lenza faz uma breve exposição em seu livro acerca dessa emenda e destaca as observações do Senador Marcelo Crivella sobre a importância de um plano nacional: Ao comentar sobre a necessidade de um plano nacional de cultura, o Senador Marcelo Crivella sinalizou que se tratava “... de uma iniciativa do Governo Federal da maior relevância. Estamos sendo aculturados por potências estrangeiras hegemônicas, porque não temos ainda, neste País, um plano nacional que valorize a nossa cultura, que destine recursos suficientes e que organize desde os nossos sites antropológicos, onde estão (sic) a história dos nossos ancestrais, até mesmo uma organização consistente, um arcabouço completo da nossa cultura, das nossas festas, da nossa música, na nossa poesia, dos nossos quadros, principalmente da nossa história, para que os brasileiros não cometam os erros do passado. O Plano Nacional de Cultura é fundamental tanto no seu conselho gestor como no seu fundo. É um momento importante em que o Congresso Nacional e o Senado Federal dão uma manifestação concisa, definitiva para que fique valorizada e preservada para as futuras gerações a cultura do nosso povo...” (DSF de 02.06.2005) (LENZA, 2011, p.1067). A Emenda insere no art. 215, da Carta Magna, o parágrafo 3º, que preceitua: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional. A lei instituidora do Plano Nacional de Cultura - PNC traz em seu Capítulo II, de título: das atribuições do poder público, o que compete ao pode público, sendo atribuído no inciso III o fomento a cultura, vejamos: Art. 3º Compete ao poder público, nos termos desta Lei: (...) III - fomentar a cultura de forma ampla, por meio da promoção e difusão, da realização de editais e seleções públicas para o estímulo a projetos e processos culturais, da concessão de apoio financeiro e fiscal aos agentes culturais, da adoção de subsídios econômicos, da implantação regulada de fundos públicos e privados, entre outros incentivos, nos termos da lei; Entretanto, por força da regra constitucional insculpida no art. 216, § 3º, que diz: “A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”, foi editada em 23 de dezembro de 1991, a Lei n. 8. 313, conhecida por Lei Rouanet, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, disciplinando as formas de atrair e distribuir recursos. Para atingir seu escopo, a lei dispõe de três mecanismos, quais sejam: o Fundo Nacional da Cultura – FNC, os Fundos de Investimento Cultural e Artísticos – FICART e o Incentivo a projetos culturais: MECENATO, de acordo com seu artigo 2º. O Estado ao adotar três processos diferentes de funcionamento o faz em razão da necessidade de atender a realidades diferentes dentro do segmento cultural. (CUNHA FILH0, 2010, P. 53). Conforme, como preceitua Cristiane: “os projetos culturais realizados com incentivos fiscais municipais, estaduais ou federais, representariam uma das formas da política cultural a ser adotada pelo Estado e estariam atendendo a uma parcela das manifestações culturais”. (CRISTIANE GARCIA OLIVIERI, 2004, p.47). Os recursos concedidos à cultura, através do Programa Nacional de Apoio à Cultura, segundo a Lei Rouanet, são proporcionados por meio de elaboração de projetos culturais, sendo submetidos a apreciação pelo Ministério da Cultura. MECENATO FEDERAL O mecenato federal é adotado pelo poder público como forma de incentivo a cultura e tem no como cerne de funcionamento a concessão de incentivos fiscais, com a renúncia fiscal do Estado e as deduções no imposto sobre renda, tanto pessoa física, quanto jurídica. Segundo o entendimento adotado por Francisco Humberto Cunha Filho em sua obra: Cultura e Democracia na Constituição Federal de 1988, o mecenato contempla as atividades culturais com a capacidade de autossuficiência, ou seja, aquelas que por si só conseguem se auto gerir, não dependendo diretamente do custeio do Estado. Dessa forma, é de responsabilidade do particular (pessoa física ou jurídica) os gastos com a produção cultural que ocorrerá na modalidade de patrocínio ou doação, para ser deduzido no Imposto sobre a Renda, conforme o regime mais vantajoso adotado de acordo com os artigos 18 e seguintes da Lei nº 8.313/91. INCENTIVOS FISCAIS O dever de incentivo do Estado brasileiro encontra fulcro no artigo 174 da Constituição que preceitua: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. A diretriz constitucional decorre da atuação do Estado no domínio econômico, visando o equilíbrio, conforme se depreende a partir da leitura dos parágrafos 1º e 2º, respectivamente, do mesmo artigo: A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. De maneira sintética Fábio de Sá Cesnik, (2002, p.7), ensina o que são incentivos ficais: “são estímulos concedidos