Pesquisa - REME - Revista Mineira de Enfermagem

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Cuidados às pessoas com úlcera venosa: percepção dos enfermeiros da estratégia de saúde da família
Pesquisa
CUIDADOS ÀS PESSOAS COM ÚLCERA VENOSA:
PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
CARE FOR PEOPLE WITH VENOUS ULCERS:
THE PERCEPTION OF NURSES IN THE FAMILY HEALTH STRATEGY
ATENCIÓN A PERSONAS CON ÚLCERAS VARICOSAS:
PERCEPCIÓN DE LOS ENFERMEROS DE LA ESTRATEGIA SALUD DE LA FAMILIA
Diego Borges do Reis 1
Graziella Araujo Peres 1
Fernanda Bonato Zuffi 2
Lúcia Aparecida Ferreira 3
Márcia Tasso Dal Poggetto 4
Enfermeiro. Uberaba, MG – Brasil.
Enfermeira. Professora Assistente do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro – UFTM. Uberaba, MG – Brasil.
3
Enfermeira. Professora Adjunta do Curso de Enfermagem da UFTM. Uberaba, MG – Brasil.
4
Enfermeira. Professora Assistente do Curso de Enfermagem da UFTM. Uberaba, MG – Brasil.
1
2
Autor Correspondente: Márcia Tasso Dal Poggetto. E-mail: [email protected]
Submetido em: 25/10/2011
Aprovado em: 01/11/2012
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, cujos objetivos foram identificar o conhecimento dos enfermeiros das Equipes
de Saúde da Família (ESF) do distrito sanitário III de Uberaba-MG sobre os cuidados necessários às pessoas portadoras de úlcera venosa e
descrever suas percepções. Após a aprovação no Comitê de Ética, os dados foram coletados com 16 enfermeiros, por meio de entrevista
semiestruturada. Utilizou-se a técnica de análise por Bardin. Na análise dos dados, surgiram três categorias: conhecimento adequado,
conhecimento insuficiente e desconhecimento, relacionados ao conhecimento sobre úlcera venosa, seus cuidados, orientações e abordagem
integral do portador. O conhecimento específico do profissional, sua capacitação, as melhores condições de trabalho, a utilização da
integralidade e a adoção de um protocolo são essenciais para o aprimoramento dos cuidados da pessoa com úlcera venosa, diminuindo,
assim, o tempo de cicatrização e os índices de recidiva.
Palavras-chave: Enfermeiro; Úlcera Varicosa; Atenção Básica a Saúde; Saúde da Família; Conhecimento.
ABSTR ACT
This is a descriptive study with a qualitative approach, aimed to identify the knowledge of nurses, of the Family Health Teams (FHT) from the
Third Health District of Uberaba, Minas Gerais, under about the necessary care with people that suffering venous ulcers, and to describe their
perceptions. After approbation by the Ethics Committee, the data were collected by 16 nurses, through semi-structured interview. Was used the
technique of analysis by Bardin. In the data analyzing, there were three categories: adequate knowledge, insufficient and ignorance, related to
knowledge about venous ulcer, care, guidance and comprehensive approach to the bearer. The specific knowledge of professional, their training,
better working conditions, the use of the whole and the adoption of a protocol is essential for the improvement of care for venous ulcers and its
bearer, reducing the healing time and recurrence rates.
Keywords: Nurse; Varicose Ulcer; Primary Health; Family Health; Knowledge.
RESUMEN
Se trata de un estudio descriptivo con enfoque cualitativo cuyo objetivo fue identificar el conocimiento de enfermeras de los Equipos de Salud
de la Familia (ESF) del distrito sanitario III de Uberaba-MG acerca de los cuidados necesarios a personas con úlceras venosas y describir sus
percepciones. Después de la aprobación de la investigación por parte del Comité de Ética, los datos fueron recogidos con 16 enfermeras, a través
de entrevistas semiestructuradas. Se utilizó la técnica de análisis de Bardin. Al analizar los datos se consideraron tres categorías: conocimiento
adecuado, conocimiento suficiente y desconocimiento, relacionados con el conocimiento sobre úlcera venosa, sus cuidados atención, orientación y
enfoque global del paciente. El conocimiento específico del profesional, su capacitación y la adopción de un protocolo son esenciales para mejorar
la atención de estos pacientes con miras a disminuir el tiempo de cicatrización y los índices de reincidencia.
