ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I Versão Online OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos ANÚNCIO PUBLICITÁRIO: UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DA LÍNGUA MATERNA Adriana Aparecida Degan CUARELI1 Andreia Santana da Cunha MALHEIROS 2 RESUMO: O trabalho com gêneros discursivos em sequências didáticas tem se mostrado como uma eficaz experiência no ensino de Língua Portuguesa. O gênero anúncio publicitário, com sua linguagem argumentativa e atraente, apresenta-se como uma interessante opção para tal finalidade, pois oferece ao aluno a oportunidade de desenvolver habilidades de leitura crítica e reflexiva. O presente trabalho descreve uma atividade aplicada a alunos do oitavo ano do ensino fundamental por meio de uma sequência didática com o gênero discursivo anúncio publicitário. A sequência didática teve por base metodológica o modelo elaborado pelas professoras Drs. Swiderski e Costa-Hübes (2009), que inserem um módulo de “reconhecimento do gênero” antes da produção inicial como o proposto por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Os resultados alcançados foram muito satisfatórios, pois houve um grande envolvimento por parte dos alunos na produção dos trabalhos propostos, e a finalidade de exposição à comunidade escolar e externa dos textos teve êxito. Pode-se concluir que a atividade reitera a abordagem utilizada como um modo eficiente e atrativo para o ensino da Língua Portuguesa nas escolas, proporcionando a superação de uma leitura superficial, e a identificação, por parte dos alunos de discursos ideológicos e sociais presentes nos textos publicitários, além de promover a veiculação de seus textos em situação real, segundo uma perspectiva de linguagem enquanto prática social. Palavras-chave: Gêneros do discurso. Anúncio publicitário. Sequência didática. Ensino de língua materna. 1 INTRODUÇÃO O trabalho com a sequência didática se apresenta como uma metodologia eficaz para o ensino de determinado gênero, pois é capaz de concentrar as diversas exigências necessárias para a compreensão desse gênero num mesmo espaço de aprendizagem. Além disso, pode, também, traçar caminhos, quando necessário, para trabalhos interdisciplinares. 1 Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Paraná e aluna do PDE 2014 na Universidade Estadual de Londrina, [email protected]. 2 Profa. Dra. Andreia da Cunha Malheiros Santana, na Universidade Estadual de Londrina, [email protected]@uel.br Pensando nas possibilidades de trabalho que uma sequência didática propicia, resolvemos desenvolver para o PDE 2014 uma que abordasse o gênero anúncio publicitário. Nossa primeira preocupação foi ligada ao fato de os alunos encararem, muitas vezes, o texto multimodal como o não texto. Não o reconhecerem como texto, porque ele não se enquadra naquilo que lhes foi legitimado como texto pela escola. Daí surge a necessidade de incutir como cultura escolar que alguns textos vão para além das palavras, fixam nas imagens seu sentido, ou parte dele, que, com a sua porção linguística, é responsável pela compreensão do todo. Uma segunda preocupação é foi decorrente da primeira: como não entendem como texto o anúncio, acreditam que não há o que ler nele, e assim se fixam na imagem ou na parte escrita. E, quando se fixam em ambas, não são capazes de relacioná-las, comprometendo o entendimento. Por esse motivo, desenvolvemos atividades que levaram os alunos a entender o anúncio como um texto e, por isso, passível de leitura e consequentemente de sentidos que dele podem ser depreendidos, tratando assim de uma questão bastante deficitária na escola que é a leitura, principal foco do nosso trabalho. Nossa terceira preocupação se relacionou às condições em que a produção escrita desse aluno se concretizaria. Propiciar circunstâncias para que se encontrem motivos para escrever, como bem explica Geraldi (2010, p. 98) Um sujeito somente escreve quando tem o que dizer, mas não basta ter o que dizer, ele precisa ter razões para dizer. Muitas vezes temos algo para dizer a alguém, mas temos razões para não dizer. Mas ainda não basta eu ter o que dizer e ter razões para dizer, eu preciso ter claro para quem eu estou dizendo. Nos processos de produção de texto, nas escolas, o aluno não tem para quem dizer o que diz, ele escreve o texto não para um leitor, mas para um professor para quem ele deve mostrar que sabe escrever. Amparados pelo exposto acima, pretendemos que os conhecimentos aqui sistematizados não sejam aplicados apenas para que o professor confirme se os alunos sabem escrever ou aprenderam determinado gênero, mas que façam parte de um percurso por meio do qual o aluno alcance maior competência, e possa usá-la nas diversas práticas sociais nas quais está imerso. 