sumário artigos originais água de qualidade: por que uns

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SUMÁRIO
ARTIGOS ORIGINAIS
ÁGUA DE QUALIDADE: POR QUE UNS TÊM, OUTROS NÃO?
QUALITY WATER: WHY DO A FEW HAVE ACCESS TO IT, WHILE OTHERS
DON’T?
Ana Piterman; Josélia Márcia Carvalho; Rosângela Maria Greco
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E SANEAMENTO AMBIENTAL NA
MELHORIA DA SAÚDE NOS MUNICÍPIOS DA ZONA DA MATA DO ESTADO
DE MINAS GERAIS, BRASIL
Primary Health Care and environmental sanitation in improving health in the Zona da
Mata region of the state of Minas Gerais, Brazil
Júlio César Teixeira, Maíra Crivellari Cardoso de Mello, Carlos da Costa Ferreira
A CORRELAÇÃO DO CÂNCER DO COLO UTERINO COM O PAPILOMAVIRUS
HUMANO
The correlation between Cervical Cancer and the
Human Papilloma Virus
Aline Campos Gonçalves Almeida; Adriana Takamatsu Sakama; Rosângela Galindo de
Campos
MOTIVOS REFERIDOS PARA ABANDONO DE TRATAMENTO EM UM
SISTEMA PÚBLICO DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Referred reasons for treatment dropout in a Public Mental Health Care System
Mário Sérgio Ribeiro; José Luís da Costa Poço
NOMENCLATURA BRASILEIRA PARA LAUDOS CERVICAIS E CONDUTAS
PRECONIZADAS: RECOMENDAÇÕES PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Brazilian nomenclature for cervical reports and recommended conduct:
recommendations for health professionals
Fátima Meirelles Pereira Gomes; Giani Silvana Schwengber Cezimbra; José Antonio
Marques ;Jurandyr Moreira de Andrade; Lucilia Maria Gama Zardo; Luiz Carlos
Zeferino; Marco Antonio Teixeira Porto; Maria Fátima de Abreu; Neil Chaves de
Souza;Olímpio Ferreira Neto.
TRAUMA MAMILAR E A PRÁTICA DE AMAMENTAR: ESTUDO COM
MULHERES NO INÍCIO DA LACTAÇÃO
Nipple trauma and breast-feeding: a study of women in the early stages of lactation.
Aida Victoria Garcia Montrone; Cássia Irene Spinelli Arantes; Ana Carolina S. Nassar;
Thaisa Zanon
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EXPERIMENTANDO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE EM
DIFERENTES SABERES
Constructing understanding based on different kinds of knowledge
Vera Joana Bornstein
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
A BUROCRACIA E OUTROS ATORES SOCIAIS FACE AO PROGRAMA DE
SAÚDE DA FAMÍLIA: ALGUNS APONTAMENTOS
Bureaucracy and other social agents and their role in the Brazilian Family Health
Program
Flavio A. de Andrade Goulart
ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES EM SAÚDE BUCAL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE
DA FAMÍLIA: AÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS BASEADAS EM
DISPOSITIVOS RELACIONAIS E INSTITUINTES.
Organization of oral health actions in the Family Health Strategy: individual and
collective actions based on relational and self-transforming arrangements.
Adriano Maia dos Santos
Editorial
2006: dez anos do NATES!
No ano de 2006 estamos comemorando os 10 anos do NATES! Muito trabalho e muitas
conquistas são motivos para essa comemoração. E dentre essas está nossa Revista de APS, que
agora integra os periódicos avaliados pelo programa Qualis da CAPES, com a classificação C
Internacional. A aprovação do mestrado em Saúde Coletiva da UFJF pela CAPES é o resultado do
investimento dessa universidade, onde o NATES tem papel fundamental na construção de espaços
que tematizam o campo da Saúde Coletiva. Hoje essas conquistas são visíveis nas pós-graduações
strictu sensu e latu sensu: Especialização em Saúde da Família e Saúde Coletiva, Residência em
Saúde da Família e Mestrado em Saúde Coletiva, que está em processo de seleção para sua primeira
turma. Tudo isso só é possível com as parcerias, internas e externas, que são uma marca registrada
nesses dez anos de trabalho do NATES.
Nesse contexto, a Revista de APS se fortalece ainda mais, pois passa a ser um veículo
também dedicado à transmissão do conhecimento científico gerado nesse espaço de formação.
Este número demonstra que a Revista de APS tem aumentado sua abrangência em todo o
Brasil, trazendo aos leitores artigos originais e de atualização, bem como relato de experiência com
temática diversificada, como é a APS, de vários estados brasileiros. Destacamos a publicação, neste
número, da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas:
recomendações para profissionais de saúde, orientando-os sobre o que há de mais atual na questão
da saúde da mulher.
Finalizando mais um ano de trabalho, esperamos que novas conquistas possam fortalecer
cada vez mais nosso periódico e assim continuarmos contribuindo para uma Atenção Primária à
Saúde de qualidade em nosso país.
Neuza Marina Mauad - CRMMG 25812-1T
Editor Geral da Revista de APS
ÁGUA DE QUALIDADE: POR QUE UNS TÊM, OUTROS NÃO?
QUALITY WATER: WHY DO A FEW HAVE ACCESS TO IT, WHILE
OTHERS DON’T?
Ana Piterman Gerência Regional de Saúde – São João Del Rei – Secretaria Estadual de Saúde de
Minas Gerais. ¹
Josélia Márcia Carvalho Secretaria Municipal de Saúde São João Del Rei. ²
Rosângela Maria Greco Faculdade de Enfermagem da UFJF. ³
Resumo
Este trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa sobre o tema da qualidade da água
oferecida para a população em municípios de menor porte. Buscou-se conhecer as
formas de gestão, os interesses subjacentes e os conflitos inerentes à administração
pública. O caráter social e o binômio saúde-saneamento surgiram de demandas
principalmente econômicas, ou seja, as doenças não desejáveis deveriam ser suprimidas
para um melhor desempenho do setor econômico; sendo este um fator preponderante
para a origem das políticas públicas de implementação dos sistemas de abastecimento
de água no mundo e no Brasil. A água representa um bem público mas os serviços
prestados pelas companhias de saneamento têm um custo econômico repassado aos
usuários, uma contradição que se traduz em conflito de interesses. A portaria MS nº.
518/2004 (BRASIL, 2004) obriga as três esferas do governo a implantar, manter e
realizar a vigilância da qualidade da água ofertada para a população nos parâmetros de
potabilidade (análises físicas, químicas e biológicas). A qualidade de água para o
consumo humano é um dos aspectos fundamentais para a consolidação da organização
efetiva da Atenção Primária à Saúde (APS).
Palavras-Chave: Água. Abastecimento de Água. Água Potável. Qualidade da Água.
Consumo Público de Água.
1
Cirurgia Dentista – Mestranda em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos – UFMG.
Referência Técnica em Vigilância Sanitária e Epidemiológica - Gerência Regional de Saúde – São João
Del Rei – Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Endereço: Gerência Regional de Saúde - São
João Del Rei. Coordenadoria Epidemiologia. Av. HermínioAlves nº 234/sala 308 Cep 36.300-000 Tel
(32) 3371 8849 E-mail: [email protected]
² Economista – Especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde – UFJF. Funcionária Recursos
Humanos – Prefeitura de São João Del Rei.
³
Enfermeira, Professora, Doutora do Departamento de Enfermagem Básica da Faculdade de Enfermagem
da UFJF.
Abstract
This paper studied aspects related to the quality of the water supply in small and
medium sized towns. We examined the forms of management, underlying interests and
conflicts inherent to public management. The social character and the health-sanitation
binomial of the water supply arose from mainly economic demands; in other words,
undesired diseases should be controlled so that the economic sector can perform better.
This is a preponderant factor in the origin of public policy towards water supply
systems in Brazil and throughout the world. Water represents a public good; however,
the services provided by sanitation companies have an economic cost that is passed on
to consumers. This is a contradiction that results in a conflict of interests. Health
Ministry Administrative Rule No. 518/2004 requires the three branches of government
to implement, maintain and ensure that water supplied to the population complies with
potability standards (in terms of physical, chemical and biological analyses). The
quality of the water supplied for human consumption is one of the fundamental aspects
for consolidation of effective organization of Primary Health Care.
Key Words: Water. Water Supply. Potable Water. Water Quality. Public Water
Consumption.
INTRODUÇÃO
A água é o mais importante alimento para a vida humana e tanto sua qualidade
quanto a quantidade necessária são fatores determinantes para o binômio saúde/doença
do homem. As doenças de veiculação hídrica transmitidas para o ser humano são em
maior parte causadas por microorganismos (vírus, bactérias, protozoários e helmintos) e
por doenças relacionadas com vetores que utilizam à água como meio de reprodução.
(BRASIL, 2002).
Um motivo de preocupação do poder público são: os locais onde há carência ou
precariedade de sistemas coletivos de abastecimento de água com tratamento adequado.
A população recorre a diversos mananciais de água, vulneráveis à presença de
contaminantes. Além disso, estas localidades geralmente são de difícil acesso para os
agentes de saúde. As ações de educação e prevenção em saúde tornam-se insuficientes
resultando freqüentemente em doenças que poderiam ser facilmente evitadas.
O desenvolvimento desta análise se justifica frente à importância de uma política
de implementação de sistemas de abastecimento de água e tratamento adequado, pois
isto contribui como um dos fatores determinantes para uma população saudável. Esta
simples medida é suficiente para diminuir o número de mortalidade infantil por diarréia
e melhorar a qualidade de vida dos habitantes além de reduzir os gastos públicos
destinados à saúde. Uma população com acesso ao saneamento repercute na vida social
e econômica de um país, criando uma maior possibilidade de gerar riquezas.
O fortalecimento da cidadania e dos movimentos sociais ocorridos na década de
80, resultante de um conjunto de embates políticos e ideológicos marcados pela crise
político-institucional e financeira do país, determinou uma nova Constituição no país
(BRASIL, 1988). Esta estabeleceu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS),
propondo um novo modelo de organização da atenção e nova lógica de financiamento
do setor de saúde no país. Um dos seus princípios estabelece ser a saúde um direito de
todos e dever do Estado e amplia o conceito de saúde ao definir os elementos
condicionantes da saúde incorporando o meio físico (condições geográficas, água,
alimentação, habitação), o meio socioeconômico e cultural (emprego, renda, educação,
hábitos) e a garantia de acesso aos serviços de saúde (ROSENFELD, 2000).
A investigação dos fatores de risco, abrangendo a determinação de doenças
infecto-contagiosas de veiculação hídrica predominante em populações urbanas e rurais
que não tem acesso a água tratada, vem provocando uma mudança de estratégia de ação
no campo da Saúde Pública.
Essa modernização se dá tanto pela ampliação e
diversificação de seu objeto quanto pela incorporação de
novas técnicas e instrumentos de geração de informações e
organização das intervenções sobre danos, indícios de danos,
riscos e condicionantes e determinantes dos problemas de
saúde (PAIM apud ROSENFELD, 2000, p.51).
O Brasil, no momento, experimenta grandes transformações e dificuldades
devido ao aumento de complexidade que os problemas apresentam, especialmente nas
esferas social, política e econômica. As demandas sociais, tais como a saúde e
educação, sofrem uma escassez de recursos, e o setor saneamento e políticas de infraestrutura idem, repercutindo desfavoravelmente na qualidade de vida da população.
Os municípios de menor porte têm dificuldades de efetivar uma política de
saneamento adequada à sua população. Entendemos que o saneamento é acima de tudo
uma ação de saúde pública, pois o conceito saúde deve incorporar novas realidades que
compreendam tanto os determinantes dos problemas como as possibilidades de sua
resolução pelos atores políticos e institucionais.
O poder executivo e o poder legislativo municipal nem sempre convivem em
harmonia refletindo nas políticas adotadas ou na ausência desta. Também existe uma
dificuldade decorrente da carência ou insuficiência de informações sobre a necessidade
e importância de execução de políticas de saneamento adequado previsto em leis
federais. As políticas públicas no setor saneamento sofrem limitações impostas pelas
exigências de superávit, pela lei de responsabilidade fiscal, além da pressão crescente de
demandas sociais, demográficas e do setor saúde. No atual quadro o saneamento é ainda
percebido como gasto e não como investimento público de infra-estrutura e políticas
sociais.
Através de várias visitas aos municípios com jurisdição na Gerência Regional de
Saúde (GRS) de São João Del Rei, foi verificada a dificuldade dos gestores de
efetuarem ações de vigilância da qualidade da água, conforme a Portaria MS 518/2004
(BRASIL, 2004). Esta obriga todos os municípios a adotarem um sistema de
abastecimento de água eficaz que contemple suas normas para garantir uma melhoria da
qualidade de vida e a manutenção da saúde humana.
Esta pesquisa propõe analisar as ações dos gestores inseridas na conjuntura das
políticas públicas de saúde e saneamento, a relação da qualidade da água com a saúde,
além das dificuldades e facilidades destes em introduzir e manter os sistemas de
abastecimento de água em condições adequadas, como preconiza a Portaria nº 518/2004
(BRASIL, 2004), para garantir a qualidade de vida da população.
ABORDAGEM METODOLÓGICA
O estudo sobre o tema da qualidade da água foi realizado em três municípios na
região das Vertentes, situada ao centro sul de Minas Gerais. A abordagem metodológica
utilizada consistiu em uma pesquisa de campo e análise documental.
Estes municípios foram escolhidos pela proximidade geográfica e suas
disparidades em tratar o assunto da vigilância da água. Um dos municípios possui um
sistema de abastecimento de água precário. A captação da água provém de poços
artesianos; esta é canalizada, armazenada em uma caixa de água pública e distribuída
para a população sem tratamento adequado; denominaremos este de município “A”.
O outro município apresenta um sistema intermediário, ou seja, possui um
sistema de abastecimento estruturado. No entanto, este sistema de abastecimento de
água não obedece criteriosamente às normas da portaria (BRASIL, 2004) que estabelece
um controle e vigilância na qualidade da água fornecida através de exames físicoquímicos e bacteriológicos; neste estudo será denominado município “B”.
O outro município escolhido obedece a todos os critérios da portaria e possui um
sistema de abastecimento de água estruturado e eficiente; será nomeado município “C”.
Selecionamos para as entrevistas, em cada um dos municípios estudados, um
representante do sistema de abastecimento de água, dois representantes do poder
executivo municipal e um representante do poder legislativo municipal.
Como instrumentos para coleta de dados foram utilizados uma entrevista semiestruturada gravada e transcrita e a análise documental.
Nas entrevistas foram realizadas algumas perguntas relacionadas ao tema e que
permitiam aos participantes relatarem de forma espontânea as ocorrências relacionadas
à implantação do sistema de abastecimento de água de seu município.
A análise das entrevistas foi realizada através da leitura exaustiva das respostas,
que possibilitou relacionar as dificuldades vivenciadas pelos municípios e relatadas
pelos entrevistados.
Optou-se por realizar uma análise temática, pois conforme Minayo (1993), esta
consiste em desvendar o âmago do sentido que compõe uma interlocução e cuja
presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado, ou
seja, a análise temática encaminha-se para a contagem de freqüência das unidades de
significação como definitórias do caráter do discurso. E ainda, segundo Unrug apud
Minayo (1993, p.209), “uma unidade de significação complexa de comprimento
variável, a sua validade não é de ordem lingüística, mas antes de ordem psicológica.
Pode constituir um tema tanto uma afirmação como uma alusão”.
A análise documental ocorreu em dois (02) momentos. No primeiro momento,
relacionaram-se os documentos que diziam respeito à implantação do sistema, como as
leis e portarias que regem o mesmo, bem como os documentos de análise da água
disponíveis nos municípios, e também foi analisada a Portaria MS nº518/2004
(BRASIL, 2004). Em seguida foi realizada uma análise comparativa dos sistemas de
abastecimento de água relacionando os três municípios visitados. E finalmente, ao
término da análise, foram agrupados os depoimentos em razão dos temas abordados
para melhor compreensão dos dados obtidos.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Estrutura e funcionamento das políticas de saneamento adotadas pelos
municípios estudados.
No município A, o saneamento básico da zona urbana pode ser considerado
como sendo do tipo parcial, pois o sistema de abastecimento de água é do tipo
alternativo sem tratamento; além disso, o sistema de esgotamento sanitário e a coleta e
disposição de resíduos são inadequados. A captação da água provém de poços
artesianos e esta é distribuída in natura através de canalização pelo serviço público
municipal.
O esgotamento sanitário é conduzido através de uma rede para fossas coletivas
distribuídas estrategicamente pela área urbana, não recebendo também nenhum
tratamento.
Em relação aos resíduos sólidos urbanos há coleta parcial, isto é, em dias
alternados. Estes resíduos são depositados em áreas denominadas “lixões a céu aberto”,
na periferia da cidade, sem nenhuma disposição adequada.
Assim sendo, a estrutura de saneamento básico deste município é fragilizada,
mas vem sendo discutida a possibilidade de se instituir um sistema mais satisfatório.
No município B, existe um sistema de abastecimento de água estruturado criado
pela lei do município sob o nº 949, em 15 de setembro de 19671. Porém, este sistema
ainda deixa a desejar quanto ao monitoramento e vigilância da qualidade da água, pois
não atende totalmente às normas da Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2004). Há uma discussão no município, através dos poderes executivo e
legislativo e consulta à população, sobre o destino deste departamento, pois o mesmo
atende parcialmente às exigências vigentes. A administração tem dúvidas quanto à
forma de administração, isto é, se o departamento de saneamento deveria continuar
sendo uma autarquia municipal ou se seria mais conveniente terceirizar o serviço de
água e esgoto e passá-lo para uma administração pública e/ou privada.
O esgotamento sanitário atende parcialmente à demanda do município e
necessita urgentemente de recursos financeiros para a sua ampliação e melhoria,
principalmente em bairros novos e periféricos. O resíduo sólido urbano coletado
também é depositado em áreas denominadas “lixões a céu aberto”. Todavia está sendo
discutida a possibilidade de instalação de um aterro sanitário, através de uma parceria
entre os governos municipal e federal.
No município C, o sistema de abastecimento de água é terceirizado para uma
empresa pública mista que opera no local. No momento, está se ampliando a rede de
esgoto da cidade. O serviço público de coleta para resíduos sólidos urbanos tem uma
maior organização e existe no município um aterro controlado.
Buscando os conceitos e significados em relação às políticas de implantação dos
Sistemas de Abastecimento de Agua
Ao proceder a leitura das entrevistas, foi possível agrupar em temas, os quais
emergiram das falas dos entrevistados. São eles: Relação Saneamento Saúde, Qualidade
da Água, Papel do Gestor, Participação e Informação à População e, ainda, Dificuldades
e Facilidades para Implantação do Sistema de Abastecimento de Água.
Relação saneamento saúde
As atividades típicas dos serviços de saneamento podem ser definidas como
medidas destinadas a controlar e prevenir doenças de uma determinada população. Estas
ações são realizadas através de técnicas específicas que permitem preservar ou
modificar o ambiente visando uma melhoria da qualidade de vida humana. O
saneamento básico assim compreendido tem vários componentes, tais como medidas de
adequação para o fornecimento de abastecimento de água, esgotamento sanitário, planos
de gerenciamento de resíduos urbanos e sua real efetivação e drenagem pluvial
adequada. Estes são bases para a construção dos denominados “indicadores sanitários”.
Um indicador muito utilizado, segundo Pereira (2001), é a proporção da população que
dispõe de um sistema adequado de abastecimento de água, de eliminação de dejetos e a
coleta regular do lixo. Sabemos que a qualidade da água distribuída é muito importante
para medir o nível de saúde da população e, para permitir esta vigilância, é necessário
possuir um sistema de abastecimento adequado no município.
1
As autoras optaram por não colocar a referência da lei para evitar a identificação do município.
As entrevistas foram iniciadas com a pergunta sobre o vínculo entre saneamento
e saúde. Nos parágrafos seguintes, procura-se dar conta do modo como os entrevistados
perceberam esta relação.
O sujeito A2 relata que a saúde deve ser prioridade para que se estruture o
sistema de abastecimento de água. Destaca que o município “tem um alto índice de
diarréias e cáries. Todos estão empenhando-se para que se construa um sistema de
abastecimento de água adequado para diminuir o índice de internações e doenças”.
Completa ainda afirmando que está nesta luta há dez anos e tem feito um trabalho
inclusive nas escolas municipais para esclarecimento da população.
O sujeito B2 igualmente percebe uma relação importante entre saúde e
saneamento que, segundo ele, “[...] é um problema que a administração tem o dever de
resolver”. Exemplifica sobre os detritos de esgoto que é jogado no meio ambiente de
forma agressiva causando danos a este. Além disso, afirma que a maioria dos bairros
periféricos não conta com uma rede de esgoto compatível.
“[...] pois, se fizer um sistema de abastecimento de água adequado, a saúde será
beneficiada, porque irão acabar as verminoses, xistoses e uma série de doenças
provocadas pela ausência de saneamento. Então, os recursos gastos pela secretaria
de saúde nestas doenças serão direcionados para outras coisas[...]”.
Este exemplo denota uma preocupação nos gastos com a saúde que poderiam ser
menores em função de uma política de saneamento adequada.
O sujeito B3, apesar de perceber a existência de uma relação entre os serviços de
saneamento e saúde, considera que administrativamente o gerenciamento do
saneamento é direcionado apenas pelo órgão pertinente.
“Acho que existe uma relação entre saneamento e saúde, mas o departamento do
sistema de abastecimento de água caminha sozinho e independente. A Secretaria de
Saúde, o Centro Regional de Saúde possuem laboratório próprio, as próprias coisas
deles, não dependem nada disso. Todo mundo, pelo que vejo, nunca teve vinculação
com nenhuma área da saúde [...]”.
Para o sujeito C1 é muito importante o saneamento para a saúde, pois a água
tratada é fundamental para evitar algumas doenças.
O monitoramento ambiental da água para o consumo humano é uma parte
importante da Saúde Pública e é essencial que os gestores e autoridades públicas
percebam a relação entre saneamento e saúde. Podemos observar que na concepção
abrangente da vigilância à saúde, o objeto das ações de saúde caminha no sentido de
transformar o papel das políticas públicas intersetoriais, da participação comunitária e a
criação de ambientes e estilos de vida saudáveis (BRASIL, 2002).
Qualidade da água
Os profissionais de saúde sabem que o provimento da água em quantidade e
qualidade adequada é a medida básica para a promoção e prevenção das doenças.
A qualidade da água é estabelecida pelos órgãos de saúde pública como padrões
de potabilidade sob os aspectos físicos, químicos e biológicos. As comunidades,
também devem dispor de quantidade suficiente para diversos usos. Sua escassez poderá
influir na saúde humana.
Grande parte dos municípios brasileiros de pequeno porte conta com um sistema
de abastecimento precário ou inadequado prejudicando a vigilância e o monitoramento
da água que é distribuído para a população (ROUQUAYROL; ALMEIDA, 1999).
Segundo as entrevistas coletadas no município A, a qualidade da água é “muito
boa” conforme pode ser ilustrado pelas falas a seguir. O sujeito A1 diz: “a água daqui é
muito boa” e ainda colocou a importância do tratamento da água refletindo na área da
saúde, mas em sua visão:
“A água sai limpa, não tem micróbios. Se você pegar a água lá na saída dela, não
tem micróbio nenhum, não tem nada, não atrapalha nada a saúde. Mas para ela vir
para a caixa ela vem com encanamento, aí ela polui... o tratamento tem que ser nas
caixas para entregar a água limpa para o povo. No caminho ela pega micróbios, mas
no poço sai limpinha”.
Nesta interlocução podemos inferir que apesar do sujeito achar que se deve
tratar a água das caixas, não considera que haja esta necessidade para a água consumida
diretamente do poço, denotando aí uma contradição. Para ele é mesmo necessário, de
fato, tratar a água?
Por outro lado, alguns entrevistados disseram que a água, para ser de boa
qualidade, tem necessidade de tratamento, como relata o sujeito B4:
“[...] a água deve ser de qualidade, uma água tratada, livre de bactérias, com pureza.
O acompanhamento, uma pesquisa laboratorial é muito importante. Tudo isso se
resolveria pela vontade política de realizar este trabalho e colocar o sistema para
funcionar”.
Outro entrevistado, como o sujeito B2, explicitou que a água do município é
muito boa, porém sua preocupação é com o fato dela não ser fluoretada. Ainda, segundo
ele, as análises da água apontam problemas, deixando a desejar.
O sujeito B3 relata que: “a água do município é de muito boa qualidade, pelo que
percebo relacionando com os outros municípios do Estado de Minas Gerais. Esta água tem
certa pureza, além de ser um município muito rico em manancial, lençol freático, enfim, em
reserva de água”.
Acha que a cidade é muito agraciada pela natureza neste sentido. Este discurso
demonstra uma preocupação em justificar que apesar do seu município não seguir
completamente as normas de tratamento da água, esta apresenta certa pureza, é de muito
boa qualidade e ainda há uma oferta ostensiva, o que abonaria qualquer intervenção.
Os entrevistados do município C relataram que foi muito boa a implantação do
sistema de abastecimento de água, pois anteriormente a água faltava muito, causava
doenças e não era fluoretada.
Papel do Gestor
É essencial que as autoridades públicas se envolvam no processo de efetivação e
manutenção dos sistemas de abastecimento de água. A medida de controle da qualidade
da água oferecida à população é um importante fator de prevenção de doenças. Muitas
vezes, o gestor não tem uma consciência clara do seu papel público, isto é, as demandas
vão muito além da pasta que administra. As abordagens dos serviços devem ser
transsetoriais para alcançar os objetivos propostos, pois os recursos são escassos,
pulverizados e as demandas são complexas.
Os entrevistados dos municípios B e C abordaram o papel do gestor na
ingerência em relação ao processo de planejamento e manutenção das políticas públicas
de saneamento.
O Sujeito A1 observa que a população, muitas vezes, não tem consciência de seu
papel e deveria apoiar o poder executivo para tranqüilizar o administrador e tirar certas
responsabilidades. O administrador tem um papel transitório e o cidadão é um ator
permanente do cenário. A população está sendo esclarecida através de debates e
discussões sobre o tema.
O sujeito B2 abordou que o gestor de saúde deveria ter uma participação mais
ativa nesse caso, principalmente no abastecimento de água. Mas, como é uma cultura da
região, especificamente da cidade e dos órgãos públicos municipais, não há
entrosamento necessário e não sabe definir se é por ciúme ou vaidade.
O sujeito B3 explicou que o sistema é uma grande autarquia e tem potencial para
atender bem à população. “Acho que o problema se deve à má administração, deveria
ter um enxugamento no quadro de pessoal para ter mais reserva de caixa”.
Além disso, é necessário fazer alguns investimentos para a melhoria do sistema.
E ainda, segundo o depoente, é fundamental procurar parcerias com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BIRD). O tratamento de esgoto também é uma
demanda importante de que, infelizmente, o município carece, sendo importante
inclusive para a saúde pública.
O sujeito B4:
“O gestor de saúde é fundamental neste processo. Ele deve ter o conhecimento
de tudo que acontece neste meio, pois se ocorrer uma epidemia, uma virose, ele
precisa conhecer a causa que, certamente, está na questão do mau uso da água,
na questão do esgoto. Você consegue identificar, por exemplo, a causa do
problema ao invés de ficar atacando somente as conseqüências”.
O sujeito C1 também aponta o tema relatando que: “o papel do gestor é, com
certeza, muito importante para melhorar a saúde do município e um dos fatores é o
saneamento”.
Participação e informação à população
Outro tema abordado foi a participação e informação à população sobre qual é a
política adotada em seu município sobre o sistema de abastecimento de água.
O sujeito B2 acha que a população deve ser sempre muito bem informada, deve
entender que a implantação de outro sistema é uma mudança para melhor. Reclamou
que na sua própria casa há interrupção de água das 14 horas até a 0 hora todos os dias e
quando há uma pane no sistema costuma ficar sem água até três dias. Por isso, tudo
deve mudar.
O sujeito A4 entende a legislação sobre o tratamento da água como um entrave,
devido ao fato de que os municípios menores não têm condições de cumprir suas
exigências rigorosas. Em primeiro lugar, o governo federal deveria contribuir para
estruturar o município através de repasses de verbas específicos para o setor e ainda,
implementar um trabalho para a conscientização da população quanto à importância de
uma água de qualidade para o consumo humano, pois o desconhecimento sobre o
assunto ainda é um grande entrave.
Acha que a comunidade deveria ser disciplinada e demonstrar o custo/benefício
do tratamento da água. “O que adianta jogar para o poder público essa
responsabilidade a ponto desta não poder ser atendida por absoluta falta de recursos?
A comunidade está sempre expandindo e dia após dia há um aumento de construções de
habitações, pressionando uma ampliação do número de ligações de água e a
capacidade de atender a estas solicitações é precária”.
Facilidades e dificuldades para estruturação do Sistema de Abastecimento de Água
As facilidades e dificuldades encontradas estão em estreita relação com os outros
aspectos abordados anteriormente como a clareza do papel público que o gestor exerce e
o grau de participação e informação da população e seu envolvimento nas políticas
públicas.
Uma das dificuldades apresentadas para a inserção de um Sistema de
Abastecimento de Água adequado pela população no município é a inclusão dos custos
como, por exemplo, a fala do sujeito A1: “a população tem dificuldade em aceitar a
concessão do sistema porque isto traria um custo”.
O depoente também se preocupa com a dificuldade do município em suportar
financeiramente um sistema municipal que atenda a portaria MS nº518/2004 (BRASIL,
2004). Há o custo dos funcionários, da energia elétrica, a rede de esgoto e o tratamento
de água. Não há cobrança de tarifas da população pelo consumo da água, onerando
ainda mais o poder público. Nos distritos, a situação é ainda mais preocupante, pois a
administração municipal não consegue tratar a água consumida pela comunidade. A
maioria utiliza a água in natura. Segundo seu depoimento, a população só reclama
quando há falta de água, isto é, é exigente quanto à quantidade disponível de água e não
quanto à qualidade da água consumida.
Pode-se depreender que há um conflito sobre quem vai arcar com o custo da
distribuição e do tratamento da água. A população tem uma preocupação apenas com a
disponibilidade e quantidade da água, quer estar desobrigada deste encargo. Por outro
lado os municípios que contraíram estes custos para si percebem que não suportam estes
encargos da maneira que as leis estão exigindo. Então, como resolver este impasse ?.
O sujeito A4 analisou a situação sob o prisma econômico e propõe uma solução
para esta questão. Em sua opinião, o município deveria ter um sistema suficiente de
arrecadação para investir na infra-estrutura. Um fator é correlacionado ao outro. Acha
que deveria ser criado um sistema de transferência voluntária ou o repasse do Fundo
Participação Município (FPM) ser maior para atender as prioridades emergenciais e
necessidades básicas para a melhoria na qualidade de vida da população.
Explicou que a sociedade deveria ser mais participativa de modo a atingir, com o
poder público, um objetivo comum.
Outra dificuldade apontada é a interferência política, como explica o sujeito C1:
“Acho que o político tem preguiça de enfrentar a burocracia das papeladas para
conseguir recursos para o saneamento”.
O sujeito B3 ressaltou que o sistema de abastecimento de água não é muito
moderno, senão precário. Acha que o departamento responsável pelo sistema, possui
uma estrutura arcaica, a tubulação é antiga e nem todas as residências são atendidas.
Para ele o sistema deveria ser remodelado.
O sujeito B3 também apontou algumas dificuldades para a modernização do
sistema de abastecimento de água, como a cultura no município de incentivar isenções
na taxa de água e esgoto. Este é um recurso muito utilizado pelos políticos em suas
campanhas para obtenção de votos, o que onera o sistema que necessita de recursos para
investimentos. Além disto, há um incentivo para os indivíduos inadimplentes que
“sempre se dá um jeitinho” para no final de cada ano as contas serem abonadas. Há uma
suspeita forte de que o Departamento Municipal de Água e Esgoto seja utilizado como
barganha de votos em troca da isenção da taxa em épocas de campanha eleitoral. Outra
dificuldade relatada foi a de que não há um trabalho de conscientização da população
sobre a finalidade do pagamento das taxas em dia.
O sujeito B2 considera que o sistema “não está legal, não está bem”, porque não
há um acompanhamento técnico. Abordou as dificuldades encontradas para a
elaboração de um sistema de abastecimento de água adequado. Dentre outras, segundo
ele, “a principal é política”, pois há um entrave político, não havendo interesse
governamental para a resolução do problema. Outra questão apontada é que: “a
população não é bem informada” e percebe qualquer empresa que queira assumir o
processo “como um bicho de sete cabeças”, que vai cobrar uma taxa muito alta. B2
explicou que acha o contrário, pois, para ele, a terceirização iria permitir um serviço de
qualidade e oferta de água ininterrupta. Uma rede de esgoto deveria estar sempre com
manutenção adequada e isso faria com que a cobrança não fosse considerada tão alta
pelo benefício que iria trazer para a população.Ele usou o exemplo da energia elétrica
que, segundo ele, você paga caro, mas tem o produto sempre que necessário.
Explicou, ainda, que o sistema atual de abastecimento de água tem uma história
bastante irregular culminando nos problemas de hoje. Segundo suas palavras “é coisa
muito antiga”.
Os sujeitos do município C relataram as facilidades encontradas para a
efetivação do sistema de abastecimento de água em seu município.
Contraditoriamente, a falta de água foi um facilitador para que houvesse pressão
por parte da população para o município adquirir um sistema de abastecimento de água
adequado.
Na fala do sujeito C2 podemos evidenciar isso: “sempre faltou água, o sistema
era bastante precário e a água era originária de uma mina. A cidade é localizada em
cima de uma rocha”. Através de contatos políticos, conseguiram furar três poços
artesianos que abasteciam uma grande caixa de água instalada na laje da igreja matriz:
“[...] como a cidade padecia de falta de água constante, causava problemas na saúde
da população, além do crescimento demográfico”. Perceberam que necessitavam de um
sistema de abastecimento organizado.
A população concordou com a iniciativa já que sempre faltava água para o
consumo. Chegou-se a interromper o abastecimento por cinco dias, o que foi um
transtorno. Na época, servidores municipais, em conjunto com os técnicos da
Companhia Saneamento de Minas Gerais, realizaram um trabalho de sensibilização
junto à população para aceitação do projeto de implantação da Companhia Saneamento
de Minas Gerais (COPASA). Segundo o depoimento do sujeito C, “informaram que era
o melhor presente que a cidade podia receber. Deveriam agradecer à sua padroeira. É
melhor ter água do que asfalto”. Frisou, também, que em seu município não ocorreram
conflitos entre o poder executivo e legislativo.
Outra facilidade encontrada foi às afinidades políticas do município com os
órgãos públicos para gerenciar estes sistemas, contribuindo para um processo mais
fluido e resolutivo.
Como relata o sujeito C3, “não houve nenhuma resistência de entidades
políticas nem tampouco da população que aguardava ansiosa a inauguração do
sistema de abastecimento de água, o que foi realizado com uma grande festa”.
O sujeito C4 confirma este depoimento. Para ele foi uma conquista muito
grande, uma conquista política, e muitas pessoas contribuíram para que este processo se
tornasse uma realidade: “Foi uma das melhores coisas que aconteceram na cidade”.
Pela própria topografia, o município não é abastecido com grandes rios ou
córregos e sempre faltou água. Agora, com o sistema de abastecimento de água
estabelecido, mesmo na época da seca não há intermitência de água, apenas um ligeiro
racionamento.
Examinemos agora os resultados da pesquisa em seu conjunto. Pode-se inferir
que existem vários desafios para que um município de porte pequeno ou médio consiga
instituir e manter um sistema de abastecimento de água adequado para a sua população.
É entendido que a área da saúde pública é a mais afetada pela ausência de
políticas adequadas em saneamento, pois se sabe que a incidência de doenças
preveníveis seria menos expressiva e o número de internações hospitalares,
principalmente no setor da pediatria, reduziria drasticamente.
A formação de uma consciência pública e coletiva da importância de se ter uma
água de qualidade é muito contraditória e frágil, como podemos perceber em nossas
entrevistas. Se por um lado existem as forças políticas em atuação, a sociedade civil é
ainda uma tanto desorganizada, pois há um desconhecimento quanto aos seus direitos e
deveres, baixo entendimento dos aspectos legais sobre determinado assunto ou mesmo
ausência de informações para uma melhor participação no processo de implementação
de políticas adequadas. A maioria da população continua preocupada apenas com a
quantidade da água disposta para consumo ou o valor que representa no orçamento
doméstico
A política pública não é clara em seus objetivos, pois a falta de recursos
financeiros inviabiliza o empenho de realização de uma obra necessária para o
saneamento. O saneamento é de responsabilidade do município, porém, em virtude de
altos custos, o governo sempre protela este importante setor para seus sucessores. Além
da carência de recursos necessários, há uma ausência de vontade política para superação
do quadro atual de saneamento.
Também podemos notar que o dirigente público não tem consciência de sua
força e de seu papel nestas mudanças tão necessárias para a prevenção de doenças de
veiculação hídrica. O aumento de surtos ou epidemias de veiculação hídrica também
afeta a imagem do governo, obrigando-o a desenvolver algum tipo de atuação de
emergência; porém, estas ações ainda estão distantes da melhoria de qualidade de vida
para a população.
Os esforços, às vezes, isolados e comumente conflituosos, ajudam a elucidar os
problemas inerentes à própria história do saneamento no Brasil.
Segundo Resende e Heller (2002), qualquer que seja a análise, a situação do
saneamento no Brasil ainda é muito acanhada e crítica. Nos setores saúde, meio
ambiente, recursos hídricos e políticas urbanas foram acelerados a participação popular
e o controle social. Estes movimentos foram institucionalizados através de Conselhos
Municipais de Saúde, Conselhos Municipais do Meio Ambiente (CODEMAS) e
Comitês e Agências de Bacias
Espera-se que, no âmbito do saneamento, a população consiga uma maior
participação e influência sobre os destinos dos sistemas de abastecimento de água com
água de melhor qualidade e melhorias no saneamento.
Ainda fazendo uma análise sucinta dos exames laboratoriais de água destes
municípios, podemos inferir que no município onde há sistema de abastecimento de
água adequado, os exames estão dentro das normas estabelecidas pela Portaria nº
518/2004 (BRASIL, 2004). Nos outros municípios há uma variação nas análises: em
alguns momentos, apresenta um valor aceitável e, em outros, um aumento considerável
na quantidade de coliformes fecais e totais da água coletada, principalmente se esta for
dos distritos ou lugares sem nenhuma espécie de tratamento, aumentando
significativamente o aparecimento de doenças de veiculação hídrica, como infecções
diarréicas agudas. As crianças menores de cinco anos são as mais susceptíveis.
Não basta apenas ter uma lei. É preciso não confundir direito com lei. A luta
jurídica não se restringe à simples procura de mudanças de leis, como se estas
modificassem o mundo (AGUIAR apud SILVA, 1998).
As leis não modificam o mundo; ao contrário, o mundo é que modifica as leis,
uma vez que este é o resultado das ações humanas. Para o autor, a eficácia da lei no
tratamento das questões ambientais consiste em abandonar o textualismo, pois “direito
é contexto, é concretude palpável da sociedade humana, é fruto das lutas cotidianas
[...] os indivíduos devem estar comprometidos com a transformação e rompimento de
paradigmas sociais, produtivos e científicos” (SILVA, 1998).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde as épocas mais remotas, as comunidades se estabeleceram próximas a
uma fonte de abastecimento de água, sendo esta uma condição de sobrevivência das
mesmas até os dias de hoje. Sabe-se que a trajetória de implementação de sistemas de
abastecimento de água está intimamente relacionada aos aspectos econômicos, políticos
e sociais em todas as civilizações, sendo fortemente influenciadas pelos interesses
dominantes de cada época.
A descoberta da relação entre as doenças e a ausência ou a precariedade do
saneamento básico intensificou as políticas de saneamento pelo poder público. Estas
políticas foram formuladas a partir do surgimento de demandas e pressões do setor
econômico. Um melhor desempenho da economia é diretamente proporcional à
disponibilidade de trabalhadores qualificados e saudáveis e esta, por sua vez, depende
de uma infra-estrutura de serviços básicos eficaz. Contudo, como afirma Resende e
Heller (2002), o processo de estruturação política do saneamento no Brasil sempre foi
dependente da política econômica vigente, sendo que o saneamento nunca constituiu um
setor público específico, com abordagem plena, dada à ausência de integração entre as
ações que o compõem.
Os municípios, titulares legítimos dos serviços foram enfraquecidos ao longo de
sua evolução histórica, o que promoveu uma ampliação do poder da União e dos
Estados com a centralização das ações de abastecimento, através do Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA) nos anos setenta. Essa centralização das políticas públicas
tem facilitado a privatização de vários setores tradicionalmente públicos, ameaçando o
cumprimento da própria Constituição Federal que garante aos cidadãos o direito à saúde
e, dentro deste, o direito ao saneamento básico, à educação e ao trabalho (RESENDE;
HELLER, 2002).
Os dirigentes públicos sempre concordaram sobre a importância de um sistema
de abastecimento de água adequado; contudo, nas propostas apresentadas ao longo do
tempo, através de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais e, atualmente, sob
uma lógica privada de auto-sustentação isto não tem sido colocado com prioridade.
Exclui-se grande parte da população que vive nas periferias das grandes cidades e zonas
rurais (RESENDE; HELLER, 2002).
Nesta pesquisa, através da compreensão dos aspectos relacionados às
necessidades dos municípios quanto à implantação ou mesmo à manutenção de um
sistema de abastecimento de água com tratamento adequado, espera-se estar
contribuindo para que os gestores possam refletir sobre as dificuldades e mecanismos de
enfrentamento das mesmas.
Os principais representantes dos municípios entrevistados têm uma compreensão
parcial da relação entre a saúde coletiva e o saneamento, pois se percebe pela discussão
que alguns não apreendem a responsabilidade de seu papel de forma contundente em
relação a este assunto.
Há um sentimento de ambigüidade, pois alguns participantes acham que os
municípios não suportam o peso financeiro de arcar com um sistema de saneamento de
água de acordo com as exigências da portaria MS nº 518/2004 (BRASIL, 2004).
Ao mesmo tempo definem que a água que possuem é muito boa e saudável,
portanto, não necessita de tratamento. Outros definem que o problema maior a ser
enfrentado é a “politicagem”. Esta dificulta uma ação mais técnica e imparcial,
acarretando ônus para o sistema.
Outros ainda percebem que o problema maior encontra-se na população que
rechaça uma implementação do SAAs pelo temor de arcar com despesas financeiras.
Esta profusão de concepções e sentimentos gera dúvidas e obscurece os
objetivos. Só é imperativo resolver o problema, porque a ordem é “superior”
(imposição da Portaria). No entanto, não há um entendimento do processo e dos
motivos pelos quais de fato são necessárias as mudanças, uma vez que “a água é boa”.