Palabras clave: Enfermera; Úlcera Varicosa; Atención Primaria de Salud; Salud de la Familia; Conocimiento.
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Introdução
do na “assistência integral, contínua, com resolubilidade e boa
qualidade as necessidade de saúde da população adscrita”.12:10
Na ABS, o enfermeiro tem importante papel no atendimento do paciente com UV, pois é o responsável pela escolha
da conduta no tratamento da lesão, de tornar o paciente ativo juntamente com o familiar.13-17 O conhecimento técnico e
cientifico é fundamental, sendo que compete ao enfermeiro
realizar a consulta de enfermagem, prescrever e orientar o tratamento, solicitar exames laboratoriais e de Raios X, quando
necessários, realizar o procedimento do curativo, bem como
o desbridamento, quando necessário14. Assim, é importante a
atualização dos conhecimentos sobre a UV para melhorar a
qualidade do tratamento e sua eficiência.15
As condutas adotadas pelos profissionais não apresentam evidências científicas; a ferida é o foco da atenção, sem
abordagem de outros aspectos do indivíduo. As pesquisas
no Brasil não estão direcionadas para a construção das diretrizes no tratamento da UV, o que ocasiona dúvidas na
escolha da melhor conduta, diversificando os tratamentos
utilizados.3-5 A ABS não consegue suprir as necessidades dos
pacientes, que procuram atendimento em outros níveis de
atenção e acabam por retornar à unidade de saúde sem o
acompanhamento de uma equipe multiprofissional e continuidade do tratamento.
Sem a sistematização no atendimento à pessoa com UV, o
usuário depara-se com um cenário de profissionais despreparados quanto à etiologia, ao acompanhamento, ao tratamento
desse tipo de lesão cutânea e que ainda incorporam no seu dia
a dia práticas sem embasamento científico.4,5 O protocolo sistematizado para o atendimento ao paciente com UV permite
que a equipe multiprofissional capacitada possa avaliar os fatores assistenciais, clínicos, sócias e econômicos que podem interferir na evolução da UV.2
Diante do exposto, considerando os altos índices de prevalência de UV, o grande impacto socioeconômico e na qualidade de vida do portador; a importância de um tratamento adequado pautado por evidências científicas; a importância de um profissional capacitado para realizar um tratamento
adequado, com abordagem holística; e a necessidade de adotar um protocolo para orientar o tratamento, propôs-se realizar este estudo.
A úlcera venosa (UV) é uma complicação tardia da insuficiência venosa crônica (IVC) e pode surgir por traumas
ou espontaneamente. Acomete os membros inferiores, geralmente no terço distal da face medial da perna, próximas
ao maléolo medial. Corresponde a 70% a 90% das úlceras de
perna. Tem alto índice de recorrência, chegando a 30%, quando não manejadas adequadamente no primeiro ano, e a 78%
após dois anos. Pessoas de diferentes faixas etárias apresentam UV, porém os idosos, principalmente do sexo feminino,
são os mais acometidos.1-6
Estima-se que, no Brasil, 3% da população apresenta a
lesão, com aumento para 10% no caso de pessoas com diabetes. Em estudo realizado no município de Botucatu-SP,
apresentou-se a prevalência de 1,5% de casos de UVs ativas ou cicatrizadas. Nos Estados Unidos, 7 milhões de pessoas possuem doença venosa crônica, responsável por 70%
a 90% das UVs. Em um estudo europeu, a prevalência dessa doença correspondeu a 1% da população adulta, com
aumento significativo em indivíduos com mais de 80 anos.
