VIAS DE ACESSO EM CIRURGIA INTRODUÇÃO: A cirurgia é, sem dúvida, o ramo mais antigo da medicina. Certamente, alguma prática era realizada na antiguidade, porém de maneira empírica, sem conhecimentos anatômicos e fisiológicos, com desconhecimento da anti-sepsia e assepsia, e até mesmo do sistema circulatório (descrito por William Harvey, 1578-1657), da ligadura para hemostasia, esta última utilizada pela primeira vez na Escola de Alexandria, por volta do século III a.C. A dissociação entre a Medicina exercida por monges e a Cirurgia executada por barbeiros tornou a técnica operatória estéril por muitos anos. Além disso, princípios religiosos retardaram o conhecimento minucioso da anatomia, que somente passou a ser estudada com profundidade a partir do século XIII. O desconhecimento total da fisiologia do espaço pleural retardou, em muito, o progresso das vias de acesso torácico. Somente em 1872, W.S. Playfair, um obstetra e pediatra, criou um sistema de drenagem semelhante ao atual, mais tarde aperfeiçoado por F. Cresswell Hewett, praticamente igual ao usado heje em dia, porém com uma solução própria, em vez do soro fisiológico. Apesar disso, a toracotomia só foi padronizada após a Segunda guerra Mundial. Isso diferenciou o progresso da via de acesso abdominal em relação ao acesso torácico. Habitualmente, conhecendo-se a natureza da doença cirúrgica opta-se por uma das diferentes vias de acesso existentes, algumas vezes podendo-se associá-las para obter vantagem na exposição das áreas a serem exploradas. O cirurgião deve escolher a via de acesso com sabedoria, evitando complicações desnecessárias e lembrando que o resultado estético é importante para o paciente, sendo este alcançado com o uso de fios adequados a cada passo do fechamento da incisão e com o manuseio cuidadoso dos tecidos. Ao efetuar um corte na pele, observa-se que, graças a tensão dos tecidos adjacentes, as margens da ferida tendem a separar-se. Tal tensão pode transformar uma ferida linear em uma cicatriz indesejável. Da mesma forma, a mínima tensão sobre uma incisão pode resultar em uma cicatriz pouco perceptível. Tais observações orientam a escolha das incisões para obtenção de cicatrizes com características estéticas mais aceitáveis. Kraissl (1951), baseado nos estudos de Langer (1861), definiu as chamadas “linhas de força da pele” como sendo sulcos, dobras ou pregas cutâneas resultantes da contração muscular subjacente. Como regra, essas linhas de força são perpendiculares à direção da contração muscular ou à direção da resultante da contração de grupos musculares subjacentes à pele. Em geral, as incisões colocadas sobre as linhas de força ou paralelas a elas resultam em cicatrizes menos perceptíveis, enquanto incisões perpendiculares às linha de força determinam cicatrizes de qualidade discutível, tanto do ponto de vista estético quanto do funcional. Distribuição das linhas de força de Kraissl. Distribuição das linhas de força na face anterior do tórax feminino. Descreveremos algumas das vias de acesso em cirurgia, indicando seu uso mais apropriado. INCISÕES CERVICAIS: Via de acesso de “Y” A via de acesso em “Y”, posterior ao conduto auditivo externo e aproximadamente 2 cm acima da apófise mastóide, descendo até o ângulo da mandíbula. Anteriormente, esta incisão situa-se na frente da orelha e desce verticalmente, encontrando a incisão inicial. Incisão em Y; nervo facial e glândula parótida no detalhe. Elevam-se os retalhos cutâneos e identifica-se o grande nervo auricular, em íntima relação com a carótida. O nervo facial é encontrado anteriormente à apófise mastóide. A partir de sua identificação e dissecção de seus ramos, torna-se mais fácil a mobilização dos lobos superficial e profundo da glândula parótida. Via de acesso transversa em colar, descrita por Theodor Kocher Descrita para acesso à glândula tireóide, estendendo-se da borda medial do músculo esternocleidomastoideo direito à borda medial do músculo contralateral. Em casos de dissecções radicais, como em algumas neoplasias malignas, pode ser feito um prolongamento superior na borda anterior do esternocleidomastoideo que permite cuidadosa dissecção de linfonodos. VIAS DE ACESSO AO TÓRAX: A via de acesso ao