Aliás, a população é quase totalmente alienada do movimento, principalmente as
comunidades rurais, periféricas dos centros urbanos e municípios menores.
A cultura da participação e a parceria sociedade e Estado são ainda incipientes e
exigem mecanismos institucionais que facilitem e regulamentem, não ficando ao sabor
dos “estilos de gestão” (mais ou menos democráticos) de técnicos e líderes. Os autores
Oliveira e Teixeira (1985) apud Minayo (1999), enfatizam que a adoção de
determinados programas de prestação de serviços de saúde, o funcionamento de centros
ou postos de saúde em diversas localidades, a expansão da rede de canalização de água
ou esgotamento sanitário são indispensáveis no combate à mortalidade infantil
redimensionando a ordem de seus determinantes.
É primordial que os sujeitos envolvidos no processo de organização e
funcionamento adequado do sistema de abastecimento de água definam seus papéis de
forma clara e as negociações sejam construídas e amadurecidas para uma melhor
compreensão na forma de perceber os diferentes papéis de cada um.
O apoio da população é indispensável e esta deve ser informada de todas as
etapas e seus objetivos e, além disso, deve-se contribuir para uma educação continuada
enfatizando a relação saúde, doença e saneamento. Assim, a comunidade poderá
reivindicar seus direitos e seu poder de pressão será suficiente para influenciar e
transformar as ações do poder público em seu favor.
Outro parceiro importante neste movimento é o setor judiciário, através da
Promotoria Pública. Esta é acionada quando as partes não conseguem atingir um acordo.
Na prática, porém, o não cumprimento legal das normas provoca a não confiabilidade
deste instrumento, por parte da sociedade.
Isto gera uma desconfiança da população arrefecendo suas reivindicações. Além
disso, as leis e portarias são em sua maior parte desconhecidas para ela. Os técnicos e
especialistas detentores do saber concentram e manipulam de acordo com as
conveniências, tornando-os instrumento de dominação. Segundo Aguiar, ”a velha
retórica, que afirma serem as leis boas e sua aplicação ineficaz, começa a fazer água”
(AGUIAR apud SILVA, 1998, p. 164).
O setor de saneamento básico vive uma crise institucional, correndo riscos
iminentes de racionamento. As metas de universalização dos serviços de água e esgoto
estão claramente ameaçadas. Segundo a pesquisadora Katya Calmon do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) podem ocorrer graves desabastecimentos de água
nos grandes centros urbanos com risco de epidemias. Estas se convertem em poderes e
mecanismo de pressão pela liberação imediata de recursos para ações emergenciais
(SALOMON, 2003).
Mais de 8,5% da população estão sem acesso à água potável e a quarta parte dos
domicílios brasileiros não têm coleta de esgoto ou fossas adequadas, isto é, a ausência
de saneamento recai justamente entre os moradores de municípios pequenos ou
residentes em periferias das grandes cidades, ampliando o abismo sócio-econômico na
população de baixa renda. A universalização dos serviços de saneamento esbarra no
valor das tarifas cobradas dos usuários, cujos critérios poderão ser revistos no pacote da
Política Nacional de Saneamento Ambiental. Outro entrave é o de saber de quem é a
competência de fato em conceder os serviços de água e esgoto. A Constituição Federal
do Brasil, Art.º 30 (BRASIL, 1988), cita que é prerrogativa dos municípios a
competência em organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão os serviços de interesse local. O debate paralisa as negociações entre os
municípios e Estados, gerando uma indefinição da lei que tramita no Congresso.
Hoje existem 24 programas em sete ministérios diferentes, produzindo um
quadro de ações muito pulverizadas, além da ausência de um plano de educação para as
famílias sobre saneamento, gerando exemplos encontrados pelas auditorias técnicas, tais
como pessoas cozinhando em banheiros – “era o cômodo mais bonito da casa” – e
vasos sanitários convertidos em vasos de plantas para não gastar água, que é cara. O
Tribunal de Contas da União produziu um relatório que explicita que o dinheiro não é
gasto somente no saneamento, pois não basta ter água. A má qualidade de água continua
provocando um acentuado número de internações por esquistossomose ou diarréia
aguda, sugerindo que a água fornecida deve ser adequada e de boa qualidade.
Nos últimos oito anos não houve nenhuma política governamental para o setor,
indicando que os governos anteriores acreditavam que a privatização iria resolver os
problemas do saneamento tornando-a universal, o que é equivocado, pois a iniciativa
privada não se interessa pelos municípios pequenos e pobres.
Finalmente, sobre o orçamento do Plano Plurianual do governo federal, que será
encaminhado ao Congresso 2004-2007, prevê um valor de R$ 5 bilhões para o
saneamento, sendo grande parte dependente do Fundo de Garantia Tempo Serviço
(FGTS) a maior fonte de financiamento do setor. Porém, os municípios estão proibidos
de receber empréstimos e a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais
(AESBE) explica que o número é irreal diante dos custos dos serviços, do reajuste das
tarifas abaixo da inflação e até da crescente inadimplência dos consumidores
(SALOMON, 2003).
Espera-se com essa pesquisa colaborar para o entendimento e estimular reflexões
no processo das políticas de saneamento dos municípios de pequeno e médio porte.
Embora este seja moroso, há sempre uma esperança de avanço na efetivação da
universalização dos serviços de saneamento básico através de um constante
desenvolvimento da consciência coletiva que contribuirá decisivamente para se alcançar
os objetivos propostos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS nº. 518/2004. Controle e vigilância da
qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Vigilância e controle da qualidade da água para
consumo humano. Brasília: FUNASA, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Brasília: Senado
Federal, 1988. 292 p.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2. ed.
São Paulo: Hucitec ; Rio de Janeiro: Abrasco, 1993. 267 p.
PAIM, J. S.. A Reforma sanitária e os modelos assistenciais. In: ROUQUAYROL, M.
Z. Epidemiologia & Saúde. São Paulo: Medsi, 1994. p. 455-466.
PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. 5. ed. Brasília: Guanabara Koogan,
2001. 595 p.
RESENDE, S.; HELLER, L. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. Belo
Horizonte: UFMG. Escola de Engenharia, 2002. 310 p.
ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA F.N. Epidemiologia & Saúde. 5. ed. Rio de
Janeiro: Medsi, 1999. 570 p.
ROZENFELD, S. (Org.). Fundamentos da vigilância sanitária. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2000. 301p.
SALOMON, M. Ajuste fiscal agrava a crise no saneamento. Folha de São Paulo, São
Paulo, 25 agos 2003. Caderno A, p. 6.
SILVA, R. E. Os cursos da água na história: simbologia, moralidade e a gestão de
recursos hídricos. Tese (Doutorado)–Fundação Oswaldo Cruz/Escola Nacional de
Saúde Pública, 1998. 166p.
Submissão: junho de 2006
Aprovação: outubro de 2006
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E SANEAMENTO AMBIENTAL NA MELHORIA
DA SAÚDE NOS MUNICÍPIOS DA ZONA DA MATA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS, BRASIL1
Primary Health Care and environmental sanitation in improving health in the Zona da
Mata region of the state of Minas Gerais, Brazil
Júlio César Teixeira*, Maíra Crivellari Cardoso de Mello**, Carlos da Costa Ferreira***
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo avaliar a associação entre condições de saneamento –
cobertura populacional por sistemas de abastecimento de água, por sistemas de esgotamento
sanitário e por coleta de lixo – e de saúde – morbidade hospitalar por doenças infecciosas e
parasitárias, taxa de mortalidade infantil e mortalidade proporcional em crianças menores de
cinco anos de idade – nas cidades da Zona da Mata do estado de Minas Gerais, utilizando
dados secundários. O universo da pesquisa foi composto pelos 142 municípios integrantes da
Zona da Mata mineira, com população total estimada em 2.125.104 habitantes. O método
epidemiológico empregado foi um delineamento ecológico. Pode-se afirmar que a
universalização da cobertura populacional por serviços de saúde (principalmente atenção
primária à saúde), a melhoria dos serviços de saneamento (principalmente a coleta de lixo), o
combate aos casos de prematuridade e a redução da taxa de natalidade são medidas de
relevante importância para a melhoria da saúde na região.
PALAVRAS-CHAVE: Saúde. Saúde Pública. Atenção Primária à Saúde. Saneamento.
Atenção Primária Ambiental. Prematuro. Coeficiente de Natalidade.
ABSTRACT
The objective of this study was to evaluate the association between sanitary conditions
(supply of drinking water, collection of sewage and urban waste) and primary health care
(prevention and treatment of infectious and parasitic diseases, infant mortality and
proportional mortality in children under the age of 5) in urban populations of the Zona da
Mata region of the State of Minas Gerais, using data derived from secondary sources. Some
2,125,104 inhabitants of 142 towns situated in this area were selected for an epidemiological
study based on an ecological model. The results indicated that the expansion of primary
health care and sanitation services, particularly the collection of urban waste, together with
the reduction in birth rate and in the frequency of premature births are the most important
measures for improving the quality of health in this region.
KEY WORDS: Health. Public Health. Primary Health Care. Sanitation Primary
Environmental Health. Infant Premature. Birth Rate.
* Engenheiro Civil e de Segurança no Trabalho, professor adjunto da Faculdade de
Engenharia da UFJF e Doutor em Saneamento. Rua Antônio Marinho Saraiva, 115/202 –
CEP 36.025-555 – Juiz de Fora – MG. Tel: (32)3232-6342 – e-mail: [email protected]
** Engenheiranda em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
*** Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
(1) Trabalho subvencionado pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz
de Fora – PROPESQ/UFJF.
Introdução
Os serviços de saneamento são de vital importância para proteger a saúde da
população, minimizar as conseqüências da pobreza e proteger o meio ambiente. No entanto,
os recursos financeiros disponíveis para o setor são escassos no Brasil, a despeito das
carências observadas na cobertura populacional por serviços de saneamento. Logo, o reduzido
número de estudos, tendo como base dados secundários disponibilizados pelo Ministério da
Saúde (BRASIL, 2005), pela Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (MINAS
GERAIS, 2005) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005), a respeito
da influência da cobertura populacional por serviços de saneamento sobre as condições de
saúde existentes nas diferentes regiões do estado de Minas Gerais, constitui uma importante
lacuna nas pesquisas no campo da saúde pública no estado.
Os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, entram no terceiro milênio
ressuscitando patologias do início do século XX. Grande parte das doenças registradas, como
diarréias, difteria, cólera, dengue, hepatite tipo A, leptospirose, esquistossomose e várias
parasitoses, decorre da falta de saneamento. Em conseqüência, as taxas de mortalidade
infantil, de mortalidade em crianças menores de cinco anos de idade e de morbidade
hospitalar por doenças infecciosas e parasitárias são elevadas nestes países.
Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ONU, 1997), na maioria dos países em desenvolvimento a impropriedade
e a carência de infra-estrutura sanitária é responsável pela alta mortalidade por doenças de
veiculação hídrica e por um grande número de mortes evitáveis a cada ano. Nesses países,
verificam-se condições que tendem a piorar devido às necessidades crescentes de serviços e
ações de saneamento ambiental, que excedem a capacidade dos governos de reagir
adequadamente.
2
Silva e Alves (1999) sustentam que, no Brasil, as populações não atendidas por
serviços de saneamento adequados se concentram nas periferias das grandes cidades, nos
pequenos aglomerados urbanos e nas regiões mais pobres do país.
“As enfermidades associadas à deficiência ou inexistência de saneamento ambiental e
a conseqüente melhoria da saúde devido à implantação de tais medidas têm sido objeto de
discussão em estudos em todo o mundo” (MORAES, 1997, p.281).
Por outro lado é sabido que benefícios específicos de intervenções de saneamento
ambiental incluem a diminuição da mortalidade devido às doenças diarréicas e parasitárias e
a melhoria do estado nutricional das crianças (ESREY et al., 1990).
Contudo, a avaliação dos efeitos das medidas de saneamento ambiental sobre a
morbi-mortalidade infantil é de difícil realização, e os resultados dependem de um número
considerável de outros fatores como, por exemplo, demográficos, sócio-econômicos,
cobertura por serviços de saúde etc., para sua interpretação adequada. Deve-se, então, quando
da realização destes estudos, levar em consideração várias questões metodológicas para que
não venham a invalidar os resultados (BLUM; FEACHEM, 1983).
Assim, o presente estudo tem como objetivo avaliar a associação entre condições de
saneamento – cobertura populacional por sistemas de abastecimento de água, por sistemas de
esgotamento sanitário e por coleta de lixo – e de saúde – morbidade hospitalar por doenças
infecciosas e parasitárias, taxa de mortalidade infantil e mortalidade proporcional em crianças
menores de cinco anos de idade – na Zona da Mata do estado de Minas Gerais, de modo a
contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população residente nesta parte do
território mineiro, bem como constituir um instrumento de planejamento para aplicação eficaz
de recursos financeiros em saúde pública na região.
Metodologia
Comitê de Ética e Conflito de Interesses
O manuscrito não foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisas da
Universidade Federal de Juiz de Fora por se tratar de um estudo ecológico. Ainda, o trabalho
3
é um estudo observacional no campo da ciência aplicada sem nenhum conflito de interesses
associado.
Áreas Geográficas Abrangidas
O universo da pesquisa foi composto por 142 municípios integrantes da Zona da Mata
do estado de Minas Gerais, com população total de 2.125.104 habitantes. A taxa média de
crescimento da população da região, estimada para a primeira década do século XXI, é de
0,7% ao ano (IBGE, 2005).
Delineamento Epidemiológico
O método epidemiológico empregado foi um delineamento ecológico. Este
delineamento é útil para detectar correlações entre exposições e indicadores de situações de
saúde para agregados populacionais.
Base de Informações
A base de informações foi composta por dados secundários, disponíveis para o
período de 1996 a 2004, provenientes do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), da Secretaria
de Estado da Saúde de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2005) e do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2005). Foi verificado que as variáveis independentes não
estão correlacionadas entre si e, portanto, tal comportamento garante a adequação do modelo
utilizado.
Fatores de risco estudados
Cada um dos três indicadores epidemiológicos estudados foi analisado por meio de
sua correlação com vários outros indicadores, divididos em cinco classes, a saber:
•••
Indicadores demográficos:
- Taxa de crescimento anual estimada, 1996-2000 (% da população total);
- Grau de urbanização, 2001 (% da população urbana);
- Taxa bruta de natalidade, 2002 (nº de nascidos vivos por 1.000 habitantes);
- População residente estimada, 2004 (habitantes).
•••
Indicadores sócio-econômicos:
- Taxa de alfabetização, 2000 (% na população de 15 anos e mais de idade);
4
- Produto Interno Bruto (PIB) per capita, 2002 (US$ internacional per capita);
- Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 2000.
•••
Indicadores de risco:
- Percentagem de nascidos vivos de baixo peso ao nascer, 2002 (% de nascidos vivos com
peso inferior a 2.500 g);
- Percentagem de crianças nascidas prematuras, 2002 (%);
- Percentagem de mães com idade entre 10 e 19 anos, 2002 (%).
•••
Indicadores de cobertura por serviços de saúde:
- Número de consultas médicas SUS – procedimentos básicos – por habitante, 2004
(procedimentos/habitante);
- Cobertura vacinal – tríplice viral (SCR) – no primeiro ano de vida, 2002 (% de menores de
um ano imunizados).
•••
Indicadores de saneamento:
- Cobertura por redes de abastecimento de água, 2000 (% da população total);
- Cobertura por sistemas de esgotamento sanitário, 2000 (% da população total);
- Cobertura por serviços de coleta de lixo, 2000 (% da população total).
Análise de dados
A análise dos dados foi desenvolvida segundo um processo evolutivo, em etapas
sucessivas, de tal forma a permitir a determinação das exposições efetivamente associadas
aos indicadores de saúde estudados. Tal processo envolveu, em seqüência, as seguintes
atividades:
• análise descritiva de cada um dos indicadores, avaliando as suas principais características,
o que propiciou a avaliação da precisão e da consistência dos dados levantados;
• cálculo do coeficiente de correlação linear entre as três variáveis dependentes estudadas;
• análise de regressão linear simples entre os indicadores epidemiológicos versus indicadores
demográficos, sócio-econômicos, de risco, de cobertura por serviços de saúde, e de
saneamento, um a um, de modo a avaliar a importância das correlações obtidas por meio da
estatística F, além de pré-selecionar os indicadores a serem utilizados na regressão linear
múltipla em nível de 15% de significância (p ≤ 0,15);
5
• cálculo do coeficiente de correlação linear entre todas as variáveis independentes préselecionadas para a análise de regressão linear múltipla;
• análise de regressão linear múltipla em que se procurou identificar as variáveis
independentes efetivamente associadas a cada indicador epidemiológico estudado em nível
de 5% de significância (p ≤ 0,05).
Foi utilizado o pacote estatístico SPSS 10.0 - Statistical Package for Social Sciences.
Resultados
Variação dos indicadores para o conjunto dos municípios
Na Tabela 1, são apresentadas as principais características dos indicadores para o
conjunto de municípios estudados.
Tabela 1
O indicador com menor coeficiente de variação é taxa de alfabetização – 4,4% – e o de
maior variação é taxa de crescimento da população – 1.400,0%.
Na Tabela 2, observou-se que a taxa de mortalidade infantil está correlacionada com a
mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade em um nível de
significância de 0,01.
Tabela 2
Taxa de mortalidade infantil
Da regressão linear simples, alguns indicadores foram selecionados com valor de p –
significância estatística – igual ou inferior a 0,15. Apresentaram significância estatística,
nesta etapa, os seguintes indicadores em ordem de importância da estatística F: número de
consultas médicas SUS por habitante, percentagem de crianças nascidas prematuras,
percentagem de nascidos vivos de baixo peso ao nascer e taxa bruta de natalidade.
Ao se processar a análise de regressão linear múltipla, encontrou-se um coeficiente R2
ajustado de 0,086 sendo que as variáveis que permaneceram no modelo final com p ≤ 0,05
foram: número de consultas médicas SUS por habitante (p = 0,002) e percentagem de
crianças nascidas prematuras (p = 0,032).
6
O indicador número de consultas médicas SUS por habitante apresentou coeficiente β
negativo, mostrando uma relação inversamente proporcional com a taxa de mortalidade
infantil. Já o indicador percentagem de crianças nascidas prematuras apresentou coeficiente β
positivo, mostrando uma relação diretamente proporcional com a taxa de mortalidade infantil
Tabela 3
Na Figura 1, observa-se que quanto maior o número de consultas médicas SUS por
habitante em um município da Zona da Mata mineira, menor é a mortalidade infantil naquele
município.
Figura 1
Mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade
Da etapa inicial, regressão linear simples, vários indicadores foram selecionados com
valor de p igual ou inferior a 0,15. Apresentaram significância estatística nesta etapa, os
seguintes indicadores em ordem decrescente da estatística F: taxa bruta de natalidade,
percentagem de crianças nascidas prematuras, cobertura por sistemas de coleta de lixo,
percentagem de nascidos vivos de baixo peso ao nascer, cobertura por sistemas de
abastecimento de água, grau de urbanização, cobertura por sistema de esgotamento sanitário,
percentagem de mães com idade entre 10 e 19 anos, Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) e taxa de alfabetização.
Na regressão linear múltipla, encontrou-se um coeficiente R2 ajustado de 0,099, sendo
que as variáveis que permaneceram no modelo final foram: taxa bruta de natalidade (p =
0,028), percentagem de crianças nascidas prematuras (p = 0,015) e cobertura por sistemas de
coleta de lixo (p = 0,023).
Os indicadores taxa bruta de natalidade e percentagem de crianças nascidas
prematuras apresentaram coeficiente β positivo, mostrando uma correlação diretamente
proporcional com a mortalidade em crianças menores de cinco anos de idade. Já o indicador
cobertura por sistemas de coleta de lixo apresentou coeficiente β negativo, mostrando uma
correlação inversamente proporcional com a mortalidade em crianças menores de cinco anos
de idade.
7
Tabela 4
Na Figura 2, observa-se que quanto maior a cobertura por serviços de coleta de lixo
em um município da Zona da Mata mineira, menor é a mortalidade proporcional em crianças
menores de cinco anos de idade no município.
Figura 2
Morbidade hospitalar por doenças infecciosas e parasitárias
Apresentaram significância estatística na regressão linear simples (p ≤ 0,15) os
seguintes indicadores em ordem de significância da estatística F: número de consultas
médicas SUS por habitante, percentagem de crianças nascidas prematuras, taxa bruta de
natalidade e percentagem de nascidos vivos de baixo peso ao nascer.
Na análise de regressão linear múltipla, encontrou-se um coeficiente R2 ajustado de
0,062, sendo que as variáveis que permaneceram no modelo final foram: número de
consultas médicas SUS por habitante (p = 0,014) e percentagem de crianças nascidas
prematuras (p = 0,033).
O indicador percentagem de crianças nascidas prematuras apresentou coeficiente β
positivo, mostrando uma relação diretamente proporcional com morbidade hospitalar por
doenças infecciosas e parasitárias. Por outro lado, o indicador número de consultas médicas
SUS por habitante apresentou um valor de β negativo, mostrando uma relação inversamente
proporcional com o indicador epidemiológico em estudo.
Tabela 5
Na Figura 3, observa-se que quanto maior o número de consultas SUS por habitante
em um município da Zona da Mata mineira, menor a morbidade hospitalar por doenças
infecciosas e parasitárias.
Figura 3
8
Discussão
A Zona da Mata do estado de Minas Gerais, localizada na região Sudeste brasileira, é
composta por 142 municípios. A taxa de mortalidade infantil média na região era de 21 óbitos
de menores de um ano de idade por mil crianças nascidas vivas, no ano de 2002, sendo que
este indicador variava de um mínimo de zero (em 27 municípios) a um máximo de 60,6 (no
município de Santana do Deserto).
Segundo Pereira (2003), as taxas de mortalidade infantil são geralmente classificadas
em altas (50 por mil ou mais), médias (20-49) e baixas (menos de 20). Adotando-se esta
classificação pode-se caracterizar a mortalidade infantil na Zona da Mata mineira como média
com viés para baixa. Segundo o autor, quando a mortalidade infantil é alta, o componente
pós-neonatal (28 dias ou mais de vida) é predominante. Quando a taxa é baixa, o seu principal
componente é a mortalidade neonatal (0-27 dias de vida). Portanto, a partir do valor
verificado para a mortalidade infantil média na região, supõe-se que haja um predomínio da
mortalidade neonatal em relação à pós-neonatal.
Na análise multivariada, o indicador número de consultas por habitante apresentou
uma correlação inversamente proporcional à taxa de mortalidade infantil, ou seja, quanto
maior o número de consultas e atendimentos médicos oferecidos à população em um dado
município da amostra, menor a mortalidade infantil naquele município. Já o indicador
percentual de crianças nascidas prematuras apresentou uma correlação positiva, indicando que
quanto maior o número de crianças nascidas prematuras nos municípios estudados, maior a
mortalidade infantil.
Desde 1995, o Ministério da Saúde tem estado à frente de um movimento nacional, o
Projeto de Redução da Mortalidade Infantil (PRMI), que busca diminuir significativamente as
taxas de mortalidade entre as crianças brasileiras. Além do incremento anual dos recursos
financeiros e da maior agilidade no repasse aos municípios por meio do Piso de Atenção
Básica, procurou-se promover um atendimento integrado e focalizado em municípios mais
carentes, envolvendo ações de saneamento, imunização, promoção do aleitamento materno e
do pré-natal, combate às doenças infecciosas e à desnutrição. Segundo o Ministério da Saúde
(BRASIL, 2000), o incansável trabalho de milhares de Agentes Comunitários de Saúde (ACS)
e de equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), que diariamente visitam as casas onde
9
habitam milhões de mulheres e crianças, tem sido decisivo para o declínio da mortalidade de
menores de um ano de idade em todo o país.
A idade gestacional inferior a 37 semanas – prematuridade – foi a variável que
apresentou maior força de associação com a mortalidade infantil no estudo de Martins e
Velásquez-Menendez (2004). A prematuridade como um dos principais fatores de risco para a
mortalidade infantil é consenso na literatura, confirmando o achado da presente pesquisa.
Assim, pode-se levantar a hipótese da necessidade de disponibilidade de recursos
tecnológicos e humanos adequados para o atendimento em tais circunstâncias (ALEXANDER
et al., 2003). A falta de unidades de terapias intensivas – UTI – nos municípios da Zona da
Mata mineira pode ter dificultado a prevenção de óbitos potencialmente evitáveis entre os
prematuros.
A baixa taxa de mortalidade infantil na Zona da Mata mineira leva à priorização de um
melhor atendimento por parte dos serviços de saúde às crianças menores de um ano, às
gestantes e aos prematuros na região, cabendo à ampliação da cobertura por serviços de
saneamento um papel complementar na redução da mortalidade infantil.
Na Zona da Mata mineira, a mortalidade proporcional em crianças menores de cinco
anos de idade apresenta um valor médio de 7,2% do total de óbitos da região, variando de 0%
(em 22 municípios) a 40% (no município de Pedro Teixeira).
Como demonstrado na Tabela 2, há uma correlação estatisticamente significativa entre
a taxa de mortalidade infantil e a mortalidade proporcional em crianças menores de cinco
anos de idade. Tal achado é explicado pelo fato de que parte das mortes em crianças menores
de cinco anos de idade é constituída por óbitos de crianças menores de um ano de idade.
O estudo demonstrou que nos municípios da Zona da Mata mineira a mortalidade
proporcional em crianças menores de cinco anos de idade é diretamente correlacionada à taxa
de natalidade, à percentagem de crianças nascidas prematuras, e inversamente correlacionada
à cobertura populacional por serviços de coleta de lixo.
Assim, a mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade cai
com a diminuição da taxa de natalidade em nível municipal. Tal achado é consistente com o
de Nascimento Costa et al. (2003). Os autores afirmam que a redução da taxa de natalidade
10
foi uma das principais responsáveis pelo declínio da mortalidade infantil e, por conseqüência,
da queda da mortalidade proporcional em menores de cinco anos no Brasil.
Deste modo, se não houver uma política pública de planejamento familiar, por meio de
orientação sexual e do livre acesso aos métodos anticoncepcionais, haverá a degradação da
qualidade de vida, principalmente da parcela mais pobre da população – que tem mais filhos –
com conseqüências para a saúde infantil.
Ainda, a presença do indicador percentagem de crianças nascidas prematuras como um
fator de risco para a mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade é
coerente. Tal achado é explicado pelo fato de que há correlação entre a taxa de mortalidade
infantil e a mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade, conforme
demonstrado na Tabela 2.
Em relação à coleta de lixo, a presente pesquisa mostrou que os municípios com maior
cobertura populacional por serviços de coleta de lixo apresentam menor mortalidade
proporcional em crianças menores de cinco anos de idade.
Tal achado é confirmado por vários autores. Heller et al. (2003) encontraram um risco
relativo para a diarréia em crianças menores de cinco anos de idade de 1,61 (1,11-2,34)
quando o lixo era disposto no lote em comparação com a disposição do lixo para a coleta pelo
serviço municipal. Teixeira (2003) encontrou evidências de que o acondicionamento
inadequado do lixo e o lançamento das fezes das fraldas no peridomicílio constituem risco
para crianças menores de cinco anos de idade, respectivamente, para a diarréia – odds ratio –
OR = 1,93 (1,04-3,60) – e para a desnutrição crônica – OR = 2,60 (1,41-4,80). Tais doenças,
diarréia e desnutrição, constituem importantes riscos para a mortalidade em crianças menores
de cinco anos de idade.
Na presente pesquisa, a morbidade hospitalar por doenças infecciosas e parasitárias
apresentou um valor médio de 5,7% do total de internações na região, variando de 0,9%
(município de Oliveira Fortes) a 16,1% (município de Guaraciaba). Estas doenças mostraramse inversamente correlacionadas com o número de consultas médicas SUS por habitante e
diretamente correlacionadas à percentagem de crianças com nascimento prematuro.
Tal resultado comprovou que a melhoria da qualidade da assistência médica, inclusive
com a ampliação da cobertura por serviços de saneamento, desempenha um papel importante
11
na redução de uma série de doenças infecciosas e parasitárias, confirmando os achados de
vários estudos (HUGHES, 1995; BRASIL, 2004).
Quanto à prematuridade, Correia e McAuliffe (1999) afirmam que o meio mais eficaz
para reduzir o número de casos de prematuridade é a atenção pré-natal. Durante esse
acompanhamento, fatores específicos de risco na gestante podem ser identificados – anemia,
desnutrição materna, tabagismo – e tratamento profiláticos oferecidos – sulfato ferroso,
suplementação alimentar. Gestantes que apresentam fatores de risco, segundo os autores,
devem receber um acompanhamento médico mais intensivo. Em nível coletivo, o sistema de
saúde precisa garantir acesso ao pré-natal, estimular sua procura pela população gestante e
assegurar a sua qualidade.
Conclusão
Pode-se afirmar que a universalização da cobertura populacional por serviços de
saúde (principalmente a atenção primária à saúde), a melhoria dos serviços urbanos
(principalmente a coleta de lixo), o combate aos casos de prematuridade e a redução da taxa
de natalidade são medidas de relevante importância para a melhoria da saúde na Zona da
Mata do estado de Minas Gerais.
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crianças: estudo em áreas de assentamento subnormal em Juiz de Fora – MG. 2003. Tese
13
(Doutorado em Engenharia Sanitária) – Escola de Engenharia, Universidade Federal de
Minas Gerais, Horizonte, 2003.
Submissão: junho de 2006
Aprovação: outubro de 2006
14
Tabela 1 – Estatística descritiva das características dos 142 municípios da Zona da Mata –
MG
Indicador
Média Mediana Moda
DP(*)
CV(**) Mínimo Máximo
Taxa de mortalidade infantil
21,0
21,1
0
14,7
70,0
0
60,6
o
(n óbitos infantis/ 1000 NV)
Mortalidade proporcional
7,2
6,1
0
6,1
84,7
0
40,0
em menores de cinco anos
(%)
Percentagem de internações
5,7
5,5
6,7
2,9
50,9
0,9
16,1
hospitalares por DIP (%)
População do município
14575, 6297,5
41628,3 285,6 1671,0 471694,0
(hab.)
2
Taxa de crescimento da
0,2
0,7
1,0
2,8
1400,0
-14,5
5,7
população (%)
Grau de urbanização (%)
59,5
58,4
19,6
32,9
17,9
99,2
Taxa bruta de natalidade
13,7
13,6
3,7
27,0
5,5
26,4
(noNV/1000hab.)
Taxa de alfabetização (%)
82,0
82,0
81,9
3,6
4,4
72,7
92,7
PIB per capita (R$/hab.)
3639,1 3280,5 3292,0 1391,2
38,2
2144,0 10722,0
No de consultas por
8,2
7,7
8,5
3,9
47,6
0
24,5
habitante (consultas/hab.)
Percentagem de prematuros
6,7
5,5
0
5,6
83,6
0
29,8
(%)
Percentagem de mães
19,4
19,0
20,0
5,8
29,9
4,8
34,9
adolescentes (%)
Percentagem de crianças de
8,8
8,5
8,5
3,9
44,3
0
21,2
baixo peso ao nascer (%)
Cobertura vacinal (%)
99,3
96,5
83,3
24,9
25,1
48,6
202,9
Índice de desenvolvimento
0,719
0,717
0,735
0,04
5,6
0,643
0,828
humano
Cobertura por redes de
60,8
62,7
86,3
18,2
29,9
17,5
95,0
abastecimento de água (%)
Cobertura de sistemas de
52,4
53,1
53,3
19,1
36,5
0,5
92,8
esgotamento sanitário (%)
Cobertura de sistemas de
57,3
59,1
36,7
20,1
35,1
12,1
98,2
coleta de lixo (%)
Observações:
(*) DP = desvio padrão;
(**) CV (%) = coeficiente de variação = (desvio padrão/média)*100%
15
Tabela 2 – Matriz de correlação entre indicadores epidemiológicos –
coeficiente de Pearson (r)
TMI (1)
TM5 (2)
DIP (3)
TMI (1)
1
0,356(*)
0,144
TM5 (2)
0,356(*)
1
0,110
DIP (3)
0,144
0,110
1
Observações:
(1) TMI = Taxa de mortalidade infantil;
(2) TM5 = Mortalidade proporcional em crianças menores de cinco anos de idade;
(3) DIP = Morbidade hospitalar por doenças infecciosas e parasitárias;
(*) Correlação é significante em nível de 0,01.
16
Tabela 3 - Regressão linear múltipla entre a taxa de mortalidade infantil e fatores de risco
estudados
2
R
Variáveis que
R
p valor
Coeficiente β
permaneceram
(significância)
No de consultas médicas
-0,254
0,002
+0,175
0,032
SUS por habitante
0,086 0,293
Percentagem de crianças
nascidas prematuras
Ponto de corte: p ≤ 0,05
17
Tabela 4 - Regressão linear múltipla entre mortalidade proporcional em crianças menores de
cinco anos de idade e fatores de risco estudados
2
R
Variáveis que
R
p valor
Coeficiente β
permaneceram
Taxa bruta de natalidade
(significância)
+0,182
0,028
+0,199
0,015
-0,188
0,023
Percentagem de crianças
0,099 0,315 nascidas prematuras
Cobertura de sistemas de
coleta de lixo
Ponto de corte: p ≤ 0,05
18
Tabela 5 - Regressão linear múltipla entre morbidade hospitalar por doenças infecciosas e
parasitárias e fatores de risco estudados
2
R
Variáveis que
R
p valor
Coeficiente β
permaneceram
(significância)
No de consultas médicas
-0,202
0,014
+0,176
0,033
SUS por habitante
0,062 0,249
Percentagem de crianças
nascidas prematuras
Ponto de corte: p ≤ 0,05
19
TMI (óbitos<1ano por 1000nv.)
70
60
50
TMI X NCH
40
Linear (TMI X NCH)
30
y = -1,0013x + 29,162
R 2 = 0,0688
20
10
0
0
5
10
15
20
25
NCH (consultas SUS por hab.)
Figura 1 – Gráfico de regressão linear simples entre a taxa de mortalidade infantil (TMI) e o
número de consultas SUS por habitante (NCH)
20
TM5 (% do total de óbitos)
40
35
30
TM5 X ICL
Linear (TM5 X ICL)
25
20
15
y = -0,059x + 10,539
R 2 = 0,0381
10
5
0
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
ICL - %
Figura 2 – Gráfico de regressão linear simples entre a mortalidade proporcional em crianças
menores de cinco anos de idade (TM5) e a cobertura por serviços de coleta de lixo (ICL)
21
DIP (% do total de internações)
20
15
DIP X NCH
Linear (DIP X NCH)
10
y = -0,1596x + 7,0288
2
R = 0,0444
5
0
0
5
10
15
20
25
NCH (consultas SUS por hab.)
Figura 3 – Gráfico de regressão linear simples entre a morbidade hospitalar por doenças
infecciosas e parasitárias (DIP) e o número de consultas SUS por habitante (NCH).
22
A CORRELAÇÃO DO CÂNCER DO COLO UTERINO COM O
PAPILOMAVIRUS HUMANO
The correlation between Cervical Cancer and the
Human Papilloma Virus
Aline Campos Gonçalves Almeida1
Adriana Takamatsu Sakama 2
Rosângela Galindo de Campos 3
RESUMO
Este estudo analisa a produção científica sobre a correlação da infecção por Papilomavirus
Humano (HPV) com o câncer do colo do útero, tomando como referencial os pressupostos de
Ganong (1987). Optamos por realizar uma revisão integrativa sobre a produção científica
acerca da correlação do HPV com o câncer do colo uterino. A amostra foi composta por 24
artigos que abordavam o HPV e o câncer do colo uterino da literatura nacional, publicados de
2000 a 2005 e indexados nas bases de dados Lilacs e Scielo. A análise dos artigos possibilitou
a identificação de oito categorias temáticas e os resultados apontam para a importância da
compreensão do HPV para controle do câncer do colo do útero, da prevenção e do diagnóstico
precoce e eficiente e do tratamento adequado para cada tipo de lesão para diminuir a morbimortalidade por
esta neoplasia.
Palavras-Chave: Câncer do colo uterino. Neoplasias Uterinas. Papillomavirus Humano.
ABSTRACT
This study analyzes the scientific literature on the correlation between infection by the Human
Papilloma Virus (HPV) and cervical cancer, using Ganong’s (1987) presuppositions as a
reference. We carried out an integrative review of the scientific literature concerning the
correlation between HPV and cervical cancer. The sample was composed of 24 articles about
HPV and cervical cancer in the Brazilian literature, published between 2000 and 2005, and
indexed in the Lilacs and Scielo databases. The analysis of the articles led to the identification
of eight thematic categories, and the results shows the importance of an understanding of
HPV in the control of cervical cancer, of prevention, early and efficient diagnosis, and the
appropriate treatment for each type of lesion to diminish morbidity and mortality caused by
this neoplasia.
1
2
3
Enfermeira. Acadêmica do Curso de Especialização em Assistência Multiprofissional a Pacientes com Agravos
Crônicos do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, de Londrina - PR. End. Rua Vereador João Carvalho
Costa, 126, Conjunto Planalto, CEP: 86220-000, Assai, Paraná. - Fone: (43) 3262-5031 E-mail:
[email protected]
Enfermeira. Acadêmica do Curso de Especialização em Assistência Multiprofissional a Pacientes com Agravos
Crônicos do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, de Londrina - PR. E-mail: [email protected]
Enfermeira. Orientadora, Docente e Coordenadora do Curso de Especialização “Assistência Multiprofissional
a Pacientes com Agravos Crônicos” do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, de Londrina – PR. Mestre em
Enfermagem Fundamental pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP-EERP). E-mail:
[email protected]
2
.
Key words: Uterine Cervical Neoplasms. Uterine Neoplasms. Papillomavirus Human.
.
INTRODUÇÃO
A neoplasia do colo uterino ainda é um sério problema de saúde pública em nosso
país. Desde a introdução da citologia oncótica cérvico-vaginal como método de rastreamento
houve uma grande redução da mortalidade devido a esse tumor; apesar disso, os índices de
mortalidade continuam não aceitáveis.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2006), o câncer do colo do útero
é a terceira neoplasia mais comum entre as mulheres, sendo a quarta causa de morte por
câncer, apesar de ser uma das poucas neoplasias preveníveis. É uma doença de longa
evolução, podendo ser detectada em fases precoces. O pico de incidência do câncer do colo
uterino ocorre em média 10 a 20 anos após a infecção pelo HPV. As estimativas da incidência
de câncer no Brasil apontam a ocorrência de 19.260 casos novos de câncer do colo uterino
para o ano de 2006.
A associação existente entre o papilomavirus humano (HPV) e o carcinoma
escamoso cervical está sendo investigado há muitos anos. Hoje se sabe do papel central deste
vírus na carcinogênese cervical e a afirmação de que não existe câncer do colo sem que o
HPV se faça presente (PINTO et al., 2002; NICOLAU, 2003). A infecção do HPV foi
reconhecida como a principal causa de câncer do colo uterino pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), em 1992.
A compreensão do HPV é de fundamental importância para o controle do câncer
do colo uterino.
Apresentamos aqui uma revisão integrativa da literatura nacional em que se
procurou identificar estudos que apontassem os fatores de correlação do HPV com o câncer
do colo uterino e contribuíssem para fundamentar a melhoria de estratégias de prevenção,
diagnóstico e tratamento.
Este estudo tem como objetivo caracterizar a produção científica nacional sobre a
correlação do HPV com o câncer do colo uterino.
MATERIAL E MÉTODOS
3
Esta é uma pesquisa bibliográfica, retrospectiva, de natureza descritiva, com
abordagem quanti-qualitativa e enfatiza a importância de compreender a relação entre o
câncer do colo uterino e o HPV para controle dessa doença.
Optamos pela técnica de pesquisa da revisão integrativa, em que os estudos
publicados são reunidos e sintetizados, obtendo os resultados evidenciados na ótica de
diversos especialistas, trazendo contribuições para melhoria no diagnóstico e tratamento da
doença.
Uma revisão integrativa deve ser rigorosa e sistemática, além de discutir os
métodos e estratégias utilizadas, avaliar as fontes e sintetizar os resultados (BROOME, apud
RODGER; KNAFL, 1993). Nosso trabalho foi desenvolvido conforme os pressupostos de
Ganong (1987) cumprindo as seis etapas que ele propõe para se obter os mesmos níveis de
clareza, rigor e replicação das pesquisas primárias.
A população foi composta por todos os artigos que abordaram o tema HPV e
câncer do colo uterino publicados em periódicos nacionais no período entre 2000 e 2005 e
indexados nas bases de dados Lilacs e Scielo.
A amostra ficou constituída de 24 artigos que preenchiam os seguintes critérios de
inclusão:
ƒ
periódicos nacionais, publicados em português, no período entre 2000 e 2005;
ƒ
indexados pelos descritores: câncer; colo do útero/colo uterino; HPV.
A análise dos dados ocorreu em duas etapas. Na primeira, examinaram-se os
dados de identificação do autor, ano de publicação e localização do artigo, sendo os dados
agrupados em um banco, codificados e formatados no programa EPI INFO 6.0.
Na etapa seguinte, foi realizada a análise de conteúdo dos artigos, em relação a
seus objetivos, ao método empregado, às suas características e delineamento conceitual ou
teórico, possibilitando uma caracterização fidedigna da amostra.
Para a coleta de dados foi elaborado um instrumento específico composto por três
partes: dados referentes ao pesquisador, à identificação do periódico e dados referentes à
pesquisa.
Os artigos que preenchiam os critérios de inclusão e não foram encontrados nas
bibliotecas das universidades de Londrina foram solicitados por meio do Sistema COMUT.
4
RESULTADOS
Os resultados são apresentados relacionados ao periódico, ao pesquisador e à
pesquisa de acordo com os itens definidos nos objetivos propostos para o estudo.
Foram encontradas 167 pesquisas com o cruzamento dos descritores propostos,
sendo o Lilacs a base de dados que apresentou o maior número (158 ou 94,6%). Somente 25
(15%) atenderam aos critérios de inclusão e, dessas, uma foi excluída por estar repetida em
duas bases de dados. Assim sendo, apenas 24 (14,4%) pesquisas foram utilizadas para este
estudo, e todas a partir do seu texto integral.
Os artigos que compõem a amostra foram publicados em 13 periódicos, com
predominância da Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (25%).
Em relação à formação profissional do primeiro autor, os médicos compõem a
grande maioria (91,6 %).
Em relação ao design, observamos que dos 24 artigos, seis (25%) eram
descritivo/retrospectivo, sendo esse design muito utilizado na enfermagem para validar nossa
prática assistencial.
As categorias temáticas emergiram da experiência das autoras deste trabalho no
ensino e na assistência aos pacientes com câncer e das publicações referentes ao câncer do
colo uterino e o HPV.