Mundialmente, estima-se que a prevalência da lesão seja de
0,5% a 2% da população.1,2,7-9
A UV é considerada um problema de saúde pública no
Brasil, dado o significante índice de prevalência, impacto social,
econômico e suas características de recorrência e incapacitante,
repercutindo de forma severa na deambulação dos portadores,
por causa da dor crônica ou desconforto, afetando, assim, os
hábitos de vida do portador, causando depressão, isolamento
social, baixa autoestima, afastamento do trabalho ou aposentadoria e hospitalizações ou visitas ambulatoriais frequentes.2-4,10
No Brasil, a UV é a 14ª causa de afastamento temporário
do trabalho e a 32ª causa de afastamento definitivo. É uma doença que onera um grande gasto público, principalmente pelo
tratamento longo com recidivas. Nos Estados Unidos, o custo
anual com o tratamento das úlceras é estimado em 1 bilhão de
dólares. Diante desses fatos, torna-se evidente a importância da
visão holística no tratamento da lesão e acompanhamento do
portador e seus familiares.1,11
Em decorrência da complexidade e do longo tempo de
tratamento, há necessidade de habilidade técnica, conhecimento específico, adoção de protocolo, atuação de uma equipe interdisciplinar, articulação nos diversos níveis de assistência
e a participação ativa do portador e seus familiares, seguindo a
perspectiva do cuidado integral.1-3
A Atenção Básica à Saúde (ABS), por meio da Estratégia
da Saúde da Família (ESF), torna-se uma importante ferramenta para o alcance da qualidade na assistência aos portadores
de UV. O foco é a família e suas relações com o meio em que
vivem, realizando atendimento domiciliar e na unidade, basea-
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OBJETIVOS
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identificar o conhecimento dos enfermeiros das equipes
de ESF do distrito sanitário III de Uberaba-MG sobre os
cuidados necessários às pessoas portadoras de UV;
descrever as percepções dos enfermeiros sobre os cuidados necessários à UV.
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Cuidados às pessoas com úlcera venosa: percepção dos enfermeiros da estratégia de saúde da família
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro, sob o Parecer no 1.574.
Os dados foram coletados em 8 unidades, que comportam
17 ESFs do Distrito Sanitário III no município de Uberaba-MG. A
população foi composta de 16 enfermeiros das respectivas ESFs,
que concordaram em participar da pesquisa, com exclusão de
uma, que estava de licença maternidade durante a coleta.
A coleta de dados ocorreu no período de março a maio de
2011. Foi realizado um agendamento prévio com os enfermeiros
das ESFs. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada,
com perguntas abertas que abordassem o tema úlcera venosa.
A entrevista ocorreu mediante entrega e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos entrevistados, por meio do qual foram informados sobre os objetivos do estudo, a garantia do sigilo, os possíveis constrangimentos ou benefícios e respeitado o desejo ou não de participar da
pesquisa. Pediu-se permissão para gravar as entrevistas em mídia digital. Os participantes foram identificados por números.
O instrumento utilizado foi composto por perguntas
norteadoras: O que você entende por UV? Quais os cuidados que julga necessário ter com a UV? Quais são as orientações necessárias para a pessoa que tem UV? Durante os cuidados com a pessoa portadora de UV, você aborda outros
aspectos além da ferida?
A análise do material foi realizada em etapas, segundo análise do conteúdo proposta por Bardin, que envolvem a pré-análise, a constituição do corpus, a formulação de hipóteses e de
objetivos. Após a leitura exaustiva, as entrevistas foram organizadas, analisadas, descritas e categorizadas. As frases foram
agrupadas por similaridade dos temas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistados dezesseis enfermeiros, todos do sexo
feminino, com tempo de formação variando de um a quinze
anos, sendo que a maioria tinha de um a cinco anos de formação (seis) e duas enfermeiras, acima de dez anos. Em relação ao
tempo de trabalho em enfermagem, seis enfermeiras tinham
entre um a cinco anos, oito enfermeiras, de seis a dez anos e
duas enfermeiras com mais de dez anos. Quanto ao tempo de
trabalho em ESF, a variação foi de um a dez anos, a maioria com
tempo de serviço variando de um a cinco anos (oito enfermeiras) e apenas uma tinha dez anos de atuação em ESF.
Na análise dos dados, surgiram três categorias: conhecimento adequado, conhecimento insuficiente e desconhecimento, em relação ao conhecimento sobre úlcera venosa, seus
cuidados e orientações e abordagem integral do portador.
