O TRANSPORTE URBANO E A CIRCULAÇÃO NA ABORDAGEM ESPACIAL: ANÁLISE DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO DA REGIÃO DO ABCD, GRANDE SÃO PAULO Carlos Alberto Diniz GROTTA Sílvia SELINGARDI-SAMPAIO Introdução Neste artigo são expostos os principais resultados de investigação científica, por nós realizada, cujo objetivo essencial foi estudar a questão da circulação urbana sob a ótica espacial, através do transporte coletivo urbano da região do ABCD, integrante da porção sudeste da Grande de São Paulo. Sob tal enfoque, dois aspectos analíticos revelam-se essenciais, a saber: 1) a forma como a teoria espacial-geográfica pode ser relacionada à questão da circulação urbana. E, de tal relação, que quadro geral pode ser delineado a partir das avaliações efetuadas; 2) como se define e estrutura o cenário espacial-geográfico da região em análise e, em seu interior, o transporte coletivo urbano. A partir destas delimitações iniciais fundamentais, pode-se esboçar um suporte teórico-metodológico provisório, que será retraçado ao longo do trabalho, com o propósito de torná-lo mais pertinente às questões da circulação em sua relação com o espaço geográfico, ou seja, às suas espacialidades. O estudo da circulação urbana no ABCD se reveste de importância, em função da região enfocada se encontrar: - inserida na maior região metropolitana brasileira (e das maiores do mundo), maior mercado consumidor do país, e seu maior pólo industrial, particularmente na produção de veículos motorizados, embora tenha perdido significativa participação relativa no conjunto nacional na última década. A proximidade do maior porto importador-exportador de produtos industrializados e de outros tipos é, também, fator relevante a destacar sua posição geográfica. Assim, o ABCD é região integrada em importante nó da rede mundial econômico-financeira, o que a torna muito requisitada no tocante à questão da circulação intra e inter-urbana; - profundamente alterada em sua estrutura sócio-urbana, por transformações de natureza demográfica, econômica (principalmente, relativas à sua estrutura produtiva) e social, ocorridas, em especial, ao longo da última metade do século XX, e, mais recentemente, em um contexto de rápido processo de substituição de mão-de-obra industrial pela prestadora de serviços; 102 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) - afetada por significativas mudanças verificadas em sua matriz de circulação, nas últimas décadas, desde que ela era baseada, anteriormente, na mobilidade urbana via transporte público e, hoje, se encontra fundamentada no transporte privado. Os fatores acima destacados foram os mais relevantes para a escolha da referida região como recorte espacial da investigação desenvolvida, devendo ser ressaltado, ainda, o novo quadro social de mobilidade urbana a que está submetida a circulação da área. De uma perspectiva teórica, saliente-se a importância do estudo do transporte público como elemento imprescindível no quadro geral de análise dos movimentos de circulação, desde que o transporte privado não consegue atender as necessidades da maior parte dos deslocamentos (o capital a ser investido na aquisição do equipamento é muito elevado; há restrições de ordem cognitiva e motora que impedem e / ou limitam amplamente a direção de veículos por menores de idade, cidadãos de idade muito avançada, portadores de qualquer tipo de deficiência, etc.). Outro relevante aspecto geográfico, a ser levado em consideração, é ser o espaço de circulação bem escasso, que não se reproduz, nem se amolda a exigências ilimitadas de tráfego. Assim, somente o transporte público, de muito maior magnitude em termos de volume de passageiros por área ocupada, pode atenuar os efeitos nefastos advindos dos veículos privados, vorazes consumidores de espaço (público), quer estacionados, quer em deslocamento. O atual quadro espacial urbano da circulação coloca os seguintes problemas ao transporte coletivo urbano desta área: - baixa freqüência de utilização deste modo de transporte. Seus valores de IPK (Índice de Passageiros transportados por quilômetro rodado) variam, em média, de 1,0 a 2,5 passageiros / km, a depender das cidades e modalidades consideradas, enquanto o desejável seria o triplo desses valores; - elevado valor da tarifa (hoje em torno de R$ 2,00), o que desestimula o seu uso em maior freqüência, e impede que grande parte da população, que deveria nele encontrar melhor acessibilidade, possa usufruir dessa prestação de serviço; - o atual quadro de transporte coletivo não atende, de maneira satisfatória, as necessidades atuais de locomoção da população, a qual acaba, em parte significativa, migrando para outras formas de transporte, em especial para o transporte privado, alterando o papel de fator condicionante da organização do espaço que aquele desempenhava, e que agora passa a ser exercido pelos veículos particulares. Estes são os problemas básicos que remetem a um estudo mais profundo da realidade sócio-econômico-espacial da área, assim como da funcionalidade da prestação de serviços de transporte coletivo urbano público, de fundamental importância no atual contexto urbano das áreas metropolitanas. Como propostas de soluções, duas teses, ou idéias centrais, norteiam a presente explanação: 1) A análise do transporte urbano, sob a abordagem espacial, deve ser feita pela avaliação de sua acessibilidade, em seu sentido mais amplo, com base no campo Geografia: ações e reflexões 103 de forças espaço-tempo, e vinculada às características da dualidade espaço banal x espaço de rede (a qual a região em estudo está submetida). Acessibilidade, pois, de profundo caráter geográfico. 