pelo governo, na área fiscal, para a viabilização de empreendimentos estratégicos, sejam eles culturais, econômicos ou sociais”. Dessa forma, o Estado atua no domínio econômico com o objetivo, dentre outros de estimular determinado setor ou região, visando um equilíbrio dentro do planejamento econômico, isso traz a baila as três formas de financiamento elencadas no PRONAC. MECENATO O termo “mecenato” encontra sua origem na palavra “mecenas”. Esta, de acordo com o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, designa o “patrocinador das letras, ciências e artes, ou de artistas e sábios”, remetendo a Antiguidade Romana, pois a origem do vocábulo vem da figura histórica, Caius Cilnius de Mecenas que foi ministro do Imperador Caio Júlio Augusto. Candido José Mendes de Almeida, no artigo intitulado de Antecedentes do Marketing Cultural, retirado do sítio eletrônico da Associação Brasileira de Gestão Cultural, nos ensina que: O conceito moderno do termo traduz uma ação privada de indivíduos ou empresas, destinada a beneficiar uma atividade artística ou cultural de interesse público. Historicamente, a expressão nos remete ao final da era Antes de Cristo, em plena Roma dos Augustos. Mecenato vem de Caius Cilnius Mecenas, Ministro e fonte de inspiração de Cio Julio Augusto, Imperador de Roma. Estrategista de talentos múltiplos, é o responsável entre 74 a.C. por e 8d.C. por uma política inédita de relacionamento entre o governo e sociedade dentro do Império. Para Mecenas, as questões do poder e da cultura são indissociáveis e cabe ao Governo a proteção às diversas manifestações de arte. Na questão de trocas, cabe a arte um papel no âmbito deste poder. Passando um olhar sobre a história da cultura percebe-se que o mecenas sempre esteve presente, pois em todo o tempo existiu pessoas interessadas na arte e na forma de expressão humana, seja para o deleite da alma; seja para o uso na comunicação, a exemplo do que ocorria no Renascimento, pois a “maioria avassaladora dos servos da Igreja era analfabeta. A melhor forma de transmitir uma mensagem era deixá-la explícita nas obras encomendadas” pela Igreja (REIS, 2006, p.7); seja até mesmo com o objetivo de marketing ou comércio. Quando observamos as diferentes fases históricas de grande fomento à produção cultural artística, notamos que a arte parece ter cumprido, muitas vezes, um papel funcional, complementar ao de propiciar prazer estético. Ao longo dos séculos, ela foi o veículo de transmissão de mensagem a públicos específicos, reforçando valores junto à sociedade, inculcando novas ideias ou reforçando antigas. Ao lado do mecenato, que apoiava a arte pela arte, existia uma outra forma de associação, que tratava a arte com fins explícitos de comunicação de uma mensagem. Voltando o olhar para a história nacional percebe-se que, também, alguns mecenas proporcionaram a conservação do patrimônio cultural nacional e incentivaram a nossa cultura, por exemplo: o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro que contou com a grande contribuição de Paulo Binttencourt, proprietário do jornal Correio da Manhã, e sua esposa Niomar Moniz Sodré, que colaborou para a fundação do museu, como preleciona nota buscada no sítio eletrônico Itaú Cultural, na seção Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. O marco fundamental na intuição do mecenato por parte do Estado foi à aprovação da Lei Sarney (Lei nº 7.505 de 1986) que disciplinava os incentivos fiscais na área do imposto de renda concedidos a transações de cunho cultural e artístico. A Lei veio com “objetivo de estabelecer a parceria entre o Estado e poder privado para o estímulo e o desenvolvimento da cultura” (OLIVIERI, 2004, p. 71). E continua: “permitindo que o próprio mercado realizasse a escolha da atividade cultural que seria patrocinada.” Para efetivação da Lei Sarney era necessário um que os produtores culturais estivessem previamente cadastrados, como reza o artigo 1º da Lei: O contribuinte do imposto de renda poderá abater da renda bruta, ou deduzir com despesa operacional, o valor das doações, patrocínios e investimentos inclusive despesas e contribuições necessárias à sua efetivação, realizada através ou a favor de pessoa jurídica de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, cadastrada no Ministério da Cultura, na forma desta Lei. No entanto, o que cousou grande polêmica em torno da Lei Sarney foi o dever de prestação de contas por parte das pessoas jurídicas beneficiadas, como mostra o Art. 8º. “As pessoas jurídicas beneficiadas pelos incentivos da presente Lei deverão comunicar, para fins de registro, aos Ministérios da Cultura e da Fazenda, os aportes recebidos e enviar comprovante de sua devida aplicação”. Que, entretanto, não