tórax, TORACOTOMIA, compreende a ultrapassagem do gradil costoesternal, com penetração nas estruturas intratorácicas. Assim, todas as incisões em que não haja penetração na cavidade torácica seriam por conseqüência vias de acesso extratorácicas. As toracotomias com grandes secções musculares devem ser, sempre que possível, evitadas, por causarem transtornos dolorosos no pós-operatório. Sob este aspecto, a videotoracoscopia apresenta vantagem sobre a cirurgia aberta. As toracotomias podem ser divididas em: Anteriores; Laterais- Antero-lateral e póstero-lateral; Posteriores - paravertebral e interescápulo-vertebral; Axilares- vertical e transversal; Esternotomia mediana; Paraesternais- vertical e transversa; Combinadas, com prolongamento transesternal ou posterior; Combinadas com incisões abdominais. A-anterior; B- póstero-lateral; C- paravertebral; D- axilar vertical; E- esternotomia. Toracotomia anterior Incisão básica utilizada em urgência, normalmente quarto, quinto ou sexto espaço intercostal, podendo ser prolongada, de acordo com a necessidade, em Antero-lateral, Antero-posterior ou mesmo transesternal. É mais estética e causa menos transtorno funcional. À esquerda oferece acesso a: aurícula esquerda, ventrículo esquerdo, arco aórtico e seus ramos, aorta torácica descendente, tronco da artéria pulmonar, hilo pulmonar esquerdo e pulmão esquerdo. À direita oferece acesso a: átrio direito, veia cava superior, aorta ascendente, artéria pulmonar direita, hilo pulmonar direito e pulmão direito. Toracotomia anterior esquerda. Toracotomia anterior direita. Toracotomia postero-lateral esquerda – As toracotomias póstero-laterais são as incisões usuais para acesso a cavidade torácica, permitindo amplo trabalho no hemitórax escolhido, bem como ao mediastino do mesmo lado da incisão. A esquerda temos acesso a: átrio esquerdo, ventrículo esquerdo, arco aórtico e seus ramos, aorta torácica descendente, tronco da artéria pulmonar e artéria pulmonar esquerda, hilo pulmonar esquerdo e pulmão esquerdo. postero-lat esquerda mostrando acesso Postero-lateral esquerda mostrando Ao coração, hilo pulmonar E e pulmão acesso a aorta Toracotomia póstero-lateral direita. Oferece acesso a: atrio direito, veia cava superior , hilo pulmonar direito, pulmão direito, veia azigos, esofago torácico e traqueia. Veia azigos , veia cava superior, traqueia, esogafago, pulmão direito. Toracotomia combinada com acesso abdominal (Toracofrenolaparotomias) A esquerda oferece acesso a: Lobo esquerdo do fígado, aorta toracica descendente e aorta abdominal acima do tronco celíaco, terço inferior do esôfago. Secção do hemidiafragma esquerdo. esôfago laçado, cárdia, aorta, pulmão Esquerdo. A direita oferece acesso a: lobo direito do fígado, veias hepáticas e segmentos retrohepaticos e torácicos da veia cava inferior. Secção do hemidiafragma direito acima o diafragma, abaixo o lobo direito Tracionado mostrando as veias supra-hepa Ticas. Esternotomia mediana – permite acesso as estruturas cardíacas, aorta descendente e ramos do arco aortico, arteria pulmonar e ramos, veia cava superior. VIAS DE ACESSO AO ABDOME (LAPAROTOMIAS) A melhor via de acesso é aquela em que o cirurgião está mais familiarizado. Não se pode priorizar a estética em detrimento da comodidade e facilidade da execução do propósito cirurgico, principalmente em cirurgias de emergencia, em que o acesso rápido a cavidade é fator primordial. As incisões devem obedecea a princípios anatômicos, preservando, sempre que possível, a musculatura e a inervação, evitandose ao máximo, a sua secção. DEFINIÇÕES: Laparon = flanco + tomia = corte. “Secção do flanco”. O termo foi adotado como abertura cirúrgica da cavidade abdominal a partir de 1880. Para os puristas o melhor termo seria CELIOTOMIA (celio = abdome). #DEISCÊNCIA: ruptura de um plano de sutura (parcial ou total). #EVISCERAÇÃO: ruptura de todos os planos de sutura com exposição visceral. #EVENTRAÇÃO: hernia incisional. Houve ruptura do plano aponeurótico, porém a pele se manteve íntegra. O cirurgião ao praticar uma laparotomia, terá de praticar a diérese de algumas das seguintes estruturas da parede abdominal, dependendo, é claro, do tipo de laparotomia:Pele, TCSC, Fáscia de Camper e de