As categorias de análise referentes à temática são:
1. Definição e classificação do HPV;
2. Fatores de risco e de proteção para infecção pelo HPV e para câncer do colo
do útero;
3. Incidência e prevalência da infecção pelo HPV e do câncer do colo uterino;
4. O HPV na gênese do câncer do colo uterino;
5. Métodos de diagnóstico do HPV e do câncer do colo do útero;
6. Discordância no diagnóstico de ASCUS / AGUS;
7. Importância da prevenção e do diagnóstico precoce.
8. Abordagens terapêuticas.
5
Na busca por compreender melhor o fenômeno HPV e câncer do colo uterino,
consideramos necessário fazer uma análise do conteúdo da produção científica, o que
passamos a tratar a seguir.
Definição e Classificação do HPV
Naud et al. (2000), Alvarenga et al. (2000) e Novaes et al. (2002) definem o HPV
como um vírus DNA pertencente ao grupo do papilomavírus, da família Papillomaviridae. É
um vírus pequeno com cerca de 55 mm de diâmetro e apresenta tropismo pelo epitélio
escamoso, como pele e mucosas, acometendo também o epitélio cilíndrico.
O período de incubação é extremamente variável, de 2 semanas até cerca de 8
meses, com média de 3 meses. Em alguns casos, o período de latência pode chegar a anos ou
indefinidamente (NAUD et al., 2000 ).
A infecção pelo HPV no colo ocorre pelo contato direto é geralmente um quadro
assintomático (ALVARENGA et al., 2000) e pode ocorrer em três fases distintas: clínica,
subclínica e latente. Na grande maioria dos casos há desaparecimento espontâneo do vírus dos
locais de infecção.
A classificação ocorre pela capacidade do vírus (potencial oncogênico) de se
interagir ao genoma celular (NAUD et al., 2000; FERNANDES et al., 2004).
Naud et al. (2000) classificam como baixo risco, risco intermediário, alto risco e
risco indeterminado; Bagarelli e Oliani (2004) classificam em baixo, médio e alto risco e
ambos relatam mais de 100 tipos diferentes de vírus, sendo que aproximadamente 1/3
infectam o trato genital.
Carneiro et al. (2004) citam mais de 120 tipos já identificados e juntamente com
Fernandes et al. (2004) e Novaes et al. (2002) classificam em baixo e alto risco.
Outros autores como Jordão et al. (2003), Bigio et al. (2002), Dobo et al. (2002) e
Bringhenti et al. (2001) classificam em baixo, alto e risco intermediário.
O HPV tipos 16 e 18 são os mais comumente associados ao câncer cervical.
Fatores de risco e de proteção para infecção pelo HPV e para o câncer do colo uterino
6
Naud et al. (2000) citam alguns fatores que podem estimular o crescimento das
lesões condilomatosas como as vaginites, má higiene, gravidez, anticoncepcional oral,
alteração imune, tabagismo e umidade genital.
Yamamoto et al. (2002) relatam que a nicotina facilita a infecção e a persistência
da infecção pelo HPV, pois induz um aumento da atividade mitótica do epitélio cérvicovaginal e também devido o seu efeito depressor no sistema imunológico.
Alguns autores como Naud et al. (2000), Lapim et al. (2000), Fernandes et al.
(2004), Bagarell e Oliani (2000) e Borges et al. (2004) relatam que a persistência da infecção
do vírus leva à progressão da infecção para lesão de alto grau. Em contrapartida, Carneiro et
al. (2004), Novaes et al. (2002) e Alvarenga et al. (2000) relatam que o vírus sozinho, mesmo
na ocorrência de persistência viral, não é suficiente para causar câncer do colo uterino. Seria
necessária a participação de co-fatores como multiparidade, tabagismo, uso de
anticoncepcionais, deficiências nutricionais, co-infecção por Clamydia trachomatis e outros.
Pinto et al. (2002) também relatam vários fatores não virais que interagem em
menor ou maior intensidade com as oncoproteínas e outros elementos do HPV que podem
facilitar o desenvolvimento dos processos de imortalização e carcinogênese: resposta imune
local reduzida, resposta imune humoral e mulheres imunodeprimidas. O estado imunológico
da paciente é um dos co-fatores de primordial importância, visto que nas pacientes
imunodeprimidas a carcinogênese genital HPV induzida se estabelece de maneira súbita em
relação àquelas imunocompetentes (ALVARENGA et al., 2000 apud JACYNTHO;
BARCELOS, 1999).
Utagawa et al. (2000) acrescentam como fatores de risco a baixa condição
socioeconômica, início precoce da atividade sexual e multiplicidade de parceiros sexuais.
Segundo Borges et al. (2004) quanto mais precoce a primeira relação sexual, maior a chance
do HPV ser fator de risco para NIC ( neoplasia intraepitelial cervical), devido ao freqüente
achado da zona de transformação nessas mulheres com seu processo de metaplasia jovem.
Segundo Pinto et al. (2002), o papel da resposta imune humoral no controle da
infecção por HPV e lesões relacionadas não está completamente compreendido, entretanto
ela parece ser capaz de impedir a infecção pelo Papilomavirus.
Incidência e prevalência da infecção pelo HPV e do câncer do colo uterino
7
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima cerca de 30 milhões de novos
casos/ano mundo (NAUD et al., 2000).
A infecção pelo HPV é bastante freqüente em mulheres jovens, pois esta é uma
doença que afeta a mulher em plena vida reprodutiva e na fase de maior atividade sexual.
Com o aumento da incidência de infecção pelo HPV em adolescentes sexualmente ativas, o
surgimento de lesões intraepiteliais neoplásicas podem progredir mais rapidamente devido à
imaturidade da cérvix (CARNEIRO et al., 2004; SARIAN et al., 2003; BRINGHENTI et al.,
2001; UTAGAWA et al., 2000).
Naud et al. (2000) citam que as taxas de incidência da infecção pelo HPV podem
alcançar cerca de 30% a 40% em pacientes abaixo de 20 anos; depois dos 35 anos, a
prevalência diminui para cerca de 10% e a infecção pelo HPV de alto risco para cerca de
5%; enquanto a infecção pelo HPV diminui com a idade, a incidência de câncer cervical
aumenta.
Na população em geral, a prevalência da infecção pelo HPV está entre 0,5% a
2,5% com múltiplas variações regionais (BRINGHENTI et al., 2001).
Estudos apontam uma prevalência de 93% de HPV em lesão cancerosa invasiva
(CARNEIRO et al., 2004).
O HPV na gênese do câncer do uterino
Os vírus, associados a substâncias químicas e radiação, parecem ser as causa de
câncer (DOBO et al., 2002; NOVAES et al., 2002). A ação carcinogênica viral associa-se às
alterações genéticas nos processos de controle do ciclo celular e da diferenciação celular. Nas
células cancerosas o controle genético é falho e elas se reproduzem descontroladamente,
formando um tumor; ao contrário das células normais que durante o processo natural do ciclo
vital replicam, diferenciam-se em vários tipos e então morrem.
Segundo Bagarelli e Oliane (2004) e Alvarenga et al. (2000), quando o HPV
infecta a célula, pode haver interação do seu genoma ao da célula hospedeira imatura,
impedindo a diferenciação e maturação celular. A célula transformada contém o DNA viral.
Infecção persistente por 10 a 20 anos permite o desenvolvimento de alterações genéticas
adicionais e progressão de lesões de baixo, moderado e alto grau para câncer invasor.
8
Novaes et al. (2002) relatam que o resultado da inserção do vírus ao genoma
celular é a imortalização das células, ou seja, estas células adquirem a capacidade de
reprodução contínua e com número de vezes teoricamente indefinido.
Em estudos utilizando técnicas de mensuração viral foi confirmado que
determinados tipos de HPV são a causa central do desenvolvimento do câncer cervical e seus
precursores (BIGIO et al., 2002).
Métodos de diagnóstico de HPV e do câncer do colo do útero
A prevenção e o diagnóstico precoce constituem as formas ideais para reduzir a
morbidade e a mortalidade decorrentes das neoplasias do colo uterino, sobretudo nos países
em desenvolvimento (SEBASTIÃO et al., 2004, p. 431).
Naud et al. (2000) e Alvarenga et al. (2000) descrevem vários métodos de
diagnóstico para a infecção por HPV, desde o diagnóstico clínico até os de biologia
molecular, sendo que estes são utilizados para identificação dos diferentes tipos de HPV em
lesões subclínicas e até em estados latentes da infecção.
O exame citopatológico (Papanicolaou) é um método muito útil e difundido
mundialmente no rastreamento do câncer do colo uterino (LAPIN et al., 2000; BRINGHENTI
et al., 2001), e é considerado como a melhor estratégia de Saúde Pública para detecção de
lesões pré- neoplásicas e neoplásicas (KANESHIMA et al., 2001; JORDÃO et al., 2003),
além de ser um dos recursos mais importantes já disponibilizados em medicina preventiva,
tendo contribuído em muito para a redução da mortalidade por câncer do colo do útero em
alguns países (CARNEIRO et al., 2004; CORDEIRO et al., 2005). Porém, muitos autores
(LAPIN et al., 2000; NETO et al., 2000; BRINGHENTI et al., 2001; BIJO et al., 2002;
JORDÃO et al., 2003; KANESHIMA et al., 2003; CARNEIRO et al., 2004; GONTIJO et
al., 2004; CORDEIRO et al., 2005) citam vários problemas, como limitações e casos de
falso-negativos (baixa sensibilidade) e falso-positivos (baixa especificidade) no uso do
método, principalmente em países em desenvolvimento. Com isto, tem-se estudado a
introdução de métodos de biologia molecular para detectar as mulheres com maior risco para
lesões cervicais mais graves ou para auxiliar no diagnóstico e tratamento daquelas com
anormalidades de baixo grau ou diagnóstico impreciso (LAPIN et al., 2000; NETO et al.,
2000; YAMAMOTO et al., 2002; BIGIO et al., 2002; DOBO et al., 2002; BAGARELLI;
9
OLIANI, 2004). A eficiência e a conveniência deste método levam muitos a considerarem
seriamente sua utilização em programas de prevenção do câncer cervical, até mesmo com
potencial para substituir a triagem citológica. Seu papel, entretanto, ainda está por ser definido
(CARNEIRO et al., 2005).
Kaneshima et al. (2001) e Bigio et al. (2002) acrescentam que os testes de
biologia molecular, dentre os quais a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) que é o método
mais sensível, tornam as decisões na conduta clínica mais fáceis, baseando-as em critérios
objetivos, ao invés de critérios morfológicos e colposcopia arbitrárias.
Vários estudos e o FDA (Food and Drug Administration), órgão do governo dos
Estados Unidos que fiscaliza alimentos e medicamentos, aconselham a captura híbrida para
pesquisa do HPV juntamente com o exame Papanicolaou para o rastreamento primário de
câncer do colo em mulheres acima de 30 anos (NICOLAU, 2003). O autor enfatiza que as
pesquisas devem continuar na busca de métodos diagnósticos mais sensíveis e de menor
custo, para dar cobertura a toda a população feminina susceptível e de risco.
A inspeção visual do colo uterino, após aplicação de ácido acético, é sugerida por
Carneiro et al. (2004), Gontijo et al. (2004) e Cordeiro et al. (2005) como método de rastreio
alternativo para auxiliar na triagem do câncer cervical, com a finalidade de diminuir o número
de falso-negativo pela citologia, principalmente em regiões com baixos recursos financeiros.
É um método simples, de fácil aprendizado, rápido, sensível, de baixo custo, tem resultado
imediato e pode ser realizado por pessoal de saúde não-médico, reduzindo os custos com mão
de obra–especializada e ampliando a cobertura da população de alto risco.
Discordância do diagnóstico de ASCUS/AGUS
O Sistema Bethesda (TBS) foi criado para eliminar a confusão de diagnóstico,
reduzir erros da CO e exames excessivos e desnecessários, pois traz um sistema de
terminologia da citologia padronizada e simplificada, introduzindo os termos citológicos de
lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL) e lesão intraepitelial escamosa de alto-grau
(HSIL). Em 1991, o TBS foi revisto e um nova classe foi criada, a da ASCUS (células
escamosas atípicas de significado indeterminado). Porém, não houve redução dos falsopositivos com a introdução da nova terminologia (BIGIO et al., 2002).
10
Neto et al. (2000) e Kaneshima et al. (2001), citam que de 10% a 15% e 10% a
39%, respectivamente, das pacientes com diagnóstico de ASCUS tenham na verdade lesões
de alto grau (NIC 2 ou 3) ou câncer, e que essas mulheres deveriam ser submetidas a exames
complementares e testes biomoleculares para se excluir a presença de
alterações mais
importantes.
Segundo Sebastião et al. (2004), devido às discordâncias no diagnóstico de
ASCUS e AGUS (células glandulares atípicas de significado indeterminado) por múltiplos
fatores como formação profissional, vários programas de prevenção do câncer do colo do
útero em todo mundo começaram a utilizar programas de controle para garantir a
credibilidade dos exames citopatológicos. Sugerem que, diante de dúvida diagnóstica, há a
necessidade de consulta interpatologista como tentativa de maior asseguramento quanto ao
controle de qualidade do diagnóstico e a diminuição da taxa de erros, que podem acarretar em
tratamento clínico inadequado. Acrescentam também que o bom relacionamento e o
entrosamento entre o ginecologista e o patologista contribuem para a melhora do diagnóstico.
Importância da prevenção e do diagnóstico precoce
De acordo com o INCA (2006), o câncer do colo do útero é o que apresenta um
dos mais altos potenciais de prevenção e cura, chegando perto de 100%, quando
diagnosticado precocemente.
O conceito mais amplo de prevenção significa reduzir a mortalidade causada por
determinada doença. Na prática, compreende ações que evitam que ela ocorra, que permitam
detectá-la antes que se manifeste clinicamente e que reduzam os efeitos mórbidos quando a
mesma já está instalada (NETO et al., 2000, p.39). O autor relata ser necessário constante
informação para a população dos fatores de risco que estão associados ao HPV, em especial
aqueles relacionados com o comportamento sexual; que municípios implementem programas
permanentes e definam estratégias para aumento da cobertura dos exames citológicos
periódicos e cita o Programa Saúde da Família como estratégia.
Utagawa et al. (2000) reforçam a importância dos Programas de Prevenção do
Câncer Ginecológico, entre eles a educação sexual para adolescentes, devido ao aumento
progressivo de casos de lesões de baixo grau neste grupo. Alvarenga et al. (2000) e Nicolau
11
(2003) também citam as ações em saúde sexual para efetivar medidas de prevenção de
infecção pelo HPV e para coibir infecções recorrentes.
Segundo Gontijo et al. (2004), se a qualidade e a cobertura do rastreamento e
seguimento forem altos, a incidência do câncer cervical pode ser reduzida em até 80%.
Abordagens terapêuticas
Nenhum tratamento erradica o HPV (NAUD et al., 2000; YAMAMOTO et al.,
2002). Naud et al. (2000) esclarecem que o objetivo do tratamento é a remoção da lesão, a
melhora clínica e evitar a transmissão do vírus. Não existe tratamento ideal, mas os autores
apresentam alternativas de tratamento para lesões clínicas e sub-clínicas.
Lapim et al. (2000) sugerem que lesões cervicais HPV induzidas de baixo grau
(HPV/NIC 1) não necessitam de propedêutica e tratamentos agressivos e orienta repetir a
coleta em 6 meses. Já as mulheres com NIC 2 e 3 deveriam ser adequadamente tratadas pelo
alto risco de transformação para lesão cancerosa invasiva.
Alvarenga et al. (2000) registram a urgente necessidade de tratar o parceiro sexual
das mulheres, vez que, quando este é acometido pelo HPV, se constitui em fonte de
transmissão, de recidivas ou de resistência ao tratamento. Já Nicolau (2003) relata que em
relação ao parceiro, para o casal constituído, ainda não está clara quando investigar ou tratar a
doença, especialmente quando subclínica. As evidências demonstram que a história natural da
doença parece ter seu curso independente em cada um dos parceiros e não há risco de reinfecção.
A vacina anti-HPV constitui uma das maiores vitórias já conseguidas na luta
contra o câncer. No dia 08 de junho de 2006, o FDA dos Estados Unidos aprovou a liberação
de uma vacina contra o HPV para ser aplicado em mulheres entre 9 e 26 anos de idade e que
nunca tiveram contato com o HPV . O produto do laboratório fabricante Merck Sharp &
Dohme, com o nome comercial Gardasil, foi testado em vários países, inclusive no Brasil. A
proteção das mulheres que receberam as doses foi de 100% (Agência FAPESP, 2006).
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deverá aprovar o Gardasil até
o final do ano de 2006. A vacina é feita de uma partícula semelhante ao HPV, mas sem a
informação genética do vírus, aumentando a segurança do produto e protege contra os quatro
tipos de vírus (6, 11, 16 e 18) mais comuns na população, reduzindo em 70% os casos de
12
câncer do colo do útero e em 90% os de verrugas genitais; requer três doses para ser eficaz,
oferecendo proteção por cerca de 5 anos (INCA, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos artigos evidenciou que atualmente é amplamente aceito o HPV
como agente etiológico do câncer do colo uterino. Com a introdução da citologia oncótica
cérvico-vaginal, houve uma importante redução da morbimortalidade por câncer cervical;
porém, essa doença continua sendo um sério problema de saúde, principalmente em países em
desenvolvimento como o Brasil, devido a várias falhas nos programas de prevenção, em que
apenas uma pequena parte da população é adequadamente triada. Atualmente, há uma grande
preocupação em relação à melhoria do diagnóstico citopatológico. A utilização de técnicas de
biologia molecular, baseadas na pesquisa viral, tem surgido como nova possibilidade de
diagnóstico precoce; porém, seu papel ainda está por ser definido. Devem-se continuar as
pesquisas na busca de métodos diagnósticos mais sensíveis e de menor custo para dar
cobertura a toda população feminina.
A vacina contra o HPV é um grande avanço, mas é prudente não admitir que essa
seja a solução final, pois 30% dos tumores ainda estão descobertos pela vacina; a duração da
imunidade é limitada e o custo elevado. O preço anunciado nos Estados Unidos é de US$ 120
cada dose.
É de vital importância que os municípios implementem programas permanentes,
definam estratégias para o aumento da cobertura dos exames citológicos periódicos,
principalmente nos grupos com maior vulnerabilidade social onde se concentram as maiores
barreiras de acesso à rede de serviços de saúde; realizem controle de qualidade desses exames
e utilizem as ações em saúde sexual para efetivar medidas de prevenção de infecção pelo
HPV, principalmente entre adolescentes.
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jan-jun. 2002.
Submissão: maio de 2006
Aprovação: agosto de 2006
1
MOTIVOS REFERIDOS PARA ABANDONO DE TRATAMENTO EM UM SISTEMA
PÚBLICO DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Reasons given for dropping out of treatment at a public Mental Health Care Service
Mário Sérgio RibeiroI; José Luís da Costa PoçoII
I
Professor Adjunto de Psiquiatria da UFJF, Coordenador do Laboratório de Pesquisas em
Personalidade, Álcool e Drogas da UFJF, Doutor em Filosofia pela UGF
II
Médico, funcionário da Prefeitura de Juiz de Fora e do Ministério da Saúde, especialista em
Clínica Médica e pós-graduado em Saúde da Família
Endereço: M. S. Ribeiro - Rua Severino Meireles, 325/902 - CEP 36025-040 - Juiz de Fora –
MG E-mail: [email protected]
Resumo
O presente estudo avalia motivos de abandonos de tratamento em saúde mental em um
sistema baseado no modelo da Atenção Primária à Saúde, o Sistema Municipal de Saúde
Mental de Juiz de Fora (SMSM-JF). Inicialmente, foram ativamente buscados 224 pacientes
referenciados por uma Unidade Saúde e que haviam, anteriormente, abandonado o tratamento.
Foram localizados 119 pacientes, e a maioria (67,4%) foi entrevistada em seu domicílio.
Dentre 113 pacientes e/ou responsáveis em condições de informar, 57,5% afirmaram não ter
voltado a procurar atendimento em saúde mental. Entre os que retomaram tratamento, 33,3%
voltaram ao SMSM-JF e 15,2% buscaram outros serviços ou especialistas do Sistema Único
de Saúde (SUS). Entre os motivos de abandono, cerca de 35% referiram que obtiveram
melhora e/ou que o tratamento não seria mais necessário, enquanto 19% consideraram que o
tratamento fora inadequado ou ineficaz. Solicitados a sugerir melhorias, houve 57 sugestões
pertinentes, 49 (86%) indicando a necessidade de facilitar o acesso ao atendimento. Os
resultados apontam para desejáveis e possíveis modificações estruturais do SMSM-JF e
reforçam a importância de um acompanhamento mais próximo daqueles usuários que não
comparecem às consultas agendadas.
Palavras-chave: Saúde Mental. Serviços de Saúde Mental. Abandono de Tratamento.
Motivos para Abandono de Tratamento.
Abstract
The present paper evaluates the reasons for treatment dropout in a Public Mental
Health System (SMSM-JF) based on Primary Care in Juiz de Fora, Brazil. Initially,
2
researchers tried to locate 224 patients who had been referred by a Primary Care Unit and had
previously abandoned treatment. 119 patients were located and most (67.4%) were
interviewed at home. Of 113 patients and/or persons responsible for the patients who were
able to respond, 57.5% admitted they were no longer seeking mental health care. Of those
who resumed treatment, 33.3% went back to SMSM-JF and 15.2% went for non-mental
health public services in the same city. The reasons for attrition included mental improvement
and/or the evaluation that treatment was no longer necessary (35%) and the understanding that
treatment did not suit patients’ needs (19%). When asked for suggestions to improve SMSMJF, 86% of the pertinent answers indicated the need to facilitate access to care. The results
point to possible and desirable structural modifications to the SMSM-JF and stress the
relevance of a closer follow-up of those individuals who do not show up for regular
appointments.
Key words: Mental Health. Mental Health Services. Treatment Dropout. Reasons for
Treatment Dropout.
Introdução
Os sistemas de saúde mental vêm sendo reformados em diversos países, com ênfase na
desinstitucionalização e no desenvolvimento de serviços com base na comunidade e
integrados ao sistema geral de saúde. O Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001 (WHO,
2001), especificamente focado na saúde mental, ressalta que o controle e tratamento dos
transtornos mentais, no contexto da atenção primária, são fundamentais para que um maior
número de pessoas obtenha acesso mais fácil e rápido aos serviços, melhorando a atenção e
diminuindo desperdícios por investigações desnecessárias e tratamentos inespecíficos ou
inapropriados.
Starfield (2002) conceitua a Atenção Primária à Saúde como aquele nível de um
sistema de serviços que oferece a entrada neste sistema para todas as necessidades e
problemas de saúde, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no
decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou
raras, e coordena ou integra a ação fornecida em algum outro lugar ou por terceiros. A mesma
autora, ao analisar as características da atenção referenciada a outros níveis identifica duas
modalidades de atenção: por consultoria (curta duração) ou por encaminhamento (longa
duração).
3
Especificamente em relação à saúde mental, Gask e Croft (2000) relacionam três
modelos para atender as necessidades de atenção à saúde mental na atenção primária. No
modelo substitutivo, o psiquiatra ou outro profissional de saúde mental torna-se o responsável
pelo primeiro contato, por exemplo, em centros comunitários de saúde mental. No modelo de
“aumento de fluxo”, os médicos generalistas são encorajados a aumentar a referência.
Finalmente, no modelo de “consultoria-ligação”, os profissionais de saúde mental deixam o
serviço especializado e tentam estabelecer ligação com os generalistas na comunidade. A
estratégia de consultoria-ligação pode adquirir diversos formatos, que diferem entre si em
função da intensidade do contato direto entre o paciente e os profissionais de saúde mental.
Ao se avaliar programas ou sistemas de atenção à saúde, deve-se verificar se as metas
estabelecidas pelos gestores foram atingidas e se as necessidades da população estão sendo
atendidas. A avaliação de programas de atenção primária compreende, entre outros aspectos
fundamentais, a qualidade clínica da atenção. As informações referentes aos processos e
resultados da atenção podem ser obtidas nos prontuários, por observação, por entrevistas com
os pacientes ou utilizando-se atores atuando como “pacientes simulados” (STARFIELD,
2002). Conforme sugerido por Hermann (2000), no terreno da saúde mental, a monitorização
da atenção depende do desenvolvimento de “medidas de qualidade” que possam avaliar o
atendimento e dar apoio às atividades do serviço. Ao rever as metodologias e estratégias de
pesquisa para avaliação de serviços de atenção em saúde mental, Vasconcelos (1995) sugere a
utilização da combinação de métodos quantitativos e qualitativos, recomendando os estudos
de caso, ou estudos de casos comparados, como os mais apropriados, particularmente aqueles
de corte longitudinal. A maior parte da pesquisa sobre modelos cooperativos de atenção à
saúde mental no nível primário é descritiva (CRAVEN; BLAND, 2002).
Para uma adequada enunciação das políticas para a atenção primária à saúde, há
necessidade de criação de sistemas de informação que contenham dados coletados de maneira
rotineira e uniforme nos serviços; ou de levantamentos sistemáticos de amostras da
comunidade ou das unidades de saúde (STARFIELD, 2002). Administradores e planejadores
no campo da saúde devem ter em mente o conceito de necessidade de atenção à saúde,
sabendo converter os dados sobre os estados de saúde e condutas adotadas em medidas de
necessidades e necessidades insatisfeitas, em termos atuais e futuros (DONABEDIAN, 1989).
A avaliação dessas necessidades e dos resultados obtidos pelos pacientes incluídos em
sistemas de saúde é fundamental para melhorar a efetividade dos programas (ALMEIDA;
XAVIER, 1995). Todavia, tendo em vista as altas taxas de abandono de tratamento
freqüentemente encontradas em programas de saúde mental, podem ocorrer distorções
4
importantes, se não forem incluídas informações sobre os pacientes que não se mantiveram
em tratamento (YOUNG, 2000). Deve-se estar atento à mensuração das taxas de abandono e
de rejeição, pois a intervenção deve ser considerada ineficaz se a população a considera
inaceitável e a rejeita (PERKINS, 2001). A pesquisa de fatores associados ao abandono de
tratamento em saúde mental em diferentes sistemas de saúde é freqüentemente realizada
retrospectivamente, com base em dados de prontuários ou sistemas de informação (FUCIEC,
2003; HERINCKX, 1997; MELO; GUIMARÃES, 2005; PERCUDANI, 2002; ROSSI, 2002).
Há poucos estudos de seguimento, com busca ativa e entrevista dos pacientes que
abandonaram o tratamento (EDLUND, 2002; YOUNG, 2000).
Este trabalho tem por objetivo avaliar os motivos de abandono de tratamento em saúde
mental em um sistema de referência e contra-referência, pesquisar eventuais alternativas de
tratamento utilizadas pelos pacientes e coletar, junto aos usuários, sugestões de melhorias para
o processo de atendimento.
Metodologia
ƒ
Contextualização da Pesquisa
A partir de 1997, iniciou-se em Juiz de Fora a estruturação do Sistema Municipal de
Saúde Mental (SMSM-JF), reorganizando a assistência à saúde mental e inserindo-a nas
atribuições do nível primário de atenção, em um modelo hierarquizado, descentralizado e
regionalizado (RIBEIRO, 2003). Nessa nova dinâmica, as Unidades Básicas de Saúde (UBS)
deixaram de ser apenas encaminhadoras de pacientes, passando a funcionar como primeira
instância de diagnóstico e tratamento, fazendo também a seleção dos usuários que necessitam
ser referenciados aos especialistas nos Centros Regionais de Referência em Saúde Mental
(CRRESAM) e mantendo o tratamento dos pacientes contra-referenciados. Cada CRRESAM
tem de 3 a 5 UBS´s sob sua responsabilidade e seus técnicos, após confirmar, modificar ou
estabelecer diagnóstico e tratamento inicial, contra-referenciam os pacientes para a UBS de
origem, com as orientações quanto ao tratamento a ser mantido, ou os encaminham para
tratamento em Programas Especiais (PROESAM), específicos para cada grupo de transtornos
mentais (RIBEIRO, 2000).
A UBS São Pedro foi incluída no SMSM-JF desde o início do processo de
reformulação da assistência, em setembro de 1997, fazendo parte do projeto piloto implantado
na região oeste da cidade. O primeiro estudo que avaliou, a partir do nível primário, o
processo de atendimento no SMSM-JF — daqui por diante identificado como Estudo de
Referência (POÇO; AMARAL, 2005) — analisou os prontuários de 356 pacientes maiores de
5
12 anos incluídos pela UBS São Pedro no SMSM-JF, entre setembro de 1997 e maio de 2001.
O elevado índice de abandonos de tratamento encontrado (226, ou 63,5%) indicava a
necessidade de uma investigação específica que pudesse contribuir para melhorar a adesão ao
tratamento. Abandono de tratamento foi então definido como a interrupção de tratamento por
3 ou mais meses, sem alta médica ou contra-referência, tomando-se o mês de novembro de
2001 como referência para a identificação dos abandonos.
ƒ
Desenho da Pesquisa
Trata-se de um estudo de tipo corte transversal, tomando por base 226 pacientes que
foram considerados como em abandono de tratamento — isto é, que interromperam
unilateralmente seu processo de tratamento. Destes 226 sujeitos, foram excluídos 2 pacientes
cujos prontuários não continham endereço ou telefone. Os 224 usuários localizáveis foram
considerados como Grupo de Referência para o estudo. Os diagnósticos e as datas de inclusão
no SMSM-JF foram obtidos a partir do banco de dados do Estudo de Referência (POÇO;
AMARAL, 2005). Foi utilizado o diagnóstico formulado na UBS, já que uma parte dos
pacientes abandonou o tratamento antes de ter o diagnóstico confirmado ou modificado pela
equipe do CRRESAM. Este estudo, iniciado como um processo de avaliação institucional,
obedece aos padrões normativos de manutenção do sigilo e confidencialidade, e à Declaração
de Helsinki, apresentando-se apenas os dados agregados.
Com o objetivo de avaliar os motivos de abandono do tratamento em saúde mental,
procedeu-se a um processo de “busca ativa”, isto é, uma tentativa de contato por visita
domiciliar ou por telefone dos pacientes que haviam abandonado o tratamento — ou de seus
familiares ou responsáveis. Uma vez localizados, eram entrevistados por meio de um
questionário com 3 perguntas abertas, em que pacientes, familiares ou responsáveis eram
solicitados a informar: 1- os motivos do abandono; 2- a eventual manutenção, após o
abandono, de tratamento em saúde mental em outros serviços; 3- sugestões de modificações
no processo de atendimento que pudessem facilitar sua adesão ao tratamento no SMSM-JF.
As entrevistas foram realizadas, entre abril e agosto de 2003, por uma estagiária — bolsista do
Departamento de Saúde Mental do SUS-JF — da Faculdade de Administração da UFJF,
evitando-se assim o viés que poderia ocorrer caso a coleta dos dados fosse feita por
participantes do processo de atendimento. A entrevistadora foi orientada a registrar as
respostas de forma literal, sem interpretações pessoais.
Dentre os 224 usuários localizáveis, 174 haviam informado, além do endereço
domiciliar, um número de telefone, próprio ou de terceiros, para contato. Visando,
6
secundariamente, comparar a efetividade das duas formas de busca ativa dos pacientes
faltosos, esse contingente de pacientes com endereço e telefone foi dividido em dois
subgrupos em relação à forma inicial de busca ativa: cerca de 50% (88) foram designados
para entrevista telefônica e, para os demais 86 pacientes, foi programada a entrevista em visita
domiciliar. A separação dos dois subgrupos de busca foi feita de forma aleatória, seguindo
alternadamente a ordem de inclusão no banco de dados do grupo inicial de referência, que por
sua vez fora determinada pela seqüência de localização dos prontuários no arquivo da UBS.
Obviamente, todos os outros 50 pacientes que não haviam informado telefone, ou seja,
aqueles em que a única forma de localização era o endereço residencial, foram designados
para entrevista domiciliar.
Em ambas as formas de busca foram feitas até três tentativas de contato, em diferentes
horários e dias da semana. Quando o paciente não era localizado sob a forma de contato
inicialmente programada, buscava-se a outra alternativa: assim sendo, os usuários
programados para entrevista telefônica, e não localizados, foram visitados em seus endereços;
e aqueles programados para entrevista domiciliar, e também não localizados, mas que haviam
informado algum telefone, foram procurados por telefone. Note-se que todos os pacientes
designados para entrevista telefônica tinham endereço informado e apenas 63,23% dos
pacientes programados para entrevista domiciliar haviam indicado telefone de contato.
A análise das respostas aos questionários obedeceu a uma adaptação da técnica de
Análise de Conteúdo Temática-Estrutural (MINAYO, 2000; TURATO, 2003), mantida em
duas fases distintas. A partir das respostas abertas, fornecidas pelos pacientes ou
familiares/responsáveis, a estagiária fez uma transcrição inicial das respostas para o banco de
dados, na qual se limitava a digitar o aspecto substantivo das respostas. Em seguida, os
pesquisadores procederam à categorização das respostas. Realizou-se, então, a verificação das
freqüências de respostas nas categorias identificadas.
Na consolidação do banco de dados, tratamento estatístico dos resultados e confecção
das tabelas foi utilizado o "software" EPI-INFO, versão 2000. Os métodos estatísticos de
avaliação de significância, conforme indicado pelo próprio programa, são informados na
apresentação dos resultados.
Resultados
A composição do grupo de referência é apresentada na Tabela 1.
7
Tabela 1 - Distribuição de diagnósticos de transtornos mentais, por sexo e idade, em
pacientes atendidos na UBS São Pedro, entre setembro/1997 e maio/2001, que abandonaram
tratamento (n = 224)
Transt.
Afetivos
N
%
Gênero
Feminino
Masculino
Faixa Etária
12-19
20-29
30-39
40-49
50-59
60 ou +
Transt.
Transt.
Transt. Transt. Sub
Não
Total
Ansiedade Orgânicos Psicóticos Psicoativa Registrado
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N %
40
15
72,7
27,3
53
34
60,9
39,1
2
1
66,7
33,3
8
9
47,1
52,9
25
30
45,5
54,5
5
2
71,4 133 59,4
28,6 91 40,6
4
13
16
6
10
6
7,3
23,6
29,1
10,9
18,2
10,9
9
19
30
16
8
5
10,3
21,8
34,5
18,4
9,2
5,7
0
2
0
1
0
0
0
66,7
0
33,3
0
0
3
1
4
6
2
1
17,6
5,9
23,5
35,3
11,8
5,9
4
9
17
17
5
3
7,3
16,4
30,9
30,9
9,1
5,5
1
1
3
1
1
0
14,3
14,3
42,9
14,3
14,3
0
21
45
70
47
26
15
9,4
20,1
31,3
21,0
11,6
6,7
O endereço domiciliar apresentou-se como forma de contato inicial mais confiável que
o telefone. De forma estatisticamente significativa (p= 0,0001, pelo Teste do χ²) observou-se
mais substituições no grupo originalmente programado para contato telefônico (52,3%) do
que no grupo designado para contato por visita domiciliar (22,8%) (Tabela 2). Diversamente,
entre os pacientes localizados e entrevistados, os contatos foram, significativamente (p=0,019
pelo χ²), realizados em maior proporção por via telefônica (Tabela 3).
Tabela 2 – Formas de contato inicialmente programadas e efetivamente realizadas (n=224)
Formas de contato
Domiciliar
Telefônico
Total
Inicialmente
Programado
Freq
%
Efetivamente Realizado
Domiciliar
Telefônico
Freq
%
Freq
%
60,7 105
136
39,4
88
46
100
224
151
(p = 0,0001, pelo χ²)
77,2
31
52,3
67,4
42
73
22,8
47,7
32,6
Dos 224 pacientes buscados, 105 não foram localizados, compreendendo 23 casos de
mudança de endereço (informada geralmente por vizinhos ou novos moradores do exdomicilio); 34 casos em que o endereço e/ou telefone constantes nos prontuários estavam
aparentemente incorretos, uma vez que os pacientes não eram conhecidos pelas pessoas
contatadas; e ainda 48 situações em que a entrevistadora atingiu o número limite de tentativas
sem conseguir contato com o paciente ou algum familiar ou responsável. Foram, portanto,
localizados e entrevistados 119 pacientes ou seus familiares/responsáveis. A forma final de
contato para a entrevista parece ter influenciado, de forma significativa, a possibilidade de sua
realização (p=0,019 pelo χ²), conforme acima mencionado. O índice de entrevistados
8
manteve-se em torno de 50% para a maioria dos diagnósticos. As exceções significativas
foram os portadores de Transtornos Psicóticos, com índice de entrevistados de 76,5%
(p=0,045, pelo Teste do χ²) e os casos de Transtornos Mentais Orgânicos, em que todos os 3
pacientes foram entrevistados (p=0,148, pelo Teste de Fisher). As idades-médias, máxima,
mínima e desvio-padrão foram bastante próximos nos dois subgrupos, isto é, de entrevistados
e não-entrevistados. Ao contrário do que poderia ser esperado, não houve maior dificuldade
de localização dos usuários com mais tempo de inclusão (e, provavelmente, de abandono).
Deve ser ressalvado que não dispomos de uma data de abandono nos registros dos usuários e
optamos por utilizar a data de inclusão no SMSM-JF como forma de distribuir os usuários ao
longo do período estudado (Tabela 3). A rigor, pode-se afirmar que o subgrupo de pacientes
entrevistados, exceto por parâmetros diagnósticos, é bastante semelhante ao de nãoentrevistados.
Tabela 3 – Distribuição, por formato da entrevista, diagnóstico, idade média, gênero e ano de
inclusão no SMSM, dos pacientes entrevistados e não-entrevistados
ENTREVISTADOS
(n= 119)
ENTREVISTA ADOTADA
(formato final) *
Domiciliar
Telefônica
DIAGNÓSTICO
Transt. Afetivo/de Humor
Transt. Ansiedade/Neurótico
Transt. Mental Orgânico **
Transt. Psicótico/Delirante ***
Transt. Uso Subst. Psicoativa
Não Registrado
IDADE
Média
Mínima
Máxima
Desvio-Padrão
GÊNERO
Masculino
Feminino
ANO DE INCLUSÃO
1997
1998
1999
2000
2001
NÃOENTREVISTADOS
(n= 105)
Freq
%
Freq
%
72
47
47,7
64,4
79
26
32
44
3
13
24
3
58,2
50,6
100
76,5
43,6
42,9
23
43
0
4
31
4
36,7
12
74
13,7
TOTAL
(n= 224)
Freq
%
52,3
35,6
151
73
67,4
32,6
41,8
49,4
0
23,5
56,4
57,1
55
87
3
17
55
7
24,6
38,8
1,3
7,6
24,6
3,1
37,5
13
76
13,2
37,1
12
76
13,4
45
74
37,8
62,2
46
59
43,8
56,2
91
133
40,6
59,4
16
33
39
25
6
57,1
48,5
57,4
51,0
54,5
12
35
29
24
5
42,9
51,5
42,6
49,0
45,5
28
68
68
49
11
12,5
30,4
30,4
21,9
4,9
* (p=0,019 pelo χ2); ** (p= 0,148 pelo Fisher); *** (p= 0,045 pelo χ2)
9
Por motivos diversos, desde estados de desorientação — tanto de pacientes como de
familiares — até informantes que nada sabiam sobre pacientes que não mais residiam no
endereço fornecido, as informações relativas a 6 pacientes incluídos entre os localizados não
foram consideradas nas análises que se seguem. Das 113 entrevistas efetivamente analisadas,
82 (72,6%) foram feitas com o próprio paciente e as outras 31 (27,4%) com familiares ou
responsáveis. As respostas obtidas quanto às motivações para o abandono, às alternativas de
tratamento utilizadas e às sugestões de melhorias para o SMSM-JF são apresentadas na
Tabela 4.
Tabela 4 - Motivos de Abandono, Alternativas de Tratamento e Sugestões de Melhorias
Conjuntos de respostas
Freq
%(*)
Motivo do Abandono
Sem informações/ não recorda
29
25,6 ( - )
Falecido ou desaparecido
6
5,3 ( - )
Mudança de domicílio
3
2,7 ( - )
Obteve melhora/ tratamento não mais necessário
26
23 (34,7)
O tratamento não foi adequado/eficaz
14
12,3 (18,7)
Falta de tempo/coincidência com horário de trabalho
9
8 (12)
Recusa ou desinteresse pelo tratamento
7
6,2 (9,3)
Recebeu encaminhamento médico para outro local
7
6,2 (9,3)
Problemas de saúde (próprios ou de familiares)
5
4,4 (6,7)
Dificuldade para marcação das consultas
3
2,7 (4)
Inadaptação aos profissionais
3
2,7 (4)
Não se considerava doente
1
0,9 (1,3)
Total
113
100 (100)
Alternativas de Tratamento Utilizadas
Sem informações/ não recorda
15
13,3 ( - )
Não voltou a procurar atendimento em saúde mental
65
57,5 (66,3)
Voltou a tratar-se no SMSM-JF
11
9,7 (11,2)
Outros serviços/especialidades do SUS em JF
5
4,4 (5,1)
Serviços ambulatoriais conveniados/particulares fora do SUS
5
4,4 (5,1)
Serviços ambulatoriais filantrópicos
4
3,5 (4,1)
Serviços de outros municípios
3
2,7 (3,1)
Solução religiosa e outras
3
2,7 (3,1)
Internação psiquiátrica
2
1,8 (2)
Total
113
100 (100)
Sugestões de Melhorias
Sem sugestões ou sugestões não-relacionadas ao SMSM-JF
56
49,5 ( - )
Facilitar/agilizar o acesso ao atendimento
49
43,4 (86)
Melhorar o processo de atendimento
8
7,1 (14)
Total
113
100 (100)
* os percentuais entre parênteses se referem às respostas consideradas pertinentes à questão formulada.
Cerca de 26% dos pacientes ou informantes não se recordavam do motivo do
abandono e 3% interromperam o tratamento por mudanças de domicílio. Foram informados 1
desaparecimento, 1 suicídio, e 4 óbitos por outras causas. O desaparecimento foi de um rapaz
10
de 17 anos com diagnóstico de Transtorno por Uso de Substâncias Psicoativas e o suicídio —
ocorrido durante internação psiquiátrica, segundo relato da família aos técnicos da UBS — foi
de uma mulher de 38 anos, alcoolista. Dos que responderam de forma pertinente à pergunta,
cerca de 35% referiram que obtiveram melhora e/ou que o tratamento não seria mais
necessário, enquanto que cerca de 19% consideraram que o tratamento não teria sido
adequado ou eficaz.
Quanto às alternativas de tratamento utilizadas após o abandono no SMSM-JF, 15 dos
entrevistados não souberam informar. Entre os que responderam, a maior parte (65, ou 66,3%)
não voltou a procurar atendimento em saúde mental, enquanto os 33,7% restantes voltaram a
se tratar, no próprio SMSM-JF (11,2%) ou em outros serviços (Tabela 4). Curiosamente, entre
os que relataram ter voltado a procurar tratamento em saúde mental, estavam oito pacientes
que disseram haver interrompido o tratamento por considerá-lo desnecessário, conforme foi
possível observar através do cruzamento de respostas. Da mesma forma, dos quatorze
usuários que informaram ter abandonado o tratamento por considerá-lo inadequado ou
ineficaz, apenas um voltou a buscar tratamento no SMSM-JF e quatro voltaram a tratar-se em
outros locais. Os três pacientes cujo motivo de abandono foi a inadaptação aos profissionais
não retomaram tratamento em saúde mental.
