certidão - Ministério Público

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EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(JUÍZA) DE DIREITO DA __VARA CÍVEL DA
COMARCA DE ERECHIM/RS:
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO,
por
seu
agente
signatário, no uso de suas atribuições legais, com base no anexo Inquérito Civil
n.º 00763.00002/2007, vem, à presença de Vossa Excelência, propor a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar, contra
O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pessoa
jurídica de direito público, com sede administrativa na Cidade de Porto
Alegre/RS, representado pelo Excelentíssimo Governador do Estado, a ser
citado na pessoa do Procurador-Geral do Estado, pelos seguintes fatos e
fundamentos que, desde já, passa a expor, para, ao final, requerer o quanto
segue:
1.
Dos fatos.
O anexo Inquérito Civil n.º 00763.00002/2007 foi
instaurado para investigar possíveis ofensas a direitos difusos decorrente da
impossibilidade de cumprimento do preceito contido no art. 306, §1 o, do Código
de Processo Penal, bem como da vulneração dos direitos fundamentais
previstos no art. 5o, incisos LXXIV e LXIII, da Constituição Federal1, em razão
da inexistência de serviço de plantão na Defensoria Pública desta Comarca.
Com efeito, o citado expediente investigatório foi
instaurado em virtude da remessa, pelo 1o Promotor de Justiça da Promotoria
de Justiça Criminal desta Comarca, de cópia de auto de prisão em flagrante,
lavrado em 31.01.2007, o qual não foi homologado e, conseqüentemente,
houve o relaxamento da prisão do flagrado, ante a ausência de assistência de
advogado (fls. 07-42 do inquérito civil). Na oportunidade, o preso em flagrante,
pessoa pobre (fl. 33 do inquérito civil), embora tenha manifestado interesse
em ser assistido pela Defensoria Pública, foi interrogado sem a presença do
defensor, entendendo a Douta Magistrada que analisou a consistência do auto
de prisão em flagrante ter ocorrido ofensa ao art. 5 o, inciso LXIII, da
Constituição Federal, embora tenha havido a remessa de cópia do citado auto
à Defensoria Pública (fls. 39/39v do inquérito civil).
Acerca do assunto, o diligente Delegado de Polícia,
Dr. Gerson Avelino Cavedine Fraga, remeteu informação a esta Promotoria de
Justiça, relatando que, em 26.01.2007, 29.01.2007 e 31.01.2007, objetivou
fazer contato telefônico com a Defensoria Pública local, a fim de tratar sobre a
1
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIII - o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado; (...) LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (...).
2
nova redação do art. 306 do Código de Processo Penal2, diante do advento Lei
no 11.449/07, mas não obteve êxito (fls. 43/44 do inquérito civil).
Assim, já se percebe, de início, que, embora
estejamos na chamada Era da Comunicação3, a estimada Defensoria Pública
nesta Comarca sequer disponibiliza à autoridade policial – em horário de
expediente normal - uma forma de contato eficaz (como um número de telefone
móvel, por exemplo) para tratar de assuntos relacionados a sua atividade. Além
disso, a referida instituição não acompanha a lavratura dos autos de prisão em
flagrante, ou seja, não presta assistência jurídica ao preso em flagrante delito
que possua insuficiência de recursos, o que pode redundar em graves
prejuízos à sociedade, como o relaxamento dessas prisões, o que ocorreu no
caso acima aludido.
Logo,
oficiou-se
à
Defensoria
Pública
desta
Comarca, solicitando-se fosse informado sobre: a) existência de prestação do
serviço em regime de plantão, bem como, em caso negativo, fosse esclarecido
de que forma é solucionado o atendimento de pessoas que buscam a
instituição com demandas urgentes; b) o modo como se possibilita à autoridade
policial o cumprimento do disposto no art. 306, §1 o, do CPP em dias não-úteis
ou fora do seu horário regular de expediente; c) se é prestada assistência
jurídica ao preso em flagrante delito (fls. 48/49 do inquérito civil).
Em
resposta
a
esta
singela
solicitação
de
informações, de evidente conhecimento de qualquer dos Defensores que
2
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. (Redação
dada pela Lei nº 11.449, de 2007).
§ 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz
competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e,
caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria
Pública. (Redação dada pela Lei nº 11.449, de 2007). (Grifou-se).
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela
autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas. (Incluído pela
Lei nº 11.449, de 2007).
3 Historicamente o homem vem promovendo mecanismos de locomoção e de comunicação
cada vez mais eficientes, que encurtam distâncias e produzem, em tempo real, o
aperfeiçoamento das tecnologias da informação (PRETTO, Nelson de Luca. Uma Escola
sem/com futuro: Educação e Multimídia. Campinas, Papirus, 1996).
3
laboram na Comarca – pois as indagações dizem respeito ao trabalho por eles
desempenhado - a Defensoria Pública desta Comarca respondeu que ela
“deveria ser encaminhada à Defensora Pública Daniela Boito Maurmann
Hidalgo, Coordenadora do Núcleo do Interior da Defensoria Pública do Estado
do Rio Grande do Sul”. A citada “sugestão”, por possuir nítido caráter
protelatório da instrução do inquérito civil que embasa a presente ação, não foi
realizada (uma vez que as informações solicitadas são conhecidas pelo
Defensor Público signatário do ofício da fl. 50 do inquérito civil), preferindo-se
realizar diligência in loco junto à Defensoria, ocasião na qual as questões
pendentes foram esclarecidas.
Na oportunidade, verificou-se, com funcionária da
Universidade Regional Integrada – URI (a qual cede parte do prédio para
utilização pela Defensoria Pública), que a referida instituição possui horário de
atendimento das 8h30min às 11h30min, e das 13h30min às 17h, de segunda a
sexta-feira, conquanto não haja qualquer “cartaz ou placa indicando o horário
de atendimento ao público”. Verificou-se, ainda, que “não há qualquer
informação no prédio, mediante cartaz ou placa, acerca de telefone ou
endereço onde os defensores passam ser encontrados em casos de
urgência. Inclusive, o prédio fica fechado à noite e aos finais de semana”,
tendo a Defensora que estava no local referido que “em casos de urgência o
órgão é acionado e adota as providências de praxe”, esclarecendo que “ambos
os defensores atendem ao público, durante o horário de expediente”.
Contudo, a pessoa que trabalha na portaria do prédio onde está instalada a
Defensoria Pública informou que “não saberia informar onde encontrar os
defensores em caso de urgência, caso houvesse tal solicitação de
terceiro” (fls. 52-53 do inquérito civil).
Além disso, restou esclarecido que, consoante a
orientação contida na Ordem de Serviço no 01/07, da Defensora Pública-Geral
do Estado do Rio Grande do Sul, o acompanhamento da lavratura de autos de
prisão em flagrante continuará a ser realizado somente pelo Defensor Público
classificado na Divisão de Direitos Humanos e que atua na 2a Delegacia de
4
Polícia de Plantão - Área Judiciária Central (Art. 1o) - ou seja, não é realizado
na demais localidades, incluindo-se esta Comarca - sob a alegação de
“reconhecida carência de recursos humanos, a inexistência de quadro de
apoio administrativo, as deficiências estruturais, principalmente no que
pertine a equipamentos e locais de trabalho no âmbito da Defensoria
Pública” (fl. 47 do inquérito civil). Ademais, segundo a orientação ali constante,
a cópia integral do auto de prisão em flagrante, caso este ocorra em final de
semana, feriado ou fora do horário de expediente, pelos mesmos motivos, e
mesmo considerando a nova redação do art. 306 do Código de Processo
Penal, somente deverá ser recebida pelo Defensor Público da Comarca “no
primeiro dia útil seguinte após a lavratura do respectivo auto” (Art. 2o,
parágrafo 1o).
Entretanto,
a
Defensoria
Pública de
Erechim,
embora já esteja devidamente instalada e estruturada (fls. 52-58 do
inquérito civil), sendo representada por dois Defensores Públicos, está
atuando de acordo com a referida ordem de serviço, a qual foi editada por
suposta ocorrência de deficiências estruturais - aqui não ocorrentes - além de
não disponibilizar atendimento em regime de plantão em final de semana,
feriado ou fora do seu horário regular de expediente (fls. 52-59 do inquérito
civil). De fato, consoante o relatório elaborado por Secretário de Diligências do
Ministério Público, na Defensoria Pública da Comarca, “há dois gabinetes de
trabalho (Dr. Pedro e Dra. Luciana) dotados dos equipamentos
necessários, como telefone, mesa, balcão, cadeiras e computador
completo. Há um computador para uso do estagiário na recepção. As
salas de espera para atendimento são adequadas, havendo cadeiras para
acomodar as pessoas.” (fl. 53 do inquérito civil).
Tais fatos implicam graves prejuízos aos direitos
fundamentais das pessoas que, nesta Comarca, necessitam de urgente
assistência jurídica, judicial ou extrajudicialmente, inclusive dos presos em
flagrante delito.
5
Registra-se, ainda, por pertinente, que o Ministério
Público desta Comarca é procurado, constantemente, por pessoas que buscam
o acesso ao Poder Judiciário visando à tutela de direitos individuais. Da análise
dos documentos acostados ao presente inquérito civil (fls. 60-66 do inquérito
civil), constata-se que várias são os atendimentos prestados sobre direitos
individuais na Promotoria de Justiça, o que demonstra a existência de
demanda quanto ao serviço prestado pela Defensoria Pública, o qual,
entretanto, não conta sequer com plantão para os casos urgentes.
Assim,
ante
a
flagrante
violação
a
direitos
fundamentais, em difusa amplitude, mostra-se indispensável a imediata
atuação ministerial.