teve eficácia, uma vez que não foi disciplinada a maneira de prestação, consequentemente surgiram especulações sobre a existência de crimes contra o fisco, o que nunca ficou contra comprovado. (OLIVIERI, 2004, p.72). A Lei Sarney vigeu de 1986 a 1990, quando foi revogada durante o governo Collor que pôs fim a todos os organismos culturais. Dessa forma, o país ficou sem mecanismo de incentivo a cultura. Diante dessa situação, os aristas e produtores, sem financiamento, lutaram pela criação de sistema de incentivo fiscal em São Paulo, desembocando no surgimento da Lei Mendonça. (CESNIK, 2002, p.4). Após a aprovação da Lei Mendonça no município de São Paulo, foi criada a Lei Federal de Incentivos fiscais nº 8.313 de dezembro de 1991, a Lei Rouanet que recebe esse nome em virtude do nome do Secretário da Cultura da Presidência da República, Sérgio Paulo Rouanet, que elaborou o projeto de lei, transformando-se em texto legal concedendo suporte a toda política de incentivos fiscais nacional, conforme preceitua Fábio de Sá Cesnik, (2002, p.4). Podemos afirmar que a concessão de incentivos fiscais para empresa patrocinadora de projetos culturais passou a ser, a partir da década de oitenta, uma escolha regular dos governantes, como forma de viabilizar as produções culturais, ou melhor, como parte de sua política cultural. Nesse modelo, é repassado ao poder privado a escolha das produções que serão viabilizadas e das que ficaram aguardando outra forma de realização, restando ao Estado, dentro de seu papel junto à sociedade, viabilizar por própria conta as demais manifestações culturais não eleitas pela empresa privada. Desse modo, a lei que concede incentivos fiscais vem se encaixar no sistema cultural, permitido que o particular financie diretamente o produtor cultural com maior valor comercial e o Estado financie diretamente outras produções. O MECENATO E A LEI ROUANET Segundo a Lei Rouanet que foi regulamentada pelo decreto nº 5.761, de 27 de abril de 2006, que revogou o decreto nº 1.494 de 17 de maio de 1995, o mecenato funciona, em linhas gerais, da seguinte maneira: o proponente: “as pessoas físicas e as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, com atuação na área cultural, que proponham programas, projetos e ações culturais ao Ministério da Cultura” (art. 4º, I, do decreto em vigência), elaboram o projeto cultural, de acordo com os objetivos na Lei para o PRONAC, e submentem a análise no Ministério da Cultura. Essa análise não poderá ser feita de modo subjetivo “quanto ao seu valor artístico e cultural”, (art. 22 da Lei), pois o art. 39 estabelece crime qualquer discriminação, evidenciando, assim, o princípio da atuação estatal como suporte logístico em sua vertente que proclama a não interferência do Estado na produção da cultura: Art.39. Constitui crime, punível com a reclusão de dois a seis meses e multa de vinte por cento do valor do projeto, qualquer discriminação de natureza política que atente contra a liberdade de expressão, de atividade intelectual e artística, de consciência ou crença, no andamento dos projetos a que se refere esta Lei. Com a emissão do parecer favorável o Ministério da Cultura publicará a decisão no Diário Oficial da União para que esta opere efeitos e os captadores busquem financiamento. Os incentivos são de duas maneiras, as doações ou patrocínios, podendo ser beneficiadas com as deduções as pessoas físicas e jurídicas tributadas com base no lucro real. A lei traz, ainda, duas formas de incentivos, prescrita no art. 18, §1º: Art. 18. Com o objetivo de incentivar as atividades culturais, a União facultará às pessoas físicas ou jurídicas a opção pela aplicação de parcelas do Imposto sobre a Renda, a título de doações ou patrocínios, tanto no apoio direto a projetos culturais apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de natureza cultural, como através de contribuições ao FNC, nos termos do art. 5o, inciso II, desta Lei, desde que os projetos atendam aos critérios estabelecidos no art. 1o desta Lei § 1o Os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias efetivamente despendidas nos projetos elencados no § 3o, previamente aprovados pelo Ministério da Cultura, nos limites e nas condições estabelecidos na legislação do imposto de renda vigente. A outra maneira de dedução vem estabelecida no art. 25 e 26 da Lei: Art. 26. O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos em favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos desta Lei, tendo como base os seguintes percentuais: I - no caso das pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta por cento dos patrocínios; II - no caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, quarenta por cento das doações e trinta por cento