2) O transporte coletivo urbano pode se integrar melhor à organização sócio-espacial dos lugares, e melhor atender os cidadãos, se for moldado a certas premissas da teoria das redes, pressuposto que pode ser concretizado em um modelo que contempla a integração e a configuração reticular, e que promoveria, segundo nosso entendimento, uma melhor acessibilidade ao cidadão-usuário, principalmente em relação ao modelo polar / rádio-concêntrico, existente até hoje na área em estudo. Destas duas teses, outros dois importantes encaminhamentos teóricos podem ser derivados: um espaço da transitoriedade deve ser sempre considerado, como fruto do espaço da circulação em sua mais pura forma de espaço da sociabilidade pública; e, projeta-se, a possibilidade de formatação de uma teoria espacial da acessibilidade, que venha a sintetizar a melhor forma de integração entre o espaço e a mobilidade que nele se opera, visando ao atendimento das necessidades da circulação em cidades, metrópoles e regiões. Metodologia Dedutivamente, partimos de questionamentos teóricos sobre as categorias espacialidade e circulação. Tais reflexões conduzem a novos desdobramentos e indagações, e remetem à busca, no campo da geografia, de mecanismos e instrumentos de análise, não necessariamente vinculados ao transporte, que venham a possibilitar a melhoria do quadro da circulação espacial urbana. A explanação é balizada pela utilização das categorias de análise forma, conteúdo, função, estrutura e processo (SANTOS, 1999), as quais dão embasamento ao estudo das relações espaço x circulação. Em relação às questões pertinentes à circulação e seus fundamentos teóricos, inseridas em conceitos como urbanidade, mobilidade e sociabilidade, são utilizadas diferentes fontes para defini-las e estudá-las, sejam conceitos da teoria espacial de Milton Santos; sejam idéias lefrebvrianas; sejam, inclusive, noções advindas de outras ciências humanas (sociologia / história / economia) e, mais subliminarmente, de ciências técnicas que se aprofundam na questão mais funcional da circulação urbana (engenharia / arquitetura). Para o estudo analítico da realidade geográfica do ABCD, utiliza-se a periodização proposta por Langenbuch (1971) à região, sendo que, para se chegar à atualidade, um novo período é proposto. A coleta de dados foi feita: junto às empresas públicas de transporte dos municípios envolvidos (nas quais se coletou a maior parte dos dados de transporte), e em algumas empresas privadas, igualmente responsáveis pelo transporte coletivo; em empresas gestoras do transporte metropolitano (EMTU), e empresas de projetos e estudos da região metropolitana (Emplasa). Os dados da mobilidade do país foram coletados, principalmente, em 104 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) estudos do Ministério das Cidades. Os dados geográficos sobre as cidades se originaram, basicamente, de suas prefeituras e de órgãos vinculados à região metropolitana, e ainda de inúmeras outras fontes. O Transporte Coletivo Urbano (TCU), a Mobilidade e a Geografia As cidades se originaram a partir do momento em que puderam tirar vantagens competitivas da economia de escala que produzem, e à qual estão submetidas; ou seja, ao permitirem centralização e maior proximidade entre os diversos setores produtivos, e às decorrentes inter-relações estabelecidas. Elas dependem, entretanto, das facilidades de acesso e conexão que cercam os mais diversos segmentos econômicos, o que vem ressaltar a importância, tanto escalar quanto numérica, da mobilidade intra-urbana (circulação), que se transforma, assim, em requisito essencial para as vantagens oferecidas pela aglomeração urbana, principalmente em relação às distâncias a serem vencidas. Com o grande crescimento das cidades, a circulação passou a ser exigida em escalas cada vez maiores. Hoje, as cidades (principalmente, a região metropolitana em questão) se inserem em meio às mais diversificadas redes urbanas, econômicas e transacionais, da escala local à global; em decorrência, a circulação e a mobilidade passam a ser exigidas ao máximo. Esta exigência não se insere apenas no contexto competitivo da distância (como inicialmente a cidade ofertou), mas também em relação ao tempo destas ligações (SANTOS, 1997, p. 81). Devido à escassez do espaço, a constrição da capacidade de mobilidade tentou ser superada, sobretudo, pelas escalas temporais de locomoção. Daí não se poder dissociar, nesta nova ordem econômica global, o espaço do tempo. Este par (dialético), contudo, não convive passivamente, mas sim, como variáveis inseridas no contexto do capital, isto é, no contexto de disputa. É por tal aspecto que afirmamos que a análise aqui efetuada deve levar em consideração o jogo de forças do campo de atuação das variáveis geográficas espaço-temporais. Como um dos efeitos de tal jogo, o transporte coletivo urbano passou a perder importância em relação ao transporte privado. Isto se deu, principalmente, porque não se soube divisar as diferenças marcantes entre ambos em referência à acessibilidade, o que impediu o estabelecimento de políticas públicas que reorganizassem o transporte coletivo para fazer face às novas escalas de aglomeração. Espaço e Circulação: o Espaço da Transitoriedade Nas cidades, a circulação é uma das fundações que sustentam o desenvolvimento e as atividades relacionadas. Como descrito por Santos (1978), o espaço é condicionado pelas instâncias sócio-econômicas que nele se estabelecem e criam vida, ao mesmo tempo em que também as condiciona. Com o estabelecimento de nova dinâmica