Dessarte, com base no fato de que o acesso ao
Poder Judiciário e à assistência jurídica são direitos fundamentais da pessoa,
devendo, por conseqüência, o Estado proporcioná-los de forma integral e
gratuita aos que não possuem suficiência de recursos, busca-se, com a
presente ação, implementar-se o direito em questão, ante a flagrante omissão
do Estado que não os disponibiliza aos carentes desta Comarca.
Os fatos, como pontuado, notórios e, apesar disso,
também devidamente provados neste expediente, são os seguintes:
a) a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do
Sul já está devidamente instalada e estruturada nesta Comarca, sendo
representada por dois Defensores Públicos;
b) é prestado atendimento à população, pelo referido
órgão estadual, das 8h30min às 11h30min, e das 13h30min às 17h, de
segunda a sexta-feira;
c) apesar de já instalada e estruturada, não há, na
Defensoria Pública desta Comarca, sistema de plantão nos fins de semana,
feriados e fora do horário regular de expediente, ficando a população, nestes
dias, desprovida de qualquer assistência jurídica, judicial ou extrajudicialmente.
6
d) apesar de já instalada e estruturada, a
Defensoria Pública da Comarca não presta assistência jurídica ao preso em
flagrante delito que possua insuficiência de recursos;
e) apesar de já instalada e estruturada, a
Defensoria Pública da Comarca somente efetua o recebimento cópia dos
autos de prisão em flagrante em dias úteis, no horário de expediente, em que
pese o prazo fixado no §1o do art. 306 do Código de Processo Penal.
Passa-se, portanto, à análise jurídica de tais fatos.
2.
Os
Direitos Fundamentais - Breve Histórico.
direitos
fundamentais,
em
sua
primeira
concepção, tinham berço em uma Constituição definidora de um modelo liberal
de Estado, sendo instituídos no ideal de se garantir liberdades, parcela do
indivíduo sobre a qual o próprio Estado não possuía ingerência.
Contudo, notadamente após a 1a Guerra Mundial,
movimentos socialistas tomaram lugar, acabando por acarretar a definição de
um modelo diverso de Estado, denominado Estado Social, no qual se partia da
afirmação de que o papel do Estado não se limitava a garantir liberdades, mas,
sim, efetivar o bem-estar dos indivíduos. Nesse modelo, irradiaram uma nova
linha de direitos fundamentais, denominados direitos sociais.
Em um momento inicial, os direitos sociais vieram
acompanhados de regimes ditatoriais, nos quais se pregava a impossibilidade
de uma existência harmônica com os direitos de liberdade.
Todavia, no Estado Democrático de Direito, a
Constituição acabou por incorporar as dimensões dos direitos fundamentais em
sua estrutura.
Muda-se a concepção das coisas: no Estado do
Bem-Estar Social, é função essencial do Poder Público instituir e concretizar
políticas públicas visando o bem comum. Também, de outro lado, deve garantir
7
as liberdades individuais que, inclusive, são complementadas pelos direitos
sociais. A asseguração das liberdades deve vir, também, por intermédio do
Estado.
Ainda, nossa Constituição foi além e definiu,
igualmente, como fundamentais, os direitos de solidariedade – terceira
dimensão, dando, assim, na forma referida por Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, eco ao grito inspirador da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e
fraternidade.
2.1.
O Acesso à Jurisdição e à assistência
jurídica como direitos fundamentais.
Como pontuado, em um primeiro momento, os
direitos fundamentais tinham característica de defesa – instituir e garantir
liberdades. A Constituição Federal de 1988 trouxe, especialmente em seu
artigo 5o, estes direitos em seu texto.
De se salientar que para garantir o efetivo respeito
aos direitos previstos, a Constituição instituiu o Poder Judiciário, definindo que
o acesso a este é, também, direito fundamental.
Art. 5o (...).
XXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Vê-se que a inafastabilidade do Judiciário é direito
fundamental e órbita em torno do qual gravitam os demais direitos, pois a
jurisdição foi a forma utilizada pela Constituição para prevalecer, para se tornar
real, para garantir que o Estado por si criado irá exigir o cumprimento dos
direitos estabelecidos.
8
Sobre o assunto, menciona ALEXANDRE DE
MORAES: 4
Como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
‘como princípio da legalidade, o do controle judiciário
é intrínseco à democracia de opção liberal`, pois,
como salienta José Alfredo de Oliveira Baracho, o
direito à tutela é o direito que toda pessoa tem de
exigir que se faça justiça, quando pretenda algo de
outra, sendo que a pretensão deve ser atendida por
um órgão judicial, através de processo onde são
reconhecidas as garantias mínimas. O acesso dos
cidadãos aos tribunais de justiça, a procura de uma
resposta jurídica fundamentada a uma pretensão ou
interesse determinado, realiza-se pela interposição
perante órgãos jurisdicionais, cuja missão exclusiva
é conhecer e decidir as pretensões, que são
submetidas ao conhecimento do órgão judicante,
tendo em vista os direitos fundamentais da pessoa.
Ainda, ensina o professor JOSÉ AFONSO DA
SILVA: 5
O princípio da proteção judiciária, também chamado
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,
constitui, em verdade, a principal garantia dos
direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno,
fundamenta-se no princípio da separação dos
poderes, reconhecido pela doutrina como garantia
das garantias constitucionais. Aí se junta uma
constelação de garantias: as da independência e
imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou
constitucional, a do direito de ação e de defesa.
Tudo ínsito nas regras do art. 5.o, XXXV, LIV e LV.
4
Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 6 a edição, pág. 294/295,
Editora Atlas Jurídica.
5 Curso de Direito Constitucional Positivo, 14 a Edição, pág. 410, Editora Malheiros.
9
Por fim, a jurisprudência do Colendo Supremo
Tribunal Federal também tem sufragado tal entendimento:
A ordem jurídico-constitucional assegura aos
cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção
maior. Engloba a entrega da prestação jurisdicional
da forma mais completa e convincente possível (STF
– 2a T. – Rextr. No 158.655-9/PA – Rel. Min. Marco
Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 2 maio de 1997,
p. 16.567).
Moldado, assim, como direito fundamental da
pessoa, o acesso à jurisdição.
Todavia, é certo que o enunciado do inciso XXXV do
artigo 5o da Constituição Federal, por si só, não é capaz de assegurar que, a
todos, seja estendido o Direito. Com base na realidade fática que apresenta
gritantes desigualdades sociais, o constituinte, inspirado no ideal de igualdade
material, fundamentalizou, também, que ao Estado (lato sensu) compete
assegurar – por intermédio de prestação – o acesso à jurisdição, não bastando,
pois, a manutenção de uma postura altiva que, apenas, autorize que as
pessoas, por si, busquem o Judiciário. Deve fazer mais, deve disponibilizar,
para os hipossuficientes, instrumentos de acesso à jurisdição, sendo referidas
prestações, igualmente, direitos fundamentais da pessoa.
Ordenou, assim, o constituinte, que o Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos (art. 5o, LXXIV, da Constituição Federal).
Novamente, ensina ALEXANDRE DE MORAES: 6
A Constituição Federal, ao prever o dever do Estado
em prestar assistência jurídica integral e gratuita aos
6
Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 6 a edição, pág. 448, Editora
Atlas Jurídica.
10
que comprovarem insuficiência de recursos,
pretende efetivar diversos outros princípios
constitucionais, tais como igualdade, devido
processo legal, ampla defesa, contraditório e,
principalmente, pleno acesso à Justiça. Trata-se,
pois, de um direito público subjetivo consagrado a
todo aquele que comprovar que sua situação
econômica não lhe permite pagar os honorários
advocatícios, custas processuais, sem prejuízo para
seu próprio sustento ou de sua família.
Em prosseguimento, a Defensoria Pública restou
criada pela Constituição Federal como instrumento de efetivação do acesso à
jurisdição à assistência jurídica, competindo-lhe a prestação de tal assistência
de forma integral e gratuita aos hipossuficientes, sendo, por isso, qualificada de
essencial à função jurisdicional. Veja-se o disposto na Lei Maior, verbis:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,
dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV.
Comentando o tema, esclarece JOSÉ AFONSO DA
SILVA: 7
A assistência judiciária integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos vem
configurada, relevantemente, como direito individual
no art. 5.o, LXXIV. Sua eficácia e efetiva aplicação,
como outras prestações estatais, constituirão um
meio de realizar o princípio da igualização das
condições dos desiguais perante a Justiça.
Nesse sentido é justo reconhecer que a Constituição
deu um passo importante, prevendo, em seu art.
134, a Defensoria Pública como instituição essencial
à função jurisdicional, incumbida da orientação
7
Curso de Direito Constitucional Positivo, 14a Edição, pág. 410, Editora Malheiros.
11
jurídica e defesa, em todos os graus,
necessitados, na forma do art. 5.o, LXXIV.
dos
Do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:
a) o acesso à jurisdição e à assistência jurídica são
direitos fundamentais da pessoa humana, de acordo expressa previsão da
Constituição Federal;
b) o Estado deve garantir o acesso de todos à
jurisdição e à assistência jurídica, mediante a disponibilização destas de forma
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
c) a Defensoria Pública foi instituída especialmente
para esse fim: é a sua única razão de existir.
2.3.
Direitos
Fundamentais
–
Algumas
Considerações.
Ensina
PAULO
GILBERTO
COGO
LEIVAS8,
seguindo a proposição de R. ALEXY:
(...) as disposições de direitos fundamentais
caracterizam-se por regularem, de uma maneira
extremamente
vaga,
questões
sumamente
discutidas da estrutura normativa básica do Estado e
da sociedade, como é o caso dos direitos à
dignidade, à igualdade e à liberdade. Essa vagueza
vem a exigir uma espécie normativa que permita o
reconhecimento
da
normatividade
e
da
justiciabilidade dos direitos fundamentais, levando
em consideração as freqüentes colisões entre si. Diz
Alexy que a teoria dos princípios ´possibilita um meio
termo entre vinculação e flexibilidade´.