Quando solicitados a dar sugestões de providências que facilitariam a sua permanência
em tratamento no SMSM-JF, cerca de 50% dos entrevistados não fizeram sugestões ou se
referiram a aspectos não-relacionados ao atendimento em saúde mental, tais como aumentar o
número de ginecologistas ou implantar atendimento odontológico na UBS, etc... Restaram 57
sujeitos que apresentaram sugestões pertinentes, isto é, diretamente relacionadas à dinâmica
assistencial. Destes, 49 entrevistados (86%) apontaram a necessidade de facilitar o acesso ao
atendimento, seja agilizando a marcação de consultas, ampliando o horário de atendimento ou
aumentando o número de médicos disponíveis; 8 (14%) sugeriram melhorias no processo de
atendimento, seja por maior oferta de medicamentos (6 usuários), seja por terapias mais
individualizadas ou demoradas (2). Como é próprio da metodologia utilizada, a terminologia
empregada pelos pacientes trouxe algumas dificuldades à categorização das respostas: foram
registradas onze sugestões de “atendimento mais rápido”, que foram interpretadas como
relacionadas ao acesso ao atendimento; mas é possível, apesar de pouco provável, que alguns
dos respondentes estivessem sugerindo consultas mais breves, com menor tempo de contato
entre o profissional e o paciente.
11
Discussão
A definição de abandono de tratamento em saúde mental não é tarefa simples. Não há
uma padronização entre diversos estudos que abordam o tema (AMARAL, 1997; EDLUND,
2002; FUCIEC et al., 2003; ISERHARD; FREITAS, 1993; MELO; GUIMARÃES, 2005;
PERCUDANI et al., 2002; ROSSI et al., 2002; TORRES; CERQUEIRA, 1992; YOUNG et
al., 2000): o critério utilizado pode variar desde a falta a uma consulta (PERCUDANI et al.,
2002) até a ausência por período superior a um ano (ROSSI et al., 2002). O indicador de
abandono adotado para delimitar a amostra estudada — 3 meses de interrupção indevida ao
tratamento — é semelhante ao adotado por Fuciec et al (2003).
Se levarmos em conta o lapso de tempo decorrido entre os abandonos de tratamento e
a busca ativa dos pacientes, que, no grupo estudado, pode ter sido de até 6 anos — pacientes
incluídos entre 1997 e 2001, e busca ativa para as entrevistas, realizada em 2003 —, podemos
considerar satisfatório o índice de localização de 53,13%. O estudo de Young et al. (2000),
com desenho similar, atingiu a mesma taxa de localização (53,09%) entre pacientes que
haviam abandonado o tratamento há não mais que 3 anos. Killaspy et al. (2000), ao
entrevistarem pacientes psiquiátricos que haviam faltado à consulta, obtiveram, após um
intervalo de 6 meses, uma taxa de localização de 85,63%; porém, conseguiram entrevistar
apenas 55,85% do total.
No Estudo de Referência (POÇO; AMARAL, 2005), as psicoses estiveram associadas
às menores taxas de abandono de tratamento, confirmando resultados de outros pesquisadores
(ISERHARD; FREITAS, 1993; AMARAL, 1997; PERCUDANI et al, 2002). No presente
trabalho, os pacientes psicóticos que haviam abandonado o tratamento foram localizados em
maior índice que os portadores de outros transtornos. Esse conjunto de achados parece indicar
uma menor mobilidade dos portadores desse transtorno, e de suas famílias, em Juiz de Fora.
Algumas considerações também devem ser feitas em relação às limitações do estudo.
Além das limitações inerentes aos estudos descritivos, em que os resultados encontrados não
podem ser diretamente generalizados, podem-se fazer algumas observações acerca das formas
de entrevista e do instrumento utilizado para a coleta dos dados. Ao optar-se por separar um
grupo para entrevista telefônica e outro para entrevista domiciliar, com o objetivo de avaliar a
efetividade das duas formas de acesso aos pacientes, pode ter sido introduzido um pequeno
viés de seleção no resultado final, já que apenas uma parte dos pacientes selecionados para
entrevista domiciliar tinha informado também telefone para contato, enquanto todos os
pacientes selecionados para entrevista telefônica tinham endereço informado, possibilitando
uma tentativa posterior de entrevista domiciliar. Todavia, não se pode afirmar, a priori, que tal
12
viés possa, necessariamente, ter influenciado nos achados centrais da pesquisa. A inclusão das
respostas fornecidas por parentes ou responsáveis, nos casos em que o paciente não era capaz
de responder por si mesmo ou naqueles não localizados diretamente, embora necessária em
um estudo de abandonos de tratamento em saúde mental, traz o risco de um viés de relato.
Quanto ao instrumento adotado, se, por um lado, a adoção de um questionário aberto
diminuiu a possibilidade de viés apriorístico na coleta dos dados, por outro, trouxe algumas
dificuldades à interpretação das respostas e sua posterior análise quantitativa. Com a intenção
de reduzir a possibilidade desse enviesamento a posteriori, evitou-se uma simplificação
excessiva na apresentação dos resultados relativos aos motivos de abandono (nove categorias
pertinentes) e às alternativas de tratamento utilizadas após o abandono (oito categorias
pertinentes). Cabe aqui citar, como exemplo, o estudo de Killaspy et al. (2000), em uma área
de Londres, que relaciona quinze razões apontadas pelos pacientes para o nãocomparecimento à consulta psiquiátrica.
Nos limites de nossa busca, não encontramos referências de estudos anteriores, com
desenho semelhante, no Brasil. A pesquisa em publicações de língua inglesa, via MEDLINE,
também indicou poucos estudos recentes em que são avaliados os motivos, ou razões,
relatados pelos pacientes para o abandono de tratamento em saúde mental. No trabalho de
Edlund et al. (2002), com uma amostra de pacientes dos EUA e Canadá (Ontário), as razões
para o abandono de tratamento foram questionadas apenas como uma forma de triagem,
através da apresentação de opções, para que os pacientes escolhessem aquela que se aplicava
a seu caso. Os pacientes que relataram a melhora dos sintomas como motivo para a
interrupção do tratamento não foram considerados abandonos, para efeito daquele estudo, e
não são mencionadas as outras razões indicadas pelos pacientes; tal pesquisa restringiu seus
objetivos à identificação de prognosticadores de abandono entre as características sociodemográficas, diagnóstico, atitude dos pacientes em relação ao tratamento em saúde mental e
características da terapia recebida.
Já a abordagem de Young et al. (2000), ao avaliar o abandono de tratamento em um
sistema público de saúde mental na Califórnia, mostra maiores semelhanças com a
metodologia que adotamos: os pacientes que abandonaram o tratamento foram procurados e
entrevistados quanto aos motivos da interrupção. O cotejamento dos resultados de Young et
al. (2000) com os encontrados em Juiz de Fora revelou grandes semelhanças, conforme
explicitado a seguir.
Nesta pesquisa, cerca de um terço (34,7%) dos entrevistados que informaram o motivo
para interromper o acompanhamento disseram tê-lo feito porque haviam melhorado ou porque
13
o tratamento não era mais percebido como necessário. Presumivelmente, muitos desses
indivíduos se recuperaram de episódios agudos ou apresentavam sofrimento mental
inespecífico e talvez não necessitassem da referência ao nível secundário. O estudo de Young
et al. (2000), em que os 47 entrevistados puderam relatar mais de um motivo para o abandono,
encontrou percentual semelhante (32%) nessa categoria — ter melhorado ou não mais sentir
necessidade de tratamento. Obstáculos ao tratamento — custos, transporte, comorbidades,
burocracia — foram apontados por 21% dos entrevistados na Califórnia. Em Juiz de Fora, os
obstáculos citados foram dificuldades para marcação de consultas (4%), outros problemas de
saúde (6,7%) e falta de tempo/coincidência com horário do trabalho (12%), totalizando
22,7%. Vale ressaltar que é de conhecimento dos pesquisadores o fato de uma parcela de
pacientes e familiares fazerem referência, na rotina do atendimento ambulatorial, a
dificuldades financeiras para o transporte: é possível que fatores culturais os tenham
influenciado a não mencionar este aspecto dentre os motivos de abandono. A inadaptação aos
profissionais foi apontada como motivo por 4% dos respondentes em Juiz de Fora e por 30%
na Califórnia. Problemas com o tratamento foram citados por 23% dos entrevistados no
trabalho norte-americano e foram o motivo de abandono de 18,7% em nossa avaliação.
A análise das alternativas de tratamento utilizadas pelos pacientes após o abandono de
tratamento no SMSM-JF reforça a percepção de que uma parcela importante desses
abandonos poderia indicar a presença de sofrimento mental temporário e/ou inespecífico:
sessenta e cinco pacientes (66,3% dos que responderam a esse quesito) não voltaram a
procurar atendimento em saúde mental. Entre os 33 pacientes (36,7%) que retomaram
tratamento em saúde mental, incluem-se 2 pacientes que relataram internação psiquiátrica
após o abandono. No estudo californiano, 39% dos pacientes entrevistados estavam em
tratamento de saúde mental por ocasião da entrevista e apenas 2 pacientes (4%) relataram
estar em uma “instituição ou programa residencial”.
No presente trabalho, a ampla maioria (86%) das sugestões colhidas foi relacionada à
melhoria do acesso ao tratamento, indicando que há obstáculos que precisam ser removidos.
Pela metodologia adotada, não nos foi possível identificar se as modificações sugeridas —
facilitar marcação de consultas, ampliar horário de atendimento, aumentar o staff — se
referem ao nível primário (UBS) ou secundário (CRRESAM, PROESAM). Provavelmente,
em face das carências existentes, se referiam aos dois níveis.
A importância da boa articulação intersetorial já foi ressaltada por outros estudos que
avaliaram a atenção à saúde mental na rede básica em nosso país (AMARAL, 1997; MELO;
GUIMARÃES, 2005). Craven e Bland (2002), em sua extensa revisão sobre a “atenção à
14
saúde mental compartilhada” em países de língua inglesa, também destacam esse aspecto e
apontam o caráter fundamental, na determinação das políticas de serviço, de uma avaliação
adequada das necessidades de atenção e recursos locais a fim de se obter um equilíbrio
apropriado entre a atenção dedicada aos pacientes com doença mental grave — menos
numerosos — e a que é dirigida aos casos mais leves, porém mais freqüentes. Apesar de os
conceitos e práticas nem sempre serem suficientemente definidos, autores têm sugerido que a
implementação do gerenciamento de casos em serviços de saúde mental — sob a forma de
tratamento comunitário assertivo ou sob a forma de gerenciamento clínico de casos — tem
obtido sucesso na redução dos abandonos de tratamento (CRUZ et al., 2001; HERINCKX et
al., 1997; ZIGURAS et al., 2000).
Considerações Finais
Os achados obtidos em nossa avaliação apontam para desejáveis e possíveis
modificações estruturais do SMSM-JF e reforçam a importância de um acompanhamento
mais próximo daqueles usuários que não comparecem às consultas regularmente agendadas.
Em Juiz de Fora, algumas iniciativas nesse sentido já estão em discussão, entre as quais
ressalta-se a criação de Grupos de Apoio Psico-social (GAPS) nas UBS's, que visa, entre
outros objetivos, melhorar a adesão dos usuários ao tratamento em saúde mental (RIBEIRO;
HECKERT, 2005).
Os resultados desta pesquisa, bem como a pequena disponibilidade — especialmente
em nosso meio e com o desenho empregado — de estudos que abordem fatores relacionados
ao abandono de tratamento, em saúde mental ou mesmo enfocando outros problemas crônicos
de saúde, sugerem também a necessidade de que estudos desta natureza sejam desenvolvidos,
a fim de fundamentar uma prática assistencial de maior efetividade.
Agradecimento
Os autores agradecem a colaboração da administradora Lilian Lima Quintão,
graduanda à época da pesquisa, que, diligentemente, localizou e entrevistou os pacientes, com
o apoio de bolsa do Departamento de Saúde Mental do SUS-JF
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Submissão: junho de 2006
Aprovação: outubro de 2006
1
NOMENCLATURA BRASILEIRA PARA LAUDOS CERVICAIS E CONDUTAS
PRECONIZADAS: RECOMENDAÇÕES PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Brazilian nomenclature for cervical reports and recommended conduct: recommendations
for health professionals
ORGANIZAÇÃO E REDAÇÃO FINAL
Fátima Meirelles Pereira Gomes – MS/INCA/CONPREV/Divisão de Atenção Oncológica
Giani Silvana Schwengber Cezimbra – MS/ Área Técnica de Saúde da Mulher
José Antonio Marques – Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP)
Jurandyr Moreira de Andrade – Federação Brasileira da Associação de Ginecologia e Obstetrícia
(FEBRASGO)
Lucilia Maria Gama Zardo - MS/INCA/DIPAT/SITEC
Luiz Carlos Zeferino – Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas
(CAISM/UNICAMP)
Marco Antonio Teixeira Porto - MS/INCA/Coordenação de Ações Estratégicas
Maria Fátima de Abreu - MS/INCA/CONPREV/Divisão de Atenção Oncológica
Neil Chaves de Souza – SMS-RJ - PAM Manoel Guilherme da Silveira
Olímpio Ferreira Neto – MS/INCA/Hospital do Câncer II
Endereço: Instituto Nacional do Câncer
CONPREV - Coordenação de Prevenção e Vigilância
Rua dos Inválidos 212 - 4° and. Centro / Rio de Janeiro - RJ
E.mail: [email protected]
Tel: (21)39707529
RESUMO
O texto apresenta a edição revisada da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e
Condutas Preconizadas, publicada pelo Instituto Nacional de Câncer, em 2006. A revisão foi
realizada a partir de amplo debate com profissionais de saúde, gerentes, gestores das secretarias
estaduais e municipais, áreas técnicas do Ministério da Saúde, sociedades científicas e
especialistas reconhecidos nacional e internacionalmente. O consenso foi baseado no Sistema de
Bethesda desenvolvido no Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, atualizado em 2001.
As diretrizes visam a orientar as condutas dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) em
relação a mulheres com alterações no exame citopatológico cervical. As recomendações aplicamse à maioria dos casos clínicos típicos e incorporam as recentes evidências científicas com o
objetivo de qualificar as ações voltadas à atenção integral à mulher.
Palavras-chave: Neoplasias do Colo do Útero Câncer cérvico-uterino. Condutas Clínicas.
Nomenclatura Brasileira não encontrado nos descritores
2
The text presents the revised edition of Brazilian Nomenclature for Cervical Reports and Recommended
Clinical Practice, published by the National Cancer Institute in 2006. The revision was based on a farreaching discussion among health professionals, managers, state and municipal agency administrators,
technical areas within the Ministry of Health, scientific associations and renowned specialists, both inside
Brazil and abroad. The consensus was based on the Bethesda system, developed at the National Institute
of Cancer in the United States, and updated in 2001. The guidelines seek to orient the conduct of
professionals in the Unified Health System (SUS) concerning women who present alterations in their
cytopathological cervical exam. The recommendations apply to the majority of typical clinical cases and
incorporate recent scientific evidence to identify actions focused on integral health care for women.
Key words: Uterine Cervical Neoplasms só tem essa nos descritores
APRESENTAÇÃO
Os elevados índices de incidência e mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil
justificam a implementação das ações nacionais voltadas para a prevenção e o controle do câncer
(promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos), com base nas
diretrizes da Política Nacional de Atenção Oncológica.
O número de casos novos de câncer do colo do útero esperado para o Brasil, em 2006, é de
19.260, com um risco estimado de 20 casos a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de
pele não-melanomas, o câncer do colo do útero é o mais incidente na região Norte (22/100.000).
Nas regiões Sul (28/100.000), Centro-Oeste (21/100.000) e Nordeste (17/100.000) representa o
segundo tumor mais incidente. Na região Sudeste é o terceiro mais freqüente (20/100.000)
(BRASIL, 2005).
Considerando a necessidade de incorporar novas tecnologias e conhecimentos clínicos,
morfológicos e moleculares, com a atualização da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e
Condutas Preconizadas, o Instituto Nacional de Câncer, em parceria com os diversos segmentos da
sociedade científica, vem promovendo, desde 2001, encontros, oficinas, seminários, grupos de trabalho e
grupo focal, ampliando o fórum de discussão e reunindo as contribuições da sociedade para o seu
aperfeiçoamento. Objetivando abrangência das discussões e contribuições dos diversos segmentos da
sociedade, o Ministério da Saúde, por meio da Área Técnica da Saúde da Mulher e do Instituto Nacional de
Câncer, submeteu à consulta pública o referido documento.
3
O texto final retrata o resultado desses encontros de trabalho e da consulta pública, buscando
estabelecer, com base em evidências científicas, condutas destinadas ao Sistema Único de Saúde
(SUS). No entanto, sabe-se que a incorporação de novas tecnologias ocorre de forma gradual e,
basicamente, depende da adoção da nova terminologia na rotina diária dos profissionais de saúde,
fonte de alimentação do conhecimento.
Essas diretrizes visam a orientar as condutas preconizadas em mulheres com alterações no
exame citopatológico cervical. É importante ressaltar que essas diretrizes são o resultado do
consenso entre as sociedades científicas e especialistas na área e não têm caráter limitante, mas
devem ser encaradas como recomendações que, à luz do conhecimento científico atual, aplicam-se
à maioria dos casos clínicos típicos. Apesar disso, cabe sempre ao médico a decisão da conduta a
adotar, com base na sua experiência profissional e nas melhores evidências científicas, tendo o
compromisso com a boa prática clínica. Portanto, a recomendação de diretrizes para a prática
clínica não deve diminuir a capacidade global de decisão e a responsabilidade do médico. Tendo
em vista os contínuos avanços da ciência, tornam-se necessárias constantes revisões e atualizações
dessas diretrizes.
Agradecemos a todos os profissionais de saúde que contribuíram para essa publicação, nas várias
etapas, e pelas valiosas contribuições técnicas que levaram à elaboração desse documento. Nosso
reconhecimento especial aos colegas que, com as diferentes experiências profissionais, permitiram um
amplo enfoque no seu conteúdo e uma seqüência didática na sua apresentação e à Fundação Oncocentro de
São Paulo pela cessão de parte do conteúdo do documento.
1 INTRODUÇÃO
O câncer do colo do útero é um grande problema de Saúde Pública no Brasil e no mundo.
As mais altas taxas de incidência do câncer de colo do útero são observadas em países
pouco desenvolvidos, indicando uma forte associação deste tipo de câncer com as condições de
vida precária, com os baixos índices de desenvolvimento humano, com a ausência ou fragilidade
4
das estratégias de educação comunitária (promoção e prevenção em saúde) e com a dificuldade
de acesso a serviços públicos de saúde para o diagnóstico precoce e o tratamento das lesões
precursoras. Esta situação torna indispensáveis políticas de saúde pública bem estruturadas.
Nos países desenvolvidos, a sobrevida média estimada em cinco anos varia de 59% a 69%.
Nos países em desenvolvimento, os casos são encontrados em estágios relativamente avançados e,
conseqüentemente, a sobrevida média é estimada em 49% após cinco anos.
O Inquérito Domiciliar, realizado pelo Ministério da Saúde em 2002-2003, mostrou que
para as 15 capitais analisadas e o Distrito Federal, a cobertura estimada do exame Papanicolaou
variou de 74% a 93%. Entretanto, o percentual de realização desse exame pelo SUS variou de
33% a 64% do total, o que, em parte, explica o diagnóstico tardio e a manutenção das taxas de
mortalidade, bem como as altas taxas de incidência observadas no Brasil. (BRASIL, 2004).
Ainda como reflexo deste quadro adverso, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD) Saúde 2003, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2005, mostraram que, nos últimos três anos, a cobertura do exame citológico do colo
do útero foi de 68,7% em mulheres acima de 24 anos de idade, sendo que 20,8% das mulheres
nesta faixa etária nunca tinham sido submetidas ao exame preventivo. (IBGE, 2005). Como a
pesquisa se baseia na informação concedida pela própria entrevistada, pode-se admitir que parte
dessas mulheres, segundo certas condições socioeconômicas, possa confundir a realização de um
exame ginecológico com a coleta de material cérvico-uterino para exame laboratorial.
Embora o aumento de acesso ao exame preventivo tenha aumentado no país, isto não foi
suficiente para reduzir a tendência de mortalidade por câncer do colo do útero e, em muitas regiões, o
diagnóstico ainda é feito em estádios mais avançados da doença. O diagnóstico tardio pode estar
relacionado com: (1) a dificuldade de acesso da população feminina aos serviços e programas de
saúde; (2) a baixa capacitação dos recursos humanos envolvidos na atenção oncológica
(principalmente em municípios de pequeno e médio porte); (3) a capacidade do Sistema Público de
Saúde para absorver a demanda que chega às unidades de saúde; e (4) as dificuldades dos gestores
municipais e estaduais em definir e estabelecer um fluxo assistencial, orientado por critérios de
5
hierarquização dos diferentes níveis de atenção, que permita o manejo e o encaminhamento adequado
de casos suspeitos para investigação em outros níveis do sistema.
A articulação de ações dirigidas ao câncer da mama e do colo do útero está fundamentada
na Política Nacional de Atenção Oncológica (Portaria GM nº 2439 de 08 de dezembro de 2005) e
no Plano de Ação para o Controle dos Cânceres do Colo do Útero e de Mama 2005-2007. Essa
articulação trata das seguintes diretrizes estratégicas, compostas por ações a serem desenvolvidas,
nos distintos níveis de atenção à saúde: aumento da cobertura da população-alvo; garantia da
qualidade; fortalecimento do sistema de informação; desenvolvimento de capacitações;
desenvolvimento de pesquisas e mobilização social. (BRASIL, 2005)
A publicação denominada Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas
Preconizadas foi elaborada com a finalidade de orientar a atenção às mulheres, subsidiando
tecnicamente os profissionais de saúde, disponibilizando conhecimentos atualizados de maneira
sintética e acessível que possibilitem orientar condutas adequadas em relação ao controle do
câncer do colo do útero.
Os gestores municipais e estaduais são os principais parceiros no desenvolvimento das
ações contidas na Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas. Para
tanto, necessitarão de apoio na organização da rede para a atenção oncológica, na estruturação de
serviços e na sistematização, quando necessário, do processo de referência e contra-referência
entre os níveis de atenção.
Reforça-se, então, a participação estratégica do INCA, assessorando tecnicamente estados
e municípios, além da parceria na construção de uma rede de educação permanente na atenção
oncológica.
Na estruturação e organização da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais e
Condutas Preconizadas, foram preservados conceitos consensuais com descrição minuciosa. Em
um formato mais específico, os diversos capítulos, abaixo sumarizados, sugerem orientações às
ações a serem desenvolvidas a partir do ano de 2006, nos distintos níveis de atenção à saúde no
âmbito do SUS.
6
Para que as estratégias, normas e procedimentos que orientam as ações de controle do
câncer do colo do útero, no país, estejam em consonância com o conhecimento científico atual, o
Ministério da Saúde tem realizado parcerias com sociedades científicas e considerado a opinião
de especialistas nacionais e internacionais. Finalizando o processo de trabalho, o Ministério da
Saúde, por meio da Área Técnica da Saúde da Mulher e do Instituto Nacional de Câncer,
submeteu à consulta pública o referido documento. Na Metodologia de Trabalho são apresentadas
todas as etapas do trabalho realizadas ao longo dos anos.
O capítulo que trata da Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos contempla
aspecto de atualidade tecnológica, e sua similaridade com o Sistema Bethesda 2001 (SOLOMON
et al., 2002) facilita a equiparação dos resultados nacionais com aqueles encontrados nas
publicações científicas internacionais. São introduzidos novos conceitos estruturais e
morfológicos, o que contribui para o melhor desempenho laboratorial e serve como facilitador da
relação entre a citologia e a clínica. Sua estrutura geral facilita a informatização dos laudos, o que
permite o monitoramento da qualidade dos exames citopatológicos realizados no SUS. Além
disso, a anuência das sociedades científicas envolvidas com a confirmação diagnóstica e o
tratamento das lesões tornam possível o estabelecimento de diretrizes para as condutas
terapêuticas.
Em Avaliação pré-analítica e Adequabilidade da amostra, destaca-se a introdução dos
conceitos de Avaliação pré-analítica e conduta, em que a adequabilidade da amostra passará à
classificação binária (satisfatória ou insatisfatória). Destaca-se ainda a recomendação nacional
para o exame citopatológico cervical o qual deverá ser realizado em mulheres de 25 a 60 anos de
idade, ou que já tiveram atividade sexual anteriormente a esta faixa etária, uma vez por ano e,
após dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos.
Em Condutas preconizadas, tanto para resultado normal, alterações benignas e queixas
ginecológicas como para Alterações pré-malignas ou malignas no exame citopatológico,
encontra-se o desenho dos possíveis achados e das possibilidades de encaminhamentos, nos
diferentes níveis de complexidade. O objetivo é auxiliar os profissionais de saúde, gerentes e
gestores nas condutas a serem aplicadas e nas ações de organização de rede.
7
Para o acompanhamento e a avaliação do impacto da implantação da Nomenclatura
Brasileira para Laudos Cervicais e Condutas Preconizadas é necessário um Sistema de
Informação que permita monitorar o processo de rastreamento, o diagnóstico, o tratamento e a
qualidade dos exames realizados na rede SUS. Para tanto, houve o aprimoramento do Sistema
Nacional de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), tanto na vertente tecnológica
como em decorrência da implantação da Nomenclatura Brasileira para Laudos Cervicais.
Atualmente o SISCOLO ainda não permite a identificação do número de mulheres
examinadas, mas apenas a quantidade de exames realizados, dificultando o conhecimento preciso
das taxas de captação e cobertura, essenciais ao acompanhamento das ações planejadas. Portanto,
é indispensável o desenvolvimento de estratégias para estimular/ induzir estados e municípios
quanto ao registro do número do Cartão SUS. É importante também melhorar o sistema de forma
a desencadear o “módulo seguimento” do SISCOLO, o qual permitirá o acompanhamento das
mulheres com exames alterados desde a sua entrada no sistema, através da coleta do exame até o
seu desfecho, tratamento/ cura.
Por fim, deve-se considerar o estímulo ao desenvolvimento de pesquisas na linha de
prevenção e controle do câncer do colo do útero, uma vez que estas contribuem para a melhoria
da efetividade, eficiência e qualidade de políticas, sistemas e programas.
2. METODOLOGIA DE TRABALHO
A revisão da nomenclatura foi realizada a partir de amplo debate com profissionais de
saúde, gerentes, gestores das secretarias estaduais e municipais, sociedades científicas e
especialistas reconhecidos nacional e internacionalmente. O processo de discussão teve início em
1988 e ocorreu na forma de Oficinas, Grupo de Trabalho, aplicação das condutas preconizadas
em Grupo Focal para avaliação qualitativa e consulta pública do documento final, pelo Ministério
da Saúde, por meio da Área Técnica da Saúde da Mulher e do Instituto Nacional do Câncer
(dez/2005 a jan/2006).
8
O consenso sobre a nova nomenclatura foi baseado no Sistema de Bethesda desenvolvido
no Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, atualizado em 2001, e além da participação
das áreas técnicas do Ministério da Saúde (Instituto Nacional de Câncer, Área Técnica de Saúde
da Mulher, Coordenação de DST/AIDS) e de representantes das secretarias estaduais e
municipais de saúde, contou com a participação da Sociedade Brasileira de Citologia (SBC),
Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Sociedade Brasileira de Patologia do Trato Genital
Inferior e Colposcopia (SBTGIC), Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e
Obstetrícia (FEBRASGO), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Instituto
Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Hospital do
Câncer A.C. Camargo, Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP), Centro de Atenção Integral à
Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (CAISM/UNICAMP). Esta revisão
atualiza o documento anterior de normatização (Ministério da Saúde, 2003) e incorpora as
recentes evidências científicas com o objetivo de qualificar as ações voltadas à atenção integral à
mulher.
3 NOMENCLATURA
CERVICAIS
BRASILEIRA
PARA
LAUDOS
CITOPATOLÓGICOS
Desde que o Dr. George Papanicolaou tentou classificar as células que observava
acreditando serem a representação de lesões neoplásicas, ocorreram diversas modificações que
incorporaram progressivamente o conhecimento adquirido sobre a história natural dessas lesões,
sempre na tentativa de melhorar a correlação cito-histológica. Deve-se notar que o objetivo do
teste continua o mesmo, ou seja, a intenção é identificar alterações sugestivas de uma doença e,
como conseqüência, também indicar ações que permitam o diagnóstico de certeza.
Papanicolaou criou uma nomenclatura que procurava expressar se as células observadas
eram normais ou não, atribuindo-lhes uma classificação. Assim, falava-se em Classes I, II, III,
IV e V, em que a Classe I - indicava ausência de células atípicas ou anormais; Classe II citologia atípica, mas sem evidência de malignidade; Classe III - citologia sugestiva, mas não
9
conclusiva, de malignidade; Classe IV - citologia fortemente sugestiva de malignidade; e
Classe V - citologia conclusiva de malignidade.
Se essa classificação se preocupava pouco com os aspectos histológicos das lesões que
sugeriam, a partir de então novas nomenclaturas surgiram, mais atentas a esse significado.
Assim, o termo “Displasia” foi introduzido na classificação, levando em conta alterações
histológicas correspondentes, identificando displasias leves, moderadas e severas. Todos os
graus de displasias eram grosseiramente referentes à classe III de Papanicolaou,
correlacionando também a Classe IV com carcinomas escamosos in situ. A Classe V continuou
a indicar carcinoma invasor e, pela primeira vez, se deu ênfase a alterações celulares, devido à
ação do vírus do Papiloma Humano (HPV), relatando-se a coilocitose (KOSS; MELANE,
2006).
Em uma etapa posterior, estabeleceu-se o conceito de neoplasia intra-epitelial e no caso da
cérvice uterina, de neoplasia intra-epitelial cervical (NIC) subdividida em três graus, que se
mantém para os diagnósticos histológicos. A classificação citológica mais atual do esfregaço
cervical é o Sistema de Bethesda, Maryland, Estados Unidos. Essa classificação incorporou
vários conceitos e conhecimentos adquiridos que, resumidamente, são: o diagnóstico citológico
deve ser diferenciado para as células escamosas e glandulares; inclusão do diagnóstico
citomorfológico sugestivo da infecção por HPV, devido às fortes evidências do envolvimento
desse vírus na carcinogênese dessas lesões, dividindo-as em lesões intra-epiteliais de baixo e alto
graus, ressaltando o conceito de possibilidade de evolução para neoplasia invasora; e a introdução
da análise da qualidade do esfregaço. Essa classificação foi revista em 1991 e 2001, porém sem
mudanças estruturais.
3.1. TIPOS DA AMOSTRA
Citologia:
•
Convencional
•
Em meio líquido
10
Nota explicativa: Com a recente introdução da citologia em meio líquido, em suas diferentes
apresentações, é indispensável que seja informada a forma de preparo, uma vez que a
adequabilidade do material é avaliada de forma diversa para cada meio. É, ainda, de fundamental
importância que o laboratório informe, em caso de citologia em meio líquido, qual sistema foi
usado.
3.2. AVALIAÇÃO PRÉ-ANALÍTICA
Amostra rejeitada por:
•
Ausência ou erro de identificação da lâmina e/ou do frasco;
•
Identificação da lâmina e/ou do frasco não coincidente com a do formulário;
•
Lâmina danificada ou ausente;
•
Causas alheias ao laboratório (especificar);
•
Outras causas (especificar).
Nota explicativa: Este conceito foi introduzido como uma inovação, visando estabelecer a
diferença entre rejeição por causas alheias e anteriores à chegada ao laboratório e aquelas
relacionadas à colheita, coloração ou análise microscópica. A causa da rejeição deverá ser
identificada, de preferência, no momento da entrada da lâmina no laboratório e seu registro
deverá ser feito. Contudo, é o profissional responsável pelo exame quem irá assinar o laudo
contendo o motivo da rejeição.
3.3. ADEQUABILIDADE DA AMOSTRA
•
Satisfatória
•
Insatisfatória para avaliação oncótica devido ao:
▪
Material acelular ou hipocelular (< 10% do esfregaço)
11
•
Leitura prejudicada (> 75% do esfregaço) por presença de:
ƒ
sangue;
ƒ
piócitos;
ƒ
artefatos de dessecamento;
ƒ
contaminantes externos;
ƒ
intensa superposição celular;
ƒ
outros (especificar).
Epitélios representados na amostra:
•
Escamoso
•
Glandular
•
Metaplásico
Nota explicativa: A questão da Adequabilidade da Amostra vem, ao longo do tempo, suscitando
inúmeros questionamentos e modificações, dado o seu caráter de matéria conflitante e de difícil
conceituação, plenamente aceitável. A disposição, em um sistema binário (satisfatória x
insatisfatória), melhor caracteriza a definição da visão microscópica da colheita. No atual Sistema
de Bethesda (2001), a Adequabilidade da Amostra também está colocada nesses dois parâmetros.
Contudo, nesse sistema, a caracterização da junção escamo-colunar faz parte dessa definição, o
que não ocorre aqui. Deve-se considerar como satisfatória a amostra que apresente células em
quantidade representativa, bem distribuídas, fixadas e coradas, de tal modo que sua visualização
permita uma conclusão diagnóstica. Observe-se que os aspectos de representatividade não
constam desse item, mas deverão constar de caixa própria, para que seja dada a informação
(obrigatória) dos epitélios que estão representados na amostra. A definição de Adequabilidade
pela representatividade passa a ser da exclusiva competência do responsável pela paciente, que
deverá levar em consideração as condições próprias de cada uma (idade, estado menstrual,
limitações anatômicas, objetivo do exame etc). Insatisfatória é a amostra cuja leitura esteja
prejudicada pelas razões expostas acima, todas de natureza técnica e não de amostragem celular.
12
3.4. DIAGNÓSTICO DESCRITIVO
•
Dentro dos limites da normalidade, no material examinado;
•
Alterações celulares benignas;
•
Atipias celulares.
Nota explicativa: O acréscimo da expressão “no material examinado” visa a estabelecer, de
forma clara e inequívoca, o aspecto do momento do exame. Aqui, também, ocorre uma
diferença importante com o Sistema Bethesda (2001), no qual foi excluída a categoria das
alterações celulares benignas. Tal manutenção deve-se ao entendimento de que os fatores que
motivaram a exclusão não se aplicam à realidade brasileira.
3.4.1. Alterações celulares benignas
•
Inflamação
•
Reparação
•
Metaplasia escamosa imatura
•
Atrofia com inflamação
•
Radiação
•
Outras (especificar)
Nota explicativa: Em relação à nomenclatura anterior, a única mudança ocorre pela introdução
da palavra “imatura” em metaplasia escamosa, buscando caracterizar que é esta a apresentação
que deve ser considerada como alteração. Assim sendo, a metaplasia matura, com sua
diferenciação já definida, não deve ser considerada como inflamação e, eventualmente, nem
necessita ser citada no laudo, exceto na indicação dos epitélios representados, para caracterizar o
local de colheita.
3.4.2. Atipias celulares
13
Células atípicas de significado indeterminado:
•
•
•
Escamosas:
ƒ
Possivelmente não-neoplásicas;
ƒ
Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau.
Glandulares:
ƒ
Possivelmente não-neoplásicas;
ƒ
Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau.
De origem indefinida:
ƒ
Possivelmente não-neoplásicas;
ƒ
Não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau.
Nota explicativa: Esta é mais uma inovação da nomenclatura brasileira, criando-se uma categoria
separada para todas as atipias de significado indeterminado e, mais ainda, a categoria “de origem
indefinida” destinada àquelas situações em que não se pode estabelecer com clareza a origem da
célula atípica. Deve-se observar que foi excluída a expressão “provavelmente reativa”, a qual foi
substituída pela “possivelmente não-neoplásicas”, e introduzida a expressão “não se pode afastar
lesão intra-epitelial de alto grau”. Com isso pretende-se dar ênfase ao achado de lesões de natureza
neoplásica, diminuindo assim o diagnóstico dúbio. Objetiva-se identificar as células imaturas,
pequenas e que, por sua própria indiferenciação, podem representar maior risco de corresponder a
lesões de alto grau. Sempre que o caso exigir, notas explicativas devem ser acrescentadas, visando
a orientar o responsável pela paciente nos procedimentos adotados. Deve-se observar a exclusão
total dos acrônimos (ASCUS e AGUS), cujo uso é desaconselhado, devendo sempre constar por
extenso os diagnósticos.
Em células escamosas:
•
Lesão intra-epitelial de baixo grau (compreendendo efeito citopático pelo HPV e
neoplasia intra-epitelial cervical grau I);
14
•
Lesão intra-epitelial de alto grau (compreendendo neoplasias intra-epiteliais cervicais
graus II e III);
•
Lesão intra-epitelial de alto grau, não podendo excluir microinvasão;
•
Carcinoma epidermóide invasor.
Nota explicativa: Foi adotada a terminologia lesão intra-epitelial em substituição ao termo
neoplasia, além de estabelecer dois níveis (baixo e alto graus), separando as lesões com
potencial morfológico de progressão para neoplasia daquelas mais relacionadas com o efeito
citopático viral, com potencial regressivo ou de persistência. Foi ainda incluída a possibilidade
diagnóstica de suspeição de microinvasão. Recomenda-se enfaticamente que seja evitado o
uso de outras nomenclaturas e classificações, além das aqui já contempladas, evitando-se a
perpetuação de termos eventualmente já abolidos ou em desuso, os quais nada contribuem
para o esclarecimento diagnóstico.
Em células glandulares:
•
Adenocarcinoma in situ
•
Adenocarcinoma invasor:
•
ƒ
Cervical
ƒ
Endometrial
ƒ
Sem outras especificações
Outras neoplasias malignas
• Presença de células endometriais (na pós-menopausa ou acima de 40 anos, fora do
período menstrual)
Nota explicativa: A introdução da categoria Adenocarcinoma in situ reconhece a capacidade de
identificação morfológica desta entidade e acompanha a nomenclatura internacional. O item “sem
outras especificações” refere-se exclusivamente a adenocarcinomas de origem uterina. Quando
for identificada neoplasia de origem glandular extra-uterina, deve ser colocada no quadro das
15
outras neoplasias malignas, especificando o tipo, em nota complementar. As células endometriais
somente necessitam ser mencionadas quando a sua presença possa ter significado patológico.
Assim sendo, seu achado nos primeiros doze dias que sucedem ao período menstrual, apenas
deverá ser referido se houver importância para a identificação de algum processo patológico.
3.5. Microbiologia
•
Lactobacillus sp;
•
Bacilos supracitoplasmáticos (sugestivos de Gardnerella/Mobiluncus);
•
Outros bacilos;
•
Cocos;
•
Candida sp;
•
Trichomonas vaginalis;
•
Sugestivo de Chlamydia sp;
•
Actinomyces sp;
•
Efeito citopático compatível com vírus do grupo Herpes;
•
Outros (especificar).
Nota explicativa: Foram mantidas as informações de Chlamydia, cocos e bacilos por
considerar-se a oportunidade, por vezes única, em um país continental e com grandes
dificuldades geográficas e econômicas, de estabelecer uma terapêutica antimicrobiana baseada
exclusivamente no exame preventivo. A introdução da expressão “Bacilos
supracitoplasmáticos” busca indicar a apresentação morfológica de agentes microbianos de
difícil distinção pelo exame corado e fixado pela técnica citológica, mas que, de modo geral,
respondem aos mesmos tratamentos.
4. AVALIAÇÃO PRÉ-ANALÍTICA E ADEQUABILIDADE DA AMOSTRA
4.1. LAUDO CITOPATOLÓGICO
16
A nomenclatura brasileira utilizada para laudos citopatológicos tem sofrido constantes alterações.
A adoção do Sistema de Bethesda, ainda que adaptado ao Brasil, facilita a comparação de
resultados nacionais com os encontrados em publicações estrangeiras. É importante ressaltar que
a introdução de novos conceitos estruturais e morfológicos contribui tanto para o desempenho do
laboratório quanto para a relação entre a citologia e a clínica.
Sabe-se, no entanto, que essas mudanças ocorrem de forma gradual e, basicamente, dependem da
adoção da nova terminologia na rotina diária dos profissionais de saúde, fonte de alimentação de
conhecimento para a mídia escrita ou falada e para a população em geral.
Atualmente não é razoável que alguns laboratórios ainda emitam laudos de citopatologia somente
com a nomenclatura ultrapassada, uma vez que a proposta de novas categorias de resultados
impede que se estabeleça correlação pertinente entre Bethesda 2001 e Papanicolaou.
Em contrapartida, também é conveniente que médicos ginecologistas ou não, ao receberem os
resultados de exames, compreendam o diagnóstico. Portanto, pretende-se explicar aqui o
significado deles, com vistas a uniformizar o uso da nomenclatura no Brasil, estabelecida por
consenso entre experts no assunto.
A seguir, será apresentada a possibilidade de associação de todos os resultados possíveis nos
laudos dos exames e as respectivas condutas clínicas.
4.2. NOMENCLATURA BRASILEIRA
4.2.1. Avaliação pré-analítica (que ocorre antes da análise microscópica da lâmina)
Este conceito foi introduzido como uma inovação, visando estabelecer a diferença entre a
rejeição da lâmina por causas anteriores à sua entrada no laboratório de citopatologia e aquelas
relacionadas à técnica de coleta, coloração ou análise microscópica. A causa da rejeição deverá
17
ser identificada no momento da entrada da lâmina no laboratório e de seu registro. O profissional
responsável pelo registro é quem irá apontar o motivo da rejeição.
Amostra rejeitada:
•
Ausência ou erro de identificação da lâmina;
•
Identificação da lâmina não coincidente com a do formulário;
•
Lâmina danificada ou ausente.
Conduta Clínica: A paciente deverá ser convocada para repetir o exame, devendo ser explicado à
mesma que o motivo é técnico e não por alteração patológica.
4.2.2. Adequabilidade da amostra
Na atual nomenclatura utilizada para definir a Adequabilidade da Amostra, estabelece-se o
sistema binário: satisfatório e insatisfatório. Portanto, o termo anteriormente utilizado
“satisfatório mas limitado” foi abolido.
Insatisfatória para Avaliação
É considerada insatisfatória, a amostra cuja leitura esteja prejudicada pelas razões expostas
abaixo, algumas de natureza técnica e outras de amostragem celular, podendo ser assim
classificada:
•
Material acelular ou hipocelular (<10% do esfregaço)
•
Leitura prejudicada (>75% do esfregaço) por presença de:
ƒ
sangue;
ƒ
piócitos;
ƒ
artefatos de dessecamento;
18
ƒ
contaminantes externos;
ƒ
intensa superposição celular.