no campo de forças espaço-temporal, o próprio espaço da circulação perdeu muito de suas características iniciais no atendimento Geografia: ações e reflexões 105 às necessidades econômicas mais vitais, o que levou a que se conferisse maior importância ao tempo despendido nas conexões. Neste contexto, as cidades foram segmentadas, fragmentadas em seu tecido, pois o processo de concentração nas cidades resultou na emergência da especialização das atividades (melhora na rentabilidade / produção, em meio técnico-científico-informacional), a qual se materializou, no espaço concreto, em diferentes áreas (economia de proximidade, reduzindo as distâncias entre serviços e produção) (SPOSITO, 1999, p. 94), resultando a especialização funcional de áreas e espaços (SANTOS, 1997, p. 51). Assim, vias e bairros urbanos se especializaram em diferentes setores econômicos, como comércio, atividades financeiras, prestação de serviços, indústria, etc, todos voltados à particularização das atividades; nesse sentido, muitas áreas se voltaram à concentração de uma única atividade, como, por exemplo, a bancária, a de prestação de serviços de saúde, de lazer, de determinados tipos de comércio, etc. Sem citar a própria função de moradia, com bairros e área residenciais servindo somente a ela. Tudo isto resultou em enorme pressão sobre as necessidades de circulação. E, dado que nem sempre o espaço é passível de criação (apesar de poder sê-lo, como nos casos de espaços de circulação artificiais, como metrôs e cidades subterrâneas), as pressões sobre o tempo (para agilidade de locomoção e aumento da vazão de circulação) foram intensificadas, visando ao atendimento das exigências da circulação. Com isto, as cidades tiveram seus espaços de circulação brutalmente modificados, transformando-se as ruas em espaços de circulação com restrições impostas pela velocidade. Outrora, os espaços de circulação atendiam, principalmente, os pedestres, que faziam deles suas áreas de convivência social, de sociabilidade, de exercício de atividades desenvolvidas para atender as necessidades básicas da vida (moradia, consumo, lazer, educação, etc.). Com a urgência do tempo, este espaço físico teve que ceder lugar às urgências da locomoção, furtando do pedestre-cidadão seu espaço público, e seu tempo de convivência social. Com a depreciação física e social da rua / calçada, este processo também se estendeu para todos os espaços / serviços de ordem pública. Neste quadro, certas formas sociais de locomoção, como pedestrianismo e transporte coletivo, se viram desprestigiadas frente à insurgência de formas privadas, mais facilmente cooptadas pela ótica do mercado e da acumulação capitalista. A apropriação dos espaços públicos da rua / calçada pelo capital se deu através de um elemento concreto principal, o veículo privado. A posse e o uso de um veículo privado, e sua esfera psicológica de domínio, tornaram seu usuário dono do espaço público das ruas; sua primazia neste espaço, hoje legalmente estabelecida, é inconteste. A preferência de circulação pelas vias e cruzamentos, a velocidade de locomoção, a necessidade de um correlato espaço de estacionamento, simplesmente restringiram toda e qualquer outra forma de sociabilidade que existia nas vias, através do contato social. Desta forma, o espaço de sociabilidade, de convivência, ofertado pela particularidade do uso público, escasseou consideravelmente e, não raro, foi extinto. Os espaços da circulação se transformaram no grau zero do espaço, nos espaços neutralizados, no dizer de Lefèbvre (1984, p. 223), pois deles retirados qualquer conteúdo social. 106 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) Já a apropriação do capital sobre o transporte público se deu de forma mais sutil, entre a convivência de duas esferas jurídicas distintas, a pública e a privada. A dualidade público x privado deu margem a maiores possibilidades de maniqueísmo, sendo que o confronto foi centralizado no uso do transporte. Através da introdução das empresas privadas na prestação deste serviço, criaram-se certas formas de estabelecimento das tarifas, de maneira a permitir a acumulação capitalista primitiva nestas empresas (BRASILEIRO et al, 1999, p. 32) Assim, neste quadro de estabelecimento das relações usuário-empresas-poder público, o foco do conflito foi desviado para a questão do uso do transporte, quando deveria estar centrado na questão da acumulação capitalista, que retira do cidadão a mais-valia, na forma de tarifa, e não lhe retorna, em contrapartida, um serviço público à altura. Serviço público, este, que se limita ao uso, e não à sua manutenção, pois, em relação aos custos de transporte coletivo por ônibus, não há nenhum subsídio às tarifas por parte do poder público, sendo todo o sistema custeado por meio da tarifa paga pelos usuários. Mesmo as gratuidades do transporte (passe-escolar, passe idoso, desempregado), são todas custeadas pela arrecadação tarifária dos usuários. O Transporte em Panorama Nacional Levantamento realizado pelo Ministério das Cidades, vinculado à Secretaria da Presidência da República (SEDU/PR, 2002) e ITRANS – Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte (2003), revelou certas particularidades do uso do transporte público urbano nas regiões metropolitanas brasileiras: - o transporte público está perdendo passageiros, mesmo em áreas urbanas que se esforçaram, particularmente, em melhorá-lo (caso de Goiânia, com a implantação da integração tarifária e corredores de ônibus exclusivos); - o uso do transporte coletivo se distribui por todas as camadas sociais brasileiras, da classe A à classe