dos patrocínios. Dessa forma, a dedução do valor pago ao captador poderá ser realizada de duas maneiras, ambas tendo em vista o limite estabelecido pela legislação tributária. Na primeira é deduzido o valor efetivamente despendido e na outra é abatido uma percentagem sobre o valor efetivamente pago, cabendo ao patrocinador ou doador optar pela forma mais vantajosa. Vale ressaltar que após a execução dos projetos incentivados haverá uma avaliação final por parte do Ministério da Cultura acerca da aplicação dos recursos que se forem mal geridos e sendo verificada alguma irregularidade poderá redundar na inabilitação dos responsáveis pelo prazo de até três anos para o recebimento de novos recursos. Aduz, ainda a referida Lei, que “o Ministério da Cultura publicará anualmente, até 28 de fevereiro, o montante dos recursos autorizados pelo Ministério da Fazenda para renúncia fiscal no exercício anterior, devidamente discriminado por beneficiário.” Isso significa que há um limite no orçamento público para ser deduzido com os incentivos fiscais, haja vista o Estado constituir nessa modalidade de financiamento um financiador indireto, pois ele participa do aporte financeiro em virtude da sua renúncia fiscal. Logo, o que o Estado arrecadaria é transferido ao produtor cultural para investimento em suas obras; assim, o poder público consiste no financiador indireto no mecenato, como preceitua Ana Carla Fonseca Reis, (2004, p.43): As leis de incentivo fiscal são instrumentos através dos quais o governo disponibiliza um montante de arrecadação, da qual abrirá mão, a agentes de iniciativa privada que investiram em projetos culturais previamente aprovados pelo governo, organizados pela iniciativa privada ou pelo próprio governo, ou ainda que direcionarem recursos aos fundos culturas. Na prática, significa que o governo financia indiretamente projetos culturais, já que são custeados (total ou parcialmente) por meio de verbas que são deduzidas dos impostos a pagar por pessoas físicas ou jurídicas que se interessem por eles. Vale salientar, ainda, que o mecenato está ligado diretamente ao marketing cultural, logo, por isso, nessa modalidade de financiamento ganha relevância os financiamentos pelos projetos culturais de maior apelo comercial, já que muito dos patrocinadores decidem custear alguma produção com o objetivo de promover seu produto. Dessa maneira o envolvimento de uma empresa no patrocínio de um projeto cultural é motivado por um fundo comercial; “Ao patrocinar determinado projeto cultural, o setor privado busca ser reconhecido por isso e tem por fim distribuí-lo unicamente nas praças de seu interesse”, (REIS, 2006, p.150). CONCLUSÃO É compreensível o mecenato federal sob a luz do princípio constitucional cultural da atuação estatal como suporte logístico, uma vez que é perceptível o dever que o poder público tem de promover a cultura, fazendo o acesso e os meios de produção disponíveis a todos logo, incentivando a diversidade cultural, como preceitua o princípio do pluralismo cultural e colocando em evidência a outra face do princípio do Estado garantidor, posto que o poder público não deve interferir no conteúdo a ser produzido pelo setor cultural, mas tão somente garantir que esse conteúdo seja produzindo. Com o objetivo na concretude das prescrições constitucionais – Plano Nacional de Cultura e outras determinações - o Estado optou pelos incentivos fiscais, uma vez que assim fazendo ele entra em parceria com o particular, financiando a cultura de maneira indireta, reservando o financiamento direto, através do Fundo Nacional de Cultura, para as ações culturais com menor carisma comercial. Portanto, o mecenato está em harmonia com as diretrizes constitucionais, com o Plano Nacional de Cultura, sendo um sustentáculo para o programa cultural. Dessa maneira, legislador ao criar o PRONAC e estabelecer os incentivos fiscais, através do mecenato, o fez de maneira coerente, pois concedeu oportunidade a todos os setores da cultura, o que coaduna com os princípios constitucionais do Estado de Direito, pois permite a democratização dos bens culturais, promovendo a dignidade da pessoa humana. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA. Candido José Mendes de. Associação Brasileira de Gestão Cultural. Antecedentes do Marketing Cultural. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.gestaocultural.org.br/pdf/1-marketingcultural-candido.pdf> Acesso em 16 abr 2012. BRASIL. Constituição Federal (1988), com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais: 1/92 a 64/2010. Brasília, DF: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 2010. _______ . Decreto Nº 5.761, de 27 de abril de 2006. 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