Conduta Clínica: A paciente deverá ser convocada para repetir o exame de imediato, devendo ser
explicado à mesma que o motivo é técnico e não por alteração patológica.
Satisfatória
Designa amostra que apresente células em quantidade representativa, bem distribuídas, fixadas e
coradas, de tal modo que sua visualização permita uma conclusão diagnóstica.
Epitélios Representados na Amostra:
•
Escamoso
•
Glandular (não inclui o epitélio endometrial)
•
Metaplásico
Embora a indicação dos epitélios representados na amostra seja informação obrigatória
nos laudos citopatológicos, seu significado deixa de pertencer à esfera de responsabilidade dos
profissionais que realizam a leitura do exame. Agora, eles respondem apenas pela indicação dos
epitélios que estão representados. Todavia, deve-se alertar que a amostra adequada pode não ter a
representação completa da junção escamo-colunar, o que deverá ser avaliado pelo ginecologista.
A presença de células metaplásicas ou células endocervicais, representativas da junção
escamo-colunar (JEC), tem sido considerada como indicador da qualidade do exame, pelo fato de
as mesmas se originarem do local onde se situa a quase totalidade dos cânceres do colo do útero.
19
A presença exclusiva de células escamosas deve ser avaliada pelo médico responsável. É
muito oportuno que os profissionais de saúde atentem para a representatividade da JEC nos
esfregaços cérvico-vaginais, sob pena de não propiciar à mulher todos os benefícios da prevenção
do câncer do colo do útero.
4.2.3. Periodicidade de realização do exame citopatológico *
A realização do exame citopatológico de Papanicolaou tem sido reconhecida
mundialmente como uma estratégia segura e eficiente para a detecção precoce do câncer do colo
do útero na população feminina e tem modificado efetivamente as taxas de incidência e
mortalidade por este câncer.
A efetividade da detecção precoce do câncer do colo do útero por meio do exame de
Papanicolaou, associada ao tratamento deste câncer em seus estádios iniciais, tem resultado em
uma redução das taxas de incidência de câncer cervical invasor que pode chegar a 90%, quando o
rastreamento apresenta boa cobertura (80%, segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS) e
é realizado dentro dos padrões de qualidade (GUSTAFSSON et al., 1997).
Em 1988, o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer, realizou uma
reunião de consenso, com a participação de diversos experts internacionais, representantes das
sociedades científicas e das diversas instâncias ministeriais e definiu que, no Brasil, o exame
colpocitopatológico deveria ser realizado em mulheres de 25 a 60 anos de idade, uma vez por ano
e, após dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos.
Tal recomendação apóia-se na observação da história natural do câncer do colo do útero,
que permite a detecção precoce de lesões pré-neoplásicas e o seu tratamento oportuno, graças à
lenta progressão que apresenta para doença mais grave.
*
Texto publicado na Revista Brasileira de Cancerologia nº 48, vol.1, 2002 (BRASIL, 2002).
20
O câncer do colo do útero inicia-se a partir de uma lesão pré-invasiva, curável em até
100% dos casos (anormalidades epiteliais conhecidas como displasia e carcinoma in situ ou
diferentes graus de neoplasia intra-epitelial cervical NIC), que normalmente progride lentamente,
por anos, antes de atingir o estágio invasor da doença, quando a cura se torna mais difícil, quando
não impossível.
Barron e Richart (1968) mostraram que, na ausência de tratamento, o tempo mediano
entre a detecção de uma displasia leve (HPV, NIC I) e o desenvolvimento de carcinoma in situ é
de 58 meses, enquanto para as displasias moderadas (NIC II) esse tempo é de 38 meses e, nas
displasias graves (NIC III), de 12 meses. Em geral, estima-se que a maioria das lesões de baixo
grau regredirá espontaneamente, enquanto cerca de 40% das lesões de alto grau não tratadas
evoluirão para câncer invasor em um período médio de 10 anos (SAWAYA et al., 2001). Por
outro lado, o Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos (NCI, 2000) calcula que somente
10% dos casos de carcinoma in situ evoluirão para câncer invasor no primeiro ano, enquanto de
30% a 70% terão evoluído decorridos 10 a 12 anos, caso não seja oferecido tratamento.
Segundo a OMS, estudos quantitativos têm demonstrado que, nas mulheres entre 35 e 64
anos, depois de um exame citopatológico do colo do útero negativo, um exame subseqüente pode
ser realizado a cada três anos, com a mesma eficácia da realização anual. Conforme apresentado
na tabela abaixo, a expectativa de redução percentual no risco cumulativo de desenvolver câncer,
após um resultado negativo, é praticamente a mesma, quando o exame é realizado anualmente
(redução de 93% do risco) ou quando ele é realizado a cada 3 anos (redução de 91% do risco).
Tabela 1: Efeito protetor do rastreamento para câncer do colo do útero de acordo
com o intervalo entre os exames em mulheres de 35 a 64 anos
Intervalo entre os exames
Redução na incidência cumulativa
1 ano
93%
2 anos
93%
3 anos
91%
21
5 anos
84%
10 anos
64%
Fonte: van Oortmarssen et al., 1992. In: BRASIL (2002).
A experiência internacional tem mostrado uma importante redução nas taxas de incidência
ajustadas pela população mundial, tal como apresentado na Tabela 2.
Tabela 2: Redução nas taxas de incidência do câncer do colo do útero em programas
de rastreamento em países nórdicos
Países Nórdicos
Redução nas taxas de incidência* entre 1986 e
1995
Islândia
67%
Finlândia
75%
Suécia
55%
Dinamarca
54%
Noruega
34%
* Taxas de incidência ajustadas pela população mundial
Fonte: European Commission Europe Against Cancer, 2000. In: BRASIL
(2002).
Com base nas evidências científicas disponíveis, a maioria dos países europeus e
organismos norte-americanos vêm recomendando a realização do exame citopatológico do colo
do útero a cada 3 anos.
A periodicidade de realização do exame citopatológico do colo do útero, estabelecida pelo
Ministério da Saúde do Brasil, em 1988, permanece atual e está em acordo com as
recomendações dos principais programas internacionais.
22
5. CONDUTAS PRECONIZADAS
5.1. RESULTADO NORMAL, ALTERAÇÕES BENIGNAS E QUEIXAS
GINECOLÓGICAS
5.1.1. Dentro dos limites da normalidade no material examinado
Diagnóstico completamente normal. A inclusão da expressão “no material examinado”
visa a estabelecer, de forma clara e inequívoca, aspectos do material submetido ao exame.
Conduta Clínica: Seguir a rotina de rastreamento citológico.
5.1.2. Alterações celulares benignas (ativas ou reparativas)
•
Inflamação sem identificação de agente
Caracterizada pela presença de alterações celulares epiteliais, geralmente determinadas
pela ação de agentes físicos, os quais podem ser radioativos, mecânicos ou térmicos e químicos
como medicamentos abrasivos ou cáusticos, quimioterápicos e acidez vaginal sobre o epitélio
glandular. Ocasionalmente, podem-se observar alterações, em decorrência do uso do dispositivo
intra-uterino (DIU), em células endometriais. Casos especiais do tipo exsudato linfocitário ou
reações alérgicas, representadas pela presença de eosinófilos, são observados.
Conduta Clínica: Havendo queixa clínica de leucorréia, a paciente deverá ser
encaminhada para exame ginecológico. Os achados comuns são ectopias, vaginites e cervicites. O
tratamento deve seguir recomendação específica.
Seguir a rotina de rastreamento citológico, independentemente do exame ginecológico.
•
Resultado indicando Metaplasia Escamosa Imatura
23
A palavra “imatura”, em metaplasia escamosa, foi incluída na Nomenclatura Brasileira
buscando caracterizar que esta apresentação é considerada como do tipo inflamatório, entretanto,
o epitélio nessa fase está vulnerável à ação de agentes microbianos e em especial do HPV.
Conduta Clínica: Seguir a rotina de rastreamento citológico.
•
Resultado indicando Reparação
Decorre de lesões da mucosa com exposição do estroma e pode ser determinado por
quaisquer agentes que determinam inflamação. É, geralmente, a fase final do processo
inflamatório, momento em que o epitélio está vulnerável à ação de agentes microbianos e em
especial do HPV.
Conduta Clínica: Seguir a rotina de rastreamento citológico.
•
Resultado indicando Atrofia com inflamação
Conduta Clínica: Após avaliação da sintomatologia e do exame ginecológico, podem ser
utilizados cremes vaginais contendo estrogênios.
Seguir a rotina de rastreamento citológico.
•
Resultado indicando Radiação
Nos casos de Câncer do Colo do Útero, o exame citopatológico deve ser realizado para
controle de possível persistência de neoplasia residual ou de recidiva da neoplasia após
tratamento radioterápico.
Conduta Clínica: Nos casos em que a citopatologia diagnosticar lesão intra-epitelial (LIE),
previsível após tratamento radioterápico, a conduta deverá ser a mesma indicada para lesão intraepitelial em pacientes submetidas a esse tratamento, devendo ser seguida de acordo com o grau
da LIE.
24
Ressaltamos a importância do preenchimento completo e adequado dos dados de
anamnese constantes do formulário de “Requisição de Exame Citopatológico - Colo do Útero”.
Achados Microbiológicos:
•
Lactobacillus sp;
•
Cocos;
•
Outros Bacilos;
São considerados achados normais. Fazem parte da flora vaginal e não caracterizam
infecções que necessitem de tratamento.
Conduta Clínica: A paciente com sintomatologia deve ser encaminhada para avaliação
ginecológica.
Seguir a rotina de rastreamento citológico.
Queixas Ginecológicas
As queixas ginecológicas não só devem ser valorizadas, mas solucionadas, considerando
que os laudos do exame citológico, na maioria das vezes, mencionam agentes microbiológicos
que, quando associados às queixas clínicas, merecem tratamento específico.
5.2. ALTERAÇÕES PRÉ-MALIGNAS OU MALIGNAS NO EXAME
CITOPATOLÓGICO
A discussão das condutas preconizadas, apresentadas a seguir, foi baseada,
principalmente, no Consensus Guidelines for the Management of Women with Cervical
Cytological Abnormalities (WRIGHT et al. 2001), embora inúmeros trabalhos científicos tenham
sido consultados pelos grupos de trabalho.
5.2.1. Células escamosas atípicas de significado indeterminado
25
Atualmente, as atipias escamosas de significado indeterminado representam a atipia
citológica mais comumente descrita nos resultados dos laudos citopatológicos do colo do útero.
Este achado citológico é de difícil reprodutibilidade entre citopatologistas experientes e são
consideradas aceitáveis taxas inferiores a 5% do total de exames realizados (SOLOMON et al.,
1998) .
A repetição do exame citopatológico possui sensibilidade entre 67% e 85% (SOLOMON
et al., 2001; FERRIS et al., 1998; MANOS et al., 1999; BERGERON et al., 2000 e WRIGHT et
al., 1998). Não existem dados suficientes para definir o número e o intervalo entre as repetições
das citologias, sendo definido pelo grupo de trabalho o intervalo de 6 meses.
As atipias escamosas de significado indeterminado foram divididas em: alterações
escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásicas (ASC-US de
Bethesda) e em alterações escamosas atípicas de significado indeterminado em que não se pode
afastar lesão de alto grau (ASC-H – Bethesda) (SOLOMON et al., 2002).
5.2.1.1. Células escamosas atípicas de significado indeterminado, possivelmente nãoneoplásicas
Cerca de 5% a 17% das mulheres com esta atipia apresentam diagnóstico de neoplasia
intra-epitelial II e III (SOLOMON et al., 1998; SOLOMON et al., 2001 e MITCHELL et al.,
1998) e 0,1% a 0,2% de carcinoma invasor no exame histopatológico, demonstrando assim baixo
risco de lesões mais avançadas (JONES e NOVIS, 2000a; LONKY et al, 1999).
A colposcopia apresenta alta sensibilidade (96%) e baixa especificidade (48%), as quais
causam alta taxa de sobrediagnóstico e de sobretratamento. Estudos têm mostrado
desaparecimento dessas alterações (células escamosas atípicas de significado indeterminado
possivelmente não-neoplásicas) em 70% a 90% das pacientes mantidas sob observação e
tratamento das infecções pré-existentes (JONES e NOVIS, 2000). A colposcopia é, portanto, um
método desfavorável como a primeira escolha na condução das pacientes que apresentam
26
alterações escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásico. A
conduta preconizada é a repetição da citologia, em 6 meses, na Unidade da Atenção Básica.
Se dois exames citopatológicos subseqüentes semestrais, na Unidade da Atenção Básica,
forem negativos, a paciente deverá retornar à rotina de rastreamento citológico. Porém, se o
resultado de alguma citologia de repetição for sugestiva de lesão igual ou mais grave a células
escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásicas, a paciente
deverá ser encaminhada à Unidade de Referência de Média Complexidade para colposcopia
imediata. Apresentando lesão, deve-se proceder a biopsia, e recomendação específica a partir do
laudo histopatológico. Caso a colposcopia não apresente lesão, deve-se repetir a citologia em 6
meses, na Unidade de Referência de Média Complexidade. Diante de duas citologias negativas
consecutivas, a paciente deverá ser reencaminhada para a rotina de rastreamento citológico na
Unidade da Atenção Básica. Se a citologia de repetição for sugestiva de células escamosas
atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásicas, a paciente deverá ser
submetida a nova colposcopia. Essa rotina deve ser mantida, até que novo achado citológico
diferente de atipias de células escamosas, de significado indeterminado possivelmente nãoneoplásicas ou lesão colposcópica, venha a aparecer. No caso de citologia de repetição positiva
sugestiva de lesão mais grave, deverá ser adotada conduta específica.
As condutas recomendadas, para as pacientes com laudo citopatológico de células
escamosas
atípicas
de
significado
indeterminado
possivelmente
não-neoplásicas,
são
apresentadas na Figura 1.
Entrar figura 1
5.2.1.2. Células escamosas atípicas de significado indeterminado, quando não se pode
excluir lesão intra-epitelial de alto grau
Embora o diagnóstico de células escamosas atípicas de significado indeterminado, quando
não se pode excluir lesão intra-epitelial de alto grau seja menos comum que o de células
27
escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásicas, o risco de lesão
de alto grau (NIC II e NIC III) subjacente é alto (24% a 94%) (LONKY et al, 1999; RONNETT
et al, 1999). Portanto, a conduta para todas as pacientes com esse laudo, na Unidade da Atenção
Básica, é a de encaminhá-las à Unidade de Referência de Média Complexidade para colposcopia
imediata.
Caso a colposcopia mostre lesão, uma biopsia deve ser realizada com recomendação
específica a partir do laudo histopatológico.
Não se detectando lesão à colposcopia, deve-se proceder, sempre que houver
possibilidade, à revisão de lâmina:
• Revisão de lâmina, “possível e altera o laudo”, a conduta a ser tomada será baseada no
novo laudo.
• Revisão de lâmina, “possível, mas não altera o laudo, ou impossível”, nova citologia e
colposcopia devem ser realizadas em seis meses.
Duas citologias consecutivas negativas permitem que a paciente seja reencaminhada à
Unidade da Atenção Básica para a rotina de rastreamento citológico. Se a citologia em seis meses
for sugestiva de lesão de baixo grau ou menos grave com colposcopia negativa, deverá seguir
conduta específica.
Caso o resultado citopatológico seja igual ou sugestivo de lesão mais grave com
colposcopia negativa, o procedimento excisional deve ser realizado.
A biopsia se impõe, sempre que haja lesão colposcópica, independente do laudo
citológico de repetição.
As condutas recomendadas, para as pacientes com células escamosas atípicas de
significado indeterminado, quando não se pode excluir lesão intra-epitelial de alto grau, são
apresentadas na Figura 2.
Entrar figura 2
28
5.2.2. Células glandulares atípicas de significado indeterminado, tanto para as
possivelmente não-neoplásicas quanto para aquelas em que não se pode afastar lesão
intra-epitelial de alto grau
As pacientes com atipias glandulares apresentam em 9% a 54% dos casos NIC II e III, 0%
a 8% adenocarcinoma
in
situ
e 1% a 9% adenocarcinoma
invasor no
exame
histopatológico(LONKY et al, 1999; KENNEDY et al, 1996; VALDINI et al, 2001; DUSCA et
al, 1998; TAYLOR et al, 1993; GOFF et al., 1992; ZWEIZIG et al, 1997 e JONES et al, 2000b).
Portanto, a conduta preconizada é encaminhar a paciente à Unidade de Referência de Média
Complexidade para a colposcopia imediata.
Até nova discussão, as condutas preconizadas para atipias glandulares são iguais,
independente das suas subdivisões, possivelmente não-neoplásicas em que não se pode afastar
lesão intra-epitelial de alto grau.
As pacientes que apresentarem lesão visível à avaliação colposcópica devem ser
submetidas à biopsia, e quando esta for positiva deverá seguir recomendação específica. No caso
de resultado negativo e naquelas pacientes que não apresentem lesão visível na colposcopia,
realizar-se-á coleta do canal cervical, imediata. O método recomendado para a coleta
endocervical é o da escovinha (cytobrush), que apresenta maior sensibilidade e especificidade
que a curetagem endocervical. Além do mais, a curetagem endocervical pode ocasionar
alterações no epitélio do canal cervical que dificultarão a avaliação histopatológica da peça de
conização, caso esta venha a ser realizada.
A conduta subseqüente depende da avaliação do material obtido do canal cervical: se for
negativo ou apresentar apenas atipias em células escamosas, as pacientes seguirão conduta
específica.
29
Quando a avaliação do material do canal endocervical resultar em atipias em células
glandulares, a conização se impõe, recomendando-se a conização a frio, até que novos trabalhos
constatem a eficácia de outros procedimentos.
Deve-se recomendar investigação endometrial e anexial, nas pacientes com mais de 40
anos mesmo sem irregularidade menstrual, assim como nas pacientes mais jovens com
sangramento transvaginal anormal. As investigações endometrial e anexial devem ser feitas por
amostragem endometrial e por exame de imagem.
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de células
glandulares atípicas de significado indeterminado, tanto para as possivelmente não-neoplásicas
quanto para aquelas em que não se pode afastar lesão intra-epitelial de alto grau, são apresentadas
na Figura 3.
Entrar figura 3
5.2.3. Células atípicas de origem indefinida, possivelmente não-neoplásicas e que não se
pode afastar lesão de alto grau
A categoria origem indefinida é mais uma inovação da Nomenclatura Brasileira destinada
àquelas situações em que não se pode estabelecer com clareza a origem da célula atípica. Essa
categoria é rara, caracterizando-se como uma exceção e sua abordagem deve ser direcionada,
inicialmente, ora para a conduta das células escamosas atípicas, ora para a conduta das células
glandulares atípicas, de acordo com os resultados dos exames citopatológicos e colposcópicos
subseqüentes.
Como a colposcopia pode ser um direcionador de condutas, tanto para as escamosas
atípicas como para as glandulares atípicas, a paciente que apresentar esta alteração citopatológica
30
na Unidade da Atenção Básica deve ser encaminhada à Unidade de Referência de Média
Complexidade para colposcopia imediata.
Caso a paciente mostre lesão colposcópica, a biopsia é imperiosa. Se positiva, adotar
recomendação específica. Se negativa ou a colposcopia não mostrar lesão, deverá ser realizada
uma nova citologia em 3 meses a contar da data da última coleta.
Se o resultado da nova citologia for negativo ou sugerir atipias em células escamosas, será
adotada conduta específica. Se sugerir células glandulares atípicas, a paciente deverá ser
submetida à conização. Entretanto, se o resultado citopatológico mantiver laudo de células
atípicas de origem indefinida uma investigação em Centro Especializado de Alta Complexidade
deve ser realizada.
Recomenda-se investigação endometrial e anexial nas pacientes com mais de 40 anos
mesmo sem irregularidade menstrual, assim como nas pacientes mais jovens com sangramento
transvaginal anormal, toda vez que apresentarem citologia com atipia de origem indefinida. As
investigações endometrial e anexial devem ser feitas por amostragem endometrial ou por exame
de imagem.
As condutas recomendadas para as pacientes com laudo citopatológico de células atípicas
de origem indefinida são apresentadas na Figura 4.
Entrar figura 4
5.2.4. Lesão intra-epitelial de baixo grau
A interpretação citológica de lesão intra-epitelial de baixo grau é mais reprodutível do que a
de células escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente não-neoplásica, e
apresenta 15% a 30% de chance de biopsia compatível com NIC II e NIC III (LONKY et al, 1999;
RONNETT et al, 1999).
31
A conduta preconizada é a repetição do exame citopatológico em seis meses na Unidade
da Atenção Básica, já que os estudos demonstram que na maioria das pacientes portadoras de
lesão de baixo grau há regressão espontânea.
A colposcopia como apresenta alta sensibilidade (96%), baixa especificidade (48%), alta
taxa de sobrediagnóstico e de sobretratamento (JONES et al, 2000a), torna-se desfavorável como
primeira escolha na condução das pacientes.
Se a citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos na Unidade da
Atenção Básica, a paciente deve retornar à rotina de rastreamento citológico. Se a citologia de
repetição for positiva, com qualquer atipia celular, encaminhar à Unidade de Referência de Média
Complexidade para colposcopia imediata.
Se a colposcopia mostrar lesão, realizar biopsia e recomendação específica a partir do
laudo histopatológico.
Se a colposcopia não mostrar lesão, a repetição da citologia em seis meses se impõe. Duas
citologias consecutivas negativas permitem reencaminhar a paciente à Unidade da Atenção
Básica para a rotina de rastreamento citológico.
Se algum resultado citopatológico for sugestivo de células escamosas atípicas e/ou
glandulares, novamente a paciente deverá ser avaliada pela colposcopia. Se a colposcopia de
repetição não mostrar lesão e a citologia de repetição mantiver laudo sugestivo de lesão de baixo
grau ou de células escamosas atípicas de significado indeterminado possivelmente nãoneoplásico, a paciente deve continuar em controle citológico e colposcópico semestrais, até que o
achado citopatológico diferente do anterior ou a lesão colposcópica venha a aparecer. Outros
achados citopatológicos sem lesão colposcópica deverão ser conduzidos de acordo com as
condutas padronizadas para cada caso.
As condutas recomendadas, para as pacientes com lesão intra-epitelial de baixo grau, são
apresentadas na Figura 5.
Entrar figura 5
5.2.5. Lesão intra-epitelial de alto grau
32
Cerca de 70% a 75% das pacientes com laudo citológico de lesão intra-epitelial de alto
grau apresentam confirmação diagnóstica histopatológica e 1% a 2% terão diagnóstico
histopatológico de carcinoma invasor (KINNEY et al., 1998; MASSAD et al., 2001; LAVERTY
et al., 1988). Sendo assim, todas as pacientes que apresentarem citologia sugestiva de lesão de
alto grau, na Unidade da Atenção Básica, deverão ser encaminhadas imediatamente para a
Unidade de Referência de Média Complexidade, para colposcopia como conduta inicial.
Quando a colposcopia for satisfatória e mostrar lesão totalmente visualizada e compatível com
a citopatologia sugestiva de lesão intra-epitelial de alto grau, a conduta recomendada é a excisão ampla
da zona de transformação do colo do útero, por Cirurgia de Alta Freqüência (CAF), procedimento
“Ver e Tratar” que permite realizar o diagnóstico e tratamento simultâneo. Esse método elimina a
necessidade de uma biopsia prévia e de consultas adicionais - pré-tratamento, já que todo o
procedimento é realizado em uma única consulta.
As condições para a realização do “Ver e Tratar” são uma colposcopia satisfatória com
lesão totalmente visualizada, não ultrapassando os limites do colo do útero e concordante com a
citopatologia sugestiva de lesão intra-epitelial de alto grau.
Caso a colposcopia seja satisfatória e não contemple o “Ver e Tratar” ou mostre lesão não
concordante com a citopatologia, uma biopsia deve ser realizada. Se a biopsia for negativa ou
apresentar diagnóstico de menor gravidade, deve-se repetir a citologia em três meses a contar do
dia da realização da biopsia e, adotar conduta específica de acordo com esse novo laudo
citopatológico. Quando o resultado da biopsia for positivo com diagnóstico igual ou de maior
gravidade, deve-se seguir recomendação específica.
Se a colposcopia for insatisfatória ou satisfatória e não mostrar nenhuma lesão,
recomenda-se, sempre que houver possibilidade, a revisão de lâmina.
No caso da revisão ser possível e alterar o laudo, a conduta será baseada nesse novo laudo
citopatológico. Porém, diante de revisão possível, mas não alterando o laudo ou impossível, uma
nova citologia deve ser realizada após três meses a contar da data da coleta da citologia anterior.
Se a citologia de repetição apresentar o mesmo resultado (lesão de alto grau), o procedimento
33
excisional deve ser realizado. Se o resultado de repetição do exame citopatológico for diferente
de lesão de alto grau, seguir conduta de acordo com o novo laudo.
Quando a colposcopia for insatisfatória e mostrar lesão, uma biopsia deve ser realizada.
Se o resultado da biopsia for de lesão de alto grau ou de lesão de menor gravidade, a
recomendação é a exerese por métodos excisionais, seja por cirurgia de alta freqüência ou
conização a bisturi a frio. Se a biopsia demonstrar diagnóstico maior que lesão de alto grau, então
a paciente deve ser referenciada para Centro Especializado de Alta Complexidade para
procedimento específico.
As condutas recomendadas para as pacientes com lesões intra-epiteliais de alto grau são
apresentadas na Figura 6.
Entrar figura 6
5.2.6. Adenocarcinoma in situ / invasor
Cerca de 48% a 69% das mulheres com laudo citopatológico sugestivo de
adenocarcinoma in situ apresentam confirmação da lesão à histopatologia e, dessas, 38%
apresentam laudo de adenocarcinoma invasor (LEE et al., 1995; VAN ASPERT-VAN et al.,
2004). Portanto, todas as pacientes com citologia sugestiva de adenocarcinoma in situ, encontrada
na Unidade da Atenção Básica, deverão ser encaminhadas para a Unidade de Referência de
Média Complexidade para colposcopia imediata, assim como as portadoras de laudo
citopatológico sugestivo de adenocarcinoma invasor.
Se a colposcopia mostrar lesão, a biopsia deve ser realizada apenas para excluir invasão.
Se o resultado histopatológico da biopsia não demonstrar lesão invasora, realizar conização. Caso
seja confirmada a invasão, a paciente deve ser encaminhada para o Centro Especializado de Alta
Complexidade.
34
Se a colposcopia não mostrar lesão, indica-se a conização, preferencialmente com bisturi
a frio.
Aproximadamente
58%
das
pacientes
com
diagnóstico
histopatológico
de
adenocarcinoma in situ apresentam concomitantemente lesão de alto grau (AHDOOT et al.,
1998), fato que não altera a conduta a ser tomada, ou seja, mantém-se a indicação da conização.
Recomenda-se a investigação endometrial e anexial nas pacientes com mais de 40 anos
mesmo sem irregularidade menstrual, assim como nas pacientes mais jovens com sangramento
transvaginal anormal, toda vez que apresentarem citologia com atipia glandular de significado
indeterminado. As investigações endometrial e anexial devem ser feitas por amostragem
endometrial ou por exame de imagem.
As recomendações para as pacientes com lesões de adenocarcinoma in situ / invasor, são
apresentadas na Figura 7.
Entrar figura 7
5.2.7. Lesão de alto grau não podendo excluir microinvasão ou carcinoma epidermóide
invasor
Todas as pacientes que apresentem citopatologia sugestiva de lesão de alto grau não
podendo excluir microinvasão ou carcinoma epidermóide invasor, na Unidade da Atenção
Básica, devem ser encaminhadas imediatamente à Unidade de Referência de Média
Complexidade para colposcopia como conduta inicial. A definição histopatológica de invasão se
impõe na Unidade de Referência de Média Complexidade.
Quando a colposcopia for satisfatória ou insatisfatória e mostrar lesão, a conduta
recomendada é a biopsia. Se o resultado da biopsia for de carcinoma invasor, a paciente deverá
ser encaminhada para o Centro Especializado de Alta Complexidade. Se o resultado de biopsia
não confirmar carcinoma invasor, realizar conização, desde que não haja indícios clínicos de
35
invasão, situação na qual a paciente deverá ser encaminhada ao Centro Especializado de Alta
Complexidade.
Quando a colposcopia for satisfatória ou insatisfatória e não mostrar lesão, indicar
conização e recomendação específica.
As condutas recomendadas para as pacientes com lesões de alto grau não podendo excluir
microinvasão ou carcinoma epidermóide invasor, são apresentadas na Figura 8.
Entrar figura 8
5.2.8. Recomendações específicas de acordo com o laudo histopatológico
Considerando-se os laudos histopatólogicos obtidos através dos métodos incisionais e/ou
excisionais, realizados na Unidade de Referência de Média Complexidade, as recomendações
específicas a serem adotadas são apresentadas na Figura 9.
Entrar figura 9
5.3. SITUAÇÕES ESPECIAIS
5.3.1. Mulheres pós-menopausa
A conduta a ser adotada na Unidade da Atenção Básica não se altera para as pacientes em
pós-menopausa, exceto nas atipias celulares de significado indeterminado e neoplasia intraepitelial de baixo grau, quando associada à atrofia genital constatada pelo exame clínico e/ou
citológico, já que nesses casos há uma incidência maior de citologia falso-positiva. Nessa
situação, a estrogenização, caso não haja contra-indicação, e a repetição citológica se impõem na
Unidade da Atenção Básica.
A estrogenização pode ser feita mediante a administração oral de estrogênios conjugados
por sete dias, com a realização do exame citopatológico em até uma semana após o término do
36
esquema ou a administração tópica de estrogênio creme por sete dias, com realização do exame
citopatológico entre o 3º e o 7º dia após o término do esquema. As pacientes que apresentarem
anormalidade citológica, após estrogenização, deverão ser encaminhadas à Unidade de
Referência de Média Complexidade para colposcopia imediata e conduta. Naquelas que
apresentarem resultado negativo, uma nova citologia deverá ser realizada em 6 meses, na
Unidade da Atenção Básica. Depois de duas citologias consecutivas negativas a paciente deverá
retornar à rotina de rastreamento.
As pacientes em pós-menopausa, uma vez na Unidade de Referência de Média
Complexidade, serão submetidas às condutas anteriormente apresentadas nesse documento.
5.3.2. Mulheres imunodeprimidas
As mulheres imunodeprimidas, com resultado citológico alterado, têm risco aumentado de
apresentarem lesão histopatológica mais grave, ou progressão da lesão, incluindo a evolução para
o câncer do colo do útero. Recomenda-se, portanto, encaminhar à Unidade de Referência de
Média Complexidade, para colposcopia imediata.
Considera-se paciente imunodeprimida àquela portadora do HIV, usuária de corticóides,
transplantada, entre outras.
Nas mulheres portadoras do HIV, as lesões precursoras apresentam envolvimento cervical
mais extenso e com mais freqüência envolvem outros órgãos do trato genital inferior, tais como a
vagina, a vulva e a região perianal. A investigação da paciente com citologia sugestiva de lesões
de baixo e alto graus e o respectivo tratamento devem ser acompanhados de introdução de terapia
anti-retroviral eficaz. Isso reduz o risco de recorrências, de progressão de lesões existentes e de
persistência pós-tratamento.
As pacientes imunodeprimidas, uma vez na Unidade de Referência de Média
Complexidade, serão submetidas às condutas anteriormente apresentadas nesse documento.
37
Quando de retorno à Unidade da Atenção Básica, deverão ser rastreadas anualmente por toda a
vida, em decorrência de maior risco de recidiva.
5.3.3. Gestantes
Estudos mostram que o risco de progressão de uma lesão de alto grau para carcinoma
invasor, durante o período gestacional, é extremamente baixo e a regressão espontânea após o
parto é relativamente freqüente (YOST et al., 1999; PARAKEVAIDIS et al., 2002;
SIRISTATIDIS et al., 2002 e COMMONWEALTH OF AUSTRÁLIA, 2005) .
Mulheres gestantes com o laudo citopatológico alterado devem seguir a conduta
recomendada para as pacientes não-grávidas, na Unidade da Atenção Básica.
Na Unidade de Referência de Média Complexidade, o objetivo principal é afastar a
possibilidade de lesão invasora; portanto, diante de uma colposcopia satisfatória ou insatisfatória
mostrando lesão sugestiva de invasão, a biopsia se impõe. Caso contrário, isto é, na presença de
lesão colposcópica sugestiva de lesão de alto grau ou de menor gravidade, a paciente
permanecerá em controle colposcópico e citológico na Unidade de Referência de Média
Complexidade, trimestralmente, até o parto. Confirmada a invasão pela biopsia, a paciente deverá
ser encaminhada ao Centro Especializado de Alta Complexidade. Se a colposcopia for
insatisfatória não mostrando lesão, uma nova colposcopia deve ser realizada em três meses, pela
possibilidade de a colposcopia se tornar satisfatória na evolução da gravidez.
Toda lesão colposcópica associada à citologia de invasão deve ser biopsiada.
A conduta obstétrica, em princípio, para a resolução da gravidez, não deve ser modificada
em decorrência dos resultados colposcópicos, citopatológicos e histopatológicos, exceto nos
casos de franca invasão ou obstrução do canal do parto.
Após o parto, as reavaliações colposcópica e citopatológica deverão ser realizadas, entre
seis e oito semanas, na Unidade de Referência de Média Complexidade.
38
5.3.4. Adolescentes
De acordo com a Lei nº 8069, de 13/7/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, considera-se criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Os achados de anormalidades citopatológicas em adolescentes sexualmente ativas têm
aumentado progressivamente, alterando-se de 3% na década de 70 para 20% na década de 90 (MOUNT;
PAPILLO, 1999; WRIGHT, 2005).
Nessa faixa etária, freqüentemente, observam-se fatores de risco, como a sexarca precoce, multiplicidade de
parceiros e fatores de risco biológicos, que geram uma maior vulnerabilidade (MOUNT; PAPILLO, 1999;
WRIGHT, 2005). .
A conduta na Unidade da Atenção Básica não se altera na adolescente, devendo, portanto,
seguir as recomendações anteriormente apresentadas nesse documento.
Na Unidade de Referência de Média Complexidade, a adolescente deverá seguir as
mesmas condutas recomendadas para as pacientes em pré-menopausa, exceto se o laudo
histopatológico for de NIC I, em que a conduta deverá ser conservadora, não cabendo, portanto, a
indicação de métodos excisionais na persistência citopatológica e/ou colposcópica. No caso de
piora da lesão colposcópica e/ou da citologia de repetição, está indicada nova biopsia. Resultado
histopatológico maior que NIC I, seguir recomendações específicas de acordo com o laudo.
O método “Ver e Tratar” não foi recomendado para as pacientes adolescentes e, mesmo
quando houver concordância cito-colposcópica, a biopsia se impõe.
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findings in the postpartum period. American Journal of Obstetrics and Gynecology, v. 178, n.
6, p. 1116-1120, 1998.
39
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no DOU Nº 236, de 09 de dezembro de 2005, seção 1, páginas 80/81. Disponível em:
<http://www.cns.org.br/cns/_circ/2005/12/CNS_152_05.doc > Acesso em: 10 ago. 2005.
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câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2005.
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comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis:
Brasil, 15 capitais e Distrito Federal, 2002-2003. Rio de Janeiro: INCA, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Periodicidade de realização do
exame preventivo do câncer do colo do útero: normas e recomendações do INCA. Revista
Brasileira de Cancerologia, v. 48, n. 1, p. 13-15, 2002.
BRASIL. Leis e Decretos. Lei Nº 8.069 - de 13 Julho 1990. - DOU DE 16/07/90 - Estatuto da
Disponível
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<
Criança
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Adolescente.
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41
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NOTA: LISTA DOS PARTICIPANTES NAS DIFERENTES ETAPAS DO TRABALHO
42
Afrânio Coelho, Alexandre José Peixoto Donato, Alvaro Piazetta Pinto, Ana Cristina Lima
Pinheiro, Ana Maria Castro Morillo, Andreia Xavier Polastro, Antonio Luiz Almada Horta,
Carlos Alberto Fernandes Ramos, Carlos Alberto Ribeiro, Carlos Alberto Temes de Quadros,
Carlos Eduardo Polastri Claro, Celso di Loreto, Claudia Jacinto, Claudia Marcia Pereira
Passos, Claudio Aldila Oliveira da Costa, Claudio Bernardo H.Pereira Oliveira, Cleide Regina
da Silva Carvalho, Clovis dos Santos Andrade, Deise de Carvalho Dias, Delia Maria Rabelo,
Delly Cristina Martins, Denise Barbosa, Denise José Pereira, Élbio Cândido de Paula, Elias
Fernando Miziara, Elizabeth Cristina de Souza Mendes, Elsio Barony de Oliveira, Elza Baia de
Brito, Elza Gay Pereyra, Estefania Mota Araripe Pereira, Ethel Cristina Souza Santos, Euridice
Figueiredo, Fabio Russomano, Fatima Edilza Xavier de Andrade, Fatima Meirelles Pereira
Gomes, Fatima Regina Gomes Pinto, Fernando Azeredo, Francisco de Assis Leite Filho,
Francisco José Batista da Silva, Gerson Botacini das Dores, Giani Silvana Schwengber
Cezimbra, Gleyce Juventelles de Oliveira Anunciação, Gulnar Azevedo e Silva Mendonça,
Gutemberg Leão de Almeida Filho, Henrique de Oliveira Costa, Hercílio Fronza Júnior, Ilsa
Prudente, Ilzia Doraci Lins Scapulatempo, Isa Maria Mello, Isabel Cristina Chuvalis Doval,
Ivana Porto Ribeiro, João Batista da Silva, Joel Takashi Totsugui, Jorge Henrique Gomes de
Mattos, Jose Anselmo Cordeiro Lopes, José Antonio Marques, José Eluf Neto, José Guilhermo
Berenguer Flores, José Helvécio Kalil, José Mauro Secco, Josefina de Andrade Monteiro de
Barro, Jucelei Escandela, Jupira Mesquita, Jurandyr Moreira de Andrade, Katia Regina Santos
Lima, Laudycéia de S. Oliveira, Leda Pereira de Barcelos, Leonel Ricardo Curcio Junior, Letícia
Katz, Liana Ariza, Luciane Maria Oliveira Brito, Lucilia Maria Gama Zardo, Luiz Cálice Cintra,
Luiz Carlos de Lima Ferreira, Luiz Carlos Zeferino, Luiz Claudio Santos Thuler, Luiz Fernando
Bleggi Torres, Luiz Martins Collaço, Manoel Afonso Guimarães Gonçalves, Marco Antônio
Oliveira Apolinário, Marco Antonio Teixeira Porto, Marcos André Félix da Silva, Marcus
Valério Frohe de Oliveira, Maria Beatriz Kneipp Dias, Maria da Conceição Aguiar Lyra, Maria
Diva Lima, Maria do Carmo Esteves da Costa, Maria Fátima de Abreu, Maria Isabel do
Nascimento, Maria José Camargo, Maria José de Souza Ferreira, Maria Lúcia Prest Martelli,
Maria Midori Piragibe, Maria Odete Abrantes Correia Lopes, Maria Raymunda de Albuquerque
Maranhão, Marieta Maldonado, Marilene Filgueiras Nascimento, Marina Andrade Amaral,
Marina Lang Dias Rego, Maristela V. Peixoto, Maura Raquel Ferreira Sousa Vidal, Midori
Piragibe, Mônica de Assis, Morgana Martins dos Santos, Nabiha Taha, Neil Chaves de Souza,
Nelson Cardoso de Almeida, Nelson Valente Martins, Ney da Silva Pereira, Nilza Maria Sobral
Rebelo Horta, Norma Império Meyrelles, Olimpio F. de Almeida Neto, Paula Fernandes de
Brito, Paula Maldonado, Paulo Giraldo, Paulo Sergio Peres Fonseca, Renata Aranha, Risoleide
Marques de Figueiredo, Roberto Junqueira de Alvarenga, Ronaldo Correa F. da Silva, Ronaldo
L. Rangel Costa, Roseli Monteiro da Silva, Rui Luzzaito, Sergio M. Bicalho, Sérgio Tavolaro
Pereira, Sheila Rochelin, Sônia Maria Lima S. Marcena, Sueli Aparecida Maeda, Tânia Maria
43
Cruz Werton Veras, Terezinha Castelo Branco Carvalho, Therezinha Sanfim Cardoso, Valeria de
Andrade, Valeria Hora de Mello, Vânia Reis Girianelli, Vera Lucia Motta da Fonseca, Virgílio
Augusto G. Parreira, Virginia Borges Nassralla, Wanuzia Queila de Miranda, Wilhermo Torres,
Wilna Krepke Leiros Dias.
GLOSSÁRIO
Centro Especializado de Alta Complexidade - considera-se como Centro Especializado de Alta
Complexidade em Oncologia os hospitais definidos pela portaria SAS/MS nº741, de 19 de
dezembro de 2005, como Unidades de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Assistência
de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e Centros de Referência de Alta Complexidade
em Oncologia.
Unidade de Alta Complexidade em Oncologia - “hospital que possua condições técnicas,
instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados à prestação de assistência
especializada de alta complexidade para diagnóstico definitivo e tratamento dos cânceres mais
prevalentes no Brasil.”
CACON - “hospital com condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos
humanos adequados à prestação de assistência especializada de alta complexidade para
diagnóstico definitivo e tratamento definitivo para todos os tipos de câncer”.
Centro de Referência de Alta Complexidade em Oncologia - “CACON que exerça o papel
auxiliar, de caráter técnico, ao Gestor do SUS nas políticas de Atenção Oncológica.”
Colposcopia - Método óptico para exame do trato genital inferior iluminado com magnificação
intermediária entre o olho desarmado e o pequeno aumento do microscópio. Recomenda-se que a
colposcopia seja sempre diferencial, isto é, não se restrinja à simples observação e descrição dos
achados, mas que seja suficientemente rigorosa e pormenorizada para melhor dirigir o ato da
biopsia localizando o epicentro da lesão, o ponto mais significante, aquele com maior
probabilidade de corresponder ao substrato histopatológico sugerido pelo achado colposcópico.
44
Colposcopia insatisfatória - Considera-se colposcopia insatisfatória o exame que apresente, pelo
menos uma, das seguintes condições: junção escamo-colunar não visível, inflamação severa,
atrofia severa, trauma ou cérvice não-visível.
Colposcopia satisfatória - Considera-se satisfatória a colposcopia que não apresente, pelo menos
uma, das seguintes condições: junção escamo-colunar não-visível, inflamação severa, atrofia
severa, trauma ou cérvice não-visível.
Colposcopia sem lesão - Considera-se sem lesão o exame sem achados colposcópicos anormais
ou sugestivos de câncer invasivo.
Conduta Específica - qualquer medida tomada diante de um resultado citológico.
Métodos Excisionais – estes métodos incluem tanto a exerese completa da Zona de
Transformação, como a conização.