E. Concentra-se, contudo, nas classes B e C, tendo, nesta última, a moda da distribuição; - as classes mais carentes da população estão sendo cada vez mais alijadas do uso do TCU. As classes D e E estão tendo diminuídas suas participações relativas no transporte público, em função do alto valor das tarifas, que lhes impede o uso. Uma vez que os motivos dos deslocamentos (origem-destino) se concentram nos motivos de viagens casa-escola-trabalho, é grande o número de usuários que utilizam o vale-transporte. Como o trabalho informal é responsável pela ocupação de metade da população urbana das regiões metropolitanas, esta parcela da população se encontra sem acesso ao vale-transporte, ficando impedida, pelo baixo valor da remuneração que aufere, de arcar com o custo do transporte. Outra constatação importante, relativa ao transporte urbano, diz respeito à concentração do fluxo de passageiros nos horários de pico. Eles se distribuem em dois horários bem marcantes durante o dia, o do início da manhã e o do final da tarde. Além disto, devido Geografia: ações e reflexões 107 à característica rádio-concêntrica da maioria das linhas, também há uma forte concentração de passageiros em um único sentido, sendo, no pico da manhã, no sentido periferiacentro e, no pico do fim do dia, em sentido contrário. Este fato, baseado, sobretudo, na configuração das linhas, nos motivos das viagens, e na clientela que faz uso deste serviço, revela um quadro de utilização muito desconfortável para a grande maioria dos passageiros, que faz uso deste transporte exatamente nos períodos de maior demanda, o que contribui, de forma significativa, para a baixa qualidade do serviço oferecido. Todas as constatações feitas acima convergem à evidência de que as camadas da população mais necessitadas, deste meio de locomoção, são as que mais têm maiores dificuldades de acesso, ao passo que a população de maior renda migrou substancialmente para o transporte privado. O Quadro Urbano do ABCD As cidades que compõem a porção sudeste da Região Metropolitana de São Paulo abrigam mais de dois milhões de habitantes, em superfície de 470 km2, mas concentrada em apenas um terço desta área, o que resulta em elevadíssima concentração populacional. Por sua pujança econômica, os municípios do ABCD estendem sua área de influência por outros próximos, casos de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, e até mesmo por áreas do município de São Paulo que lhe são contíguas, principalmente naquelas porções localizadas a maior distância do centro da capital. Contudo, o quadro sócio-econômico da região não é uniforme, seja em relação aos municípios entre si, seja quanto ao conjunto de cada município. Em termos populacionais, Santo André e São Bernardo do Campo são cidades de pujança econômica e demográfica semelhantes. Por sua vez, São Caetano do Sul e Diadema, menores, e mais próximas a São Paulo, possuem um grau de integração e interdependência com a cidade de São Paulo tão significativo quanto o que estabelecem com as demais cidades do ABCD. Em relação ao crescimento demográfico, São Caetano e Santo André dão sinais evidentes de estagnação da população, sendo que, na primeira, desde a década de 1970, a população permanece estável. Por sua vez, São Bernardo e Diadema ainda apresentam um quadro de crescimento populacional, apesar do ritmo dessa expansão estar diminuindo em relação a décadas passadas. O fluxo migratório ainda é o grande responsável pelo crescimento populacional, tendo-se intensificado na década de 1990, em relação à anterior, quando houve uma substancial redução no fluxo migratório. Esta migração se relaciona, basicamente, à demanda econômica da região: enquanto, na década de 1980, foi reduzida a demanda por mão-deobra industrial, na década de 1990 expandiu-se a demanda vinculada ao setor de serviços, hoje o grande solicitador de mão-de-obra para o mercado de trabalho da região. Quanto às faixas etárias da população, é possível se constatar seu envelhecimento, devido tanto à baixa natalidade quanto à baixa mortalidade, somado ao fluxo migratório, 108 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) que faz aportar trabalhadores em faixa etária superior, cada vez mais qualificados profissionalmente. Com a melhoria da escolaridade e da profissionalização do mercado de trabalho, a população teve um ganho considerável na renda, tendo maior acesso à cadeia de consumo. O quadro demográfico-social-econômico, acima esboçado, nos possibilita reconhecer um novo perfil do usuário de transporte, que não mais se limita ao deslocamento casa-trabalho, casa-escola, escola-trabalho, mas define uma gama mais diversificada de novas motivações de viagens (lazer, consumo, etc), que não encontram suporte, contudo, no arcaico sistema de transporte estabelecido, de modelo centro-periférico. Assim, este novo quadro geográfico exige maior mobilidade diferencial da população, mas uma mobilidade que, baseada numa acessibilidade máxima entre origem-destino, foi amplamente atendida pelo veículo particular. Com a afirmação destas características, o número de veículos na região em tela, como no restante do país, duplicou na década de 1990, havendo em tais cidades, à exceção de Diadema, média de um veículo para cada dois habitantes. Outra importante constatação, para toda a Região Metropolitana de São Paulo, é a redução do número de viagens / habitante. Há apenas 1,30 viagem / habitante / dia, índice três vezes inferior ao da região metropolitana parisiense. Este valor, contudo, já foi maior, mas vem apresentando declínio, fato confirmado pelas duas últimas pesquisas