Scarpa, Musculatura (músculo reto anterior do abdome e piramidais, m. oblíquo externo, m. oblíquo interno, m. transverso do abdome), Fáscia transversalis, Peritônio. Vantagens das incisões verticais: Abertura e fechamento mais rápido, lesam poucos vasos e nervos, excelente exposição, ampliação fácil, não exigem secção da m. do reto anterior do abdome. Vantagens das incisões transversas: São paralelas às linhas de força e mais estéticas, sutura sem tensão, facilitam o fechamento do peritônio e da bainha do m. reto. Podemos dividir o acesso abdominal em incisões: Longitudinais (medianas, pararretais e transversais- As incisões medianas são usadas preferencialmente em explorações de urgências. São de rápido acesso e permitem uma visão ampla da cavidade. Sua cicatrização é mais demorada (aproximadamente 8 meses). Podem ser supra- e/ou infra-umbilicais. Quando prolongadas, devem contornar o umbigo pela esquerda para não seccionar o ligamento redondo. Transversais- São limitadas quanto a visualização do campo operatório, mais sangrativas e exigem fechamento com vários planos de sutura. Algumas muito utilizadas são as de Davis e Pfannestiel. Em crianças, a incisão preferida é a transversal, por permitir melhor campo operatório, segurança no fechamento, apresentar melhor índice de complicação pós-operatória (por ex. evisceração) e por oferecer resultado estético melhor. Oblíquas: Poupam a inervação abdominal, em alguns casos, quando acompanham trajetos nervosos. As principais são as de McBurney, Kocher, Clairmont, Druner, Leclerc, Auvert e as incisões para cirurgias de hernias inguinais, paralelas a arcada crural. Combinadas: São prolongamentos das incisões anteriores, com intuito de permitir melhor visualização do órgão a ser tratado. Incluem, neste caso, prolongamentos para o tórax, região lombar e lado oposto do abdome. Videolaparoscópicas. #DAVIS E McBURNEY- Apendicectomias sem peritonite generalizadas. #KOCHER E CLAIRMONT- Exploração de vias biliares em pacientes obesos. A incisão de PRIBAM corresponde a incisão de Kocher subcostal esquerda. #PFANNENSTIEL, KUSTNER E CHERNEY- Usadas em operações pélvicas. 1-subcostal;2-transretal;3-mediana-umbilical;4-pararretal interna; mediana infra-umbilical; 7- pararretal externa infra-umbilical. 5-McBurney;6- 1-transretal superior;2- transretal superior bilateral em arco(CHEVRON);3subcostal;4- tranretal superior retilínea;5- Davis; 6- Pfannenstiel; 7-Oblíqua, paralela a arcada inguinal(“inguinotomia”); 8- Kustner. 1-Subcostal direita (Kocher); 2- Oblíqua lateral(Clairmont); 3- Subcostal esquerda (Pribam). 1-Leclerc; 2- Druner; 3- Auver. Mediana xifo-púbica paramediana direita infra- Incisão de BABCOCK para (trans-umbilical) umbilical(JALAGUIER) apendicectomias Obliqua subcostal(KOCHER) Incisão combinada(MERCEDES) #A incisões de Devis e McBurgeny são usadas pra apencicectomias sem peritonite generilzada. A incisão transversal de Devis é realizada no encontro do terço externo com os dois terços intenos de uma linhna do umbigo a espinha iliaca anterior, com abertura das folhas da b ainha do reto abdominal. A incisão de McBurney é obliqua para baiso e para dentro, com abertura das folhas da bainha do reto abdominal. A incisão obliqua de McBurney e obliqua para baixo e para dentro, quase horizontal, com cerca de 7 cm, com seu ponto médio 2cm acima e medialmente da iliaca anteroseperior. Deve-se ter cuidado para não lesar os nervol ileo-inguinal e ab dominogenital. #As incisões de Kocher e Clairmont saõ usadas para a exploração das vias biliares em pacientes obeso com ângulo costo-esternal aberto e com incisões previas em linha médial. Bibliografia: 1- Mathias I, Filho IM, Marsico GA. Vias de acesso em cirurgia. In: Marques RG, editor. Tecnica operatoria e cirurgia experimental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 401-07. 2- Margarido NF. Laparotomias. In: Utiyama EM, Rasslan S, Birolini D, editores. Procedimentos basicos em cirurgia. Sao Paulo: Manole; 2008. p. 52-74. 3- Aun F, Birolini D. Critical maneuvers in trauma surgery. Aun F, Birolini D, editores. Sao Paulo: Editora Pedagogica e Universitaria Ltda; 1982. 4- Simoes JC. Tecnica operatoria e cirurgia experimental. Simoes JC, editor. Curitiba: Ediame; 2000.