2 A OPÇÃO PELOS GÊNEROS DISCURSIVOS As atuais vertentes de pensamento no ensino de língua materna no Brasil têm apontado para a perspectiva de língua enquanto prática social. É fato que o uso eficaz da linguagem, na produção e compreensão de textos escritos e orais, é essencial na promoção do indivíduo como cidadão crítico, reflexivo e atuante. O trabalho com gêneros discursivos enquadra-se perfeitamente em tal ideia de língua como prática social. Mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais adotam a proposta de que todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Pode-se ainda afirmar que a noção de gêneros se refere a “famílias” de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (BRASIL, 1997, p. 23). Segundo Barros (1997, p.28), Bakhtin foi o grande propulsor do estudo dos gêneros discursivos, pois, ao contrário do caminho empreendido pelos estudos linguísticos, que tomaram a língua por objeto e começaram pela busca de unidades mínimas ou de unidades até a dimensão da frase, Bakhtin afirma que a especificidade das ciências humanas está no fato de que seu objeto é o texto. Defende ainda BakhtinBAKHTIN (1997 ) que a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Marcuschi (2002) define os gêneros como fenômenos históricos, integrados à cultura e sociedade. São originados do trabalho coletivo, e usados em práticas cotidianas. Mesmo cumprindo papeis bem definidos dentro da sociedade, os gêneros não são estanques, ao contrário, são flexíveis e moldam-se conforme as necessidades do dia a dia, apelos da tecnologia etc. Exemplo disso são os diversos gêneros oriundos do advento da mídia. Todas as manifestações textuais inseridas na sociedade sejam elas, formais ou informais, desde uma lista de compras até um tratado de geopolítica, ou um anúncio publicitário, foco deste trabalho, sejam elas orais ou escritas, como uma palestra ou um e-mail, são consideradas pela teoria dos gêneros como gêneros do discurso. Importante distinguir a noção de gênero com a de tipo textual, haja vista que é vasta a difusão desse erro em relação à teoria dos gêneros, tanto no senso comum quanto em livros e no meio acadêmico, sobretudo em publicações anteriores à década de oitenta, quando ainda não havia emergido tal teoria. Marcuschi (2002, p.22) faz essa distinção da seguinte maneira: Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Os tipos textuais estão inseridos nos gêneros do discurso, sendo que um único exemplo de gênero pode comportar diversos tipos de texto. Uma sentença redigida por um publicitário em um anúncio pode comportar vários tipos de texto, como trechos de uma narração, a exposição de fatos ou expressões de caráter injuntivo, mas o que prevalece é a argumentação, peculiar ao gênero. Todos os gêneros estão inseridos em grandes instâncias de produção discursiva na sociedade. São domínios nos quais surgem discursos específicos, próprios de cada um deles. Para designar tal noção é utilizada a expressão domínio discursivo. O gênero abordado neste trabalho, anúncio publicitário, em se tratando de tipo textual argumentativo, o que é próprio no domínio do discurso da publicidade, pode se apresentar como excelente instrumento nas aulas de Língua Portuguesa, propiciando aos alunos o desenvolvimento de habilidades de inferência e percepção da argumentação na escrita e em textos imagéticos. 