realizadas. Tal redução é fruto de um sistema de transporte deficiente, que privilegia o privado, voraz consumidor de espaço, e que, mesmo a depender de uma maior mobilidade, veio a produzir o efeito contrário, ou seja, pela congestão das vias de circulação. Tal panorama modificou profundamente a antiga matriz de locomoção da população, fundamentalmente baseada nas modalidades de circulação do transporte público até a década de 1970. O TCU no ABCD A região do ABCD tem linhas e fluxos internos de transporte público urbano, assim como os mantém com os municípios que a rodeiam. Desta forma, pode-se estabelecer uma divisão hierárquica em três escalas: a) o TCU municipal, restrito a cada uma das cidades integrantes do ABCD; b) o transporte intermunicipal, entre as mesmas cidades; c) o transporte metropolitano, que liga estas cidades às demais áreas da Região Metropolitana de São Paulo. Os sistemas municipais de transporte público Nestes sistemas, as empresas municipais de transporte operam linhas circunscritas a seus territórios. No ABCD, cada cidade possui uma empresa municipal de transporte urbano, uma vez que é da competência do município o gerenciamento/ fiscalização deste 109 Geografia: ações e reflexões serviço. São elas: a EPT-SA (Empresa de Transporte Público de Santo André), a ETC-SBC (Empresa de Transporte Coletivo de São Bernardo do Campo), e a ETCD (Empresa de Transporte Coletivo de Diadema). Apenas São Caetano do Sul, pela suas características de pequena área e, relativamente, menor população, tem este serviço agregado ao Departamento de Transporte Viário (DTV), que acumula outras funções. O quadro abaixo mostra algumas das características do transporte municipal destas cidades. Quadro 1 - Caracterização do transporte público municipal das cidades do ABCD Cidades Santo André São Bernardo do Campo São Caetano do Sul Diadema Total Quilometragem/dia (km) Dias úteis Pax transportado/Dia IPK 90.000 (2000) 175.000 1,95 100.000 (OUT/2000) 201.000 2,01 13.500 (DEZ/2000) 20.000 1,48 28.500 (2000) 65.000 2,25 232.000 (2000) 461.000 1,99 O sistema intermunicipal entre o ABCD e a Região Metropolitana Este sistema é composto pelo transporte público por ônibus, tanto em vias compartilhadas quanto segregadas (cooredores), mais as modalidades de transporte sobre trilhos. Internamente ao ABCD, o transporte coletivo com ônibus é o que oferece a maior acessibilidade de deslocamento entre as diversas áreas, com inúmeras linhas de ônibus atuando não somente dentro do ABCD, mas extrapolando suas fronteiras e adentrando o restante da Região Metropolitana. O Corredor de Ônibus São Mateus-Jabaquara (conhecido localmente como Corredor de Trólebus) tem suas extremidades localizadas no município de São Paulo (regiões leste e sul, respectivamente), mas quase toda a sua área de influência se situa no interior das cidades do ABCD (só não atende o município de São Caetano do Sul). Em Diadema, a importância do referido Corredor para o transporte do município é tão significativa que há, inclusive, integração tarifária entre as linhas municipais com os ônibus / trólebus que trafegam no citado corredor exclusivo. Devido a esta última característica, a velocidade de circulação se mantém inalterada mesmo nos horários de pico, pois se evita o congestionamento com os demais veículos em circulação. Os trens urbanos, primeiros veículos de tração não-animal a cruzarem a região, foram de fundamental importância para o povoamento do ABCD. Apesar de servirem ape- 110 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) nas os municípios de Santo André e São Caetano do Sul, foi a partir das linhas ferroviárias que se deu o desenvolvimento econômico, funcionando como elemento catalizador do surto industrial. A expansão para o município de São Bernardo se fez através de linhas de ônibus, que convergiam para as estações deste município. A importância das vias férreas só veio a ser igualada com a construção da via Anchieta que, cruzando São Bernardo em toda a extensão de seu território, para lá atraiu todas as indústrias automobilísticas instaladas no país, nas décadas de 1950 e 1960. Os trens urbanos, embora sejam uma forma relativamente fácil e rápida de locomoção à maior parte da Região Metropolitana de São Paulo, não permitem um amplo acesso à região do ABCD, devido à rigidez do trajeto que este tipo de transporte apresenta. Desde 2002, há um corredor municipal de ônibus em Santo André, denominado Corredor de Ônibus da Vila Luzita, que, em boa parte, possui via segregada. Este Corredor, como nos demais casos deste tipo, possui terminal de passageiros na última parada (Terminal da Vila Luzita), que permite a transferência gratuita para as demais linhas da região sul da cidade, que para ali convergem. A Mobilidade do Transporte Público do ABCD Atualmente, em um balanço geral do transporte público da Região Metropolitana de São Paulo (Pesquisa Origem-Destino, da Companhia do Metropolitano, 1999), demonstrou que um terço dos deslocamentos são efetivados à pé, outro terço por TCU, e o restante por transporte privado. Contudo, os estudos mostram claramente a tendência paulatina de crescimento do transporte privado sobre o público. Ao se analisar as características funcionais deste sistema no ABCD, é possível constatar que: - o modelo da configuração das linhas é, majoritariamente, rádio-concêntrico (linhas municipais), apesar de algumas linhas não seguirem este padrão; - o IPK das linhas intermunicipais de ônibus (entre as cidades do ABCD, e desta para outras regiões da metrópole) é baixíssimo, desde que dificilmente atinge um passageiro / quilômetro