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Foi considerado conhecimento adequado quando o enfermeiro respondeu corretamente às questões norteadoras;
conhecimento insuficiente, quando relatou menos de cinco
afirmações verdadeiras, e desconhecimento, quando respondia de maneira inadequada e/ou apresentava desconhecimento das questões.
Com relação à questão norteadora, “O que você entende
por UV?” Sete enfermeiras apresentaram conhecimento adequado, sete apresentaram conhecimento insuficiente e dois,
desconhecimento. A seguir os relatos demonstram um conhecimento adequado, um conhecimento insuficiente e um desconhecimento ao entendimento de UV:
Úlcera venosa é uma insuficiência… circulação venosa
que a gente tem nos membros inferiores […]. Pode ser um problema na válvula de retorno […]. Tem um comprometimento
na circulação periférica dos membros […]. Esse paciente pode
bater […]. Pode instalar ali uma ferida, uma úlcera… (E05)
É uma ferida em decorrência de algum problema circulatório da pessoa. (E06)
Uma ferida acometida na região cutânea e tem vários fatores que podem ser relacionados ao acometimento dessa ferida, pressão, decúbito, ou algum processo patológico. (E11)
A maioria das enfermeiras (nove) possui baixo conhecimento sobre UV, sendo que algumas referenciam o problema
de circulação sem especificar o tipo de comprometimento, seja
venoso, seja arterial. A falta de conhecimento sobre a UV, bem
como a falta de identificação pelo profissional das características clínicas da UV, interfere no processo de cicatrização da
lesão. Sem a diferenciação do tipo de úlcera, os cuidados tornam-se generalizados, ocasionando um tratamento inadequado e prolongando e/ou impedindo a cicatrização da UV.17
O cuidado com feridas vem destacando-se como atividade do enfermeiro, que, na Saúde da Família, possui maior contato com o paciente por ter acesso ao seu domicílio e seus familiares. É responsável pelo atendimento dos portadores de
úlcera, que inclui tratamento, orientações que possibilitam o
autocuidado ou a capacitação de um familiar para a realização
dos cuidados necessários para cicatrização da ferida.13,17
Na questão norteadora, “Quais os cuidados que julga necessário ter com a UV?”, quatro enfermeiras apresentaram conhecimento adequado; oito, conhecimento insuficiente; e quatro, desconhecimento, evidenciados nas falas abaixo:
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Questão do curativo ser feito da maneira correta […];
avaliar o estado do paciente e da ferida […]; ter uma alimentação mais saudável, equilibrada, hidratação […]; repouso, de elevação desses membros […]; caminhada […];
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terapia compressiva, uma dieta que favoreça a cicatrização, repouso do membro afetado elevação, dos membros, realização de caminhada e utilização de meias compressivas para evitar recidivas.15
O conhecimento técnico e científico do enfermeiro torna-se essencial, dada sua responsabilidade de sensibilizar o paciente
a seguir as orientações, esclarecer todas as dúvidas e a importância desses cuidados no tratamento. Esse fato possibilita a maior
adesão ao tratamento, pois os altos índices de recidivas ocorrem
porque a pessoa com UV não adere às medidas preventivas, por
desconhecimento do profissional nas orientações necessárias.15
Muitos profissionais mantêm a visão biomédica, centrada na doença e práticas curativas, excluindo o indivíduo como um ser
biopsicossocial, dotado de culturas, crenças, valores próprios.19
A UV é uma lesão que interfere no cotidiano do portador, modificando-lhe significativamente os hábitos de vida. A dor crônica
ou o desconforto dificulta ou até mesmo impossibilita a deambulação. Outros danos envolvem o isolamento social, depressão, baixa
autoestima, inabilidade para o trabalho e hospitalizações frequentes ou visitas clínicas ambulatoriais periódicas.4,5,10 Esses fatos comprovam a importância de uma abordagem integral do portador
para maior eficácia no tratamento e sua reintegração social.