Conização - remoção da zona de transformação e de parte variável do canal cervical. A extensão
da excisão depende da gravidade da lesão em tratamento, da idade da paciente, da visualização da
junção escamo-colunar, entre outros fatores. A decisão quanto à extensão deve ser tomada em
função do texto de “Condutas preconizadas” e de acordo com o julgamento do médico para cada
caso.
Recomendação Específica - qualquer conduta tomada diante de um resultado histopatológico.
Terminologia colposcópica - nomenclatura para laudos colposcópicos, sendo recomendada a
adoção da Terminologia Colposcópica da IFCPC – Barcelona 2002.
Unidade da Atenção Básica - unidades que compõem a estrutura básica de atendimento aos
usuários do SUS. Pode ser:
•
Unidade Saúde da Família - unidade pública específica para a prestação de assistência
em atenção contínua programada nas especialidades básicas e com equipe multidisciplinar
para desenvolver as atividades que atendam às diretrizes da estratégia Saúde da Família do
Ministério da Saúde.
45
•
Posto de Saúde - unidade destinada à prestação de assistência a uma determinada
população, de forma programada ou não, por profissional de nível médio, com presença
intermitente ou não de profissional médico;
•
Centro de Saúde/ Unidade da Atenção Básica - unidade para a realização de
atendimentos de atenção básica e integral a uma população, de forma programada ou não,
nas especialidades básicas, podendo oferecer assistência odontológica e de outros
profissionais de nível superior. A assistência deve ser permanente e prestada por médicos
generalistas ou especialistas nessas áreas. Pode ou não oferecer SADT e pronto
atendimento 24 horas;
•
Unidade móvel fluvial - barco/navio, equipado como unidade de saúde, contendo, no
mínimo, um consultório médico e uma sala de curativos, podendo ter consultório
odontológico.
•
Unidade terrestre móvel para atendimento médico/odontológico - veículo automotor
equipado, especificamente, para prestação de atendimento ao paciente.
•
Unidade mista - unidade de saúde básica destinada à prestação de atendimento em
atenção básica e integral à Saúde, de forma programada ou não, nas especialidades básicas,
podendo oferecer assistência odontológica e de outros profissionais, com unidade de
internação, sob administração única. A assistência médica deve ser permanente e prestada
por médico especialista ou generalista.
•
Ambulatório de Unidade Hospitalar – serviço de atenção básica que funciona em
hospitais.
Unidade de Referência de Média Complexidade - Unidade de Referência para o tratamento e
acompanhamento das Condutas Preconizadas de alterações pré-malignas ou malignas no exame
citopatológico A média complexidade é um dos três níveis de atenção à Saúde, considerados no
âmbito do SUS. Compõe-se por ações e serviços que visam a atender aos principais problemas de
saúde e agravos da população, cuja prática clínica demande disponibilidade de profissionais
especializados e o uso de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. A atenção
46
média foi instituída pelo Decreto nº 4.726 de 2003, que aprovou a estrutura regimental do
Ministério da Saúde. Suas atribuições estão descritas no Artigo 12 da proposta de regimento interno
da Secretaria de Assistência à Saúde. Os grupos que compõem os procedimentos de média
complexidade do Sistema de Informações Ambulatoriais são os seguintes: 1) procedimentos
especializados realizados por profissionais médicos, outros de nível superior e nível médio; 2)
cirurgias ambulatoriais especializadas; 3) procedimentos traumato-ortopédicos; 4) ações
especializadas em odontologia; 5) patologia clínica; 6) anatomopatologia e citopatologia; 7)
radiodiagnóstico; 8) exames ultra-sonográficos; 9) diagnose; 10) fisioterapia;11) terapias
especializadas;12) próteses e órteses; 13) anestesia. O gestor deve adotar critérios para a
organização regionalizada das ações de média complexidade, considerando a necessidade de
qualificação e especialização dos profissionais para o desenvolvimento das ações; os dados
epidemiológicos e sociodemográficos de seu município; a correspondência entre a prática clínica e
a capacidade resolutiva diagnóstica e terapêutica; a complexidade e o custo dos equipamentos; a
abrangência recomendável para cada tipo de serviço; economias de escala e métodos e técnicas
requeridas para a realização das ações.
Submissão: junho de 2006
Aprovação: setembro de 2006
Trauma mamilar e a prática de amamentar: estudo com mulheres no início da
lactação
Nipple trauma and breast-feeding: a study of women in the early stages of
lactation.
Aida Victoria Garcia Montrone 1; Cássia Irene Spinelli Arantes 2 ; Ana Carolina S. Nassar 3; Thaisa
Zanon 4
Resumo
Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de identificar a ocorrência de trauma
mamilar em mulheres no início da lactação, relacioná-lo com outras dificuldades e com o
tipo de aleitamento materno; descrever e analisar as condutas adotadas pelas mulheres para
o tratamento do trauma mamilar e compreender a influência dessa dificuldade na percepção
das mulheres sobre a prática de amamentar. Trata-se de um estudo descritivo com análise
quantitativa e qualitativa dos dados. Foram selecionadas mulheres atendidas pelo SUS de
São Carlos com recém-nascidos a termo, em fevereiro de 2005. Realizaram-se 84
entrevistas entre o 13° e 15° dia pós-parto, identificando 40 mulheres com trauma mamilar.
Para análise dos dados foram utilizados o Programa Epi-Info 2000 e os passos da pesquisa
1
Universidade Federal de São Carlos - SP, Centro de Educação e Ciências Humanas.
Departamento de Metodologia de Ensino. Enfermeira Obstétrica, Doutora em Educação, Professora
Adjunta do Departamento de Metodologia de Ensino. Endereço: Universidade Federal de São
Carlos, Departamento de Metodologia de Ensino, Via Washington Luiz, km 235, Caixa Postal 676
CEP: 13565-905 – São Carlos, SP. Telefone: (16) 33518373; Fax: (16) 33518372. E-mail:
[email protected]
2
Universidade Federal de São Carlos - SP, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde.
Departamento de Enfermagem. Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunta do
Departamento de Enfermagem.
3
Universidade Federal de São Carlos - SP, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Aluna do
Curso de Graduação em Enfermagem. Pesquisadora do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica-PIBIC/CNPq/UFSCar
4
Universidade Federal de São Carlos - SP, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Aluna do
Curso de Graduação em Enfermagem. Pesquisadora do Programa Unificado de Iniciação CientíficaPUIC/UFSCar
qualitativa. Os resultados obtidos mostram que 47,6% das mulheres apresentaram trauma
mamilar. A maioria ocorreu na primeira semana pós-parto e 25% logo após a primeira
mamada. Das 40 mulheres entrevistadas, 47,5% apresentaram também outras dificuldades,
principalmente o ingurgitamento mamário. 10% das mães já haviam introduzido outro leite
na alimentação do bebê. As condutas mais utilizadas para resolução das lesões foram:
utilização de leite materno (55%) e exposição ao sol (47,5%). Na percepção das mulheres, a
prática de amamentar com trauma mamilar foi uma experiência dolorosa, marcada por
conflitos de sentimentos. A proporção de trauma mamilar em mulheres no início da
lactação é alta e se constitui em um importante fator de risco para o desmame precoce. Há
necessidade de profissionais capacitados atuarem junto às mulheres, tanto no manejo
clínico da amamentação quanto na dimensão afetiva, emocional e social dessa vivência.
Palavras-chave: aleitamento materno.
Abstract
The objective of this study is to identify the incidence of nipple trauma in women at
the beginning of lactation, to relate it to other difficulties and to the type of maternal breastfeeding; to describe and analyze the practices adopted by women for the treatment of nipple
trauma and to understand the influence of such difficulty in women’s perceptions of breastfeeding practices. The research methodology was a descriptive study with quantitative and
qualitative analysis of data. Women with newborn babies from the SUS in São Carlos were
selected in February 2005. Eighty-four (84) interviews were held on the 13th and 15th
postpartum day, and 40 women with nipple trauma were identified. For data analysis, the
Epi-Info 2000 Program and qualitative research steps were used. The results obtained show
that 47.6% of the women presented nipple trauma. Most of the cases occurred in the first
week postpartum, and 25% soon after the first suckle. Of the 40 women interviewed, 47.5%
presented other difficulties as well, mainly mammary ingurgitation. 10% of the mothers had
already introduced another type of feeding to their babies. The most commonly used
practices to resolve lesions were: using maternal milk (55%) and sun exposure (47.5%).
The practice of breast-feeding with nipple trauma, according to the women, was a very
painful experience full of feelings of conflict. The percentage of nipple trauma in women at
the beginning of breast-feeding is high and accounts for an important risk factor that leads
to precocious weaning. There is a need for trained professionals to work alongside these
women in the clinical handling of breast-feeding, as well as in the affective, emotional and
social aspects of this experience.
Keywords: Breast Feeding.
Introdução
É consenso na literatura os benefícios que a amamentação oferece para a criança,
para a mulher, para o estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho, para família e
até mesmo para a sociedade (ALMEIDA, 1999; ALMEIDA; NOVAK 2004; NÓBREGA,
2002; REA, 2004; TERUYA; COUTINHO, 2002).
Porém, somente a exaltação desses benefícios não tem determinado um aumento
significativo da amamentação exclusiva, pois o desmame precoce continua a ocorrer de
forma predominante, ainda que as investigações mostrem uma elevação da prática de
amamentar nas três últimas décadas.
No Brasil, estudos têm verificado que a tendência da amamentação teve um
incremento entre 1975 e 1989, quando a mediana da amamentação passou de 2,5 meses
para 5,5 meses. No entanto, este aumento foi mais acentuado para a área urbana e para as
regiões centro-oeste e sudeste (VENÂNCIO; MONTEIRO, 1998; VENÂNCIO, 2003).
Trabalhos realizados no final da última década mostram que, apesar de a maioria dos bebês
(96,4%) serem amamentados quando saem da maternidade, somente 40% deles recebem
aleitamento materno exclusivo até os quatro meses de idade (REA, 1998).
No entanto, apesar da tendência ascendente da prática da amamentação no Brasil,
estamos longe de atingir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do
Ministério da Saúde, de amamentação exclusiva até os seis meses, continuando o
aleitamento materno até os dois anos de idade ou mais (BRASIL, 2002).
Sendo assim, o desmame precoce ainda caracteriza-se como uma tendência presente
entre as crianças brasileiras. Montrone e De Rose (1996), em estudo realizado para avaliar a
eficácia de um programa educacional de estímulo ao aleitamento materno, encontraram no
grupo de mães-controle que um dos principais motivos alegados pelas mães para a
introdução de mamadeira foi o “leite secou” e “pouco leite”.
Ramos e Almeida (2003), num estudo qualitativo que buscava compreender as
razões para o desmame, constataram que o segundo fator de interferência sobre o processo
de amamentação foi a intercorrência com a mama puerperal durante o período de lactação.
Nakano (2003), investigando quais os problemas na amamentação apontados pelas
mulheres, identificou que 73% das entrevistadas alegaram problemas mamários, 10,2%
dificuldades com as mamas e com o bebê, 8,4% problemas com o bebê, 4,5% outros
motivos. Dentro de problemas mamários, os traumas mamilares apresentam-se como uma
dificuldade que influencia na manutenção da amamentação.
Vinha (1988) diferenciou a denominação dos traumas mamilares de acordo com o
tipo de lesão. São encontradas, ainda, outras denominações como fissuras ou lesões, e
popularmente também são conhecidos como rachaduras.
Os traumas mamilares são lesões nos mamilos causadas principalmente por
posicionamento incorreto e pega inadequada (GIUGLIANI, 2004; THOMSON, 2002;). São
extremamente dolorosos e desconfortáveis, podendo contribuir para a interrupção do
processo de amamentação.
Nessa perspectiva, há relevância em se conhecer a incidência desse tipo de lesão
entre as mulheres em lactação e quais as condutas adotadas para sua solução.
Os objetivos deste estudo consistiram em identificar a ocorrência de trauma mamilar
em mulheres no início da lactação, relacioná-lo com outras dificuldades e com o tipo de
aleitamento materno; descrever e analisar as condutas adotadas pelas mulheres para o
tratamento do trauma mamilar e compreender a influência dessa dificuldade na percepção
das mulheres sobre a prática de amamentar.
Métodos
Foi realizado um estudo descritivo com abordagem quantitativa e qualitativa.
Participaram do estudo mulheres da zona urbana de São Carlos atendidas nos serviços do
Sistema Único de Saúde (SUS) e que tiveram recém-nascidos a termo no mês de fevereiro
de 2005, na Maternidade Dona Francisca Cintra Silva, única conveniada ao SUS que
atendeu neste período 89,2% de todos os partos realizados no município. Foram
selecionadas aquelas mulheres que realizaram pré-natal e que teriam posterior
acompanhamento nas unidades de atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde de São
Carlos.
Nesse mês, foram registrados 191 nascidos vivos, dos quais 137 atendidos pelo
SUS. Duas alunas do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São
Carlos, previamente capacitadas, abordaram 99 mulheres durante o período de recuperação
pós-parto e as convidaram para participar da pesquisa. Um total de 96 mães aceitou o
convite, assinando termo de autorização para visita no domicílio. Dessas, 12 mulheres não
foram entrevistadas devido à mudança de endereço, por não terem sido encontradas no
domicílio, ou pelo fornecimento de endereço incorreto.
Foram entrevistadas 84 mulheres, entre o 13º e o 15º dia após o nascimento do bebê
das quais 40 apresentaram traumas mamilares e constituíram o universo deste estudo.
As entrevistas foram realizadas seguindo roteiro semi-estruturado (Anexo),
gravadas e numeradas conforme a ordem de realização. Para identificar o tipo de
aleitamento materno que os bebês estavam recebendo foram seguidas às definições
preconizadas pela OMS (OMS, 1991):
-Amamentação exclusiva: aleitamento materno como único alimento, podendo o
lactente receber também vitaminas, minerais ou medicamentos;
-Amamentação predominante: aleitamento materno mais água, sucos, chá, soro de
rehidratação oral;
-Amamentação: recebe leite materno, independente do consumo de qualquer
complemento, lácteo ou não.
Foi considerado desmame, quando os bebês não recebiam mais leite materno.
Para o cálculo da freqüência e porcentagens de trauma mamilar e dificuldades
associadas, foi utilizado o programa Epi-Info 2000, versão 3.2 para Windows, que
possibilitou a criação de um banco de dados, análise de freqüência simples e cruzamento
das variáveis, com intervalo de confiança de 95%.
Na análise qualitativa, as informações das entrevistas foram transcritas para
interpretação das percepções das mulheres sobre a influência do trauma mamilar na prática
de amamentar, seguindo os passos propostos por Minayo (1992):
¾ Ordenação das informações: é o mapeamento das informações;
¾ Classificação das informações: consiste na leitura exaustiva do material para
identificação de temas relevantes e estabelecimento de categorias temáticas e,
¾ Análise final: é a realização de articulações entre as informações e as referências
teóricas adotadas.
Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa com Seres
Humanos da Universidade Federal de São Carlos (nº 131/04).
Resultados e Discussão
Caracterização da população de estudo
Em relação à idade, 20% das mulheres apresentavam-se na faixa etária inferior a 20
anos, 72,5% encontravam-se entre 20 e 35 anos e 7,5% tinham idade acima de 35 anos.
Quanto à escolaridade, identificou-se a seguinte distribuição: Ensino Fundamental, 10%;
Ensino Fundamental incompleto, 22,5%; Ensino Médio, 40%; Ensino Médio incompleto
(25%) e apenas 1 (2,5%) completou Ensino Superior. A maioria das mulheres (80%) referiu
residir com o pai da criança; e apenas 20% relataram estarem inseridas no mercado de
trabalho.
Análise quantitativa
A porcentagem de mulheres que apresentaram trauma mamilar foi de 47,6%,
caracterizando-se como uma dificuldade importante no início da amamentação e podendo
ser considerada a principal dificuldade a ser enfrentada pelas mulheres durante a primeira
quinzena pós-parto. Thomson (2002), em um estudo realizado na Clínica de Lactação do
Ambulatório do Hospital das Clínicas de Londrina, constatou que 48,5% das consultas
realizadas num período de 17 meses (maio de 1995 a agosto 1996) foram por fissuras
mamilares.
Estes resultados apontam para a necessidade de a equipe de saúde ter competência
técnica para atuar na prevenção e no tratamento precoce dos traumas mamilares de forma a
que as mulheres possam vivenciar uma prática de amamentar mais positiva.
A Tabela 1 mostra a freqüência de outras dificuldades na amamentação relatadas
pelas mulheres com trauma mamilar. Das 40 mulheres entrevistadas, 19 (47,5%)
apresentaram também outras dificuldades na amamentação e a principal foi o
ingurgitamento mamário. De acordo com Giugliani (2004), esta dificuldade, caracterizada
pelo aumento excessivo das mamas e sensibilidade dolorosa, pode comprometer a pega
correta do bebê, sendo considerada um fator de risco para o surgimento de traumas
mamilares. Algumas condutas utilizadas para a resolução do ingurgitamento mamário como
o uso de bombas de extração de leite, também podem favorecer a ocorrência de lesões nos
mamilos.
Inserir Tabela 1: Outras dificuldades e trauma mamilar
A distribuição do tipo de aleitamento recebido pelos bebês das mulheres que
apresentaram trauma mamilar apresentou a seguinte proporção: amamentação exclusiva,
70%; amamentação predominante, 20%; amamentação, 97,5% e desmame, 2,5%. Das
crianças que estavam em amamentação, 7,5% já recebiam complemento lácteo. A
introdução de fórmulas lácteas foi atribuída pelas mulheres à dor decorrente do trauma
mamilar. Estes resultados evidenciam que a experiência dolorosa do trauma mamilar pode
favorecer o início do processo de desmame, logo na segunda semana de vida do bebê.
O Gráfico 1 apresenta as condutas adotadas pelas mulheres para a resolução dos
traumas mamilares. Ressalta-se que muitas mulheres utilizaram mais de uma conduta no
tratamento das lesões.
Inserir: Gráfico 1: Condutas adotadas pelas mulheres para resolução dos traumas
mamilares
Nota-se que a conduta mais adotada foi a utilização do próprio leite materno na
região mamilo-areolar (55%). Esta conduta vem sendo indicada no tratamento úmido das
fissuras mamilares (GIUGLIANI, 2004), já que o leite forma uma película protetora que
impede a desidratação das camadas mais profundas da derme, facilitando a cicatrização
dessas soluções de continuidade. A autora citada afirma que as propriedades antiinfecciosas
do leite materno ajudam a prevenir a mastite, importante complicação dos traumas
mamilares. A recomendação é que as mulheres espalhem o próprio leite pela região
mamilar após cada mamada sem a necessidade de qualquer limpeza do mamilo na mamada
seguinte.
Outra conduta bastante utilizada pelas mulheres para a resolução dos traumas
mamilares foi a exposição ao sol (47,5%). Apesar de não ser mais indicada para o
tratamento do trauma mamilar, mas sim para sua prevenção, grande parte das mulheres
(42,5%) referiu que esta conduta foi recomendada por profissionais de saúde. Isto evidencia
a necessidade de atualização das equipes de saúde para o manejo dos traumas mamilares.
A correção da pega foi apontada como conduta para solucionar os traumas mamilares
por apenas 10% das mulheres, apesar de ter sido reconhecida como causa para a ocorrência
dos mesmos. Essa é a principal conduta a ser adotada na prevenção e tratamento das lesões.
Várias mulheres relataram que ao corrigir a pega do bebê houve diminuição da dor e maior
conforto durante a amamentação com o mamilo lesado, entretanto, não relacionaram a pega
adequada com a resolução deste problema.
O uso de óleos a base de ácidos graxos essenciais (AGE) tem demonstrado eficácia
no tratamento de soluções de continuidade. Esses óleos ricos também em vitamina A e D
têm sido considerados eficientes para o tratamento dos traumas mamilares, sem a
necessidade de ser retirado para a sucção do bebê (GIUGLIANI, 2003; GIUGLIANI,
2004). Neste estudo, 10% das mulheres referiram ter recebido orientações sobre o uso dessa
substância.
Outras condutas não recomendadas no tratamento das lesões mamilares foram
utilizadas pelas mulheres: pomadas (10%) e hidratantes comuns (5%). Este tipo de conduta
não é indicado para resolução de traumas mamilares, devido à necessidade de retirar o
produto antes da mamada, dificultando a cicatrização (GIUGLIANI, 2004). Verificou-se,
ainda, o uso de intermediários (5%) conhecidos como “bicos de silicone” para amamentar,
prática que também não é recomendada já que prejudica a pega correta do bebê e interfere
no processo de amamentação.
O uso da casca de banana foi apontado por algumas mulheres (5%), o que não é mais
indicado para tratamento das lesões mamilares, devido ao grande risco de infecção mamária
causado pelos altos níveis de microorganismos encontrados nessas substâncias (NOVAK,
2003).
A maioria das mulheres (95%) apresentou trauma mamilar durante a primeira semana
pós-parto, sendo que 25% iniciaram logo na primeira mamada. Este fato aponta para
necessidade de ações de apoio à mulher nas primeiras mamadas de forma a garantir a pega
adequada do bebê antes da alta da Maternidade.
O tempo de cicatrização das lesões variou entre 2 e 10 dias, com média de 6,1
(±2,09), quando consideradas todas as condutas utilizadas pelas mulheres para solucionálas.
Análise qualitativa
A análise das informações permitiu identificar as seguintes categorias temáticas:
Renunciando aos próprios sentimentos na experiência de amamentar; O
profissional de enfermagem na resolução do trauma mamilar; Conhecimentos das
mulheres sobre o manejo dos traumas mamilares.
Renunciando aos próprios sentimentos na experiência de amamentar
A análise das falas das mulheres sobre a percepção da prática de amamentar na
ocorrência de trauma mamilar foi considerada uma experiência dolorosa, marcada por
conflitos de sentimentos e permeada pela resignação de seu bem estar em favor do bem
estar do seu filho.
A dor é considerada pela mulher como algo que torna o momento da amamentação
difícil, tenso, gerador de angústia e ansiedade. O choro e o grito são explosões emocionais
que demonstram a tensão que caracteriza o momento da amamentação com trauma
mamilar.
... a dor é terrível, eu não desejo pra ninguém, você quer chorar,
gritar... a gente não desiste por qualquer coisa não... (28)
... é uma das piores, nunca tinha sentido [...] parecia que meu bico
ia cair... (32)
... dava vontade de chorar e de sair gritando. Só de pensar [...] 5
minutos antes da amamentação dava vontade de gritar ... (24)
Para algumas mulheres, no entanto, desempenhar sua função de boa mãe exige
sacrifícios, por isso consideram a dor como passageira e sem significado frente à
importância da amamentação para seu bebê:
... a gente acaba acostumando... a gente sabe que vai ser bom pro
nosso nenê [...] a gente acaba agüentando a dor ali quietinha ... (7)
... falo: ninguém fala comigo, porque eu to amamentando [...] de
tanta dor, mas eu coloco ele pra mamar mesmo assim ... (18)
... pensando em mim [..] ai dói demais! Eu vou dando de mamá e
vou chorando junto [...] ela chora e eu também, mas prefiro eu
chorando do que ela ... (36)
De acordo com Nakano (2003, p.362), amamentar é a “emblemática de ser uma boa
mãe” e ainda, é a fase em que se estabelecem e fortalecem os vínculos afetivos entre a mãe
e seu filho, por isso “o objeto de seu desejo é corresponder às necessidades do filho,
priorizando o seu bem-estar, em detrimento do próprio”.
Neste estudo, a experiência de amamentar se mostrou permeada pelo sofrimento que
é superado pelas mulheres com resignação devido aos benefícios do leite materno para a
saúde e crescimento do bebê. Tudo isso sintetiza a busca das mulheres em cumprirem seu
papel de boa mãe, independente de suas próprias necessidades e sentimentos.
O profissional de enfermagem na resolução do trauma mamilar
As mulheres relataram que as orientações recebidas pela equipe de enfermagem
tanto da maternidade, quanto das unidades de atenção básica à saúde foram importantes na
resolução dos traumas mamilares.
... “As enfermeiras da maternidade... porque elas têm mais
experiência, e eu por ser mãe de primeira viagem”... (5)
... a enfermeira lá do postinho e da maternidade. Porque elas que me
orientaram... o óleo, a tomar sol... foram elas que falaram... (39)
...foi realmente essa enfermeira que me orientou [...] o dia que eu
fui fazer consulta com ela, eu pedi uma orientação, porque eu não
sabia o que fazer... (19)
Estes relatos mostram a importância do apoio à mulher pela equipe de saúde,
durante sua estadia na maternidade, assim como no atendimento nas Unidades de Atenção
Básica à Saúde. É necessário garantir o acesso para atendimento com a enfermeira nas
unidades de saúde sempre que a mulher em processo de amamentação necessite e,
especialmente, quando ela se encontra diante de dúvidas e/ou dificuldades na prática de
amamentar.
Conhecimentos das mulheres sobre o manejo dos traumas mamilares
Os conhecimentos das mulheres sobre o manejo dos traumas mamilares foram
escassos e insuficientes para a prevenção e resolução rápida dessas lesões. A maioria das
mulheres entrevistadas reconheceu a pega inadequada como causa dos traumas mamilares,
entretanto, apenas uma pequena parte considerou a correção da pega como forma de
prevenir e tratar as lesões mamilares.
...eu acho que foi no pegar dela...ela pega errado, ela pega muito o
bico [...]ela pega muito a pontinha, então foi rachando (33).
Elas citaram diversas condutas que não são mais indicadas e muitas vezes
favorecem a ocorrência das lesões mamilares, como preparar os mamilos com toalhas e
buchas durante a gestação.
...porque eu não preparei ele antes, [...] esfregar com buchinha,
cortar o sutiã, deixar o bico para fora pra raspar na blusa (9).
Muitas mulheres atribuíram a elas próprias a ocorrência do trauma mamilar:
... acho que é porque ela não sabia pegar e eu não sabia dá, acho que
a culpa foi minha, porque se eu soubesse dá ela saberia pegar (30).
Essa fala evidencia que além da renúncia aos próprios sentimentos frente à
amamentação com trauma mamilar, as mulheres também trazem para si toda a
responsabilidade e culpa pela sua ocorrência.
Considerações finais
Este trabalho evidenciou que a proporção de trauma mamilar em mulheres no início
da lactação é alta e se constitui em um importante fator de risco para o desmame precoce. A
principal dificuldade associada foi o ingurgitamento mamário.
Os resultados desta investigação apontaram tanto para a necessidade imediata de
estratégias de apoio e auxílio à mulher com trauma mamilar, quanto para a importância da
capacitação da equipe de saúde, de modo que esteja preparada para atuar na prevenção, na
resolução dos traumas mamilares e na promoção de ações educativas que possibilitem à
população o acesso a informações atualizadas sobre amamentação. Também é importante
que sejam trabalhados, junto às mulheres, os sentimentos de culpa, de resignação, de
ambigüidade, de angústia, entre outros, presentes no momento da maternidade e que são
oriundos do papel atribuído às mulheres na nossa sociedade. É preciso garantir os direitos
das mulheres diante das dificuldades vivenciadas e desmitificar o valor sócio-cultural que a
dor possui na experiência de amamentar.
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1988.
Submissão: junho de 2006
Aprovação: outubro de 2006
ANEXO
ROTEIRO ENTREVISTA – TRAUMA MAMILAR
Entrevista Nº_______ DATA:___/___/____ Entrevistadora:____________________
Nome da Mãe:____________________________________________DN:___/___/___
Endereço:_____________________________________________________________
Telefone:______________Escolaridade:_________________Companheiro: S( ) N( )
Trabalha: S( ) N( ) Local:____________________ Registro em Carteira: S( ) N( )
Nº filhos vivos:_________ Nº Partos: Normal_____ Cesárea______ Outros______
Alimentação atual do bebê: ( )LM ( )Água ( )Chá ( )Suco ( )Outro leite:________
Quando iniciou: ___________Por quê?
Experiência anterior de amamentação: S( ) N( ) Tempo máximo:_________
Pré-natal: ( )S ( )N Onde:________________________________________________
Orientações amamentação:
No Pré-Natal: ( )S ( )N Onde:_____________________Quem:____________________
Maternidade: ( )S ( )N Quem:______________________________________________
Outros:__________________________________________________________________
Data do último parto: ____/____/___
Tipo:___________________
Sexo RN: F( ) M( ) Peso (g):_________ Altura (cm):________ Apgar:__________
Intercorrências - mãe:_____________________________________________________
_______________________________________________________________________
Intercorrências - bebê:____________________________________________________
_______________________________________________________________________
1ª mamada: ( ) minutos ou (
) horas após parto
Consulta Puerperal: ( )S ( )N Onde:________________________________________
Dificuldades na amamentação:
( ) Leite empedrado ( ) Rachadura ( ) Pouco leite ( ) Leite fraco/leite não sustenta
( ) Muito leite ( ) Bebê chora muito ( ) Bebê não pega ( ) Não tem bico
( ) Bebê dorme muito ( ) Mastite
Outros: _____________________________________________________________________
Trauma Mamilar:
( ) mamilo esquerdo ( ) mamilo direito
Quando iniciou ?_________________________
Tempo cicatrização: ______________________
Condições atuais do mamilo:_________________________________________________
____________________________________________________________________
A Senhora poderia me contar tudo o que aconteceu a partir do momento em que apareceu a
rachadura no seu peito ?
Na sua percepção, quem foi a pessoa que mais ajudou na solução da rachadura no mamilo? Por quê?
Por que a senhora acha que o mamilo rachou?
O que a senhora acha que as mulheres que amamentam devem fazer para não rachar o mamilo?
Como tem sido a experiência de amamentar com trauma mamilar ?
EXPERIMENTANDO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE
EM DIFERENTES SABERES
Constructing understanding based on different kinds of knowledge
Vera Joana Bornstein1
RESUMO
O presente artigo relata uma experiência de trabalho em saúde por meio da qual se
pretende ilustrar o enfoque de educação popular em saúde que possibilitou a construção
compartilhada do conhecimento e o fortalecimento da organização grupal para a
intervenção na realidade. A experiência parte da iniciativa de agentes comunitários que
detectam uma situação problema na comunidade e conseguem mobilizar pessoas com
diversos vínculos institucionais.
Palavras-chave: Conhecimento. Conhecimentos, Atitudes e Práticas em Saúde.
Medicina Tradicional. Educação da População. Educação Em Saúde. Ensino.
ABSTRACT
This paper presents a health-related work experience through which we intend to
illustrate the focus of popular health education that made it possible to “construct shared
knowledge” and to strengthen the organization of the group, in order to change reality.
The experience has its starting point in the initiative of community agents who detect a
problematic situation in the community, and are able to involve people with various
institutional connections to help find the solution.
Key words: Knowledge. Health knowledge, Attitudes, Practice. Population Education.
Medicine, Tradicional. Health Education. Teaching.
INTRODUÇÃO
A educação popular é entendida como um meio de transformação da sociedade
na medida em que pretende fortalecer a autonomia do educando na busca de soluções
para suas problemáticas. Surge em contraposição às correntes condutivistas, que no
campo da saúde buscam a modificação do comportamento ou das condutas da
população, consideradas pelos profissionais como prejudiciais à saúde, pautados no
1
Doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ; Mestre em Administração em Saúde;
Endereço: Rua Joaquim Murtinho, 756 apto. S-302; Santa Teresa; CEP 20241-320 Rio de Janeiro - RJ.
E-mail: [email protected], telefone (21) 91164998.
1
modelo biomédico de concepção do processo saúde/doença. Stotz (1993, p.21) aborda
os enfoques sobre educação e saúde e menciona que apesar das evidências
epidemiológicas de que os fatores responsáveis pelas melhorias de saúde são sociais,
comportamentais e ambientais, “[...] o modelo médico ainda constitui a base filosófica
da educação em saúde, orientando o enfoque dominante nos serviços de saúde, a saber,
o preventivo”.
Com relação à atitude de transmissão de conhecimento de forma unilateral
presente nesta corrente educativa, Paulo Freire destaca o fato de nela estar implícito o
entendimento de que o educando não tem conhecimentos anteriores e que, portanto, nele
devem ser depositados os conhecimentos do educador. Refere-se a este tipo de educação
como “educação bancária” em que o saber é entendido como “uma doação dos que se
julgam sábios aos que julgam nada saber”. (FREIRE, 1970, p.67). Eymard Vasconcelos
(2001, p.123) se refere a este tipo de educação como “toca boiada”, reportando-se à
imposição de normas e comportamentos considerados adequados pelos técnicos, que
conduzem a um caminho previamente determinado. Estabelece-se uma relação vertical
e autoritária entre o profissional e a população, baseada na crença de que quem detém o
saber é o educador e que é ele quem deve transmitir suas informações e ensinamentos.
Paulo Freire (1970, p.34) comenta que “toda prescrição é a imposição da opção de uma
consciência a outra. Daí o sentido alienador das prescrições que transformam a
consciência recebedora no que vimos chamando de consciência ‘hospedeira’ da
consciência opressora”.
A educação popular parte do princípio de que o educando tem um saber prévio,
adquirido através de sua história de vida, de sua prática social e cultural e de que este é
o ponto de partida para a aquisição de novos conhecimentos. A relação que se
estabelece entre educador e educando é necessariamente dialógica, baseada no
reconhecimento da existência de diferentes saberes e na possibilidade de aprendizagem
mútua.
Outro elemento fundamental na metodologia de educação popular é o
entendimento da educação como um processo de busca e de invenção ou reinvenção que
parte da ação e da reflexão do homem sobre o mundo para transformá-lo. A
problematização das experiências ou situações vividas se constitui em desafio para a
transformação e, portanto, também em fonte para a organização do conteúdo
2
programático do processo educativo: “... a incerteza como caminho de ganhar a
certeza.”. (FREIRE; BETTO, 1991, p.76).
A construção do conhecimento através do compartilhamento de saberes faz parte
do diálogo de acordo com Carvalho et al (2001, p.103) “... todos os sujeitos são
docentes de saberes diferentes”. Este entendimento incorpora a visão de Santos (1989)
em que a caracterização do senso comum não tem como referência a contraposição ao
conhecimento científico. O senso comum ou o saber popular expressam a experiência
da população, suas estratégias de vida; por outro lado, a ciência é fruto de estudos e
experimentos realizados durante anos. Carvalho et al. (2000) ressaltam como
fundamento para a relação entre conhecimento científico e senso comum, os limites do
conhecimento científico sobre saúde no que se refere às causas das doenças e à sua cura,
e sobre a importância da experiência da enfermidade e do conhecimento comum das
pessoas; a concorrência entre diferentes sistemas médicos; a medicalização de
comportamentos sociais e a complexidade do adoecer humano.
Apresenta-se a seguir, uma experiência de trabalho em saúde com o objetivo de
ilustrar algumas das características da educação popular, principalmente o
estabelecimento de uma relação dialógica entre sujeitos com diferentes saberes que
possibilitou a construção compartilhada do conhecimento e o fortalecimento da
organização grupal para a intervenção na realidade. A experiência parte da iniciativa de
agentes comunitários pertencentes a uma equipe do Programa de Agentes Comunitários
de Saúde do Complexo da Maré – RJ, que no seu contato diário com a população e por
meio de sua própria vivência no local, detectaram uma situação problema que
possibilitou a mobilização de vários setores da comunidade.
Segue o relato da experiência na qual estão presentes características da Educação
Popular na busca de ilustrar também que
Esse jeito de pensar e de fazer saúde pautados na experiência favorece uma
forma de expansão e de crescimento que exerce grande fascínio sobre quem
se depara, como é o caso dos profissionais de saúde, com as limitações do
tecnicismo da formação e da orientação normativa da ação face à
complexidade da vida. (STOTZ et al., 2005, p.2)
A EXPERIÊNCIA NO MERCADO POPULAR
3
O Complexo da Maré situa-se numa área originalmente pantanosa e em grande
parte aterrada, que se constituiu desde 1988 na XXX Região Administrativa (RA) da
Cidade do Rio de Janeiro. Seus limites são definidos pela Avenida Brasil e Linha
Vermelha, as duas principais vias de acesso da cidade. É composto por 16 comunidades
e sua população, segundo o Censo Maré realizado em 2000 (CEASM, 2000, p.7), era de
132.176 habitantes. É considerado o mais populoso complexo de favelas do Rio de
Janeiro e o bairro de maior concentração de população de baixa renda.
Na extremidade da ciclovia de Vila Pinheiros, uma das comunidades da Maré, a
Prefeitura resolveu construir um Mercado Popular, diminuindo o espaço de lazer em
troca de um espaço para o comércio local. A obra foi embargada pela Justiça em função
de um processo movido pelo Governo do Estado. O resultado foi: nem ciclovia nem
Mercado Popular e, de presente, a comunidade ganhou um macro foco da dengue!
Chegaram a ser construídos aproximadamente 40 cubículos de 06 m² que serviriam
como lojas e onde estavam previstos porões para guardar mercadoria. A água da chuva
juntou-se nesses “porões” e não tinha como ser escoada. Fora isso, existia uma grande
cisterna destampada que, além de poder se transformar em foco do mosquito da dengue,
representava um perigo devido à possibilidade de acidentes.
Os agentes de saúde ouviram de vários moradores a queixa sobre a presença de
larvas de mosquito no local e foram orientados por um ex-funcionário da FUNASA a
colocarem óleo queimado na água para, desta forma, deixar as larvas sem oxigênio.
Juntaram o óleo queimado de várias oficinas de carro próximas ao Mercado e, junto
com alguns garis comunitários da Associação de Moradores, espalharam o óleo nos
“cubículos” que haviam se transformado em depósitos de água.
Ao comentarem a situação com uma sanitarista da equipe e mostrarem
orgulhosamente as fotos, surgiu a dúvida sobre a possibilidade de uma repercussão
negativa para o meio ambiente que poderia ser contaminado com o óleo queimado.
Além disso, com as novas chuvas, grande parte do óleo já tinha transbordado e a água
novamente limpa voltou a ser local ideal para a reprodução dos mosquitos.
Feito contato com funcionários do setor de controle de vetores, estes relataram já
estarem monitorando o local, no qual haviam sido colocados peixinhos que comeriam as
larvas do mosquito. Na época da estiagem vários depósitos tinham secado, os peixinhos
morreram e, ao chegarem as novas chuvas, já não havia peixes. Por outro lado,
explicaram que a “petrolagem” (colocar óleo na água) já não era um método utilizado
hoje em dia devido à contaminação do meio ambiente. A proposta inicial destes
4
funcionários foi a de “peixar” novamente o local, só que seria necessário tirar o óleo
queimado e fazer uma limpeza nos “cubículos” que haviam virado depósitos de água
cheios de lixo. Em alguns lugares, os peixinhos ainda estavam presentes e esta poderia
ser a fonte para sua multiplicação. Os agentes de saúde, junto com jovens de um projeto
existente na comunidade, conseguiram serragem que seria colocada nos cubículos com
óleo para absorvê-lo, depois esta serragem seria retirada com puçá a fim de que os
peixes pudessem ser colocados nos depósitos limpos. Posteriormente seria necessário
fazer a manutenção para garantir a presença dos peixinhos nos cubículos com água.
Buscou-se a ajuda da Associação de Moradores e da Região Administrativa a fim de
mobilizar um maior número de pessoas e marcar um dia para iniciar o trabalho.
No dia da ação conjunta, compareceram dois funcionários dos “Guardiães do
Rio”, sendo que um estava sem pagamento há alguns meses. Traziam um puçá em mal
estado e uma roupa que deveria ser impermeável, mas deixava passar água. Da
Associação vieram dois garis com suas enxadas e da equipe de controle de vetores
compareceram três pessoas com larvicida e pequenas peneiras para pegar os peixes; do
Posto de Saúde vieram cinco agentes de saúde e uma sanitarista. Não existia um
responsável pela ação e inicialmente não ficou claro o que cada um deveria fazer. Um
dos Guardiães estava com má vontade e reclamava todo o tempo, mas o trabalho foi
iniciado com a limpeza dos depósitos.
Ao ser discutida a solução do “peixamento” entre todos os que estavam
envolvidos na ação, foi levantada a dificuldade de fazer a manutenção do local e, neste
sentido, continuaria a possibilidade de perigo constante. Considerou-se mais adequado
retirar a água de todos os “cubículos” e buscar uma solução para mantê-los secos.
Pensou-se em conseguir uma bomba de sucção junto à CEDAE, mas logo de início foi
visto que seria difícil conseguir uma bomba para esvaziar todos os depósitos.
Um morador que trabalhava em frente ao mercado, ao ver o movimento de todos
que procuravam resolver o problema do macro foco de mosquitos, contou que já havia
furado alguns cubículos e a água havia escoado rapidamente para a terra. A proposta
dele foi a de furar todos os depósitos e assim acabar com o armazenamento de água,
inclusive no caso de futuras chuvas. Na primeira tentativa feita com uma picareta, não
se conseguiu furar o concreto e a solução não parecia viável, mas o morador insistiu
dizendo que a camada de concreto era fina. Depois de limpar uma parte dos cubículos,
todos sentiram que o trabalho era pesado e que havia necessidade de buscar reforço.
5
Ainda assim, jogou-se a serragem na água e marcou-se um novo dia para dar
continuidade.
Em uns 15 tanques a quantidade de água chegava a um metro de profundidade, o
que impedia o trabalho de perfuração. Novamente, a Região Administrativa e a
Associação de Moradores foram procuradas para pedir reforço de pessoal e uma bomba
de sucção a fim de esvaziar os tanques. A ação implicava em alguns riscos, como o
contato com água provavelmente contaminada e a grande quantidade de mato onde
estavam escondidos vergalhões. Na verdade, não se sabia qual era o perigo existente no
local e não havia equipamento de trabalho que permitisse chamar mais voluntários.
No dia anterior à ação, os agentes de saúde passaram na Associação de
Moradores para confirmar o trabalho e foram informados de que a bomba da CEDAE já
se encontrava no local. O Administrador Regional também informou que a bomba iria
provavelmente naquele dia mesmo ou no dia seguinte. Ao chegar ao local, para a
surpresa de todos, a cisterna já havia sido esvaziada e o tratorzinho com a bomba da
CEDAE já estava de saída. Naquela cisterna haviam permanecido bastantes peixes da
ocasião anterior em que havia sido feita uma ação de controle de foco da dengue e, por
outro lado, não haveria como furá-la devido à sua profundidade, mas com a retirada da
água, a maioria dos peixinhos haviam sido jogados fora. Infelizmente a ação havia sido
feita de forma descoordenada! O operador do trator disse que voltaria no dia seguinte
para esvaziar os depósitos.
