ALIENADOS DA COLÔNIA A história dos alienados da ass

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ALIENADOS DA COLÔNIA1
A história dos alienados da assim chamada Colônia Ijuí tem relação com as lidas da terra.
Os primeiros que para cá vieram estavam em busca de um lugar para se fixarem, as promessas do
governo não foram cumpridas, à exceção dos 25 hectares de terra distribuídos para cada família.
Sem o apoio do Estado, restou o suporte de um para com os outros, o que produziu um forte laço
de cooperação, marca dos que residem por aqui (fundação de cooperativas, associações
comunitárias, entre outras). Dessa forma, a relação com o outro é ambivalente. Por um lado, ele
faz semblante, dá sustentação intrasubjetiva, e por outro, por se viver numa região de fronteiras,
era necessário mantê-la para que não houvesse invasões; nessa situação, o outro é ameaçador.
Ao pai era destinada a terra para prover o sustento dos seus. A organização da família gira
em torno da figura paterna, a qual é referência una de ordenação do convívio. Dessa maneira,
podemos fazer uma incursão no tempo e referir como acontecia o processo de alienação na
Colônia, ou seja, como se produzia a loucura nesse momento da história.
O trabalho era muito duro, penoso, braçal, árduo, sendo que aquele que não se submetia
às leis do pai para dar embate à natureza ficava à margem (posição fronteiriça) do processo que
dava um lugar de subjetivação naquele contexto. Assim, era tênue aquilo que garantia um lugar
simbólico, pois este se constituía na fixidez da terra e da rigidez da posição paterna.
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HEIDEMANN, Nilson. Professor do Curso de Psicologia da UNIJUI. Especialista em Psicologia.
Psicólogo.
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A exemplo disso, Vera Mirom, em sua tese de doutoramento, “Loucos, nervosos e
esquisitos”, relata situações em que aqueles que não se submetiam à ordem das coisas, eram
castigados, às vezes em suas famílias e, em outras ocasiões, pelos agentes do INCRA (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Os ‘castigados’ serviam de exemplo para que não
se subvertesse a ordem. Os punidos, que ficavam de fora ou fora de si, “sem fronteiras”, eram
enviados/endereçados para o manicômio/hospital São Pedro, em Porto Alegre/RS.
A peculiaridade deste encaminhamento era de que ele se efetivava pelo Intendente e,
posteriormente, pelo Prefeito, até a década de 60. A referência era a um assim como ao pai, ao
Intendente, ao Prefeito, e ao Psiquiatra, na casa dos loucos. Lugar este em cujo nome São Pedro
encontramos o significante que remete ao nome da província e ao guarda da porta celeste, a este
endereçados aqueles que não se submetem às leis da “terra”.
O alienado, a propósito da época, ainda influenciado pelas concepções de Pinel, era
recluso para o seu tratamento. Quando não havia vagas para ele no Hospital Psiquiátrico, ficava
no Presídio Municipal até conseguir um leito no manicômio. Seu translado era de trem, em que
havia um vagão específico para este fim, nominado de “vagão dos loucos”.
A estada no Hospital, na maioria das vezes, não tinha retorno, o que foi determinando
uma superlotação, que chegou a mais de 5.000 (cinco mil) pacientes na década de 60. Duas
questões se colocam neste período para manter os alienados do Estado: uma de ordem econômica
e outra de espaço físico. Os tratamentos têm uma passagem da contenção mecânica dos surtos
para a intervenção com psicofármacos, isto mais sistematicamente a partir da década de 60,
quando o Estado promove um treinamento com os médicos através da Vigilância Sanitária para
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administrar a terapêutica medicamentosa nos doentes mentais, objetivando esvaziar o manicômio,
manter os doentes em seus Municípios de origem para conter os gastos públicos, já que os
medicamentos em muitas situações continham os surtos.
Observaremos que a partir desse momento, somente a relação médico-paciente não
sustenta o objetivo do Estado no campo da saúde mental, por sua vez, também os pacientes não
davam seqüência aos seus tratamentos, e as famílias acabavam não assumindo os tratamentos e os
pacientes. Então, na década de 70, o serviço de enfermagem começa a organizar o reagendamento
destes pacientes para ter um controle sobre a continuidade dos tratamentos; uma organização
mínima começa a partir daí.
Somente nos anos 80, a cidade recebe um Psiquiatra, o qual trabalha na Secretaria do
Estado e sistematiza um trabalho mais específico na área. O Município assume o trabalho na
saúde mental na década de 90, quando realiza concurso público para a contratação de um
Psiquiatra e estrutura um ambulatório com uma equipe de profissionais da área de enfermagem e
funcionários de nível médio, nesta mesma década, neste ambulatório, o Curso de Psicologia
inicia estágios em Psicopatologia e subseqüentemente em Psicologia Clínica; também, estágios
do Curso de Enfermagem.
Em 1998, dentro do Movimento da Reforma Psiquiátrica, o CAPS inicia suas atividades,
ainda apresentando o modelo ambulatorial como possibilidade de atendimento aos usuários. Isso
vem se reposicionando e abrindo espaço para uma clínica multidisciplinar/transdisciplinar. Essa
instituição, produto da história da saúde mental em Ijuí, apresentada anteriormente, está
atravessada pelas questões cuja referência ao psicopatológico dá um lugar ao alienado, que tem
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suas dificuldades de estabelecer as fronteiras, o dentro e o fora de si. Assim, tanto as formas de
tratamento, quanto os sujeitos em sofrimento psíquico, não têm mais parâmetros fixos,
positivado; pois se entende que a organização sócio-político produz efeitos no processo de
estruturação dos sujeitos e na forma como estes se representam no mundo. Nestes tempos de
globalização, os estatutos que estabelecem os lugares são suspendidos; assim, não vemos o uno
como única referência. No campo da saúde mental, também há concepções distintas de organizar
paradigmas tanto nosológicos como nosográficos e institucionais para aqueles que buscam
tratamentos.
Neste histórico, constata-se um movimento que acompanha a história da saúde mental.
Também verificamos a presença do discurso universitário na saúde mental de Ijuí, seja pelo
Curso de Enfermagem, seja pelo Curso de Psicologia. Acreditamos que, também, devido a isso
há um deslocamento na própria concepção e intervenção na saúde mental. Após esse breve relato,
em que constatamos a forte presença do poder público na história dos alienados em Ijuí, em cada
época percebem-se avanços ou retrocessos.
1 Nilson Heidemann – Professor do Departamento de Filosofia e Psicologia
Especialista em Psicanálise na Cultura, Saber e Ética (UNIJUI)
Membro do EEPI
Coordenador do CAPS de Ijuí
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