3 O GÊNERO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO Requintados e sutis recursos de convencimento tornam a linguagem do gênero anúncio publicitário bastante peculiar, consequentemente uma ótima opção de abordagem nos estudos de Língua Portuguesa. Ao analisar a linguagem desse gênero discursivo, Carvalho (1998) aponta a publicidade como detentora de um discurso, uma linguagem que sustenta uma argumentação icônico-linguística com fins de convencimento consciente ou inconsciente do público-alvo. Para atingir o fim persuasivo a que se propõe, esse gênero usa recursos como frases diretas e incisivas, adjetivações, gírias, modismos, regionalismos, intertextualidade ou até mesmo figuras de linguagem, reafirmando sua riqueza para o ensino em língua materna. Bolinger (apud CARVALHO, 2003, p. 18), a respeito da linguagem publicitária, pontua: “Com o uso de simples palavras, a publicidade pode transformar um relógio em joia, um carro em um símbolo de prestígio e um pântano em paraíso tropical”. Recursos semióticos são determinantes para a construção dos sentidos nos textos publicitários. O uso das cores e imagens, o formato e a escolha da fonte são constituintes destes. Neste sentido, Perelman e Olbrechts Tyteca (2006, p. 22) afirmam que, “a disposição de tais recursos não é aleatória, ou seja, quando um produtor faz sua escolha, são levados em conta o produto anunciado, o suporte no qual será veiculado, os interlocutores, enfim, as condições de produção.” No processo de leitura, desconsiderá-las provocaria uma interpretação fragmentada. O discurso da propaganda caracteriza-se por uma linguagem econômica, rápida e marcada pela informalidade, visto que é um gênero discursivo que não pode ocupar muito tempo do leitor. O gênero em questão está, portanto, imerso em um contexto linguístico e sociocultural muito rico e amplo, e proporciona ao aluno um posicionamento críticoreflexivo da realidade que o cerca, em consonância com a perspectiva de linguagem enquanto prática social. A análise da estrutura de um anúncio publicitário aponta para alguns elementos interessantes, como, por exemplo, as perguntas que devem ser feitas ao se planejar sua criação, conforme a intencionalidade do texto. Esta etapa inicial perpassa questões como: o tipo de propaganda, seu objeto de divulgação, seu foco em destaque, argumentos utilizados, público ao qual é destinada, categoria de propaganda e à mídia na qual é veiculada (Martins, 2009). Sobre a organização estrutural, Martins (2009) ainda aponta que o texto do anúncio publicitário deve levar em conta sempre um título, uma introdução, com um parágrafo ou frase-núcleo que destaca o enfoque da propaganda, o desenvolvimento, com as ideias explicativas do objeto e argumentos a serem usados para se atingir o público a ser alcançado e a conclusão, com a síntese de reafirmação das ideias mais relevantes. É peculiar ao gênero em questão propiciar uma relação afetiva com o leitor, suscitando os mais variados sentimentos, conforme o objetivo pretendido. Trata-se de uma tentativa de transformar sonhos em realidade, como descreve Ferreguett (2009), ao afirmar que A arte da propaganda atua sobre nossas carências materiais e psíquicas e oferece uma espécie de compensação encantadora à rotina diária da compra de objetos industrializados. A publicidade torna o ato de comprar algo mágico, um passaporte para o paraíso que o homem, desde o início da história da humanidade, persegue. A análise de um anúncio publicitário, portanto, além de sua estrutura, deve levar em conta muitos aspectos complexos e sutis, como foi apontado. Há também o aspecto da originalidade presente na estilística do texto publicitário, que pode ser manifestada pelo uso de palavras atraentes, estrangeirismos, gírias ou algo parecido, a fim de despertar a atenção do público. Geralmente percebe-se também a presença de uma linguagem concisa e objetiva, dado o dinamismo próprio do contexto comercial no qual o gênero discursivo está inserido. Todos esses aspectos, relativos ao anúncio publicitário, devem ser considerados no desenvolvimento de uma sequência didática que pretenda incutir nos alunos a curiosidade pelo trabalho com gêneros do discurso, e promover entre eles a consciência de que podem alcançar pela linguagem a sua emancipação enquanto leitores cidadãos. 