Na questão “Durante os cuidados com a pessoa portadora de UV, você aborda outros aspectos além da ferida?”, quatro
enfermeiras demonstraram conhecimento adequado; três, conhecimento insuficiente; e nove. desconhecimento. As frases
abaixo demonstram os respectivos resultados:
atividade sem forçar muito, uso de faixa elástica, fazendo uma compressão nessa área para estar ajudando na
cicatrização […]; acompanhamento com vascular. (E04)
Repouso pro paciente, medicação adequada e o
curativo adequado. (E05)
Curativo diariamente, adesão a medicação […]. mudança de decúbito, pra num ter pressão em cima da lesão
conforme for o local. (E10)
Os cuidados necessários voltados para o tratamento adequado da UV envolvem a avaliação do paciente, que inclui histórico, a avaliação da lesão, exame físico, documentação dos
achados clínicos, cuidados com a ferida e a pele ao redor; a utilização de métodos para a cicatrização da ferida, englobando a
terapia compressiva, que requer a implementação de compressão externa para facilitar o retorno venoso, e a terapia tópica,
que requer o uso de coberturas capazes de absorver o exsudato e criar um ambiente propício para cicatrização; o uso de
antibióticos, tratamento realizado por uma equipe multiprofissional; medidas complementares, que incluem repouso e caminhada; e ações que visem evitar a recidiva da lesão, incluindo
o uso de meias elásticas compressivas e adequada intervenção
cirúrgica para a correção da anormalidade venosa.4-6,18
As orientações realizadas pelo profissional são essenciais
para o sucesso no tratamento da UV, pois o portador torna-se
ativo nesse processo, estendendo os cuidados da unidade de
saúde para seu domicílio.3
Ao realizar a pergunta “Quais são as orientações necessárias para a pessoa que tem UV?”, cinco enfermeiras apresentaram conhecimento adequado; sete, conhecimento insuficiente; e quatro, desconhecimento, exemplificados nas falas abaixo:
Sim, os aspectos psicológicos desse paciente ficam
muito abalados […]. É um paciente que todo mundo já
não quer mais escutar porque ele sempre reclama de
dor […]; ele tem uma autoestima baixa […]; problemas
de ordem sexual, porque são complicadas aquelas lesões,
aquelas faixas na perna […]. Às vezes, aquela pessoa tem
aquela ferida por anos e anos, então a gente tem que estar tentando motivar esse paciente. (E05)
Porque está tudo relacionado, a alimentação […], a
família tem um papel muito importante pra estar ajudando a pessoa no cuidado […], ver a pessoa como um
todo não é só a ferida que você vai ver, você vai ver todos
os problemas que aquela pessoa tem, hipertensão, diabetes o que está interferindo naquele tratamento […]. Uma
avaliação também da sua prescrição de enfermagem,
tem o cuidado com a depressão…(E04)
Então a gente vai avaliar o paciente como um todo
dando atenção para aquela lesão ali, alimentação se tem
algumas outras doenças concomitantes, então sempre
avaliar o paciente todo e nunca olhar só pra lesão. (E12)
Acompanhamento médico, elevação dos membros
inferiores […]; fazer uma atividade física pra melhorar […];
caminhada, com sapato adequado pra melhorar a circulação […]; realização do curativo […]; Sulfadiazina, alguns Saf-gel, mas assim depende da lesão […]; outros a
gente encaminha pra botas, outros pra enxerto […]; então
a gente já tem um trabalho com psicólogo… (E06)
Estado nutricional é muito importante, comer alimentos que contenha zinco, ferro, proteína, pra que ele
se encontre em bom estado nutricional e melhore a ferida
[…], hidratação, colocar as pernas pra cima. (E07)
Mudando de posição […], a gente tem que saber
como é essa lesão, local […]; mudar um pouco de decúbito, realizar a higienização. (E10)
As principais orientações para o portador envolvem a técnica
correta da realização do curativo e a utilização das coberturas prescritas de acordo com o estado da lesão; se necessária a utilização de
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A integralidade é uma diretriz do Sistema Único de Saúde
(SUS) definida como um conjunto articulado e contínuo de ações
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e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema, segundo a Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080/90). Assim,
a ABS, como parte integrante do SUS, deve seguir essa diretriz,
assim como todos os profissionais da atenção primária. As respostas encontradas evidenciaram que os enfermeiros ainda estão
focados na lesão, desconhecem ou confundem o sentido da integralidade. Afirmam que abordam outros aspectos além da ferida,
mas durante as especificações das atividades, respondem como
integral, os aspectos relacionados com a lesão ou outra patologia
associada, demonstrando a vigência da visão biomédica.