rodado; - os trens e o corredor metropolitano são bastante solicitados. Contudo, ainda apresentam pequena abrangência espacial, atendendo parcela reduzida da população total da região. Além disto, não oferecem certas integrações com as demais modalidades de locomoção, principalmente as que deveriam ocorrer com os ônibus, o que vem dificultar o acesso a seus serviços. Assim, constata-se que o transporte do ABCD se apresenta como uma série de linhas de transporte independentes em sua maior parte, não se integrando em vários aspectos (tarifário, físico, territorial, geral, mecânico, etc.), e compondo diversas redes de transporte que se cruzam, mas não se interconectam. Isto impede uma melhoria substancial do transporte que, a rigor, não deveria ficar confinado ao interior dos limites de cada município, mas deveria ser repensado como uma estrutura material direcionada para oferecer Geografia: ações e reflexões 111 acessibilidade à mobilidade de toda a Região Metropolitana (sem se descurar do transporte local, obviamente). Teoria das Redes e Acessibilidade A função dos transportes é oferecer mobilidade, criando a circulação. Para a Geografia, o transporte é um fator essencial, pois estrutura os espaços, dotando-os com seus próprios fixos e gerando os fluxos, que ultrapassam em muito a simples circulação de pessoas no ambiente urbano. Os problemas gerados pelo transporte urbano impõem a necessidade de uma abordagem mais profunda sobre esse tema. Eles podem levar à degenerescência do ambiente urbano; à acentuação do conflito entre cidadãos e usuários, transformados em consumidores; à degradação do ambiente urbano, uma vez que o transporte é um dos elementos que mais contribuem para a poluição das cidades. Destas razões, surge o questionamento de como a Geografia pode vir a contribuir eficazmente para solucionar tais mazelas e ultrapassar a dicotomia uso público e o privado do espaço. Todas estas questões, tão pertinentes à geografia atual, assomam claramente quando se estuda o quadro atual da circulação urbana, particularmente nas metrópoles. Se aos transportes é delegada a função de transportar, permitindo os movimentos da circulação de pessoas e de bens, cabe à Geografia pautar sua reflexão sobre o ato de transporte em suas implicações sociais, dotando tal estudo de elementos teóricos que, uma vez aplicados ao espaço real, possam atender às necessidades dos cidadãos e das áreas afetadas, da escala local à global. Para tanto, entendemos que o aparato teórico a ser usado, como ponte entre a função de transporte e os novos ditames da teoria espacial, deve ser regido pela análise da acessibilidade. A acessibilidade é um conceito que se aplica tanto à objetividade do espaço (dotando-o de particularidades, fixos e fluxos) quanto à do transporte. Ao mesmo tempo, tem um caráter profundamente subjetivo ao espaço, qualificando-o em todas as suas categorias e, igualmente, ao cidadão, dando-lhe o poder de fluir pelo espaço físico e social, uma vez na situação de passageiro-usuário. A acessibilidade não impõe limites nem restrições ao objeto e ao sujeito, apenas os qualifica e capacita. A mobilidade, por sua vez, apenas os quantifica, segundo uma hierarquia genérica / estatística, sem apontar as falhas na função que deveriam exercer. Uma vez escolhida a acessibilidade (conceito abstrato, adjetivo) como o parâmetro a guiar a análise geográfica do transporte urbano, resta estabelecer sob quais conceitos concretos, substantivos, ou estruturais, deve ser efetivada tal análise. Para isto, um conceito extremamente geográfico, e de total aplicação à estrutura dos transportes, é o de rede. Este conceito pode ser considerado como composto por dois elementos estruturantes, a saber, os nós e as ligações (linhas), e por um outro elemento, a conexidade ou conectividade, que representa funcionalidade. Os cruzamento de ligações / linhas criam os nós; a interação entre as ligações, nos nós, cria a conexidade. 112 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) De certa forma, independentemente de sua configuração, os sistemas de transporte se comportam como redes, mesmo que, na prática, não existam nós, e a conexidade seja deficiente; ou quase nula, daí advir a denominação rede de transportes. Em geografia, porém, o conceito de rede ultrapassa, em muito, uma simples vinculação com os transportes, sendo consideradas as redes de cidades, as de comunicação, as hidrográficas, etc. Plassard (1995, p. 536-537), ao estudar as redes de transporte, reconheceu não conseguir vislumbrar uma articulação entre o espaço banal (local) - da proximidade, e o espaço das redes, definido pela acessibilidade. O primeiro está sujeito à função da distância. O segundo está sujeito ao tempo. Estudando os diferentes tipos de redes aplicados à geografia, Hagget (1974) considerou que elas se dividem em duas categorias distintas. A categoria das redes planares compreende três modelos: 1. as redes de itinerário único; 2. as redes em árvores (dendríticas); 3. as redes em circuitos. A categoria das redes celulares é integrada por um único modelo de rede, denominado de celular. Neste tipo, o que dá suporte à rede (formada pelos limites, ou contornos, de células justapostas) é o próprio interior das células: a rede, em si, não se justifica por si mesma, o que lhe confere substância é o seu próprio conteúdo, um somatório de células que dá suporte e coesão à rede. Assim, criam-se espaços de escala global (espaço das redes, conforme Plassard), e espaços banais (os das células). Nesse contexto, pode-se afirmar, com Milton Santos (1999, p. 198), que existem inúmeras grandezas