8
Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Págs. 38/75. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado editora, 2006.
12
Efetivamente,
vê-se
que
o
constituinte,
ao
normatizar os direitos fundamentais, valeu-se de princípios e não de regras.
Contudo, não é retirada dos direitos fundamentais a normatividade e a
justiciabilidade.
De outro lado, as normas que definem direitos e
garantias fundamentais possuem aplicação imediata – art. 5o, §1o, Constituição
Federal – dispositivo aplicável a todos os direitos fundamentais.
Sobre a eficácia dos direitos fundamentais, afirma
INGO WOLFGANG SARLET: 9
Se, portanto, todas as normas constitucionais são
dotadas de um mínimo de eficácia, no caso dos
direitos fundamentais, à luz do significado outorgado
ao art. 5o, § 1o, de nossa Lei Fundamental, pode
afirmar-se que aos poderes públicos incumbem a
tarefa e o dever de extrair das normas que os
consagram (os direitos fundamentais) a maior
eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido,
efeitos reforçados relativamente às demais normas
constitucionais, já que não há como desconsiderar a
circunstância de que a presunção de aplicabilidade
imediata e plena eficácia que milita em favor dos
direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos
esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito
da Constituição. Assim, para além da aplicabilidade
e eficácia imediata de toda a Constituição, na
condição de ordem jurídico-normativa, percebe-se –
na esteira de García de Enterría – que o art. 5o, § 1o,
de nossa Lei Fundamental constitui, na verdade, um
plus agregado às normas definidoras de direitos
fundamentais, que tem por finalidade justamente a
de
ressaltar
sua
aplicabilidade
imediata
independentemente
de
qualquer
medida
concretizadora. Poderá afirmar-se, portanto, que –
no âmbito de uma força jurídica reforçada ao nível
da Constituição – os direitos fundamentais possuem,
relativamente às demais normas constitucionais,
maior aplicabilidade e eficácia, o que, por outro lado
9
A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 6a edição, págs. 283/284, Livraria do Advogado
Editora.
13
(consoante já assinalado), não significa que mesmo
dentre os direitos fundamentais não possam existir
distinções no que concerne à graduação desta
aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de
positivação, do objeto e da função que cada preceito
desempenha. Negar-se aos direitos fundamentais
esta condição privilegiada significaria, em última
análise, negar-lhes a própria fundamentalidade. Não
por outro motivo – isto é, pela sua essencial
relevância na Constituição – já se afirmou que, em
certo sentido, os direitos fundamentais (e a estes
poderíamos acrescentar os princípios fundamentais)
governam a ordem constitucional.
Com efeito, vê-se que, juridicamente, é possível
exigir-se da Administração a efetivação dos direitos fundamentais, de forma
imediata. Essa foi a regra e o ideal trazido pela Constituição – força normativa
e aplicação imediata aos direitos fundamentais. Contudo, existem limites e
restrições aos direitos fundamentais, notadamente, quando em colisão com
outros direitos e a impossibilidade fática de sua efetivação – reserva do
possível. Pontua-se, desde já, que as limitações, apesar de não se fazerem
presentes no caso em tela – serão, também, por relevante, tratadas nesta
peça.
2.4.
Direitos
Fundamentais
a
Prestações
Positivas.
A complementar o raciocínio jurídico que, pelo
presente, está sendo construído, ponto salutar merece destaque – apesar de
serem direitos fundamentais de 1a dimensão, o acesso à jurisdição à
assistência jurídica, para sua efetivação, impõe ao Estado mais do que um
simples dever de não-ingerência, mas, sim, um dever de prestar.
14
Transcreve-se, aqui, em razão de a matéria haver
sido abordada com rara felicidade, as sempre precisas lições do eminente
Procurador de Justiça, Dr. LUIZ FERNANDO CALIL DE FREITAS: 10
Diferentemente dos direitos a prestações negativas,
em que os efeitos da norma jusfundamental se dão
em termos de evitar uma ação, os direitos
fundamentais a prestações positivas oportunizam ao
seu titular a condição de obter do destinatário da
norma uma ação positiva. Tais direitos se vinculam à
idéia de que é incumbência do Estado disponibilizar
os meios materiais e o implemento das condições
fáticas aptas a possibilitarem o exercício das
liberdades. Para alguns doutrinadores, têm esses
direitos como principal objetivo assegurar tanto aos
indivíduos, quanto aos grupos em que se inserem, a
participação na vida política, econômica, social e
cultural. Suas características mais marcantes
seriam, do ponto de vista objetivo, o de se
constituírem em um conjunto de normas através das
quais o Estado se desincumbe de sua tarefa de
equilibrar as desigualdades sociais; e, do ponto de
vista subjetivo, de serem faculdades atribuídas a
indivíduos e grupos de participarem dos benefícios
da vida em comunidade, que correspondem a
direitos a prestações diretas e indiretas pelo poder
público. Bem por isso, Alexy define os direitos a
prestações como sendo todos os direitos
fundamentais a um ato positivo, uma ação do
Estado, identificando-os como a contrapartida exata
ao conceito de direitos de defesa.
Canotilho
refere
que
os
direitos
sociais
prestacionais,
no
plano
jurídico-dogmático,
promovem uma inversão relativamente ao objeto do
direito subjetivo, na exata medida em que postulam
uma proibição de omissão estatal, impondo aos
poderes públicos uma intervenção ativa traduzida no
dever de fornecimento de prestações positivas,
embora o façam por intermédio de imposições
constitucionais que, em razão da vagueza e
indeterminação, dependem sempre a interposição
10
Direitos Fundamentais Limites e Restrições, 1a edição, págs. 71/72, Livraria do Advogado
Editora.
15
do legislador ordinário e demais órgãos aptos à
concretização da norma jusfundamental.
Dentre tais direitos se alinham o direito à saúde, à
educação (artigo 6o, CF), à aposentadoria (art. 7o,
XXIV), à participação dos partidos políticos nos
recursos do fundo partidário (art. 17, § 3o), ao
acesso à Justiça (art. 5o, XXXV) e à assistência
judiciária gratuita (art. 5o, LXXIV). De notar-se,
por relevante, que assim como dentre os
denominados direitos individuais e coletivos
alinhados nos incisos do artigo 5o da
Constituição Federal se encontram não somente
direitos a prestações negativas como também
direitos a prestações positivas – tais como o já
mencionado direito à assistência judiciária
gratuita (LXXIV), o direito a informações de
interesse particular, coletivo ou geral (XXXIII), o
direito a informações à obtenção de certidões
(XXXIV, ‘b’), o direito das presidiárias à
amamentação dos filhos (L), o direito do preso à
informação quanto a seus direitos (LXIII), (...) –
como também dentre os denominados direitos
sociais o legislador constituinte alinhou direitos
tipicamente de defesa (direitos a prestações
negativas, cujos efeitos subjetivos se traduzem
em deveres de não-afetações, não-impedimentos
ou não-eliminações), tais como no artigo 7o o
direito à irredutibilidade do salário (VI), a garantia do
salário não inferior ao mínimo (VII), (...). Por isso,
ainda que os direitos a prestações positivas
tenham uma inegável conotação econômica,
social ou cultural, a denominação direitos sociais
não pode ser entendida como absolutamente
sinônima da dimensão prestacional positiva.
(sem grifos no original).
Como efeito, vê-se o acesso à jurisdição e à
assistência judiciária integral e gratuita são direitos fundamentais que
demandam, para sua efetivação, uma atuação positiva do Estado.
16
2.5.
Reserva do Possível e Discricionariedade:
eventuais limitações aos direitos fundamentais.
Como
pontuado,
juridicamente,
os
direitos
fundamentais, ante a aplicabilidade imediata que lhes outorgou a Constituição
Federal, são exigíveis, imediatamente e em toda a sua plenitude, do Poder
Público. A assertiva encontra essencial relevância se contraposta aos direitos
sociais e individuais/coletivos que demandam prestações positivas do Estado
para sua efetivação. Contudo, existem limitações.
A cláusula reserva do possível apresenta-se como
uma barreira fática impetidiva da efetivação imediata de determinada prestação
material. Não é possível, faticamente, que o Poder Público implemente,
imediatamente, todos os direitos que demandam ações positivas. Contudo, por
ser uma limitação aos direitos fundamentais, deve o Poder Público, ao suscitar
a cláusula, comprovar a impossibilidade fática da realização da prestação.
Ainda, em hipótese alguma, pode ser invocada para afastar o respeito ao
núcleo do direito fundamental, não pode comprometer o mínimo existencial.
CALIL DE FREITAS11, mais uma vez, esclarece,
com propriedade, que:
De qualquer sorte, importa ressaltar que a
implementação dos direitos à prestações positivas
demanda dispêndio de recursos econômicos, em
especial relativamente àqueles consistentes em
prestações pecuniárias, de que é exemplo o direito à
aposentadoria, ou necessariamente implicam
despesas como no caso dos direitos à saúde, à
moradia, à educação, para ficarmos apenas nos
mais notórios, de maior ou menor monta. Daí por
que a medida de sua implementação com maior ou
menor intensidade varia na razão direta da
existência de recursos disponíveis para tais
utilizações.
11
CALIL DE FREITAS, Luiz Fernando. Direitos Fundamentais Limites e Restrições, 1 a edição,
págs. 172/175, Livraria do Advogado Editora.