No dia seguinte, por diversos motivos, do Posto de Saúde só estavam presentes
duas agentes de saúde e a sanitarista. Um dos agentes de saúde que nem pode
comparecer à ação, havia dito que não faria os buracos no chão, apesar de ninguém ter
dito que ele teria que fazer. Da Associação de Moradores não compareceu ninguém e a
bomba da CEDAE não voltou. Contava-se com duas equipes de “Guardiães do Rio”
num total de 5 homens com sua supervisora, e um supervisor do setor de controle de
vetores, além das três pessoas do Posto de Saúde. Inicialmente os presentes diziam que
não queriam começar o trabalho sem a presença dos garis comunitários. A tentativa de
fazer contatos para conseguir maior adesão de participantes não surtiu efeito. Diante da
situação, combinou-se que o melhor seria cada um fazer a sua parte, independente da
presença de mais equipes e os trabalhos foram iniciados. O morador que havia sugerido
fazer os furos no chão estava presente e diante do desafio de conseguir furar o concreto,
fez a demonstração num depósito com pouca água. O resultado foi incrível: a água
escoava como se houvesse um ralo no local. Todos ficaram animados e dois homens da
6
equipe de “Guardiães” tomou a si a tarefa de fazer buraco nos depósitos onde não havia
muita água e os outros três iam limpando os cubículos.
Ainda restava o problema dos depósitos cheios de água. Um dos homens
resolveu fazer uma conexão entre um depósito onde o chão já havia sido furado e outro
que estava ainda cheio de água. Feliz com a descoberta, chamou todos para verem o
resultado: a água passou do cheio para o vazio que estava furado e daí escoava para de
baixo da terra. Pronto! O caminho para a solução havia sido encontrado. Assim foi
sendo feita a conexão entre os vários depósitos que estavam num mesmo bloco. De
qualquer maneira, era necessário fazer buracos em todos porque haveria novas chuvas e
era necessário garantir da melhor forma possível o escoamento da água. O esforço foi
muito grande. Em dois blocos com 6 depósitos cada, ficou difícil começar o trabalho
porque nenhum estava vazio. Em um deles os homens começaram a tirar a água com um
balde para poder iniciar o trabalho. A água era imunda e havia a preocupação com a
saúde do pessoal. Naquele dia não foi possível terminar o serviço por falta de pessoal,
mas o caminho das pedras já havia sido conhecido e seria mais fácil continuar.
O esforço feito por aquela equipe foi reconhecido e, através do Administrador
Regional e da Associação de Moradores, foi possível conseguir novamente a bomba de
sucção para terminar de esvaziar os depósitos. Uma equipe da COMLURB veio para
fazer a limpeza do entorno e furar o restante dos cubículos. Do mato surgiu o esqueleto
do que seria o mercado popular e deixou de ser a ciclovia, como que a pedir uma
solução!
CONCLUSÃO
Com o presente artigo procurou-se ilustrar um trabalho orientado pela educação
popular sendo este, no entanto, um corte pontual no cotidiano da comunidade, que foi
destacado pela sua importância na indicação de um método de integração entre
moradores e profissionais de diferentes origens e por apontar caminhos que fortalecem a
participação da comunidade na construção de soluções para os problemas vivenciados.
Não são objetos deste artigo os desdobramentos posteriores de iniciativas coletivas que
puderam surgir após esta experiência, mas o próprio fato da obra inacabada ter ficado à
mostra de toda a comunidade e também dos transeuntes que passam pela Linha
Amarela, importante via de acesso na cidade do Rio de Janeiro, sem dúvida deixou o
problema à vista de todos.
7
Um ponto forte do trabalho foi a construção de uma solução para o problema do
macro foco entre todos participantes, de diferentes origens institucionais e
socioculturais. As possibilidades de solução apresentadas por ex-técnicos e técnicos do
setor de controle de vetores, foram sendo avaliadas com base na experiência da
população e do próprio avanço do conhecimento técnico que juntos puderam encontrar
um novo caminho. Desde o início, o esvaziamento dos cubículos era considerado por
todos a solução ideal, mas haviam duas dificuldades: uma era o acesso à bomba de
sucção para retirar a água e a outra era a manutenção dos cubículos sem água quando
ocorressem novas chuvas. A dificuldade de acesso a um recurso tecnológico foi
superada em parte pela criatividade dos participantes que souberam aproveitar o
conhecimento adquirido com a experiência local e acrescentaram novos conhecimentos
como foi a perfuração dos cubículos em cadeia. Este processo de construção
compartilhada do conhecimento criou um clima de euforia e um sentimento de vitória
entre todos. Por outro lado, o esforço coletivo comprometeu os representantes
institucionais, aqueles que tinham acesso aos recursos necessários, sendo possível
completar, desta forma, a ação.
REFERÊNCIAS
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compartilhada do conhecimento: uma experiência de investigação científica do ponto de
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8
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educação popular nos serviços de saúde. Interface – Comunic., Saúde, Educ., Botucatu,
v.5, n.8, p.121-126, 2001.
Submissão: julho de 2006
Aprovação: setembro de 2006
9
10
11
A BUROCRACIA E OUTROS ATORES SOCIAIS FACE AO PROGRAMA DE
SAÚDE DA FAMÍLIA: ALGUNS APONTAMENTOS
Bureaucracy and other social agents and their role in the Brazilian Family Health
Program
Flavio A. de Andrade Goulart1
RESUMO
O Programa de Saúde da Família foi construído mediante o papel exercido por uma
burocracia e também por outros atores sociais, sobre cujo comportamento algumas
variáveis são discutidas.
Discute-se também o papel de uma burocracia não
necessariamente típica, a partir de verificação empírica, a saber: (a) os novos estratos de
gerentes públicos – os executivos da saúde; (b) a nova burocracia, representada pelos
gestores públicos da carreira de Estado; (c) os quadros técnicos não pertencentes à carreira
formal tradicional, contratados de forma terceirizada. Os atores-usuários do SUS mostramse, cada vez mais, como agentes propagadores de interesses representados, sobretudo nos
Conselhos de Saúde. É considerado, ainda, o caso dos prefeitos e de outros agentes
políticos, sobre os quais costuma haver uma tradição de desconfiança, mas que constituem
um contingente, cuja posição, face às políticas, pode ser progressista e engajada na defesa
de interesses coletivos. Considera-se, ainda, a emergência da figura do empreendedor
público na condução de políticas e programas, fato sem dúvida notável na implementação
de programas como o PSF.
Palavras-chave: Administração Pública. Administração de Serviços de Saúde. Saúde da
Família. Programa Saúde da Família. Atenção Primária à Saúde.
ABSTRACT
At the present time both government bureaucracy and other social agents play a part in
structuring the Brazilian National Family Health Program. Empirical observations of the
bureaucracy (rather than written norms) show it to be composed of new layers of public
management. These are: health executives, who are responsible for the implementation of
health policy; a new bureaucracy composed of government career administrators, and
subcontracted temporary staff. This paper also looks at the roles played by mayors and
other politicians who were distrusted in the past but now represent a progressive group
engaged in the protection of the public interest. Patient representatives are becoming more
active in defending the public interest in Local Health Councils. The emergence of “health
entrepreneurs” among community leaders and politicians at different levels of government
administration in the formulation and implementation of policies and programs within the
National Family Health Program as an important new development is also discussed.
1
Doutor em Saúde Pública. Professor Titular(aposentado) – Faculdade de Medicina da
Universidade de Brasília – Área de Medicina Social. E-mail: [email protected]. Endereço: CLN
406 – E – 105 – CEP 70 847 550 - Brasília-DF
1
Key Words: Public Administration. Health Services Administration. Health Family.
Family Health Program. Primary Health Care.
INTRODUÇÃO
O Programa de Saúde da Família (PSF) no Brasil, como de resto toda política
estatal, foi construído sem escapar de algumas contradições e polaridades. Entre estas a de
representar um embate entre o caráter racionalizador e focal nos moldes preconizados pelos
organismos internacionais financiadores ou incentivadores de programas sociais no terceiro
mundo, versus o de constituir-se uma política social pautada pelos princípios de eqüidade,
integralidade e universalidade. E ainda: ter sua inserção dentro dos marcos ideológicos e
conceituais gerados em contextos políticos, econômicos e culturais diferentes do brasileiro,
em contraposição a ser formulado e implementado como processo legítimo de construção
social dentro de um quadro conceitual e político gerado e adequado à realidade nacional.
Muitas são as contribuições de autores que destacam e aprofundam as contradições dos
componentes estruturais e ideológicos do PSF, podendo-se citar: Paim (1986); Misoczki
(1992), Cordeiro (1996); Trad (1998), Franco (1999), entre outros.
O papel exercido pelos atores sociais, entre estes a burocracia pública, no âmbito
das políticas sociais, deve ser compreendido e aprofundado, de forma a delimitar o quadro
de determinantes culturais, políticos, teóricos e ideológicos que caracterizam o processo de
formulação e implementação dessas mesmas políticas. A intenção do presente artigo é,
justamente, debruçar-se sobre os papéis e o conteúdo da ação de alguns atores sociais no
desenvolvimento dos processos de formulação da agenda e de implementação do PSF, aqui
tomado como paradigma de política pública.
O enfoque nos atores sociais e institucionais constitui o fio condutor de um projeto
de estudo mais amplo sobre o PSF, conduzido por Goulart (2002), mediante o qual se
procurou elucidar as estruturas e os processos da ação e interação de tais atores. O objetivo
do referido estudo foi o de analisar a implementação do PSF no País, observando as
relações entre os aspectos normativos explicitados no processo de formulação pelo
Ministério da Saúde de um lado e, de outro, as inovações locais decorrentes de sua
(re)formulação e implementação descentralizada. A hipótese central era de que o PSF
surgiu no âmbito de um conflito entre a normatização dura, realizada pelo governo federal,
e as iniciativas dos governos municipais, nas quais prevaleceram a flexibilidade e as
2
inovações de caráter local. Foram destacados os componentes essenciais que unem os
conceitos de Atenção Primária à Saúde aos de Saúde da Família, quais sejam: (a) práticas
de saúde como objeto da intervenção do Estado; (b) processos de trabalho caracterizados
pela intervenção de uma equipe de saúde dentro de um âmbito generalista; (c) atenção
voltada não apenas para indivíduos-singulares, mas para coletivos; (d) desenvolvimento de
vínculos administrativos, geográficos, culturais e éticos entre a clientela e os prestadores de
serviços. Foram também analisados os processos de formulação e de implementação de
diferentes casos de PSF, a saber: o programa nacional brasileiro e os programas
desenvolvidos em Contagem, Curitiba, Ibiá, Niterói (no caso, uma variante do mesmo, o
Programa Médico de Família, inspirado no modelo cubano), Vitória da Conquista e mais
em duas experiências pioneiras do Sul do País (Grupo Conceição e S. J. Murialdo).
Procurou-se, também, revelar alguns fios condutores que perpassariam tal conjunto de
casos, tais como: as características geopolíticas; o modo de inserção no sistema de saúde; o
contexto político; os conteúdos técnicos e ideológicos; os atores sociais influenciadores; a
dinâmica dos processos de implantação; a cultura institucional, dentro de uma ótica de
fatores facilitadores, obstáculos e lições. Algumas conclusões a respeito do que se
denominaram boas práticas de implementação foram inferidas, entre elas: (a) capacidade
de tomada de decisões, dada por liderança, carisma, espírito empreendedor, embasamento
ideológico, qualificação técnica e continuidade; (b) qualificação das equipes técnicas,
traduzida por acesso a conhecimentos, tradição de discussões, base ideológica,
empreendedorismo associado à militância; (c) boas práticas sociais que se traduzem por
práticas políticas e administrativas transparentes, efetivas e socialmente aceitáveis, que se
estendem bem além do campo da saúde, tendo como substrato ideológico as noções de
cidadania, direitos coletivos e responsabilidade pública; (d) articulação externa, ou a
prática de um cosmopolitismo político e sanitário; (e) investimento em padrões
efetivamente substitutivos dos modelos de atenção, buscando a neutralização da
competição e do antagonismo com os elementos estruturais e ideológicos dos velhos
regimes de práticas; (f) desenvolvimento de inovações gerenciais ou assistenciais; (g)
sustentabilidade em termos financeiros, de estrutura e de processos, mas também nos
planos culturais, simbólicos e políticos; (h) efeito espelho: difusão entre pares e outros
interlocutores externos, mediante uma pedagogia do exemplo. (GOULART, 2002)
3
O trabalho referido acima, assim como diversas verificações empíricas subsidiadas pela
literatura, permite aventar a hipótese de que existem hoje, no panorama das políticas
públicas brasileiras, novos e diferenciados atores, seja dentro do aparelho de Estado ou na
sociedade civil. Entre os primeiros destacam-se os personagens pertencentes ao que se
poderia chamar de uma nova burocracia, representada pelos executivos da gestão pública,
pelos gestores públicos da carreira de Estado e pelos segmentos técnicos encarregados da
condução atual de parte das políticas públicas no governo federal, vinculados ao Estado,
estes últimos, mediante contratos pontuais ou de maior duração, efetivados através de
organismos internacionais, como PNUD, UNESCO e OPAS.
Entre os atores não-estatais, podem ser citados os usuários e segmentos aliados,
cada vez mais organizados nos conselhos de saúde e outras instâncias sociais. Destaca-se,
ainda, uma outra categoria, que pode ter vínculo governamental ou não – a dos
empreendedores da saúde, cuja explicação, em termos empíricos e teóricos, será fornecida
adiante. Além destes, outros agentes políticos tradicionais, como os prefeitos municipais e
membros do Legislativo, também parecem demonstrar interesses e ação diferenciados no
que tange à saúde, não só levando em conta o que propaga o senso-comum, bem como
avaliações mais formais de suas práticas, em perspectiva histórica.
SOBRE A BUROCRACIA PÚBLICA
São diversas as variáveis que modelam o comportamento da burocracia, podendo
ser citadas: as tendências da política em geral; o que querem os mandatários (rulers); a
estratificação social (classe, etnia, rede de lealdades); as intenções declaradas, ou não, dos
agentes externos financiadores e outros apoiadores, além da dimensão e da qualidade
corporativas. Percebe-se, entretanto, na literatura corrente, como acentuam Walt e Gilson
(1994), que os estudos freqüentemente se concentram nas elites políticas, mais do que nos
atores comuns, o que desperta a crítica às análises que buscam modelos mecanicistas de
relacionamento entre a política, sua implementação e seus resultados. Em contrapartida,
advogam tais autores que os estudos sobre as políticas façam da perspectiva do ator seu
real ponto de partida.
4
Segundo os autores citados são muito diversificadas as possibilidades de interação de atores
dentro do campo das políticas, com uma gama de reações, seja de cooperação,
conformidade, oposição ou desinteresse. Da mesma forma estes podem estabelecer entre si
interações bastante complexas e ramificadas, constituindo redes organizacionais, que
resultam em determinados estados de equilíbrio, interação e coordenação cooperativa entre
atores, fundadas em consenso normativo e respeito mútuo. Alguns desses agentes são
certamente mais influentes do que outros, o que de maneira geral, no caso da saúde, aponta
para as elites médicas e acadêmicas, mas também para a burocracia de Estado, economistas
e administradores em geral, além de outras comunidades epistêmicas, que possuem
interesses estruturados no campo das políticas. Configura-se e reforça-se, assim, um modelo
de elites na formação da agenda das políticas de saúde, dentro do qual os consumidores ou
usuários, além de grupos comunitários, estariam virtualmente fora das arenas do processo
decisório. (WALT ; GILSON, 1994).
Ilustração da importância da ação de atores sociais na manutenção das políticas
sociais é dada, exemplarmente, pelo chamado ataque neoliberal aos sistemas europeus de
proteção social, que teve no thatcherismo seu emblema.(VIANNA, 1997) Os resultados
teriam sido, entretanto, menos desastrosos do que se previa, em primeiro lugar, pelas
tradições arraigadas naquele continente a respeito do papel do Estado na proteção social e
também pelo sentimento de direito social que a sociedade construiu e se preparou para
defender, ao longo de séculos.(PUTNAN, 1993; BOBBIO, 1992). Ao analisar o fenômeno,
Vianna (1997) caracteriza um embate da política contra a economia, com desvantagem para
esta última, fazendo com que, pelo menos naquela parte do mundo, o propalado desmonte
das estruturas de bem-estar social acumule muito mais alarde do que evidências. No caso
do sistema britânico, demonstra-se o vigor e a pertinência das mobilizações políticas dos
beneficiários do mesmo – e também de sua burocracia – em torno da causa do bem-estar,
verificando-se que a possível irreversibilidade do modo economicista de intervir nos
sistemas de bem estar social e de saúde era apenas aparente.
A conclusão é de que provavelmente as reformas da proteção social têm sido mais
lesivas às conquistas sociais justamente onde falta uma tradição corporativa, independente
do tipo de welfare state existente. A comparação, neste caso, entre os dois lados do
Atlântico (Norte) é inevitável. Não é por acaso que nos Estados Unidos, onde predominam
5
influências mais focais de grupos de interesse (lobismo) sobre as decisões públicas, se
apresentem o empobrecimento e a perda de status de forma mais acentuada. (VIANNA,
1997).
Contudo, a questão da participação dos atores sociais, particularmente da
burocracia, nos processos de formulação e implementação, favorecimento e resistência às
políticas sociais no Brasil ainda é pouco estudado, como acentuam Paim (1995) e Luz
(1995). Certas análises, mesmo quando não ignoram o sentido weberiano do termo
burocracia, costumam primar por uma visão sombria e negativa, reforçando a visão do
senso-comum sobre a mesma. Nestas se enfatiza o caráter cooptado (ou “cooptador”) da
burocracia, suas disfunções conhecidas, os anéis burocráticos espúrios, o autoritarismo de
suas práticas, etc. – veja-se, por exemplo, Luz (1995). Torna-se preciso, contudo, resgatar a
complexidade e a variação do papel da burocracia face às políticas, de forma eqüidistante
de uma visão ingênua e de uma visão satanizada da mesma. Paim (1995), por exemplo,
admitindo a possibilidade contemporânea (e advertindo ser esta “nem sempre virtual”) de
forças progressistas terem maior acesso e poder de decisão nas políticas públicas
brasileiras, coloca com clareza o desafio e a necessidade de se promover um salto de
qualidade na apreensão da relação entre burocracia e políticas. Para tanto julga importante
fazer as indagações de: (a) como os governos formulam políticas para seus órgãos
subordinados; (b) como adequar a consistência das políticas de governo no processo de
implementação pelos órgãos subordinados; (c) como os órgãos administrativos de execução
percebem as políticas e de que modo as reforçam ou as obstaculizam. Considerando o
resultado das eleições de 2002, pelo menos para o Governo da República, aquela
“virtualidade” de que fala este autor foi, aparentemente, neutralizada e o país se viu diante
do fato real de ter um governo de discurso bastante progressista, não só em relação à saúde
como em outros campos. Assim, as indagações referidas passam a adquirir, sem dúvida,
nova força e pertinência.
A burocracia pública e, particularmente, a burocracia da área social seria sempre
uma “força do mal”? Luchesi (1989) traz importantes contribuições a esta questão ao
analisar o relativo atraso de certos setores, como é o caso da saúde e da área social de
governo, em organizar sua burocracia em moldes mais racionais-legais. Para este autor, a
área das políticas sociais tem sido, dentro dos governos, o espaço preferencial para a
6
proliferação de práticas clientelistas, ao contrário de outros setores estruturados mediante
um paradigma de eficiência administrativa, como tem sido o caso dos órgãos do fisco, por
exemplo, nos quais tais práticas são mais dificilmente aceitas e incorporadas. Trata-se, sem
dúvida, de uma questão que possui raízes políticas e culturais, contudo não se constituindo
numa característica intrínseca da ação burocrática ou mesmo da ação estatal.
Um dos aspectos destacados da chamada racionalidade burocrática é a existência
dos “anéis fisiológicos burocráticos”, descritos por Cardoso (1975), autor aqui lembrado
não obstante o fato de que o mesmo tenha publicamente sugerido que se esquecesse aquilo
que um dia escreveu... Trata-se de um mecanismo de caráter fisiológico, clientelista e
também autoritário, mediante o qual a burocracia estatal realiza atendimento diferenciado
das demandas de setores empresariais e outros de maior vocalização junto ao aparelho de
Estado. Entretanto, cabe indagar se o fenômeno dos anéis, descrito com fundamento no
Estado autoritário, não teria assumido características novas na redemocratização, de forma
a agravá-lo, já que encoberto agora com um manto de legitimidade. Mas ao mesmo tempo,
alternativamente, pode-se pensar que o mesmo tenha se convertido em um instrumento
legítimo de canalização e resposta a demandas sociais. Jacobi (1987) duas décadas atrás, já
havia analisado tal fenômeno em relação às demandas por saneamento básico na cidade de
São Paulo.
A BUROCRACIA E O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Com relação à política aqui analisada, ou seja, o Programa de Saúde da Família, um
processo de canalização de demandas pela burocracia estatal parece ter curso, na medida
em que um segmento de gerentes e técnicos – típico quanto a alguns aspectos, embora
atípico com relação a outros, como se verá adiante – tem estado na dianteira da condução
do processo de formulação e implementação do Programa, nos organismos de níveis
nacional, estaduais e municipais do SUS. Cabe, assim, buscar a compreensão do papel de
tal burocracia, relativa à maneira como esta se organiza, num exercício que, sem deixar de
se pautar na crítica, não deve resvalar para teorias conspiratórias ou satanizadoras.
De qualquer ângulo que se observe, a burocracia não é nem jamais foi monolítica,
nem mesmo nos regimes autoritários. Nos regimes democráticos estabelecidos ou em vias
de construção, com todas as limitações conhecidas, como é o caso do Brasil, a burocracia
7
não institui para a sociedade como também é instituída por ela. Assim ela transita,
permanentemente, dentro de um sistema de contradições e brechas, de equilíbrios que se
refazem a cada momento, de concessões, imposições e ajustes negociados. Melhor
sociedade, melhor burocracia? Mesmo colocada de forma simplista, como aforismo, a
questão é provocativa. Respondê-la obriga também a conjeturar sobre os atores sociais que
se mantêm do outro lado do bureau, mas que talvez tenham responsabilidades omitidas ou
não suficientemente exploradas, concretizadas através da participação política.
Insistindo no caso brasileiro e, particularmente, na construção do PSF, alguns
indicativos, favoráveis ao envolvimento da burocracia nas políticas de forma não
compatível com o modo “desencantado” com que alguns autores analisam o fenômeno,
podem ser vislumbrados. Tal é o caso, por exemplo, dos novos estratos de gerentes com
papéis de formulação e acompanhamento de políticas dos órgãos gestores públicos do SUS,
principalmente nos municípios, onde, aliás, o poder conquistado por partidos progressistas
tem deixado de ser apenas uma “virtualidade”. Muitos de tais atores estão hoje
profissionalizados em suas funções, seja por intermédio da academia, ou (principalmente)
no âmbito dos próprios serviços, a ponto de virem se transformando em autênticos
executivos da saúde, até mesmo disputados em um mercado de trabalho competitivo,
embora eminentemente público. Os casos de secretários municipais de saúde que assumem
o cargo novamente em municípios diferentes após o término de seu mandato, ou mesmo de
equipes inteiras que fazem o mesmo percurso, são bem conhecidos no panorama da gestão
municipal da saúde. Da mesma forma, pode-se verificar uma migração dessas pessoas até
mesmo entre as esferas de governo, não sendo rara, na direção nacional do PSF, a presença
de técnicos com passagens pela gestão do programa em municípios.
O fenômeno dos executivos da saúde, um movimento provavelmente inédito na
burocracia de Estado brasileira, não é o único a anunciar a existência do que se poderia
chamar, sem muito exagero, de uma nova burocracia. Há outros, entre os quais pode ser
citada a formação dos gestores públicos de carreiras de Estado pela Escola Nacional de
Administração Pública-ENAP nos últimos anos. Tal pessoal constitui um segmento jovem
e bem preparado na condução das políticas – aspecto particularmente destacável no
Ministério da Saúde – onde indivíduos dessa extração ocupam postos em praticamente
todos os setores do órgão. Deve ser, também, registrado o fato de que a burocracia,
8
particularmente no sentido vulgar e pejorativo que por vezes lhe atribuem, seria, cada vez
menos, a mesma de ontem. No próprio Ministério da Saúde, o caso do Departamento de
Atenção Básica, locus da direção nacional do PSF, é paradigmático: grande parte da
condução da política de saúde é realizada hoje por técnicos que não se enquadram na
carreira burocrático-formal tradicional: são pessoas autônomas, ex-funcionários e
eventualmente funcionários licenciados de estados e municípios prestando serviços em
Brasília, mediante contratos de tempo definido, mediados por organismos internacionais
(OPAS, PNUD, UNESCO, entre outros). Aliás, não por acaso, os recursos para pagamento
deste pessoal provêm, justamente, dos empréstimos internacionais contraídos pelo Brasil,
seja no Banco Interamericano ou no Banco Mundial. Seria o caso de indagar se esses novos
estratos aqui caracterizados como nova burocracia não constituiriam uma versão local
correspondente àquela “comunidade epistêmica” de que fala Haas (1992), produtores e
difusores que são de conhecimento e idéias.
Algumas características podem ser vislumbradas em tal nova burocracia. O
fenômeno dos executivos, por exemplo, destaca a questão da liderança bem como do
empreendedorismo como fatores de grande impacto nas organizações. Este é um tópico do
qual vem se ocupando, com relativa intensidade nos últimos anos, a literatura em
administração. Tendler (1998), por exemplo, destaca o fato de que a presença de líderes
com as características de carisma, voluntarismo, “personalidade”, entre outras, chega a ser
indispensável para a sobrevivência dos programas que lideram e que é um desafio
compreender as maneiras como tal dependência do líder às vezes é superada. Na
experiência estudada pela autora, relativa à implementação de políticas públicas no Ceará,
algumas lições a respeito do papel da liderança foram destacadas, entre elas: (a) nem
sempre é possível afirmar como intencional o papel exercido pelo líder; (b) a compreensão
interna das equipes e das lideranças a respeito de seus acertos, igualmente, nem sempre se
dava como muita clareza; (c) a visão de futuro é um atributo importante do líder; (d) boas
experiências administrativas não devem ser interpretadas como resultados diretos e
unívocos do surgimento idiossincrático de lideranças destacadas, mas sim como o resultado
de circunstâncias muito mais abrangentes.
9
Amado e Brasil (1997) procuram definir com mais nitidez o que chamam de “categorias
hermenêuticas” para a identificação e qualificação das lideranças organizacionais no Brasil.
Estes autores procuram se afastar da mera consideração do “jeitinho” como explicação do
fenômeno e esboçam um possível perfil do líder organizacional nacional, em perspectiva
comparada com outras culturas. Assim, assumem posição dianteira características como um
caráter autoritário-benevolente (versus deliberativo-consultivo em outras culturas); um
comportamento ao mesmo tempo receptivo-associativo e sedutor, calcado em um sistema
de relações pessoais.
Na mesma linha, Barbosa (1996) levanta as características do “herói
organizacional”, às vezes também fundador, para o qual é relevante o peso de dimensões
simbólicas de atuação, fundadas em uma ética do trabalho. Outras características de tal
herói são constituídas pela atuação em horizontes de largo prazo, assunção de
responsabilidades compartilhadas em trabalho grupal, gestão baseada em fatos e evidências,
além de uma lógica da qualidade de resultados. Morgan (1986) coloca especial ênfase no
que chama de “papel crucial dos que estão no poder” e sua capacidade em modelar os
valores que guiam a organização. Para ele, o estilo de liderança e a cultura organizacional
se complementam, pois mesmo os líderes mais notáveis e formais não chegam a ter o
monopólio da criação. Dessa forma, a liderança, cujos múltiplos estilos devem ser
reconhecidos e apreendidos em busca da verdadeira compreensão da vida organizacional,
constitui uma das características da metáfora da cultura nas organizações, em outras
palavras, o grande fator responsável pela administração do sentido dentro das instituições.
A combinação de produção de conhecimentos, seja por especialistas locais ou
assessores externos, associada a uma base ideológica e militante, remete, ainda, à categoria
gramsciana dos intelectuais orgânicos, ou seja, pessoas dotadas de uma função
organizacional relativa às crenças e relações institucionais e sociais, capazes de formular e
propor projetos de hegemonia, tanto do ponto de vista técnico como político.
(BOTTOMORE, 1988)
Sobre o fenômeno do empreendorismo, um aspecto também a ser considerado na
discussão relativa aos executivos da saúde, destacam-se ainda algumas reflexões dignas de
nota. Barbosa (1996) sublinha o fato de que, no caso brasileiro, a relativa ausência das
noções de meritocracia e self-reliance faz com que as responsabilidades gerenciais se
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atenham a indicadores de posição social e estabilidade. Entretanto, pode se legitimar uma
figura especial, a do herói-fundador empreendedor, a partir de influências externas, em
função do como e dos contextos em que aparece. Para Filion (2001), este personagem é
aquele que “define contextos organizacionais em torno de fios condutores por ele
estabelecidos”, pessoa apta a realizar inovações, fazer coisas diferentes e, além do mais,
dotado de comportamentos diferenciados em relação ao grupo, de natureza pró-ativa e
criativa e acima de tudo capaz de definir “o objeto que vai determinar seu próprio futuro,
diferente de outras pessoas na organização”, com exigência de análise e imaginação. Já
Amado e Brasil (1997) apontam outras particularidades do empreendedor brasileiro, em
termos comparativos com outras culturas: hierarquia; centralização; social approach;
controle da incerteza; preocupação com a qualidade de trabalho; atitudes de cuidado frente
aos menos favorecidos.
De Masi (1999) estabelece algumas características essenciais de tal ator social,
dentro do referencial que denomina de fenomenologia do criativo. A figura típica do
empreendedor é marcada não só por habilidades intelectuais como também por forte
envolvimento emocional com o objeto, além de correção profissional, senso de união e
espírito de grupo, iniciativa, confiança recíproca, vontade firme, dedicação, flexibilidade,
entre outras características. Mas o que dá mais destaque a esta figura, segundo o autor, é a
sua proeminência de líder-fundador, sua capacidade de “dedicação quase-heróica”, sua
excepcional eficácia em “criar um set psicosocial” (ou seja, um clima e um fervor
extremos em torno das atividades do grupo), além de carisma, competência técnica e
capacidade de “transformar conflitos em estímulos para a idealização e a solidariedade”.
Portanto, compreender os papéis desta nova burocracia, bem como alguns de seus
traços de atuação, como a liderança e o empreendedorismo, é fundamental. Confirmar a
hipótese de que ela realmente seja nova, ou pelo menos de o que ela tem de novo e ao sabor
de que tipo de interesse e motivação ela se move, constituem desafios ainda a serem
enfrentados em termos teóricos e empíricos. Com todo respeito pela contribuição de Luz
(1995) e outros autores cépticos com relação à burocracia, talvez seja, hoje, cada vez mais
difícil encontrar o tipo ideal de burocrata que revela: discricionário, cooptado, kafkaniano,
ritualístico, imperial, arrogante, etc, até porque talvez esteja também mais difícil encontrar
11
cidadãos que aceitem tal tipo de comportamento. A Era dos Direitos de que fala Bobbio
(1992) já não teria alcançado, ao menos parcialmente, a sociedade brasileira?
SOBRE OUTROS ATORES
No caso do PSF, a questão da influência dos atores sociais, tanto governamentais
como extra-governamentais, é de extrema relevância. No âmbito municipal, pelo menos
formalmente, ter o PSF equivale a ter o conselho de saúde em funcionamento, associado a
diversos outros instrumentos de gestão, conforme as determinações normativas. Mas sob o
manto da formalidade, sabe-se, esconde-se muita coisa mais. Há evidências de que nem
sempre a mudança de governo nos municípios, com alteração concomitante de orientação
política referente ao programa, com o intuito de minimizá-lo ou até mesmo extingui-lo,
tenha provocado grandes mobilizações entre conselheiros ou movimentos comunitários.
Esta foi sabidamente a situação ocorrida no Distrito Federal, aqui tomado como exemplo,
na transição de governo de 1998-1999, mas tem se repetido em muitos municípios e estados
brasileiros. Tal carência de mobilização social poderia ser apenas aparentemente um
paradoxo, que certamente mereceria tentativas no sentido de aprofundar determinadas
questões não-esclarecidas sobre as potencialidades do controle social e sua capacidade de
influir sobre as políticas. Assim, por exemplo, a organicidade e a composição dos conselhos
de saúde, bem como seus mecanismos de funcionamento, deveriam ser apreendidos em sua
gama de correlações com as especificidades políticas e técnicas dos programas
eventualmente sob risco de interrupção, como no caso citado acima.
Os usuários do SUS vêm deixando de ser, a cada dia, uma massa amorfa de pessoas,
sujeitas a manobras. Embora ainda exista muito caminho a andar, avaliações recentes sobre
o processo de controle social no Brasil dão margem a certo otimismo. Veja-se, por
exemplo, o trabalho de Carvalho (1995), corroborado pelos estudos encomendados pelo
Conselho Nacional de Saúde. Estão se tornando mais freqüentes os casos em que
determinados interesses de usuários representados nos conselhos ascendem até o estatuto de
resolução, daí chegando a serem implementados como políticas públicas, via portarias
ministeriais ou instrumentos congêneres. Nem sempre são interesses universalistas, está
claro, mas traduzem um fato certamente inédito na política de saúde, e também na política
12
de qualquer outro setor: um interesse legítimo da sociedade, embora pontual, ser
contemplado na política graças a mecanismos formais de participação social.
Merece também consideração especial o caso dos Prefeitos e outros agentes
políticos. É certo que a tradição em relação aos mesmos é de desconfiança, seja no sensocomum, na mídia ou na literatura. Assim, por exemplo, o personagem emblemático que é
Odorico Paraguassu, genial criação de Dias Gomes, atravessa as décadas como o tipo ideal
do prefeito de interior, ignorante, autoritário e pouco afeito ao zelo pela república. São
preconceitos compartilhados até mesmo por analistas supostamente mais credenciados,
como se o monopólio do clientelismo e da corrupção no país pertencesse a esses agentes.
Contudo, o cenário das recentes eleições municipais, tanto no Executivo como no
Legislativo mostram alguns aspectos inéditos no país. Por exemplo, com a reeleição, que
aconteceu em cerca de 40% das prefeituras do país em 2002, que de certa forma confere
legitimidade aos escolhidos (embora possa haver divergências quanto à interpretação deste
fato: influências econômicas, uso da máquina administrativa, etc).
Além disso, a chegada ou a manutenção do poder de partidos de esquerda,
isoladamente ou coligados às forças de centro, vem se transformando em realidade cada vez
mais habitual. Os prefeitos municipais têm, além do mais, ao longo dos últimos anos se
engajado em movimentos supra-partidários nacionais, de natureza permanente (via
entidades representativas e “frentes”) ou pontual (mobilizações em favor de assuntos
financeiros e normativos de interesse municipal).
São aspectos que, por si só, falam do aparecimento de um ator social com
características renovadas. Aqui se insere, ainda, o destaque que tem recebido a pauta da
saúde nas eleições municipais, fruto sem dúvida da transferência de encargos e poder
decisório aos municípios, derivados diretamente da Constituição de 1988 e da legislação do
SUS. Nos recentes processos eleitorais, tanto nos estados como nos municípios, tem sido,
aliás, relativamente comum a inserção na pauta dos candidatos nos debates eleitorais, do
PSF, além de outros tópicos de saúde até certo ponto ignorados no passado.
Este acúmulo de evidências fala, favoravelmente, de uma participação cada vez
mais intensa, seja qualitativa ou quantitativa, dos prefeitos, legisladores e outros agentes
políticos nas discussões referentes à saúde, o que representa um marco histórico e
inédito(GOULART, 1996). E diz mais: trata-se de um contingente cuja posição, face às
13
políticas, parece ser de cunho mais progressista, ou pelo menos engajado na defesa de
interesses coletivos, já que aspectos como a descentralização, a assunção de
responsabilidades locais, o controle legislativo e social local estão diretamente em jogo.
Um último aspecto merece ser destacado, fruto de uma lição que a realidade recente
do país tem mostrado: o aparecimento do empreendedor público seja ele prefeito,
secretário, técnico ou outro membro do Executivo municipal ou mesmo alguém sem
vinculações com os governos ou o Estado; pessoas como um empresário, uma liderança
comunitária, religiosa, etc. A atuação desses agentes se faz cada vez mais marcante no
campo da saúde. O imaginário popular já os tem consagrado, embora possam ocorrer aí
alguns “desvios” personalistas e clientelistas. A mídia dedica a eles páginas e minutos
preciosos – a lembrança do programa de TV Gente que faz certamente ainda está presente.
Há certamente fazedores que estão meramente em busca de prestígio político-eleitoral, de
isenções fiscais, de presença na mídia, de resolver sua vaidade pessoal... Mas, apesar de
tudo, o assunto merece maior aprofundamento.
Freqüentes eventos de premiação e apoio a experiências bem sucedidas e inovadoras
em saúde, patrocinados pelo Ministério da Saúde, pelo CONASEMS e pela UNICEF
(CONASEMS, 2000; CONASEMS, 2001), além de outros, têm demonstrado que, por trás
de muitas experiências bem sucedidas em saúde, seja na gestão ou na atenção, estão as
figuras de empreendedores, vinculados de maneira formal ou informal ao projeto ou
programa. É inquestionável, também, a influência de uma proposta ideológico-partidária,
geralmente (mas não exclusivamente) à esquerda do espectro político. Contudo, mesmo em
tais experiências ancoradas em programas partidários, a figura central de uma pessoa-quefaz, um empreendedor criativo, na liderança, mesmo de forma até certo ponto personalista,
constitui um aspecto relevante.
Cabe indagar como surgem tais figuras: são meramente frutos de esforço pessoal, no
estilo self-made, ou se representam o produto de circunstâncias, associando a fortuna e a
virtù maquiaveliana? Qual o perfil ideológico que apresentam? Qual a importância que eles
realmente têm na viabilização e na condução das políticas? Que formas de inserção existem
entre eles e os órgãos executores estatais? Que risco correm os programas diante das
maneiras de inserção por vezes temporárias e informais dessas pessoas? Mas tudo isso, com
certeza, deve ser tema que mereça maior aprofundamento empírico.
14
CONCLUSÕES
O estudo das políticas sociais constitui um terreno movediço, que muda de
configuração rapidamente, autêntico marco de uma era de incertezas e de transições de
diversas naturezas: cultural, epidemiológica, demográfica, política, paradigmática. Certezas
neste campo podem ser confortáveis, mas possuem poder explicativo limitado face à
própria natureza do objeto que pretendem abarcar. Além disso, nem tudo é linearidade e
relação direta de causa e efeito quando o tema é a relação entre formulação e
implementação das políticas sociais, a distância entre intenção e gesto que fatalmente
permeia tal processo.
Ao se tratar da presença, no cenário, da burocracia e de outros atores sociais, as
relações de causa e efeito devem ser mediatizadas e não submetidas a fórmulas
mecanicistas singelas ou apoiadas no senso-comum. Da mesma forma, as teorias
conspiratórias de diversas naturezas e matizes ideológicos impedem o desvelamento do
que se esconde por trás do que é apenas aparência e fragmento ao invés de ser o fato real e
total.
O certo é que a política social é sempre complexa e determinada de forma múltipla,
com seus componentes de legitimação, reprodução econômica, mobilização social,
racionalidades humanistas, ideológicas, libertárias, partidárias, religiosas, etc. É sob estes
focos que a ação dos atores sociais deve ser compreendida, pois a chamada questão social
é, acima de tudo, um fato político entranhado em
uma vasta gama de mecanismos
representativos, de ações estatais, do produto das relações entre Estado, sociedade e
mercado, gerando dinâmicas próprias como as articulações entre público e privado; direito
e benefício; legitimação e conquista social.
No caso da política de saúde no Brasil, tomando o PSF como exemplo, estaríamos
hoje colocados dentro de um cenário pessimista? As evidências indicam que, mesmo sem
perder o realismo, pode-se vislumbrar no momento atual de implantação do SUS, com o
grau de descentralização alcançado, a institucionalização do controle social e a
incorporação de novos atores no cenário da saúde, que nem tudo é perversidade,
cooptação, americanização, compaixão pós-fordista, para utilizar expressões utilizadas por
algumas correntes interpretativas mais pessimistas das políticas sociais. No caso do PSF,
15
pode-se até suspeitar de que existam certos “ovos de serpente”, como por exemplo a sua
utilização eleitoreira, seu possível caráter paliativo, sua “pobreza” técnica. Mas, com
certeza, esta política apresenta outras facetas que permitem também categorizá-la como
pautada pelos princípios de eqüidade, integralidade e universalidade, também sustentada
conceitualmente e ideologicamente por marcos construídos a partir da realidade local,
afigurando-se como um processo legitimamente formulado e implementado de maneira
adequada ao momento político atual da sociedade brasileira. E neste processo a ação da
burocracia e dos demais atores sociais aqui citados, apesar das contradições inerentes, tem
sido impulsionadora e criativa. É bom ter em consideração, ainda, que o conceito de Saúde
da Família, no Brasil, ainda é um processo em formação e são muitas ainda as nuanças
representadas ideologicamente ou praticadas dentro do mesmo.
À guisa de conclusão, pode-se dizer que existem novos cenários e novos atores em
jogo nas políticas sociais do Brasil. As análises de políticas de saúde e particularmente
aquelas referentes ao PSF, correm o risco permanente de desatualização, pela marcante
dinâmica do processo de implementação da estratégia. O sistema de saúde, como um todo,
que até há poucos anos voltava-se apenas para as populações urbanas vinculadas ao
mercado de trabalho, atinge hoje novos contingentes de usuários: rurais, indígenas,
minorias, portadores de necessidades especiais, populações marginalizadas e tantos outros.
O PSF com sua expansão marcante, com seus componentes de eqüidade, integralidade e
participação – mesmo chocando-se contra tradições políticas, profissionais e culturais
desestabilizadoras – pode ser mais um destes novos cenários desconhecidos até poucos
anos atrás. Da mesma forma se comportariam seus atores.
É preciso evitar o risco de tratamento excessivamente dicotômico das questões ora
em pauta. O PSF poderia englobar, ao mesmo tempo, componentes emancipadores e
conservadores;
integralizadores
e
restritivos;
resolutivos
e
apenas
preventivos;
transformadores e cosméticos; ser um produto genuíno da criatividade brasileira e também
objeto importado. O que pode transformá-lo nisso ou naquilo é o modo como está sendo
implementado; a capacidade formuladora e crítica de seus atores; as circunstâncias que o
rodeiam; as tradições políticas e institucionais; a história; a força da “comunidade cívica” e,
até mesmo, o concurso de fatores “imponderáveis”, pelo menos para o grau de
conhecimento do momento.
16
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Submissão: março de 2006
Aprovação: julho de 2006
18
1
ORGANIZAÇÃO DAS AÇÕES EM SAÚDE BUCAL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA
FAMÍLIA: AÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS BASEADAS EM DISPOSITIVOS
RELACIONAIS E INSTITUINTES.
Organization of oral health actions in the Family Health Strategy: individual and collective
actions based on relational and self-transforming arrangements.