escalares dentro das redes, que podem se justapor. Seriam elas verticalidades a incidirem sobre horizontalidades (espaços contínuos). Nossa concepção de que o estudo do transporte coletivo urbano deve ser pautado pela análise da acessibilidade incorpora, pois, o conceito mais amplo de conexidade das redes – integração do transporte, assim como os elementos estruturantes das redes, as ligações (fluxos e linhas de transporte) e os nós (elementos materiais-espaciais do transporte), que asseguram a sua materialidade. Fazendo convergir os conceitos de rede e de acessibilidade, e aplicando-os aos espaços da circulação / transporte, podemos propor uma Teoria Espacial (em Rede) da Acessibilidade, a ser usada como balizamento em análises geográficas dos sistemas de transporte. Teoria Espacial da Acessibilidade De acordo com tal proposição, as redes de transporte podem ser analisadas segundo quatro propriedades, ou atributos: 1. Configuração: quais tipos de redes se definem, e quais são suas características hierárquicas. 2. Conexidade: quais tipos de integração podem ser reconhecidos. 3. Interdependência: de que forma, ou em que grau, as redes / ligações se complementam, ou competem entre si. Geografia: ações e reflexões 113 4. Geometria: análise da incidência espacial das feições de reticularidade, homogeneidade e assimetria. Quanto mais intensas e evidentes se revelarem tais propriedades, maior será a acessibilidade ao transporte oferecida ao usuário, assim como maior deverá ser a eficiência / rentabilidade do transporte. Ou seja, o interesse do cidadão deve estar sempre vinculado à funcionalidade dos transportes. Segundo estudos de desempenho das redes (HAGGET, 1974), maiores fluxo e vazão se dão em meio a padrões reticulares, conforme o admitido pelas teorias econômicas de Lösch e Christaller, aplicadas ao meio geográficos. Mas, a melhor dentre elas, é a representada pelo Modelo Reticular/Retangular, estudada por Steinhaus (apud HAGGET, 1975, p. 177) Aplicação da Teoria Espacial da Acessibilidade ao TCU do ABCD De acordo com as propriedades acima especificadas, um novo modelo de transporte público para o ABCD pode ser concebido. Focando, inicialmente, o atributo configuração, esclareça-se que, como o transporte nesta região apresenta tipos de redes locais e regionais, devem ser criadas redes interiores a cada município e, sobrepostas a elas, redes de abrangência regional e metropolitana. Para atender de modo rentável a menor disposição das linhas e nós, idealizamos uma estrutura reticular, com células com área de 400m x 400m. Nos cruzamentos das linhas de ônibus (ligações da rede) se localizariam os pontos de parada (nós); esta dimensão parece ser a mais eficaz, pela curta distância que o usuário precisaria caminhar para atingir a parada mais próxima. Desta forma, existiriam apenas duas linhas se cruzando transversalmente, em todas as paradas. Tal seria a configuração da rede municipal de transporte. Todos os usuários, ao se deslocarem para qualquer destino, poderiam fazê-lo utilizando-se, no máximo, de duas linhas (a maioria deles estaria neste caso). Daí, a imprescindibilidade de um segundo quesito, a integração, no caso, tarifária, pois, pagando-se apenas uma tarifa, ter-se-ia acesso a qualquer ponto das cidades, facilidade hoje inexistente. As linhas regionais e metropolitanas ficariam sobrepostas às redes municipais, porém, com características distintas. Dada a necessidade de maior velocidade para vencer maiores distâncias, e para não se incorrer em erro quanto à terceira propriedade (as linhas devem ser complementares, e não concorrentes), a opção adequada seria uma configuração reticular, onde as células internas fossem quatro vezes maiores que as células do sistema municipal, o que representaria uma rede de 1600m x 1600m. Desta forma, as linhas locais serviriam para alimentar as linhas regionais / metropolitanas. Novamente, a figura da integração seria fundamental nos nós de ambas as redes (onde elas se cruzam), e se permitiria a transferência de uma à outra, pelo pagamento de um valor adicional. Assim, 114 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) linhas locais não competiriam com as linhas regionais, como acontece atualmente, e se evitaria a “canibalização” hoje percebida. As linhas regionais, por sua vez, seriam compostas das linhas de média e alta velocidade, como os trens urbanos e os corredores de ônibus segregados. No entanto, estes são insuficientes para atender toda a necessidade de transporte regional do ABCD e, assim, investimentos teriam que ser direcionados à criação de novos corredores metropolitanos que, formando a rede descrita, em muito contribuiriam para a facilidade de acesso à locomoção da população. Quanto à última propriedade das redes, pode-se observar que sempre optamos por linhas reticulares, de cruzamento transversal, por terem maior eficácia no atendimento: elas abrangem maior área através de menor quilometragem rodada, reduzindo o consumo de combustível, os impactos nas áreas urbanas pela sua incidência (a qual segrega, secciona, as áreas urbanas), e os impactos diretos e indiretos do transporte. Através de um transporte público de qualidade e acessível a todos, seria reduzido o uso do transporte privado, que cada vez mais restringe o uso do espaço público de convivência e sociabilidade das cidades, e o transforma em espaço de máquinas particulares, de autômatos. O quadro 2 indica qual seria a quilometragem rodada pelos ônibus (transporte municipal) nas cidades do ABCD, através de intervalos-freqüência de atendimento. Quadro 2 - Atendimento em rede (teoria espacial), segundo as freqüências de atendimento (circulação) dos coletivos Cidades Área Urbana Quilometragemx km2 urbano Quilometragem/ dia (km) (7,5 min.) (km) (10 min.) (km2) (km) (a cada 7,5 min.)