17
A reserva do possível é, pois, um limitador fático,
que atua necessariamente sobre os direitos à
prestações materiais, devida sua conotação
econômica. A definição dos recursos e sua afetação
a umas e outras finalidades são tarefas atribuídas ao
legislador e ao administrador, sem embargo de
caber ao julgador o exame da adequação de tais
decisões às previsões constitucionais. Uma vez
estabelecida a partição dos recursos na norma
orçamentária, a respectiva utilização vai se dar
necessariamente dentro de tal universo, daí falar-se
em reservado possível.
Não obstante tais considerações e o entendimento
no sentido de que efetivamente a reserva do
possível se constitui em limite fático aos direitos
fundamentais prestacioanais, se faz necessário
atentar, conforme lição de Vieira de Andrade, para a
circunstância de que também os direitos sociais
prestacionais contam com um conteúdo nuclear
dotado de peculiar força jurídica em razão de sua
vinculação imediata à noção de dignidade da
pessoa humana. Por isso que merece
temperamentos a aplicação da reserva do
possível enquanto limitador dos direitos
fundamentais, vez que nem a separação dos
poderes, nem o princípio democrático e o dele
decorrente princípio da maioria, relativos porque
princípios e dotados da mesma normatividade
atribuível ao princípio da dignidade humana,
pode justificar, a qualquer custo e em toda e
qualquer situação a afetação desvantajosa de
direitos fundamentais. Também eles, inseridos que
estão no sistema constitucional, por força do
princípio da unidade da Constituição e como
resultante do princípio da concordância prática e da
atribuição da máxima eficácia às normas
constitucionais, buscam direta ou indiretamente
promover a dignidade humana. Nesse contexto,
mais adequada parece a posição defendida por
Sarlet, também defendida por Krell, quando afirma
que o reconhecimento da limitação fática imposta
pela reserva do possível, bem como da limitação
jurídica decorrente da reserva parlamentar
relativamente à matéria orçamentária, relativizam a
eficácia e a efetividade dos direitos prestacionais
sociais que, ademais, conflitam entre si dada a
escassez de recursos públicos, não pode significar,
18
entretanto, que diante de prestações que se
afigurem
necessidades
emergenciais
cujo
indeferimento judicial importe o perecimento do
direito à vida, à saúde, à integridade física ou
mesmo da dignidade humana, o enfraquecimento ou
mesmo desaparecimento do direito subjetivo do
indivíduo
à
prestação
constitucionalmente
estabelecida. (sem grifos no original).
De outro lado, consigna-se que a Constituição
Federal adotou um modelo essencialmente dirigente, na qual vincula o Poder
Público à efetivação de políticas públicas definidas pelo constituinte,
notadamente, na implementação dos direitos fundamentais. Disso decorre que
o campo político resta reduzido, pois o constituinte já optou por determinados
caminhos, os quais resta ao Administrador, apenas, concretizar. Assim, não é
licito ao Estado não prestar saúde e educação, não disponibilizar o acesso à
jurisdição, pois a adoção das políticas públicas tendentes a efetivação desses
direitos fundamentais são obrigatórias, foram vinculadas pela Constituição
dirigente.
Com efeito, verificada a omissão Estatal em cumprir
o constitucionalmente determinado, compete ao Poder Judiciário a efetivação
do direito e, nisso, não há violação ao Princípio da Separação dos Poderes,
pois, como frisado, a efetivação dos direitos fundamentais extravasa o campo
político, não é discricionariedade do Administrador, mas dever de prestar
constitucionalmente estabelecido.
Acerca do assunto, DIRLEI DA CUNHA JÚNIOR12
assevera:
A idéia de Constituição Dirigente conduz à idéia de
vinculação da política e dos órgãos de direção
política, pois ela incorpora em seu texto de normas
jurídicas os objetivos e as diretrizes políticas do
12
JÚNIOR, DIRLEI DA CUNHA. Controle Judicial das Omissões do Poder Público, 1 a edição,
pág. 58, Editora Saraiva.
19
Estado,
conferindo-lhes
juridicidade
e,
conseqüentemente, judicializando os fenômenos
políticos. Nesse sentido, a política não é mais
concebida como um domínio juridicamente livre e
constitucionalmente desvinculado. ‘Os domínios da
política passam a sofrer limites, mas também
imposições, por meio de um projeto material
vinculante, cuja concretização é confiada aos órgãos
constitucionalmente previstos.
Ainda, sobre o tema, leciona: 13
De mais a mais, o entendimento de que a reserva do
possível também obsta a competência do Poder
Judiciário para decidir acerca da distribuição dos
recursos públicos orçamentários não se aplica,
igualmente, ao direito brasileiro, ante a vigente
Constituição de 1988. De feito, cabe ao legislador, a
princípio, a deliberação acerca da destinação e
aplicação dos recursos orçamentários. Todavia,
essa competência não é absoluta, pois se encontra
adstrita às normas constitucionais, notadamente
àquelas definidoras de direitos fundamentais sociais
que exigem prioridade na distribuição desses
recursos, considerados indispensáveis para a
realização das prestações materiais que constituem
o objeto desses direitos. A assim chamada liberdade
de conformação do legislador nos assuntos
orçamentários ‘encontra seu limite no momento em
que o padrão mínimo para assegurar as condições
materiais indispensáveis a uma existência digna não
for respeitado, isto é, quando o legislador se
mantiver aquém desta fronteira’.
Queremos expressar, com isso, que a dita liberdade
de conformação do legislador encontra nítidos
limites e está vinculada à observância do padrão
mínimo para assegurar as condições materiais
indispensáveis a uma existência digna. Isso
significa, evidentemente, que, não atendido esse
padrão mínimo, seja pela omissão total ou parcial do
legislador, o Poder Judiciário está legitimado a
13
JÚNIOR, DIRLEI DA CUNHA. Controle Judicial das Omissões do Poder Público, 1 a edição,
pág. 58, Editora Saraiva.
20
interferir – num autêntico controle dessa omissão
inconstitucional – para garantir esse mínimo
existencial, visto que ele ‘é obrigado a agir onde os
outros Poderes não cumprem as exigências básicas
da constituição (direito à vida, dignidade humana,
Estado Social), não satisfazendo os direitos
fundamentais sociais. Assim, as decisões sobre
prioridades na aplicação e distribuição de recursos
públicos
deixam
de
ser
questões
de
discricionariedade política, para serem uma questão
de observância de direitos fundamentais, de modo
que a competência para tomá-las passaria do
Legislativo para o Judiciário.
(...).
Em suma, nem a reserva do possível nem a reserva
de competência orçamentária do legislador podem
ser invocados como óbices, no direito brasileiro, ao
reconhecimento de direitos originários a prestações.
(...). Paradigmática, portanto, recente decisão do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
que reconheceu a obrigação do respectivo Estado
de implantar, independentemente de prévia dotação
orçamentária e à vista do art. 227 da Constituição
Federal, programa de internação e semiliberdade
para
adolescentes
infratores,
reconhecendo,
portanto, a possibilidade de controle judicial dessa
omissão estatal14. Enfim, não é exagero sustentar
que a doutrina da reserva do possível está a serviço
da implantação de um Estado mínimo, onde
minguam os serviços públicos que compete ao
Estado do Bem-Estar Social fornecer, exatamente
para que as condições materiais mínimas e
necessárias à efetivação dos direitos sociais sejam
realizadas. E não sabemos a quem isso interessa.
De se asseverar, por fim, que o Princípio da
Separação dos Poderes e o Princípio da Competência Orçamentária do
Legislador, como todos os princípios constitucionais, não são absolutos e uma
vez em colisão com outros princípios deve-se decidir a prevalência, no caso
concreto, por intermédio da análise do preceito da proporcionalidade.
14
Ap. 596.017, 7a Câmara, Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira, j. 12.03.1997.
21
De fato, importante ressaltar que:
(...). Entretanto, esse princípio, como, aliás, todos os
demais princípios jusfundamentais, não são
absolutos, uma vez que eles são restringíveis por
outros
princípios
constitucionais.
Direitos
fundamentais sociais podem ter um peso maior que
o princípio da competência orçamentária. Então, se
for certo que a competência orçamentária do
legislador deve ser ponderada com os direitos
fundamentais sociais, ela não pode constituir um
princípio absoluto, posição inclusive sufragada pelo
Supremo Tribunal Federal15. Como afirma Alexy:
‘A força do princípio da competência orçamentária
do legislador não é ilimitada. Não é um princípio
absoluto (...). Todos os direitos fundamentais
restringem a competência do legislador; muitas
vezes o fazem de forma incômoda para este e, às
vezes,
afetam
também
sua
competência
orçamentária quando se trata de direitos
financeiramente mais gravosos.16
Assim, no caso, o Princípio da Separação dos
Poderes e o Princípio da Competência Orçamentária do Legislador não são
óbices à efetivação dos direitos fundamentais ao acesso ao Poder Judiciário e
à assistência jurídica.
3.
Confrontação
do
Exposto
ao
Caso
Concreto.
Como já exposto, a Defensoria Pública do Estado do
Rio Grande do Sul, nesta Comarca, já se encontra devidamente instalada e
estruturada, sendo representada por dois Defensores Públicos.
15
RE 207.732-MS, rel. Ministra Ellen Gracie, 11.6.2002 (RE-207732) (Informativo STF no 272,
de 19 de junho de 2002). Cita-se, ainda, por pertinente, que nesse precedente o STF
reconheceu a eficácia plena do inciso LXXIV do art. 5o da CF.
16 LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais. Págs. 38/75. 1ª ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2006.
22
O atendimento à população é realizado das 8h30min
às 11h30min, e das 13h30min às 17h, de segunda a sexta-feira. Assim, o
referido atendimento, mesmo para casos urgentes, não ocorre aos fins de
semana, feriados ou fora do expediente.
De
outro
lado,
o
Poder
Judiciário
e,
por
conseqüência, o Ministério Público, em todo o Estado, dispõem de sistemas de
plantão.