Além das categorias analisadas, surgiram falas isoladas que
retrataram dificuldades encontradas pelos profissionais no tratamento da UV:
O que eu encontro de dificuldade no PSF, por exemplo, é um acompanhamento mais regular por a gente ter
uma cobertura tão grande de pessoas às vezes você não
consegue. (E03)
Investir mesmo na mão de obra, enfermeiro qualificado pra curativo, e também na terapia tópica, porque
você ter disponível soro fisiológico, mal ter soro fisiológico
e gaze […], assim fica desmotivado o profissional, fica desmotivado o paciente. (E05)
Não temos uma sala específica […]. A gente deveria
sim ter uma estrutura para fazer curativo, a gente devia
ter sim opções de cobertura é isso que eu acho para trabalhar, um protocolo de feridas implantado […]. A gente
não tem protocolo, não tem sala de curativo e você não
tem opções de tratamento… (E06)
A falta de número suficiente de profissionais capacitados,
quantidade e qualidade de materiais necessários e uma estrutura
adequada para o atendimento dos portadores de UV são fatores
que dificultam e interferem na qualidade da assistência prestada
ao usuário portador e contribuem para a cronicidade da lesão.4
A inexistência de um protocolo nas unidades de saúde,
outro problema apontado pelas enfermeiras, é um fator importante e citado por vários autores. Eles afirmam a necessidade da adoção de um protocolo para a sistematização da assistência, permitindo a equipe multiprofissional capacitada avaliar
os fatores assistenciais, clínicos, econômicos e sociais dos portadores que podem interferir na evolução da UV.2-5
dutas específicas e um profissional com conhecimento técnico e científico capacitado para o acompanhamento do processo de cicatrização.
Dada a complexidade da lesão e suas consequências na
vida do paciente, a atenção integral torna-se essencial, os fatores biopsicossociais podem influenciar no autocuidado e na
adesão ao tratamento.
Neste estudo, a maioria dos profissionais demonstrou baixo
conhecimento sobre a UV, englobando outros tipos de lesão. Essa
confusão também foi evidenciada nas respostas quanto aos cuidados e às orientações aos portadores sobre a úlcera, sendo que
algumas citaram ações voltadas para úlcera por pressão. O problema da deficiência do conhecimento específico influencia na
escolha equivocada da conduta, ou na sua utilização para todos
os tipos de lesões, prolonga a cicatrização e aumenta as chances
de recidiva, diminuindo o poder de resolutividade da ABS. Isso
gera uma descrença dos usuários, que não têm suas necessidades
atendidas e passam a procurar a atenção secundária ou terciária.
Evidenciou-se, também, neste estudo, que os profissionais
de saúde ainda focalizam a doença, mantendo o modelo biomédico, dificultando a integralidade do cuidado, a prevenção e
a promoção da saúde, que são diretrizes da ABS.
Além das categorias, surgiram frases diferenciadas, nas
quais as enfermeiras apontaram dificuldades que encontram
nas unidades de saúde, dentre as quais a falta de um protocolo,
o que é confirmado na literatura. Para a sistematização da assistência na saúde, faz-se necessária a implantação de protocolos de atendimento às pessoas com lesões cutâneas e, ainda, o
treinamento dos profissionais.
A necessidade da capacitação dos enfermeiros ficou evidente, além de investimento para a melhoria das condições de
trabalho para eles. A integralidade ainda não tem sua finalidade
incorporada na realidade das unidades de saúde, mesmo sendo
uma diretriz do SUS. Assim, o tratamento da UV encontra-se
prejudicado, ocasionando cronicidade da lesão, altos índices de
recidivas, onerando gastos públicos que poderiam ser evitados
ou aplicados em outras ações.
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CONCLUSÃO
3.
A úlcera venosa tornou-se um problema de saúde pública, dada sua alta incidência e sua característica crônica e recorrente, ocasionando tratamentos longos e complexos. Suas
especificidades exigem um tratamento adequado, com con-
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