* IPK (a cada 10 min.)* IPK Santo André 53 530 76.320 2,3 57.240 3,1 São Bernardo 45 450 64.800 3,1 48.600 4,1 São Caetano 12 120 17.280 1,2 12.960 1,54 Diadema 23 225 32.400 2,01 24.300 2,7 Total 133 1.325 190.800 2,42 143.100 3,22 (*) freqüência de circulação dos veículos. É possível observar, comparando-se com o quadro 1 (do sistema atual), que a rede proposta, com base na teoria espacial, com seu poder de abrangência das variáveis consideradas, atenderia melhor as necessidades dos cidadãos, que poderiam ser transportados, a qualquer ponto da região, com rapidez, conforto e facilidade de informação. Ter-se-ia o atendimento da população por um transporte em rede, que não diferencia as áreas que Geografia: ações e reflexões 115 compõem o espaço urbano, que oferece sempre o mesmo intervalo de atendimento em todas as linhas, e por um custo que, verificada a diferença entre o IPK do sistema atual e o aqui proposto, poderia ser reduzido à metade. Considere-se, ainda, o acréscimo no número de usuários com a implantação do novo sistema, que poderia, com a melhoria da acessibilidade e redução do custo, redundar em tarifas ainda menores, e em aumento da freqüência dos veículos nas linhas, principalmente com a integração tarifária que este proporciona. Considerações Finais As cidades devem ser dotadas de um ambiente urbano que as enriqueça, e que inverta o atual cenário de degradação que se constata, particularmente nas áreas metropolitanas. Como elementos vitais da urbanização, o transporte e a circulação podem ser os carros-chefe deste processo de recuperação, pois, no dizer de Mílton Santos, “o próprio padrão geográfico é definido pela circulação, já que esta, mais numerosa, mais densa, detém o comando das mudanças de valor no espaço” (Santos, 1999, p. 198). Para reverter o mecanismo da degradação, uma atitude concreta seria dotar as cidades com sistemas de transporte que façam frente às suas necessidades, sem destruição do espaço banal dos cidadãos, recurso fundamental para sua sobrevivência e convivência social; há que se recuperar o espaço da sociabilidade da rua, aqui denominado de espaço da transitoriedade (do transeunte). Mas não só este, evidentemente, mas de todos os espaços públicos, sejam fixos (praças, ruas, calçadas, etc), ou de locomoção (transporte coletivo), e necessários ao fomento desta sociabilidade que não prescinde do contato, da proximidade. O uso do espaço público não pode ficar à mercê das necessidades do privado. Ao contrário, o direito do privado deve ser assegurado à medida que não restrinja nem coíba o público. Com tais medidas, poderiam ser revertidos os fatores que reduzem o acesso da população, notadamente os que mais necessitam, a uma locomoção indispensável ao atendimento de suas necessidades vitais de sobrevivência. Por outro lado, dar-se-ia maior coesão ao tecido urbano, hoje totalmente fragmentado; coesão que o transporte público, atualmente, não se encontra em condições de oferecer próximas às condições dos veículos particulares (que foram o motor desta fragmentação), através de sua enorme capacidade de ofertar acessibilidade “privada”, e sem restrições, a seus proprietários. Um transporte público mais justo, igualitário, oferecendo as mesmas condições de transporte para todos os cidadãos, recolocaria-os no papel de sujeitos e objetos da cidadania, e não apenas simples consumidores, que ofertam a mais-valia através da tarifa, na forma mais primitiva de acumulação capitalista. Assim, poderíamos ver conciliados o espaço banal ao espaço das redes. 116 Lucia Helena de Oliveira Gerardi e Pompeu Figueiredo de Carvalho (Org.) Referências BRASILEIRO, A.; HENRY, E. (Org) Viação ilimitada – ônibus das cidades brasileiras. São Paulo: Cultura, 1999. COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO – METRÔ. Pesquisa OrigemDestino/1997 – Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1999. ITRANS – Instituto de Desenvolvimento e Informação em Transporte. Mobilidade e Pobreza: relatório preliminar. Brasília, Julho-2003. HAGGETT, Peter. Modelos de Rede em Geografia. In: CHORLEY, Richard J.; HAGGETT, Peter (Org). Modelos integrados em geografia. São Paulo: Edusp, 1974, p. 156 – 213. LANGENBUCH, J.R. A Estruturação da Grande São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1971. LEFEBVRE, Henri. La vida cotidiana en el mundo moderno. Madri: Alianza, 1984. SANTOS, Mílton. A Natureza do Espaço – técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1999. ______. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1997. ______. Por uma Geografia Nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: HUCITEC, 1978. PLASSARD, François. Les réseaux de transport et de communication. In: BAILLY, A.; FERRAS, R.; PUMAIN, D. (Org.) Encyclopédie de Géographie. Paris: Economica, 1995. SEDU/PR. Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República. Grupo Executivo de Transporte Urbano. Motivações que regem o novo perfil de deslocamento da população urbana brasileira: pesquisa de imagem e opinião sobre os transportes urbanos. Relatório Final. Brasília, DF. Dezembro de 2002. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. A Urbanização da sociedade: reflexões para um debate sobre as novas formas espaciais. In: DAMIANI, Amélia Luísa;CARLOS, Ana Fani Alessandri; SEABRA, Odette Carvalho de Lima (Org). O Espaço no fim do século: a nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999, pp. 83 – 99.