Assim, questiona-se, qual imperativo legal impõe ao
Ministério Público a disponibilização de sistema de plantão? Sua Lei Orgânica?
Ato administrativo do Procurador-Geral de Justiça?
A resposta está no disposto no artigo 127 da
Constituição Federal – O Ministério Público é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado. Não há, sem o Ministério Público, plenitude de
jurisdição.
Contudo, na mesma linha, no capítulo denominado
Das Funções Essenciais à Justiça, a Constituição Federal, em seu artigo 134,
igualmente, estabeleceu ser a Defensoria Pública instituição essencial à função
jurisdicional.
Logo, o primeiro ponto deste capítulo a ser traçado
recai sobre o entendimento de que, por ser essencial à função jurisdicional,
deve a Defensoria Pública, nos moldes do Poder Judiciário, disponibilizar
sistema de plantão, de forma integral, pois não há plenitude de jurisdição sem a
Defensoria Pública. Tal obrigação é jurídica, decorrendo diretamente do texto
constitucional. A necessidade, ou melhor, indispensabilidade do plantão não
demanda produção de provas que demonstrem que em determinada localidade
há prejuízo às pessoas ante a ausência do serviço da Defensoria Pública em
certos dias e horários (até mesmo porque este fato é logicamente alcançável).
A necessidade da Defensoria Pública, em tempo integral, decorre do fato de
ser essencial à função jurisdicional. Ou seja: o legislador constituinte já fez a
opção pela indispensabilidade do funcionamento integral dessa instituição.
23
Entrementes,
a
decisão
de
implementar,
integralmente, o sistema de plantão, extravasa a órbita de autonomia da
Defensoria Pública, pois já definida pela Constituição.
Ainda, o art. 134 da Constituição Federal estabelece
que incumbe à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos
os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV.
O acesso à jurisdição e a assistência jurídica são
direitos
fundamentais.
Contudo,
ante
as
desigualdades
sociais
e
indisponibilidade de recursos que a grande maioria apresenta, inviabilizando,
portanto, o acesso destes à jurisdição e à assistência jurídica, o constituinte
definiu ser obrigação do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos, o que também rotulou de
fundamental, sendo que a assistência jurídica é realizada, também por
mandamento constitucional, pela Defensoria Pública. Relembra-se que, apesar
de estarem elencados no artigo 5o da Lei Maior, o acesso à jurisdição e o
direito à assistência jurídica demandam prestações positivas do Poder Público
para sua implementação.
Assim, em razão da fundamentalidade, referidas
normas constitucionais possuem aplicação imediata, sendo, portanto, exigíveis
do Poder Público a implementação dos mandamentos nela contidos.
Já há todo um aparato legislativo-infraconstitucional
criando e organizando a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
De outro lado, na Comarca de Erechim, já há implantação da instituição, sendo
representada por dois Defensores Públicos. Nesta Comarca, a Defensoria
Pública conta, com espaço físico e equipamentos de informática adequados
para o exercício de suas atividades (fls. 52-58 do inquérito civil).17 Resta,
apenas, boa vontade para desempenhar suas atribuições de forma integral.
17
Segundo o relatório elaborado por Secretário de Diligências do Ministério Público, na
Defensoria Pública da Comarca, há dois gabinetes de trabalho (Dr. Pedro e Dra. Luciana)
dotados dos equipamentos necessários, como telefone, mesa, balcão, cadeiras e computador
completo. Há um computador para uso do estagiário na recepção. As salas de espera para
24
Contudo, a inexistência de plantão aos finais de
semana, feriados e fora do horário de expediente implica violação aos direitos
fundamentais de acesso à jurisdição e à assistência jurídica. A necessidade de
recorrer ao Poder Judiciário e de possuir assistência jurídica não escolhe hora
e dia para ocorrer. Assim, cabe ao Estado proporcionar ao titular do direito
lesado ou ameaçado o acesso ao Poder Judiciário e à assistência jurídica, não
possuindo o titular do direito disponibilidade financeiras para, por si, buscar tais
medidas. Na Comarca de Erechim, todavia, o Estado somente proporciona
o acesso à jurisdição e à assistência jurídica aos hipossuficientes de
segunda à sexta, em horário de expediente, mesmo em casos urgentes. A
estrutura da Defensoria Pública, tanto material quanto pessoal, no restante do
tempo, permanece ociosa, gerando apenas despesa ao Estado, sem qualquer
benefício à população.
Além disso, a Constituição Federal foi expressa ao
estabelecer que a assistência jurídica a ser prestada pela Defensoria Pública
(CF, art. 5o, LXXIV e 134) é integral. Logo, é integral um serviço, essencial à
função jurisdicional, que somente está disponível de segunda à sexta-feira, em
horário de expediente? Evidentemente que não, a integralidade pressupõe, por
lógico, que ante a presença da necessidade – como pontuada, constante e
sem solução de continuidade – o serviço esteja disponível.
A inexistência de plantão aos fins de semana,
feriados e fora do horário normal de expediente implica violação frontal à
Constituição Federal pelo Estado do Rio Grande do Sul.
Reafirma-se, assim, com base nos citados direitos
fundamentais, notadamente, acesso à jurisdição, que é obrigação do Estado,
imediatamente exigível, prestar, por intermédio da Defensoria Pública,
assistência jurídica integral (24h por dia, 7 dias por semana) e gratuita aos
hipossuficientes. Essa obrigação não decorre da verificação de prejuízos
atendimento são adequadas, havendo cadeiras para acomodar as pessoas (fl. 53 do inquérito
civil).
25
concretos em dado lugar ante a ausência de plantão, decorre, sim, de
mandamento constitucional que definiu o sistema nos termos ora expostos.
Definida a obrigação dos demandados, bem como
sua imediata exigibilidade jurídica, passa-se a analisar se, no caso dos autos,
se afigura presente algum limitador aos direitos fundamentais que se busca
sejam tutelados.
De pronto, pode-se afirmar, com absoluta convicção,
que a prestação estatal postulada não encontra qualquer impossibilidade fática
que impeça sua efetivação, portanto, não há aplicação, na hipótese, da reserva
do possível.
A Defensoria Pública em Erechim, como antes
referido, já está instalada e estruturada, sendo representada por dois
Defensores Públicos.
Como pontuado, já há todo um aparato legislativoinfraconstitucional criando e organizando a Defensoria Pública do Estado do
Rio Grande do Sul. De outro lado, na Comarca de Erechim, já há implantação
da instituição, sendo representada por dois Defensores Públicos. Entretanto,
nos fins de semana, feriados e fora do horário normal de expediente, a
população está desprovida de qualquer atendimento pela instituição, embora
existam condições materiais e humanas para a implementação de plantão,
sem qualquer custo adicional ao Estado demandado. Faticamente, a
implantação do serviço de plantão consiste, quase que exclusivamente,
no fornecimento de um número de telefone móvel. O resto é trabalho
humano, o qual já é custeado pelo demandado.
Com efeito, não há sequer a necessidade de novas
despesas orçamentárias ou a melhoria da estrutura existente. Os recursos
materiais e humanos que já dispõe são mais do que suficientes para que seja
implantado o sistema de plantão, como ocorre no Poder Judiciário ou no
Ministério Público (nesta Comarca, inclusive, os Promotores de Justiça são os
responsáveis diretos pelos atendimentos, não havendo, outrossim, celular
26
funcional para a execução do serviço de plantão, sem que isso represente
óbice à sua implementação). Frisa-se que a criação do sistema de plantão
não pressupõe deixar sem assistência outras regiões do Estado.
De outro lado, evidente é o fato de que, na Comarca
de Erechim, a Defensoria Pública possui melhor estrutura do que o Ministério
Público e, inclusive, o Poder Judiciário em muitas Comarcas do Estado.
Exemplificando, nas Comarcas onde há apenas um Promotor de Justiça (vejase que, em Erechim, já são dois Defensores Públicos), o atendimento em
regime de plantão também é realizado 24 horas por dia e 7 dias por
semana e, muitas vezes, é utilizado de um telefone celular particular e uma
sala localizada dentro do Fórum. Além disso, há Comarcas onde sequer há
Promotor de Justiça titular e, mesmo assim, o serviço de plantão é
realizado de forma integral, pelo respectivo substituto, que, normalmente,
sequer reside no local. Sem dúvida, o exercício de funções relevantes exige
dedicação e boa vontade. Quem não estiver disposto a tanto, que não as
exerça.
Reafirma-se, assim, que a estrutura – recursos
materiais e humanos – disponibilizada pela Defensoria Pública nesta Comarca,
é mais do que suficiente para a implantação do serviço plantão. Basta, por
exemplo, na forma realizada pelos Juízes e Promotores, estabelecer o
atendimento em sistema de rodízio e sobreaviso.
Assim, já havendo estrutura suficiente, não há que
se falar em reserva do possível. Igualmente, por não haver necessidade de
empenho de novos recursos financeiros, não há qualquer conflito com o
Princípio da Competência Orçamentária do Legislador.
Ainda, em relação a esses pontos – reserva do
possível e competência orçamentária – há de se frisar, na forma já destacada,
que, de forma alguma, mesmo em casos em que aplicáveis – o que não se
afigura presente na hipótese – podem excluir o núcleo essencial do direito, não
podem prejudicar o mínimo existencial.
27
Na
presente
ação,
não
se
postula
que
a
Defensoria Pública se estruture e disponibilize para a Comarca de
Erechim um atendimento de plantão, no qual esteja um Defensor presente
na sede da instituição prestando atendimento para todos os casos, bem
como haja servidor responsável pelo atendimento. Esse modelo, que
seria o ideal, não é o buscado.