Adriano Maia dos Santos1
RESUMO
Tem-se como objetivo propor ações baseadas em dispositivos relacionais (acolhimento, vínculo)
e instituintes (autonomia, pertencimento, empoderamento) na perspectiva da organização dos
serviços de saúde bucal. As ações individuais necessitam incluir todas as perspectivas do
processo saúde-doença, dando respostas de promoção e proteção à saúde, ações de recuperação e
reabilitação. Tais conquistas dependem de formas comprometidas de compreensão do processo
de trabalho em saúde e da adoção de um modelo com matriz na integralidade para transformar o
complexo mundo de necessidades em saúde bucal. Atividades propostas: organização do serviço
centrado no usuário – acolhimento como gerenciador das relações terapêuticas; organização das
demandas: linhas de cuidado e condição de vida; resolubilidade no projeto terapêutico; ações de
promoção e proteção em saúde bucal: ações coletivas; educação em saúde bucal. A intenção deste
trabalho é debater novas perspectivas no horizonte das ações em saúde bucal coletiva.
Palavras-chave: Saúde Bucal. Serviços de Saúde Bucal. Programa Saúde da Família. Atenção
Primária à Saúde.
ABSTRACT
The goal of this paper is to propose actions based on relational (reception, link) and selftransforming (autonomy, belonging, empowerment) arrangements with respect to the
organization of oral health care services. The individual actions need to include all the
perspectives of the health-disease process, giving answers on how to promote and protect health,
as well as actions of recovery and rehabilitation. Such achievements depend on the committed
forms of comprehension of the work process of health care and on the adoption of a model with a
basis in integrality in order to transform the complex world of oral health care needs. The
proposed activities are the following: a user-centered organization of the service – reception seen
as a therapeutic relation creator; organization of the demands: lines of care and life condition;
resolvability in the therapeutic project; actions of promotion and protection in oral health care:
collective actions; oral health care education. The intent of this paper is to discuss new
perspectives in the horizon of the actions to be taken in collective oral health care.
Key Words: Oral Health. Dental Health Services. Family Health Program. Primary Health Care.
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Mestre em Saúde Coletiva e Especialista em Saúde da Família. Professor do curso de Odontologia e pesquisador do
Núcleo de Pesquisa Integrado em Saúde Coletiva (NUPISC). Endereço: Rua C, Caminho 05, Casa 05, Conjunto Feira IV,
Bairro – Tanque da Nação Cep – 44.085-060 Feira De Santana – Bahia
E-Mail – [email protected] Telefone – (75) 88063114
1
2
1 INTRODUÇÃO
Este artigo busca refletir sobre a experiência vivenciada no Programa de Saúde da Família
(PSF) no município de Alagoinhas – BA, tendo como objetivo propor ações baseadas em
dispositivos como o acolhimento, o vínculo, a autonomia, o pertencimento e o empoderamento,
na perspectiva da organização dos serviços de saúde bucal, balizado pela matriz da integralidade,
tendo o usuário como centro das ações de saúde.
A principal motivação surgiu após conclusão do Mestrado em Saúde Coletiva, do
Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), em 2005, que
teve como um dos objetivos analisar a prática de saúde bucal no PSF em Alagoinhas – BA, de
2001 a 2004 (SANTOS, 2005). Para tanto, buscou-se compreender como eram estabelecidas as
relações entre os diferentes sujeitos da prática (trabalhadores de saúde, usuários, gestores) e a
organização das ações individuais e coletivas, a partir das tecnologias leves (MERHY, 1997)
envolvidas, direta ou indiretamente, na produção dos serviços de saúde bucal.
As Equipes de Saúde Bucal (ESB) em Alagoinhas foram implantadas em 2001,
juntamente com a expansão das Equipes de Saúde da Família (ESF) (ALAGOINHAS, 2002).
Naquele momento, tomou-se como diretriz organizativa a Portaria 1444 (BRASIL, 2000) que
orientava a implantação de uma ESB para cada duas ESF, e seguiu-se a composição de um
cirurgião-dentista (CD) e uma auxiliar de consultório dentário (ACD), na modalidade I. Os
estudos realizados por Santos (2005) e Rodrigues (2005) revelaram dificuldades na organização
do processo de trabalhos das ESB do referido município, bem como mostraram a necessidade de
novas abordagens em saúde, pautados em dispositivos institucionais, para superar as práticas
fragmentadas em saúde bucal nas ações individuais e coletivas.
Na perspectiva de avançar, o Ministério da Saúde publica a Portaria 673/GM (BRASIL,
2003) na qual sugere uma relação de uma ESB para cada ESF. No entanto, apesar de apontar para
uma alteração quanto à ampliação no número de ESB, a proposta não avança nas questões de
financiamento, deixando a cargo dos municípios a opção de arcar com os novos investimentos.
Tal atitude, por um lado, suscita a defesa pela ampliação em número de equipe e, por outro,
coloca na pauta de discussão a necessidade de modalidades de financiamento que possibilitem
novas implantações de ESB.
3
Nesse sentido, a perspectiva do presente artigo é descrever algumas propostas nascidas
num cenário particular que foram aprofundadas em duas dissertações de mestrado em Saúde
Coletiva, em 2005, e socializar o referido conhecimento para criar novos caminhos e novas
discussões.
2 O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE BUCAL E AS PROPOSTAS PARA AS
AÇÕES INDIVIDUAIS E COLETIVAS.
As ações individuais necessitam incluir todas as perspectivas do processo saúde-doença,
ou seja, dar respostas de promoção e proteção à saúde, ações de recuperação e reabilitação
(BRASIL, 2004). Para tanto, precisará articular-se a uma rede de serviços hierarquizada,
possibilitando a resolubilidade das diferentes demandas apresentadas pelos usuários.
Paralelamente, não poderá ser construída sem a participação dos diferentes sujeitos trabalhadores
da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agente comunitário de saúde, entre
outros), bem como só terá legitimidade se houver a compreensão e participação da comunidade
(em suas várias representações), e do usuário individual no momento da busca por um serviço de
saúde bucal.
Historicamente, a sociedade brasileira teve a saúde bucal excluída do cardápio de opções
no cenário da saúde pública; por conseguinte, acumulou uma demanda por ações de recuperação
e reabilitação (doenças e seqüelas) que precisará ser revertida rapidamente. Por conta disso, o
Ministério da Saúde, com as Diretrizes da Política de Saúde Bucal, sinaliza para a necessidade de
maximização da hora clínica do CD – “75% a 85% das horas contratadas devem ser dedicadas à
assistência” (BRASIL, 2004, p. 4). Nesse sentido, as ações individuais e coletivas, na prática
cotidiana, poderão organizar-se a partir da seguinte proporção: sete turnos de atividades clínicas
(ações individuais) e três turnos em outras atividades (educação em saúde; visitas domiciliares;
reuniões e capacitações; planejamento e programação; dentre outras).
No entanto, aumentar a carga horária ou a permanência do CD no consultório não garante,
por si, um aumento no número de procedimentos, nem significa, necessariamente, ganho em
qualidade das atividades desenvolvidas. Tais conquistas dependem de formas comprometidas de
compreensão do próprio processo de trabalho em saúde e utilização de dispositivos relacionais
(acolhimento, vínculo) e dispositivos instituintes (autonomia, pertencimento, empoderamento)
4
para transformar o complexo mundo de necessidades odontológicas, além do desenvolvimento de
uma ética profissional pautada no compromisso com o produto (intervenção), com a comunidade
(sujeitos) e com o Sistema Único de Saúde - SUS (gestão, modelo, instituição).
Nessa direção, Campos (2003, p. 111) sinaliza que “a política e a gestão são importantes
instrumentos para operar essa conversão. As diretrizes do SUS (universalidade, integralidade e
eqüidade) são importantes instrumentos indutores de mudanças de modelo. Essas diretrizes
mudaram a agenda brasileira, constrangendo governantes e sociedade civil a encararem desafios
antes considerados irrealizáveis”.
Portanto, a definição de metas, quantidades e tipo de atividades a serem realizadas não
propõe a normatização em práticas programáticas acríticas ou limitantes; pelo contrário, parte do
pressuposto da necessidade de uma ação planejada e programada, circunscrita em parâmetros
revelados em levantamentos epidemiológicos e em estudos teóricos realizados em outros
municípios e que balizam com suas experiências exitosas as considerações aqui delimitadas. Tais
orientações, na organização do serviço, possibilitam um contato mais orgânico por parte das
coordenações com o processo de trabalho das ESB, por meio de métodos de acompanhamento e
avaliação compartilhada (convisão) (REIS; HORTALE, 2004).
A partir das considerações apresentadas, propõem-se, a seguir, questões a serem
discutidas com os trabalhadores de saúde, gestores e sociedade acerca da organização e das
formas de atenção à saúde bucal, tendo como cenário inspirador o município de Alagoinhas,
Bahia. As propostas têm como documentos norteadores a Lei 8080/90 (BRASIL, 1990), a
NOAS/SUS 2002 (BRASIL, 2002), as Diretrizes de Saúde Bucal (BRASIL, 2004) e o relatório
final da 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal - CNSB (BRASIL, 2005).
2.1 Organização do serviço de saúde bucal centrado no usuário: acolhimento como
gerenciador das relações terapêuticas.
Baseando-se em Merhy (1997; 2002) e Campos (1994; 2000; 2003) compreende-se que
os serviços de saúde precisam, necessariamente, situar suas práticas tendo o usuário como centro
do processo terapêutico. Para tanto, os referidos autores apresentam dispositivos – acolhimento,
vínculo, autonomia, responsabilização e resolubilidade – que juntos potencializam o processo de
5
trabalho em saúde e, paralelamente, contribuem para a construção do cuidado, tendo como matriz
a integralidade.
¾ Recepção
O município precisará reorganizar as estruturas físicas das unidades de saúde. As
recepções deverão ser amplas, com assentos adequados e suficientes, aparelhos audiovisuais
(televisão, som ambiente, vídeos educativos, etc.), pintura agradável, arquivos informatizados, ou
seja, a infra-estrutura, também deve ser entendida como elemento constituinte do cuidado. As
ESB deverão criar cartazes informativos sobre os cuidados em saúde bucal e disponibilizar na
recepção, os horários de atendimento, os serviços realizados, o número de vagas disponibilizadas
diariamente, os critérios de agendamento e priorização (protocolos ou fluxogramas), tudo isso, de
forma clara e acessível.
Santos e Assis (2005, p. 321) sintetizam essa análise inspirados em Matumoto (1998) e
Fortuna (1999) “antes mesmo do encontro formal entre usuário e trabalhador, os espaços
preparam-se para essa relação. O preparo diz respeito à organização, higiene, estética, conforto,
sinalização, informação do espaço físico, bem como à maneira como os trabalhadores preparamse para aguardar os usuários. Para tanto, são levados em conta a aparência, a paramentação e o
comportamento”.
Portanto, a ESB deverá acolher os usuários e perceber as priorizações (idosos, gestantes,
pessoas com necessidades especiais, crianças) que devem extrapolar o critério de ordem de
chegada. Deve-se prezar pela apresentação (aparência) e pela entonação adequada da voz; dessa
forma, a terapêutica deve começar nesse espaço privilegiado. Sugere-se que a Secretaria de Saúde
disponibilize jalecos adequados e padronizados, criando uma imagem positiva em toda a rede de
atenção.
As recepções deverão possuir área adequada para atividade educativa e pré-consulta, na
qual se pode desenvolver salas temáticas, exibição de vídeos educativos, escovações
supervisionadas, explicações acerca do funcionamento da unidade, etc. Essas atividades poderão
ser
desempenhadas
pelos
diferentes
trabalhadores
da
unidade,
potencializando
a
interdisciplinaridade e a co-responsabilização dos demais membros da ESF com o processo de
adoecimento relacionado à boca.
6
¾ Marcação de consultas: o ponto nevrálgico
A demanda, historicamente excluída, faz surgir necessidades que vão além da
governabilidade das ESF/ESB. Em Alagoinhas, por exemplo, no atual recorte temporal,
apresentam-se inúmeras dificuldades sócio-econômicas que a posicionam como uma cidade de
médio desenvolvimento humano. Segundo o IBGE, em 2005 (IBGE, 2006), tratava-se do sexto
município baiano, em área territorial, possuindo uma extensão de 734 km2, uma população de
138.366 habitantes. Em relação às condições sócio-econômicas da população, têm-se os seguintes
indicadores: 86,43% residem na zona urbana; possui uma taxa de analfabetismo na população
adulta de 17,1%; sendo que 43,8% da população é classificada como pobre.
É nesse cenário, portanto, de franca desigualdade social, que os aspectos econômicos,
sociais, demográficos, culturais e epidemiológicos perpassam o processo saúde-doença,
constituindo um quadro complexo e heterogêneo que termina determinando o padrão de
qualidade de vida das pessoas. E tudo isso produz um tipo de demanda – demanda reprimida –
que se materializa para as pessoas quando, mesmo tendo algum tipo de acesso aos serviços de
saúde, têm sua resolubilidade limitada pelas questões que orbitam o campo da saúde e da doença.
A contextualização acima possibilita uma compreensão mais aproximada de algumas das
possíveis razões explicativas para a existência de filas. Nesse sentido, sinalizam-se algumas
formas de acesso que estão sendo exploradas pelas unidades de saúde ao longo dos últimos cinco
anos, no cenário em estudo.
Faz-se mister considerar-se que não existem fórmulas, existem caminhos possíveis de
superação das filas, existem construções de acesso aos serviços que precisam ser amplamente
discutidas nas localidades por conta das diferenças em cada microespaço. Atualmente, podem-se
encontrar, sinteticamente, as seguintes modalidades de acesso:
1. Urgências – nos casos de dor, traumatismo, infecções, hemorragias, dentre outros;
2. Encaminhamentos internos – trabalhadores da própria unidade fazem a solicitação para o
atendimento;
3. Agendamento de crianças – realizado nas escolas após triagem realizada pelo CD ou pelo
ACS;
4. Agendamento nas microáreas – realizado pelo ACS (idosos, gestantes, portadores de
necessidades especiais, portadores de patologias crônicas);
7
5. Livre demanda – busca pelo serviço baseado na necessidade percebida pelo usuário,
através de “fichas” de atendimento em dias programados na unidade;
6. Retornos programados – após a primeira consulta, o CD faz um aprazamento para o
retorno, baseado na necessidade ou risco do usuário;
7. Levantamento de necessidades em reuniões coletivas;
8. Outros – encaminhamentos externos (Secretaria de Saúde, contra-referência, outros
serviços de saúde), “favorecimento de conhecidos”.
A diversidade encontrada revela as várias facetas de um mesmo problema – dificuldade
no acesso ao serviço de saúde bucal. Por sua vez, a cidade não difere de outros municípios
nordestinos em relação à problemática apontada. No caso específico, compete analisar a relação
direta entre serviços implantados e demandas apresentadas, o que quer dizer que, anterior à
gestão atual, havia as necessidades; no entanto, a falta de serviço levava as filas, o que
possivelmente tem ocorrido é a constatação de que existem problemas de saúde acumulados e
estes precisam ser resolvidos. Panizzi et al (2004) salientam que o acesso aos serviços de saúde
bucal é um problema, pois existe uma demanda acumulada e, historicamente, excluída desse tipo
de atenção. Como conseqüência, as necessidades apresentadas pelos usuários não são atendidas a
contento, mesmo com o aumento da oferta, fazendo surgir a “ficha” que se configura como
desafio para os gestores dos serviços.
O primeiro passo para a organização dos serviços será a sua ampliação e adoção do
critério de uma ESF para cada ESB, garantindo serviços básicos de saúde bucal em todas as
unidades de saúde, incluindo áreas rurais de difícil acesso. Posteriormente, a inclusão de novos
trabalhadores de saúde como o técnico de higiene dentária (THD) ampliará a resolubilidade das
ações, pois o CD poderá dedica-se a atividades mais complexas (BRASIL, 2005). Na prática
cotidiana, recomenda-se buscar a superação da fila através do pré-agendamento. Algumas
alternativas possíveis são:
a) Levantamento de necessidades em reuniões coletivas em cada microárea – reúne-se a
comunidade em um local de fácil acesso em cada microárea de abrangência, após ampla
divulgação. Neste local, utiliza-se uma ficha de levantamento de necessidades odontológicas
e faz-se uma lista de espera de acordo com os índices encontrados. Essa ferramenta acaba
com a fila “formal”, pois gera um outro tipo de espera, uma fila “virtual”. No entanto, permite
a utilização do critério da eqüidade (priorização de quem mais precisa), as pessoas passam a
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saber, previamente, quando serão atendidas (não precisam disputar uma vaga durante a
madrugada), viabiliza o acesso de donas de casa e pessoas com dificuldades de disputarem
uma vaga no modelo tradicional de “quem chega mais cedo é que consegue”. O código de
levantamento de necessidades pode ser adaptado às características epidemiológicas de cada
área. Essa modalidade de agendamento precisa ser discutida com a população adscrita para
que a mesma seja parceira. Requer, ainda, avaliações periódicas e novas reuniões semestrais
(ou prazo específico em cada local). O levantamento de necessidades é uma possibilidade,
principalmente, para áreas em que existe a relação 1:1.
b) Urgências – nos casos de dor, traumatismo, infecções, hemorragias, dentre outros. Nesses
casos, o atendimento deve ser imediato, com disponibilização do arsenal tecnológico mais
apropriado e possível para aquele momento, objetivando a finalização do sofrimento. Não
pode ser restrito a um número pré-determinado e a hora de chegada. Para tanto, todos os
casos devem ser acolhidos na unidade e deve ser explicitado na comunidade o que vem a ser
urgências odontológicas – o bom senso e a ética devem mediar esse momento.
c) Agendamento nas microáreas – realizado pelo ACS (idosos, gestantes, portadores de
necessidades especiais, portadores de patologias crônicas) – uma alternativa para garantir o
acesso de pessoas que tradicionalmente ficam distantes dos serviços. Pode ser aliado em
locais cuja marcação tradicional – por filas – ainda é preponderante. Torna o serviço mais
universal e eqüitativo. No entanto, apresenta o fator negativo de responsabilizar o ACS pela
priorização. Nesse sentido, pode gerar conflitos nas áreas, portanto, precisa ser cercado de
amplo esclarecimento nas áreas e entre os membros da equipe.
d) Misto – para contemplar a diversidade de necessidades e possibilitar mudanças gradativas,
uma das opções é a inserção de uma das modalidades citadas ou uma alternativa gestada
coletivamente na comunidade, paralelamente à marcação tradicional, até que se possa
transformar o modelo vigente de difícil acesso a um novo modelo que supere a exclusão
social.
Após definida uma alternativa de marcação, a unidade deverá ofertar diferentes turnos de
atendimento clínico (manhã e tarde). Quando possível, o agendamento deverá ser por hora
marcada; contudo, dada à dificuldade na maioria das vezes, sugere-se marcar por bloco de
horário, sempre visando diminuir o tempo de permanência dos usuários na unidade de saúde.
9
¾ Tipo de tratamento: ponto de divergências
Atualmente, a maioria das necessidades de saúde bucal poderia ser resolvida nas
Unidades de Saúde da Família, se o requisito fosse capacidade técnica dos profissionais. Na
realidade, a forma como se organizam as práticas em saúde bucal obedecem ao seguinte conflito fazer ou não o tratamento completado, ou seja, concluir todas as necessidades que cada usuário
apresenta, pelo menos em relação aos procedimentos básicos, ou resolver apenas os problemas
demandados em cada consulta. O tratamento não completado gera, de um lado, uma maior
rotatividade de usuários que utilizam os serviços, mas, por sua vez, cria um círculo vicioso, no
qual a baixa resolubilidade acaba por gerar a permanência dos usuários por muito tempo no
serviço, sem a garantia de que concluirão o tratamento ou conseguirão resolver seus problemas.
A prerrogativa compete ser colocada na pauta de discussões nos diversos cenários
(Conselho Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde e sociedade civil), pois a opção
deve estar pautada em critérios técnico-científicos e em políticas de saúde com perspectivas de
superação de um modelo pouco resolutivo e fragmentado, para um outro que garanta o cuidado e
a consolidação da saúde individual e coletiva.
Desde 2005, algumas ESB do município já vêm adotando turnos para o tratamento
completado. A perspectiva dessa opção, no processo de trabalho, é diminuir, ao longo do tempo,
as necessidades acumuladas e possibilitar visitas programadas ao serviço odontológico. Tem-se
clareza que será uma revolução a longo prazo que precisa-se de investimento e de coragem para
disparar tamanha ousadia em tempos de imediatismo por serviços de saúde. Vislumbra-se o
ganho na qualidade dos serviços, a resolubilidade nos procedimentos, a diminuição nos gastos a
longo prazo, a satisfação dos usuários a medida que compreendam os benefícios de não
precisarem ir ao serviço odontológico disputar uma vaga para cada procedimento.
Acredita-se que essa estratégia deva ser inserida no cotidiano das práticas paulatinamente,
pois, em conseqüência da grande demanda acumulada, não se pode engessar o serviço com o
tratamento de apenas alguns indivíduos.
¾ Organização das demandas: linhas de cuidado e condição de vida
Para superar o acesso descontextualizado das necessidades dos diferentes grupos
populacionais, concorda-se com as Diretrizes das Políticas de Saúde Bucal (BRASIL, 2004, p.20)
quando aponta duas formas de inserção: a) por linha de cuidado e b) por condição de vida.
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Segundo o documento, são assim compreendidas: “a primeira prevê o reconhecimento de
especificidades próprias da idade, podendo ser trabalhada como saúde da criança, saúde do
adolescente, saúde do adulto e saúde do idoso. Já a proposta de atenção por condição de vida
compreende a saúde da mulher, saúde do trabalhador, portadores de necessidades especiais,
hipertensos, diabéticos, dentre outras”.
Para tanto, as ESB e ESF precisarão conhecer os dados de suas respectivas áreas
(população por faixa etária, condições de saneamento, doenças prevalentes, entre outros) e, a
partir de então, definir formas de inserção dos diferentes grupos de forma eqüitativa e ética. Não
há sobreposição entre essas inserções e os critérios de marcação, pois ambos podem
complementar-se e servir para justificativas acerca do acesso de um ou outro grupo.
As ESB podem organizar turnos para gestantes (juntamente com a enfermeira da unidade
- no momento do pré-natal) e para grupos específicos (idosos, crianças, adolescentes - no dia da
vacina, no momento das consultas de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento,
simultâneo as consultas de planejamento familiar, entre tantas possibilidades). Os turnos não
precisam ser semanais, podem ser quinzenais, ou até mensais (critério de risco e necessidade).
O referido documento aponta os seguintes grupos a serem atendidos: grupo de 0 a 5 anos;
grupo de crianças e adolescentes (6-18 anos); grupo de gestantes; grupo de adultos; grupo de
idosos. Acredita-se que haja necessidade de criação de protocolos e projetos terapêuticos que
respondam às necessidades específicas de cada grupo. Esta necessidade ficou explicitada no
relatório final da 3ª CNSB (BRASIL, 2005, p. 121) que preconiza “estabelecer protocolos
cientificamente validados para padronização dos procedimentos de atenção e assistência em
saúde bucal”.
¾ Projeto terapêutico: o desafio da resolubilidade.
a) Adequação do meio bucal e tratamento restaurador atraumático (TRA)
As sessões clínicas devem contemplar as necessidades mais imediatas – exodontias
indicadas; eliminação de focos infecciosos; escariação de cavidades profundas e inserção de
material provisório (preferência pelo ionômero de vidro); raspagem e alisamento radicular;
motivação sobre técnicas de higiene bucal e controle da placa.
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Essas ações devem ser realizadas (quando necessário) em todos os grupos antes do início
do tratamento restaurador definitivo. Tais procedimentos precisam estar pautados em normas
técnico-científicas que visem o benefício do usuário e a otimização das ações curativas.
No caso de crianças, nas unidades decíduas preconiza-se a técnica do TRA que poderá
inclusive ser realizada fora do ambiente da unidade de saúde (nas visitas domiciliares, nas escolas
e creches). Deve-se dar fundamental atenção aos molares permanentes. Em crianças pequenas
com alto índice de cárie agudas, deve-se utilizar o cariostático em sessões bem definidas de
acordo com as necessidades de cada caso. A utilização do flúor, também, contempla essa etapa
no tratamento (gel e/ou verniz fluoretado), em sessões planejadas sob o critério de risco
individual e/ou coletivo.
Após a conclusão dessa etapa, devem-se agendar visitas periódicas para as restaurações
definitivas ou acompanhamento a partir do risco individual.
b) Tratamento restaurador definitivo
Inicia-se tão logo a cavidade bucal tenha condições de recebê-la, podendo ser paralela à
adequação do meio (restaurações em resina, caso de estética). Nas unidades dentárias posteriores
(molares e pré-molares) devem-se priorizar o amálgama como material definitivo e a resina
fotopolimerizável para as unidades anteriores (incisivos e caninos) e posteriores com indicação
para tal (cavidades pequenas ou nas quais a estética é imprescindível). Ressalta-se o
esclarecimento ao usuário acerca do material escolhido, dando a ele autonomia para opinar no
processo terapêutico.
Recomenda-se contemplar todos os grupos para tratamento restaurador completo
definitivo, sendo que os dentes permanentes devem ser sempre priorizados em relação aos
decíduos. A Secretaria de Saúde deverá fornecer os materiais mais adequados para essa
finalidade em quantidade e qualidades condizentes com as necessidades da população assistida. A
técnica clínica utilizada para os procedimentos é de total responsabilidade dos profissionais
cirurgiões-dentistas, sempre balizados pela condução ética e o conhecimento técnico mais
adequado nos diferentes procedimentos preventivos e curativos.
c) Descentralização das endodontias de dentes anteriores e pré-molares para as unidades básicas
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Pretende-se inserir na atenção básica alguns procedimentos de média complexidade,
ampliando o campo de ações do CD e a resolubilidade das ações curativas. Essa ação “contribuirá
para aumentar o vínculo, ampliar a credibilidade e o reconhecimento do valor da existência do
serviço público odontológico em cada local, aumentando-lhe o impacto e a cobertura”. (BRASIL,
2004, p.20).
Para Campos (2003, p. 110), o projeto terapêutico deve refletir uma mudança no modelo
de atenção à saúde na busca de maior eficácia, o que o autor define como sendo
a capacidade dos modelos de produzir saúde, de promover, prevenir, curar,
reabilitar e aliviar o sofrimento. Refere-se a resultados concretos, trabalhando
com evidências, com a melhoria dos indicadores e com a diminuição do risco e
da vulnerabilidade epidemiológica e clínica. Cada sistema, serviço, programa e
equipe deveriam ser reorganizados sempre buscando o melhor resultado
possível.
e) Visita domiciliar
A visita domiciliar é um procedimento rotineiro, preferencialmente, realizado pelo ACS.
A ampliação e qualificação das ações de saúde bucal também se fazem através de organização de
visitas da equipe de saúde bucal às pessoas acamadas ou com dificuldades de locomoção, visando
à identificação dos riscos e propiciando o acompanhamento e tratamento necessário (BRASIL,
2004).
O critério para visitas domiciliares é criticado por Franco e Merhy (2003), no sentido de
que não deve ter o caráter compulsório. Segundo os autores, a visita domiciliar só faz sentido se
estiver pautada numa necessidade explícita, sendo que o papel de vigilantes da saúde deve ser
designado aos ACS. Complementam dizendo que há necessidade de otimização dos recursos
humanos em saúde, não sendo, portanto, admissível que um trabalhador (médico, enfermeira,
dentista) realize uma visita sem mesmo saber o que vai, ou para que vai, fazer (n)uma visita.
Entende-se a visita domiciliar como sendo um espaço do encontro, em que a valise das
relações (MERHY, 2002) deve operar em sentido maior, apenas complementada pelas demais
valises estruturais e sempre balizadas pela real necessidade/demanda que é manifestada pela
família. Até porque as demandas podem ser por promoção, prevenção, tratamento, reabilitação ou
morte e, em cada caso, as diversas tecnologias deverão estar operando, no sentido de garantir o
13
acolhimento, a autonomia e a resolubilidade do que se apresenta ancorados pelo dispositivo do
vínculo.
O município tem inúmeras experiências em visitas domiciliares. As potencialidades neste
campo são enormes, mas deverão ser otimizadas. Num primeiro momento, as visitas devem ter o
caráter de reconhecimento da área de abrangência, mas, posteriormente, deve aliar a ampliação
das ações terapêuticas (intervenções clínicas domiciliares) restringindo apenas aos usuários
impossibilitados de locomoverem-se até a unidade de saúde.
A visita domiciliar não precisar acontecer em turnos pré-fixados, mas ser livre para
acontecer sempre que necessário (gestante, acamado, recém nascido, idoso, pessoas com
necessidades especiais) agendando-se previamente com o ACS e comunicado a família sobre a
visita. Cada localidade deve planejar a melhor estratégia para sua comunidade.
2.2 Ações de Promoção e Proteção em Saúde Bucal: ações coletivas
A implantação do Sistema Único de Saúde desencadeou inúmeros desafios,
principalmente em relação a sua capacidade de ofertar serviços capazes de garantir a
universalização das ações e a integralidade ao cuidado das demandas e necessidades
historicamente acumuladas na sociedade brasileira. A Lei 8080/90 legitima a saúde como um
direito de todo cidadão, devendo o Estado garantir/ prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício (BRASIL, 1990). Compreende a saúde como qualidade de vida e, portanto,
circunscrita em seus vários espectros – biológico, social, econômico, político, cultural e
ideológico. Nesse sentido, a saúde bucal é apenas um fragmento dessa totalidade complexa e,
irremediavelmente, imbricada.
A saúde bucal é a qualidade de saúde que se apresenta na cavidade bucal e, também, é
sócio-culturalmente construída. Nesse sentido, saúde bucal é um conceito genérico, utilizado para
organizar um núcleo de conhecimentos específicos, mas dependente de outros campos de saberes.
Portanto, a saúde bucal configura-se como matriz da formação dos cirurgiões-dentistas, mas só
efetiva-se no encontro com as ações desenvolvidas por diferentes sujeitos (médicos, enfermeiros,
técnicos, agentes comunitários, gestores/ políticos, professores, entre outros), tendo o sujeito
usuário como centro do cuidado.
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As ações de saúde bucal devem inserir-se na estratégia planejada pela equipe de saúde
numa inter-relação permanente com as demais ações da unidade de saúde, aliando a
intersetorialidade e a participação e o controle social. As ações coletivas são aquelas
desenvolvidas com o intuito de atingir o maior número de pessoas, através da promoção e
proteção da saúde em diferentes espaços sociais (escolas, clubes, associações, unidades de saúde,
entre outras), ou seja, confere um caráter não formal ao processo de ensino/ aprendizagem em
saúde. A não formalidade frisa-se no sentido de não privilégio e de não rigidez para o
desenvolvimento das práticas em saúde, contudo, percebe-se como imprescindíveis o
planejamento e a utilização de ferramentas adequadas a cada atividade e para cada grupo social
(criança, adolescentes, adultos, gestantes, idosos, etc.).
Nesse sentido, é mister o conhecimento estruturado (fundamentação teórica), a
interdisciplinaridade, a intersetorialidade, o respeito às diferenças, a utilização do acolhimento e
do vínculo, tudo isso em prol da construção de sujeitos autônomos e capazes de coresponsabilidade e co-participação na construção da saúde, verdadeiramente coletiva.
Inspirados nas Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal (BRASIL, 2004) destacamse as seguintes ações para o desenvolvimento da saúde bucal coletiva:
¾ Educação em Saúde Bucal: uma breve reflexão.
Para realmente mudar a forma de cuidar, tratar e acompanhar a saúde das pessoas é
preciso mudar também os modos de ensinar e aprender. O conceito de educação tem passado por
fortes transformações – desafios gerados pela globalização e novas tecnologias e seu grande
desafio é superar as desigualdades sociais, promover eqüidade e justiça social. Para Brandão
(1995, p. 47), “a educação do homem existe por toda parte e, muito mais que a escola, é o
resultado da ação de todo o meio sociocultural sobre os seus participantes. É o exercício de viver
e conviver o que educa. E a escola de qualquer tipo é apenas um lugar e um momento provisório
onde isto pode acontecer”.
Nesta direção, sinaliza-se a necessidade de ações educativas em diferentes espaços dentro
de cada área adscrita para as ESB nas ESF: creches, escolas, associações, fábricas, unidade de
saúde, entre outros espaços apontados junto com a comunidade como adequados para as
atividades educacionais. Carmo (2005) ressalta que a educação deve ter como base a
15
emancipação dos sujeitos, daí a necessidade do envolvimento do educador com a realidade dos
educandos.
Assim, para estabelecer o processo de aprendizagem, há necessidade de uma relação
horizontal (vínculo) entre o sujeito que educa e o sujeito que se propõe educar, valorizando a fala
e a escuta, avançando para além das tradicionais técnicas de transmissão (palestras). O objetivo é
a construção de novos valores, adquiridos a partir da reflexão de problemas concretos, em
espaços reais, ou seja, baseados na problematização sobre o cotidiano de cada território-processo,
nos quais as pessoas vivem, trabalham, relacionam-se, adoecem, são felizes ou tristes, na
perspectiva de autonomização dos sujeitos, ou como diria Freire (1998), uma educação para
libertação.
Desenvolver novas práticas de educação em saúde exige mudanças que envolvem um
processo complexo que passa pela formação de pessoas na área da saúde (universidade e escolas
técnicas); modelo de atenção à saúde proposto para o município (gestão, política); educação dos
trabalhadores de saúde (educação permanente); acesso à educação formal dos cidadãos
(fundamental, médio e superior); educação de sujeitos-chave em saúde (professores, ACS,
merendeiras, etc.); inserção da educação em saúde em currículos escolares formais (livros e
cartilhas); implantação nas escolas e unidades de saúde de espaços adequados para algumas
atividades em saúde bucal (escovódromos); disponibilização de material (escovas, creme dental,
fio dental) para higiene bucal (em quantidade e qualidade adequado às necessidades locais);
adequação da merenda escolar (dieta balanceada); adequação da comercialização de produtos
cariogênicos nas escolas municipais; inserção de novos técnicos para desenvolvimento de ações
coletivas em saúde bucal (Técnico em Higiene Dental – THD); divulgação dos índices
epidemiológicos para os diferentes sujeitos da comunidade (informação/ comunicação em saúde);
divulgação na mídia escrita, falada e eletrônica de ações positivas em saúde bucal (criação de
audiovisual sobre saúde bucal envolvendo a comunidade); entre outras ações (BRASIL, 2004;
2005).
No artigo em questão não se ousou abordar a totalidade das questões mencionadas acima.
O objetivo é apontar proposições para a organização dos serviços de saúde, bem como sugerir
algumas ações intersetoriais que viabilizem em curto prazo mudanças consideráveis no processo
de educação em saúde bucal.
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i) Educando os sujeitos-chave: a co-responsabilidade
As ESB deverão identificar quais os sujeitos-chave da área de adscrição que exercem
interface direta com a saúde bucal. De um modo geral, alguns grupos deverão estar
contemplados: professores, merendeiras e ACS.
Para tanto, recomenda-se a realização de oficinas (problematização e construção) com o
tema saúde bucal. Nas oficinas devem-se apresentar os índices sócio-econômicos da comunidade
e discutir dialeticamente o papel de cada sujeito no processo de promoção da saúde.
Problematizar a realidade da comunidade em seus vários aspectos, procurando superar a
dicotomia entre a saúde bucal e os outros elementos associados ao processo saúde-doença, de
forma a perceber que as condições de saúde bucal não são determinadas pelos sujeitos
individualmente, mas pela soma de inúmeros fatores (condições de moradia, saneamento básico,
emprego, acesso aos serviços de saúde, entre outros), que geram situações de saúde/ doença que
se manifestam no corpo, na alma, na boca. A construção coletiva deve permitir a ampliação da
clínica e re-significação do conceito de cuidar a partir dos dispositivos instituintes (autonomia,
pertencimento, empoderamento) e integradores (responsabilização, participação e vínculo). As
oficinas devem incluir abordagens sobre os fatores de risco ou de proteção às doenças bucais,
formas adequadas e alternativas de higienização e alimentação.
ii) Higiene bucal supervisionada em escolas e creches: o auto cuidado
A Higiene Bucal Supervisionada (HBS) é parte fundamental da educação em saúde,
podendo ser realizada em diferentes espaços. Contudo, as escolas e creches são espaços
adequados para realização desse procedimento pela presença constante das crianças (pelo menos
um turno/dia). Contudo, realizá-la adequadamente exige aprendizado e abordagens criativas no
processo de ensino.
A referida ação visa à prevenção das principais doenças bucais (cárie e gengivite) através
do emprego de técnicas adequadas de escovação e uso do fio dental. Deve ser realizada
diariamente nas escolas e creches do município sob a supervisão dos professores de cada espaço
educacional. Recomenda-se cautela na definição de técnicas “corretas” e “erradas”, evitando-se
estigmatização (BRASIL, 2004). O ideal é uma técnica simples e eficaz que seja aceita por um
maior número de crianças.
17
Os professores são orientados a reservar quinze minutos em cada turno após a merenda
escolar para a realização da escovação, diariamente. Os próprios alunos fazem a escovação com o
objetivo de desenvolver a motricidade da técnica. Geralmente, a nova maneira de escovar é
diferente do que eles estavam acostumados e, por isso, requer um certo tempo para seu domínio.
Os professores supervisionam, estimulam e orientam.
Segundo Brasil (2004, p. 17), “considerando a importância de que o trabalho do CD não
se restrinja apenas a sua atuação no âmbito da assistência odontológica, limitando-se
exclusivamente à clínica, sugere-se cautela no deslocamento freqüente deste profissional, para a
execução das ações coletivas. Estas devem ser feitas, preferencialmente, pelo THD, pelo ACD e
pelo ACS. Compete ao CD planejá-las, organizá-las, supervisioná-las e avaliá-las sendo, em
última instância, o responsável técnico-científico por tais ações”. Diante do exposto, Manfredini
(2004) complementa, dizendo que deve caber aos dentistas o papel de planejar com os diversos
sujeitos, coordenar e supervisionar as atividades coletivas, não que seu papel deva ser centrado
no atendimento individual, mas seus turnos extra-muros devem ser utilizados de maneira mais
resolutiva.
iii) Organograma das ações coletivas em saúde bucal
Figura 1
Cirurgião-dentista (CD)
Educação dos sujeitos –
chave
THD, ACD, ACS,
professores, merendeiras,
entre outros.
Discute com os diferentes sujeitos para planejar,
organizar, supervisionar e avaliar.
Executam tecnicamente a ação. Supervisionam a
higiene bucal, faz as aplicações programadas de
flúor, percebem as necessidades individuais e
coletivas em saúde bucal e informam ao CD.
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iv) Aplicação Tópica de Flúor: bom senso
O flúor reduz a incidência de cárie e recupera lesões não cavitadas (cáries iniciais –
manchas). Portanto, o flúor tem uma função preventiva e terapêutica. O flúor tópico está
difundido através dos dentifrícios fluoretados e na água de abastecimento, por isso deve-se ter
cautela na utilização de outras formas de aplicação de flúor. A aplicação tópica de flúor visa à
prevenção e controle da cárie, através da utilização de produtos fluoretados (soluções para
bochechos, gel fluoretado e verniz fluoretado) em ações coletivas. (MENEZES, 2006).
Considerando-se que a maioria da população está exposta a, pelo menos, uma fonte de
flúor, seja pela água fluoretada e/ou pelo dentifrício fluoretado, a indicação desse método deve
seguir critérios técnicos bem definidos. Nesse sentido, entende-se como prioridade para a
aplicação do flúor nos seguintes casos: água de abastecimento sem flúor; baixos teores de flúor
na água (<0,54 ppm); baseado em levantamento epidemiológico que indique alta incidência de
cárie dentária; pessoas com dificuldades motoras, ou outras deficiências que justifiquem uma
maior vigilância à cárie; pessoas que apresentam deficiência na escovação; ação impactante nas
escolas/ creches que apresentam crianças com alta incidência de cárie (BRASIL, 2004; NARVAI
et al, 2002).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intenção deste artigo foi divulgar novas perspectivas no horizonte das ações em saúde
bucal. Percebe-se que existe um grande número de estudos que apontam sugestões para a saúde
bucal, mas a grande maioria apóia-se, preferencialmente, no levantamento epidemiológico como
eixo orientador das práticas. Segundo Nadanovsky (2006, p. 886), “estudos sobre a prevalência
da cárie dentária em uma determinada localidade têm poucas chances de contribuir para o
desenvolvimento científico. Apesar disso, vários artigos publicados pela odontologia brasileira na
saúde pública, nos últimos anos, foram relatos desse tipo ou similares”.
Nesse sentido, ousou-se apontar direções que fossem desencadeadas por dispositivos
instituintes, relacionais e integradores na organização do processo de trabalho da ESB nas suas
ações individuais e coletivas.
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À luz das análises realizadas nas dissertações de mestrado de Santos (2005) e Rodrigues
(2005), resultado aproximado da realidade, trouxe o desafio: propor mudanças operativas à
prática de saúde bucal, no PSF de Alagoinhas. Destaca-se que as proposições, aqui delineadas,
são produtos do encontro entre os sujeitos que vivenciam a prática (dados empíricos), os sujeitos
que teorizam e experienciam o fazer/agir em saúde/saúde bucal em outros cenários (referencial
teórico) e os sujeitos que propuseram tal encontro (pesquisadores, por conseguinte, também,
pesquisados).
Acredita-se que o debate em torno das práticas em saúde bucal perpassa pelo modelo de
atenção mais adequado, que possibilite agregar as diversas tecnologias disponíveis da maneira
mais adequada sem reduzi-las, nem tão pouco dimensioná-las para além de suas possibilidades.
Até porque não seria coerente com as propostas estudadas reduzir a prática em saúde bucal a
determinismos pragmáticos ou funcionalistas, nem excluir a legitimidade construída,
historicamente, no seu arcabouço técnico-científico.
A proposta defendida aqui é a re-significação dos modelos de atenção em saúde bucal,
para que sejam convergentes com a integralidade à saúde. Nesta perspectiva, espera-se a inclusão
dos usuários como autores/protagonistas, ou seja, responsáveis, também, pela defesa da vida
individual e coletiva.
REFERÊNCIAS
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Brasília, DF, 4 jun. 2003. Seção 1. p. 44.
20
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Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2002. Brasília, DF, 2002.
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financeiro para a reorganização da atenção prestada nos municípios por meio do programa de
saúde da família. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 dez. 2000.
Seção 1. p. 85.
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção e
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22
Submissão: junho de 2006
Aprovação: outubro de 2006
23
Figura 1
Cirurgião-dentista (CD)
Educação dos sujeitos –
chave
THD, ACD, ACS,
professores, merendeiras,
entre outros.
Discute com os diferentes sujeitos para planejar,
organizar, supervisionar e avaliar.
Executam tecnicamente a ação. Supervisionam a
higiene bucal, faz as aplicações programadas de
flúor, percebem as necessidades individuais e
coletivas em saúde bucal e informam ao CD.
24
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