O que se postula é o mínimo indispensável, pois
ante a ausência do plantão – que pode ser estruturado em parâmetros
mínimos, basta um sistema de rodízio e sobreaviso – há violação frontal ao
direito fundamental de acesso à jurisdição, pois a Defensoria Pública é
essencial à função jurisdicional. Busca-se, apenas, que em caso de
necessidade premente, o titular do direito fundamental, ao procurar a
Defensoria Pública, encontre resposta.
De
resto,
reafirma-se
que
o
Princípio
da
Competência Orçamentária do Legislador mesmo nos casos em que é
verificada colisão com o direito fundamental que se busca efetivar – o que não
é a hipótese – não possui precedência prévia, pois não é absoluto, devendo a
questão ser solucionada por intermédio de ponderação.
Ainda, há de se ressaltar que as autonomias
conferidas à Defensoria Pública pela Constituição não lhe colocam em patamar
acima da própria Constituição que lhe criou. Ainda, é função institucional do
Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Constituição Federal, art.
129, inciso II).
Assim, verificado que o Estado na prestação de um
serviço público essencial – prestado por intermédio da Defensoria Pública –
instituído para efetivar o direito fundamental de acesso à juridisdição e à
assistência jurídica, pois não alcançável pelos hipossuficientes sem o Estado –
está prestando o serviço de forma insuficiente – a assistência não é integral – o
28
que viola o direito fundamental das pessoas, deve o Ministério Público atuar,
pois, também, foi criado pela Constituição que lhe definiu funções institucionais,
dentre elas, inclusive, atuar frente o Estado em casos de prestação insuficiente
dos serviços públicos e violação a direitos fundamentais.
De outro lado, consigna-se que a Constituição
Federal adotou um modelo essencialmente dirigente, na qual vincula o Poder
Público à efetivação de políticas públicas definidas pelo constituinte,
notadamente na implementação dos direitos fundamentais. Disso decorre que
o campo político resta reduzido, pois o constituinte já optou por determinados
caminhos, os quais resta ao Administrador, apenas, concretizar. Assim, não é
licito ao Estado não prestar saúde e educação, não disponibilizar o acesso à
jurisdição e à assistência jurídica, pois a adoção das políticas públicas
tendentes a efetivação desses direitos fundamentais são obrigatórias, foram
vinculadas pela Constituição dirigente.
De fato, verificada a omissão Estatal em cumprir o
constitucionalmente determinado, compete ao Poder Judiciário a efetivação do
direito e, nisso, não há violação ao Princípio da Separação dos Poderes, pois,
como antes frisado, a efetivação dos direitos fundamentais extravasa o campo
político, não é discricionariedade do Administrador, mas dever de prestar
constitucionalmente estabelecido.
De resto, da ação ministerial e, de possível decisão
de procedência exarada pelo Poder Judiciário, não decorre qualquer afronta às
autonomias da Defensoria Pública. Pelo contrário, o que se afirma é que a
Defensoria Pública é essencial, razão pela qual a própria jurisdição não pode
sem ela prevalecer. Em um passado recente em que a Defensoria Pública
busca, cada vez mais, um crescimento institucional, com conquista de novas
autonomias, tem o Ministério Público que a conquista de prerrogativas, sempre,
vem acompanhada de atribuição de responsabilidades, de novas demandas da
sociedade que a instituição, mais do que prontamente, deve manifestar
interesse em cumprir.
29
3.1.
Caso
concreto:
da
necessidade
de
assistência jurídica, pela Defensoria Pública, ao preso em flagrante delito
que possua insuficiência de recursos.
Caso
não
prefira fazê-lo
de
outra forma, a
implantação do serviço de plantão da Defensoria Pública na Comarca
possibilitará, outrossim, que tal instituição preste assistência jurídica de forma
integral, inclusive, portanto, em relação aos presos em flagrante delito que
comprovem insuficiência de recursos. Tal deve ser a interpretação conjugada
do art. 5o, incisos LXXIV e LXIII, com o art. 134, todos da Constituição
Federal18, face às diretrizes teóricas já expostas.
Ressalta-se que o inquérito civil que embasa a
presente ação teve início em razão de que uma pessoa pobre, presa em
flagrante delito, embora tenha manifestado interesse em ser assistido pela
Defensoria Pública, teve seu auto de prisão em flagrante lavrado sem a
presença do defensor, entendendo a Douta Magistrada que analisou a
consistência do mencionado auto ter ocorrido ofensa ao art. 5 o, inciso LXIII, da
Constituição Federal. Veja-se que tal posicionamento, embora não seja o
único, vem respaldado por parte da jurisprudência do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado.19
Ora, está posto o problema: se o preso em
flagrante delito não possuir recursos para constituir advogado por
ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, e se este poderá vir a
18
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIII - o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado; (...) LXXIV - o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
(...) Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV. (Grifou-se).
19
Habeas Corpus Nº 70009177031, Quinta Câmara Criminal, Relator: Diogenes Vicente
Hassan Ribeiro, Julgado em 01/09/2004; Habeas Corpus Nº 70005631205, Câmara Especial
Criminal, Relator: Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Julgado em 29/01/2003; Habeas
30
não ser homologado caso inexista defensor no ato, quem deverá lhe
assistir? Estando a Defensoria Pública estruturada na Comarca, como no
caso de Erechim, a resposta é óbvia: o Defensor Público! Tudo sob pena
de a sociedade permanecer na mais absoluta falta de segurança (como
ocorre no momento), pois os presos em flagrante delito podem ser soltos
por tal vício no auto de prisão, conquanto já haja dois Defensores
Públicos na Comarca, o que é inadmissível.
Veja-se, entretanto, que, como antes referido, a
Ordem de Serviço no 01/07, da Defensora Pública-Geral do Estado do Rio
Grande do Sul, dispôs que o acompanhamento da lavratura de autos de prisão
em flagrante continuará a ser realizado somente pelo Defensor Público
classificado na Divisão de Direitos Humanos e que atua na 2 a Delegacia de
Polícia de Plantão - Área Judiciária Central (Art. 1o) - ou seja, não é realizado
na demais localidades, incluindo-se esta Comarca. O pretenso motivo de tal
ato ficou expressado nos seus “considerandos” e consiste na suposta
“reconhecida carência de recursos humanos, a inexistência de quadro de
apoio administrativo, as deficiências estruturais, principalmente no que
pertine a equipamentos e locais de trabalho no âmbito da Defensoria
Pública” (fl. 47 do inquérito civil), o que, como já analisado, não ocorre na
Comarca de Erechim.
Evidente que, por ser mera ordem de serviço, o dito
ato não pode se sobrepor às leis e, muito menos, à Constituição Federal.
Dessarte, a atuação da Defensoria Pública, no que tange à necessidade de
acompanhamento das lavraturas dos autos de prisão em flagrante, não pode
ser por ela restringida – ou melhor, quase anulada, como o foi. Peca o dito ato,
sobretudo, pela generalização, já que a deficiência estrutural da Defensoria
Pública não ocorre em todas as Comarcas, a exemplo de Erechim. Portanto, a
dita ordem de serviço ofende, ainda, os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, os quais são albergados pelo nosso ordenamento jurídico.
Corpus Nº 70013922711, Sexta Câmara Criminal, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado
em 09/03/2006.
31
Nesse diapasão, invocável, ao caso, por analogia, a
teoria dos motivos determinantes. Explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO:20
De acordo com esta teoria, os motivos que
determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos
que serviram de suporte à sua decisão, integram a
vontade do ato. Sendo assim, a invocação de
“motivos de fato” falsos, inexistentes ou
incorretamente qualificados vicia o ato mesmo
quando, conforme já se disse, a lei não haja
estabelecido, antecipadamente, os motivos que
ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados
pelo agente os motivos em que se calçou, ainda
quando a lei não haja expressamente imposto a
obrigação de enuncia-los, o ato só será válido se
estes realmente ocorrerem e o justificavam.
Ora, se o motivo da edição da Ordem de Serviço no
01/07 foi a deficiência estrutural da Defensoria Pública, e se este motivo, como
já ressaltado por diversas vezes, não está presente nesta Comarca, aqui ela
não pode ser aplicável. Evidente que, como não se está atacando o referido ato
de forma genérica – mas apenas se questionando a sua aplicabilidade a esta
Comarca – não seria o caso de sua invalidade, mas, tão somente, de sua
inaplicabilidade, motivo pelo qual a mencionada teoria, que determina a
invalidade do ato, foi invocada por analogia.
Certo é que, quer por ser inconstitucional, ofendendo
as atribuições da Defensoria Pública e os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, quer por carecer de sustentáculo fático adequado à
realidade de Erechim, a Ordem de Serviço n o 01/07 (ou outra de teor
semelhante)
não
pode
ser
aplicada
nesta
Comarca,
impondo-se
o
acompanhamento da lavratura dos autos de prisão em flagrante pelos
Defensores Públicos que aqui atuem.
20
Curso de Direito Administrativo. 11a Edição. Malheiros Editores. São Paulo: 1999. p. 286.
32
3.2.
Caso
concreto:
da
necessidade
de
recebimento, pela Defensoria Pública, de cópia integral de auto de prisão
em flagrante no prazo previsto no art. 306, §1o, do Código de Processo
Penal.
Ademais, caso não prefira fazê-lo de outra forma, a
implantação do serviço de plantão da Defensoria Pública na Comarca
possibilitará, também, que tal instituição viabilize à autoridade policial o
cumprimento do §1o do art. 306 do Código de Processo Penal. Por outro lado,
a própria redação desta norma já reforça os argumentos para a existência de
serviço em regime de plantão na Defensoria Pública. Reza o referido
dispositivo:
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde
se encontre serão comunicados imediatamente ao
juiz competente e à família do preso ou a pessoa por
ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 11.449, de
2007).
§ 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois
da prisão, será encaminhado ao juiz competente
o auto de prisão em flagrante acompanhado de
todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não
informe o nome de seu advogado, cópia integral
para a Defensoria Pública. (Redação dada pela
Lei no 11.449, de 2007).
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso,
mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela
autoridade, com o motivo da prisão, o nome do
condutor e o das testemunhas. (Incluído pela Lei nº
11.449, de 2007). (Grifou-se).
Verifica-se, portanto, que, caso o preso em flagrante
delito não informe o nome de seu advogado, a autoridade policial deverá
remeter, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, cópia
integral do auto de prisão em flagrante respectivo à Defensoria Pública.
Evidente que esta instituição deverá viabilizar à autoridade policial que assim o
33
faça, sob pena de vulneração da dita garantia pelo próprio órgão incumbido de
efetivá-la.
Com efeito, o próprio autor do Projeto de Lei no
6.477/2006, que originou a Lei no 11.449/0721, Deputado Albérico Filho, por
ocasião da sua justificativa, expôs22:
O projeto de lei em epígrafe pretende alterar o
Código de Processo Penal para dispor que, dentro
de 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão em
flagrante, será entregue, à Defensoria Pública, cópia
da nota de culpa assinada pela autoridade, com o
motivo da prisão, o nome do condutor e os das
testemunhas. Assim, será possível a prestação
imediata de assistência judiciária ao preso,
promovida por intermédio da Defensoria Pública.
Com efeito, a intenção dessa reforma legislativa é
conferir maior celeridade à defesa do preso
assegurando-lhe, destarte, o regular exercício dos
direitos subjetivos constitucionais do contraditório e
da ampla defesa. A rápida atuação da Defensoria,
nos casos de réu preso, possibilitará ao acusado,
logo na fase investigatória, ter conhecimento claro
da imputação, poder apresentar alegações contra a
acusação, poder acompanhar a prova produzida e
fazer contraprova, ter defesa técnica elaborada por
advogado, cuja função, aliás, é essencial à
Administração da Justiça e poder recorrer da
decisão que decretou a prisão. Em verdade, o que
se busca com a célere notificação da Defensoria
Pública, nos casos de prisão, é a realização da
Justiça, não somente no sentido de estrita
21
O referido Projeto de Lei teve substitutivo apresentado na Comissão de Constituição e
Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, recebendo a redação atual. Na ocasião, o
Relator, Dep. Luiz Antônio Fleury, ressaltou: O louvável objetivo do Projeto de Lei do nobre
Deputado Albérico Filho é, justamente, permitir que a Defensoria Pública seja, desde logo,
informada da prisão e, sendo o caso, tomar providências judiciais, como o pedido de
relaxamento de uma prisão ilegal. Para tanto, o projeto determina o encaminhamento da nota
de culpa para a Defensoria Pública, em 24 (vinte e quatro) horas após a prisão. Porém, como é
sabido a nota de culpa não traz os elementos necessários a tal exame, sendo imprescindível a
remessa de cópia do auto de prisão em flagrante, com o depoimento do condutor, das
testemunhas e do próprio acusado. Ressalte-se que, na hipótese de o preso informar o nome
de seu advogado constituído, não haverá atuação de defensor público e, conseqüentemente,
será desnecessária a remessa do auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública.(...).
22 Diário do Senado Federal, Terça-feira, 04 de julho de 2006.
34
legalidade, mas também de equidade, de
legitimidade e de moralidade. Ora, justiça tardia não
é justiça. Note-se, pois, que o acesso efetivo à
assistência juridtca [sic] é corolário do exercício da
ampla defesa e do contraditório, é pressuposto da
justiça social em uma ordem democrática. Nesse
sentido, a imposição de comunicação em 24
(vinte quatro) horas, da nota de culpa, nos
termos propostos, é instrumento que assegura,
de fato, os direitos do cidadão comum, fato
imperativo
em
um
Estado
de
Direito
Democrático. Assim, a nova sistemática do artigo
306 do Código de Processo Penal irá, outrossim,
promover de pronto, a prestação de assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos, nos termos do artigo
50, inciso LXXIV do Texto constitucional. Com
efeito, não se pode deixar ao acaso o momento
em que a Defensoria Pública será notificada a
respeito da prisão em flagrante de determinado
cidadão. Deve-se lembrar que a intervenção
jurídica da Defensoria pode, de acordo com a
atual redação do artigo em comento, demorar
muito, uma vez que o paciente da medida
repressiva, está com sua liberdade de ir e vir
tolhida e, por conseguinte, não poderá se dirigir
àquela
instituição
essencial
á
função
jurisdicional do Estado para pugnar por auxilio.
Assim, a orientação jurídica e a defesa do preso
necessitado estariam sendo prejudicadas. Isso
posto, contamos com o apoio dos ilustres Pares para
a aprovação do presente projeto de lei. (Grifou-se).
Portanto, tem-se, em interpretação autêntica, à
semelhança do que se teria em qualquer forma de interpretação adequada do
preceito, que o §1o do art. 306 do Código de Processo Penal possui nítido
caráter de garantia ao preso em flagrante, e que a remessa do auto de prisão
em flagrante à Defensoria Pública, em 24 horas, é essencial para o seu
cumprimento. Não há nenhuma previsão legal de exceção ao cumprimento
de tal prazo (tal como final de semana, feriado ou fora do horário de
expediente), motivo pelo qual a própria redação do dispositivo reforça a
necessidade de existência de plantão na Defensoria Pública.
35
Entretanto, a Ordem de Serviço no 01/07, da
Defensora Pública-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, dispõe:
Artigo 2o - A cópia integral do auto de prisão em
flagrante a que se refere o parágrafo 1o do artigo
306 do Código de Processo Penal deverá ser
entregue ao Defensor Público da Comarca na sede
do escritório da Defensoria Pública e registrada em
livro próprio.
Parágrafo 1o - Quando a autuação da prisão em
flagrante se der em feriado ou final de semana
ou fora do horário de expediente, o recebimento
das cópias do procedimento dar-se-á no
primeiro dia útil seguinte após a lavratura do
respectivo auto. (Grifou-se).
Dessarte, vê-se que a redação do Parágrafo
primeiro do art. 2o da citada ordem de serviço ofende, frontal e claramente, o
§1o do art. 306 do Código de Processo Penal, o qual determina que a cópia
integral do auto de prisão em flagrante, na hipótese que especifica, seja
encaminhado à Defensoria Pública no prazo de 24 horas. Trata-se de garantia
do preso em flagrante delito, a qual deve ser respeitada pela Defensoria
Pública. Caso o legislador entendesse que a cópia do referido auto
pudesse ser encaminhada apenas no dia útil subseqüente à prisão (o que
pode ser muito tempo depois), certamente a redação do dispositivo legal
seria outra.
A Ordem de Serviço no 01/07 não pode inovar a
ordem jurídica, contrariando dispositivo de lei, já que ordem de serviço é mera
fórmula usada para transmitir determinação aos subordinados quanto à
maneira de conduzir determinado serviço23. Ademais, uma vez que a
Defensoria Pública de Erechim está devidamente implantada e estruturada,
invocável, por analogia, a teoria dos motivos determinantes, conforme já
explicitado no item anterior, a declarar inaplicável, em Erechim, o aludido ato,
36
pois os motivos que determinaram a sua edição não estão presentes nesta
Comarca. Dessarte, se impõe que a Defensoria Pública possibilite à autoridade
policial o cumprimento do §1o do art. 306 do Código de Processo Penal, ou
seja, tome as medidas pertinentes para viabilizar o recebimento da cópia
integral
do
auto
de
prisão
em
flagrante
no
prazo
ali
previsto,
independentemente de se tratar de final de semana, feriado ou de se estar fora
do horário de expediente.
4.
Da tutela antecipatória.
É pacífica a doutrina no sentido da aplicação dos
dispositivos processuais estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor à
Ação Civil Pública.
Cite-se, ainda, o artigo 21, da Lei n.o 7.347/85:
Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, no que lhe for
cabível, os dispositivos do Título III da Lei 8078, de
11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de
Defesa do Consumidor.
Assim, nos termos preceituados pelo parágrafo 3° do
artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, dispositivo que regula ações
que tenham por objeto o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer,
“sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou
após justificação prévia, citado o réu”.
Idêntica redação é estabelecida pelo parágrafo 3° do
artigo 461 do Código de Processo Civil, assim, “ad argumentandum tantum”,
não se reconheça a possibilidade de integração entre o CDC e a LACP e
23
Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit, p. 315.
37
aplique-se as regras do sistema geral, os requisitos para antecipação de tutela,
neste caso, são dois, a saber.
Relevância do fundamento da demanda.
A relevância do fundamento da demanda se prende
aos fatos e argumentos articulados ao longo desta peça. No mais, tem o
Ministério Público que restou amplamente demonstrado que, em razão das
citadas disposições constitucionais instituidoras de direitos fundamentais – aos
quais, no caso, não se verifica qualquer limitação – é obrigação constitucional,
imediatamente exigível, que a Defensoria Pública de Erechim implemente o
seu sistema de plantão, para o fim de abranger os 7 dias da semana, 24 horas
por dia. Ademais, constitui obrigação deste órgão o acompanhamento das
prisões em flagrante, bem como lhe incumbe possibilitar à autoridade policial o
cumprimento do art. 306, §1o, do Código de Processo Penal.
Periculum in mora.
O periculum in mora também está presente, diante
da natural demora na tramitação de uma ação judicial, circunstância que
permitirá a manutenção indeterminada da afronta à ordem jurídica.
Com efeito, este feito demanda célere prestação
jurisdicional, já que os direitos fundamentais elencados são constantemente
violados ante a ausência de assistência jurídica integral pela Defensoria
Pública, inclusive para casos urgentes, o determina o perigo na espera do
provimento definitivo para a implantação do serviço de plantão na Defensoria
Pública. Até então, diversos casos dessa natureza podem deixar de ser
atendidos, com incomensurável prejuízo à população, notadamente aos
necessitados.
Quanto à necessidade de assistência jurídica, pela
Defensoria Pública, ao preso em flagrante delito que possua insuficiência de
38
recursos, o periculum in mora é evidente, tendo em vista que, conforme já
explicitado, presos em flagrante delito, consoante decisões do E. Tribunal de
Justiça do Estado, podem ser soltos caso não haja a assistência de advogado
no ato de lavratura do flagrante. Assim, está a sociedade Erechinense, no
momento, completamente desapossada do seu direito fundamental à
segurança, fazendo-se necessária a antecipação de tutela pretendida.
No tocante à necessidade de recebimento, pela
Defensoria Pública, de cópia integral de auto de prisão em flagrante no prazo
previsto no art. 306, §1o, do Código de Processo Penal, veja-se que se trata de
garantia ao preso em flagrante delito, recentemente instituída, como forma de
preservar os seus direitos, precipuamente o direito à liberdade. Portanto, a
infringência de direito fundamental, por omissão inescusável do demandado,
gera perigo de dano irreparável, considerando que a liberdade, caso restringida
ilegalmente, não poderá ser restituída.
Por derradeiro, cita-se que a Lei 8.437/92, em seu
artigo 2º, determina que a concessão da liminar contra a pessoa jurídica de
direito público, quando for o caso, devera ser precedida da audiência do
representante legal de tal pessoa, no prazo de setenta e duas horas.
Entretanto, como referem Nelson Nery Júnior e Rosa
Maria Andrade Nery, in Código de Processo Civil e legislação Processual Civil
Extravagante em Vigor, RT, 1994, p. 1023/1024, “já se decidiu, antes da Lei
8437/92, ser inaplicável o art. 928, parágrafo único, do CPC, sendo
desnecessária a previa ouvida da pessoa jurídica de direito público interessada
para que o juiz possa conceder a liminar (RT 637/80).”
Ademais, em notas de rodapé ao artigo 12 da Lei da
Ação Civil Publica, na pág. 1037, os doutrinadores referidos assim se
manifestam:
Proibição legal de concessão de liminares pelo juiz.
A Lei 8437/92 1º caput proíbe a concessão de
liminar contra atos do poder público, em
39
procedimentos cautelares ou outras ações de
natureza cautelar ou preventiva, toda vez que
providência semelhante não poder ser concedida em
ações de mandado de segurança, em virtude de
vedação legal. Primeiro, que a lei não pode impor
vedações ou restrições ao MS, cujos limites
decorrem exclusivamente do texto constitucional.
Segundo, que a proibição aqui mencionada é
ineficaz e inócua, porque se a situação de fato
ensejar urgência na prestação jurisdicional o - juiz
tem de conceder a liminar, haja ou não lei
permitindo.
LUIZ
GUILHERME
MARINONI,
em
notável
monografia que intitulou Tutela Antecipatória e Tutela Cautelar, RT, 1992, pág.
91 e, seguintes, enfrenta a questão em confronto com o princípio constitucional
da inafastabilidade, concluindo por afirmar que:
O princípio da inafastibilidade, ou da proteção
judiciária, previsto no art. 5', XXXV, da Constituição
da República, consagra, a nível constitucional o
direito à adequada tutela jurisdicional.
Como escreve Kazuo Watanabe, do princípio da
inafastabilidade têm sido extraídas a garantia do
direito de ação e do processo, o princípio do juiz
natural e de todos os respectivos corolários (... )
Deveras, como leciona Ada Pellegrini Grinover, não
basta afirmar a constitucionalização do direito de
ação, para que se consagrem ao indivíduo os meios
para obter o pronunciamento do juiz sobre a razão
do pedido. É necessário, antes de mais nada, que
por direito de ação, direito ao processo, não se
entenda a simples ordenação de atos, através de
qualquer procedimento, mas sim o devido processo
legal.
Mas direito ao devido processo legal não representa
apenas direito à ampla defesa e ao contraditório mas
também direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
Do princípio da inafastabilidade decorre o direito ao
devido processo legal, aí incluído, entre outros o
direito à adequada tutela jurisdicional, abrangendo o
40
direito de petição como autêntico direito abstrato de
agir o direito à medida urgente, e os direitos ao
procedimento e à cognição adequados.
A legislação infraconstitucional, portanto, ainda que
possa delimitar o direito de ação, dando-lhe
contornos, e estabelecendo condições para o seu
exercício, bem como disciplinar os procedimentos,
não pode sob pena de lesão ao princípio
constitucional, impedir o direito de ação, negar o
direito de postulação de uma medida urgente ou
ainda, porque resultaria no mesmo, estabelecer
procedimento e cognição inadequada a uma
determinada situação conflitiva concreta.
Por outro lado, é de se observar que a existência
efetiva de ameaça a direito, ou periculum in mora,
diz respeito ao mérito, e não, obviamente, ao direito
de tutela. O direito à tutela urgente, portanto, não
pode ser suprimido por norma infraconstitucional.
Assim, seja porque o artigo 2º da Lei 8.437/92
mostra-se inconstitucional, por macular o princípio da inafastabilidade da
jurisdição, seja porque o processo necessita mostrar-se útil aos fins a que se
dispõe, máxime pela natureza dos direitos aqui postos em causa –
fundamentais – que não podem ficar condicionados à nada, a liminar merece
ser concedida, independentemente de notificação prévia.
ISSO POSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer:
Liminarmente:
a) seja deferida, de forma liminar, inaudita altera
parte, antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se que o ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL implante o atendimento de plantão na sua Defensoria
Pública, nesta Comarca de Erechim, de forma a abranger 24 (vinte e quatro)
horas diárias e 7 (sete) dias por semana, utilizando-se, para tanto, dos
recursos materiais e humanos de que já dispõe e da maneira que
41
entender melhor, ou, se preferir, em sistema de rodízio e sobreaviso
(forma adotada por Juízes e Promotores) e informando ao Ministério
Público e ao Poder Judiciário a escala de Defensores Públicos
Plantonistas e respectivos telefones para contato;
b) seja deferida, de forma liminar, inaudita altera
parte, antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se que o ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL, através de sua Defensoria Pública, acompanhe a
lavratura dos autos de prisão em flagrante dos presos em flagrante delito que
possuam insuficiência de recursos, caso estes não estejam assistidos, no ato,
por outro(s) advogado(s), utilizando-se, para tanto, dos recursos materiais e
humanos de que já dispõe e da maneira que entender melhor, informando
às autoridades policiais da Comarca os respectivos telefones para
contato;
c) seja deferida, de forma liminar, inaudita altera
parte, antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se que o ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL, através de sua Defensoria Pública, viabilize o
recebimento da cópia integral de auto de prisão em flagrante no caso e no
prazo previsto no art. 306, §1o, do Código de Processo Penal, inclusive, se
necessário, nos finais de semana, feriados ou fora do seu horário de
expediente, utilizando-se, para tanto, dos recursos materiais e humanos
de que já dispõe e da maneira que entender melhor, informando às
autoridades policiais da Comarca os respectivos telefones para contato;
d) seja fixada multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil
reais), a recair sobre o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em caso de
descumprimento, total ou parcial, de qualquer uma das obrigações previstas
nos itens “a”, “b” ou “c”.
No mérito:
A procedência da presente ação civil pública para
tornar definitivos os pedidos liminares, determinando-se que:
42
e) o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL implante o
atendimento de plantão na sua Defensoria Pública, nesta Comarca de Erechim,
de forma a abranger 24 (vinte e quatro) horas diárias e 7 (sete) dias por
semana, utilizando-se, para tanto, dos recursos materiais e humanos de
que já dispõe e da maneira que entender melhor, ou, se preferir, em
sistema de rodízio e sobreaviso (forma adotada por Juízes e Promotores)
e informando ao Ministério Público e ao Poder Judiciário a escala de
Defensores Públicos Plantonistas e respectivos telefones para contato,
sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de
descumprimento;
f) o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através
de sua Defensoria Pública, acompanhe a lavratura dos autos de prisão em
flagrante dos presos em flagrante delito que possuam insuficiência de recursos,
caso estes não estejam assistidos, no ato, por outro(s) advogado(s),
utilizando-se, para tanto, dos recursos materiais e humanos de que já
dispõe e da maneira que entender melhor, informando às autoridades
policiais da Comarca os respectivos telefones para contato, sob pena de
multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento;
g) o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através
de sua Defensoria Pública, viabilize o recebimento da cópia integral de auto de
prisão em flagrante no caso e no prazo previsto no art. 306, §1 o, do Código de
Processo Penal (24 horas a partir da prisão), inclusive, se necessário, nos
finais de semana, feriados ou fora do seu horário de expediente, utilizando-se,
para tanto, dos recursos materiais e humanos de que já dispõe e da
maneira que entender melhor, informando às autoridades policiais da
Comarca os respectivos telefones para contato, sob pena de multa diária de
R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento;
h) a citação do Estado do Rio Grande do Sul, na
pessoa do Procurador-Geral do Estado, para que, querendo, apresente
resposta no prazo legal;
43
i) a condenação do réu ao pagamento das custas e
demais despesas processuais decorrentes da sucumbência, exceto honorários
advocatícios;
j) a produção de todos os meios de prova em direito
admitidos.
Dá-se a causa o valor de alçada, por inestimável.
Erechim, 21 de março de 2007.
Cassiano Marquardt Corleta,
Promotor de Justiça.
44
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