4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA A sequência didática, procedimento pedagógico composto de etapas interligadas e graduais na apropriação de determinados saberes, tem sido comumente relacionada ao uso dos gêneros discursivos no ensino de Língua Portuguesa. Segundo Machado e Cristóvão (2006), o termo sequência didática surgiu no Brasil nos documentos oficiais dos Parâmetros Curriculares Nacionais como “projetos” e “atividades sequenciadas”, e, a princípio, não estava diretamente ligado ao ensino com gêneros discursivos, mas tem servido muito bem atualmente a tal propósito. Os trabalhos com sequências didáticas podem ser muito proveitosos, e, como apontam Dolz e Schneuwly (2004, p. 53), eles "procuram favorecer a mudança e a promoção dos alunos ao domínio dos gêneros e das situações de comunicação". 5 O TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA As atividades desenvolvidas em sala de aula seguiram o esquema abaixo. Figura 1: Esquema da sequencia didática adaptada por Costa-Hübes Fonte: Swiderski e Costa-Hübes, 2009. O ponto de partida foi o de reconhecer o gênero anúncio publicitário como uma prática social de uso da linguagem, e que atende a um fim específico. Portanto o princípio norteador das atividades não foi gênero em si, mas sim uma prática social de linguagem, pois trabalhar com os gêneros na escola implica oportunizar aos alunos, o contato com a língua presente na vida de todos, no dia a dia dos cidadãos. Soares (2002, p.37) ao falar sobre essa questão, explica que: Quando as pessoas aprendem a ler e escrever, quando participam de práticas sociais de leitura e escrita elas se tornam diferentes, mudam seu estado e condição, isto é, não são as mesmas de antes, quando não sabiam ler e escrever. A apropriação da escrita faz com que as pessoas mudem seu lugar na sociedade, sua relação com as pessoas e inserção na cultura, isto é, modificam a forma de viver. Além de tudo isso, a leitura e escrita ainda transformam os aspectos cognitivos, as pessoas passam a ter controle sobre o que falam, ampliam o vocabulário e modificam a condição linguística. Para tanto as atividades para a apresentação da situação de comunicação compôs-se de uma conversa inicial por meio de uma entrevista com algumas perguntas pré-elaboradas e análise livre de propagandas selecionadas pelos alunos. Estas atividades nos permitiram diagnosticar o conhecimento que os alunos já tinham sobre o gênero. Para o módulo de reconhecimento do gênero introduzimos o gênero artigo científico, o que não é muito comum para esta série, mas com uma linguagem bastante acessível, tornou-se uma leitura bastante prazerosa e desafiadora. O artigo trata do histórico do surgimento da propaganda, de quando adquiriu o sentido comercial e do início da publicidade brasileira. Os exercícios sobre o artigo lido já visavam à compreensão das “artimanhas” das quais se vale o gênero para o convencimento do consumidor. Durante a leitura e discussão do artigo exibimos quatro comerciais de produtos bastantes conhecidos produzidos para TV e analisamos os recursos dos quais os publicitários se valeram para conquistar/convencer o leitor/consumidor. Depois destas atividades propusemos, então, a produção inicial. Nem todos os alunos possuem as mesmas habilidades, portanto as propagandas puderam ser elaboradas por meio de colagem, pintura, desenho ou outro recurso que o aluno quisesse. As produções poderiam ser planejadas para serem veiculadas em suportes impressos como revistas, jornais, mural, etc. ou ser também dirigida à veiculação em rádio, TV, internet... Durante essas aulas houve planejamento e determinação de data para entrega do trabalho que pode ser concluído em casa. As produções foram trocadas entre os grupos e avaliadas pelos alunos, levando em conta se o anúncio produzido pelo outro grupo cumpria o papel para o qual ele foi proposto. Se achassem necessário, podiam pedir a opinião de outras pessoas (professores, colegas, pais etc.). O mais importante foi perceberem que escreveram um trabalho cujo propósito foi para além da nota, foi desempenhar uma função social, papel para o qual, aliás, a escrita foi inventada. Estas produções também foram avaliadas por mim, para que soubesse quais os pontos que mais necessitavam serem abordados nas atividades posteriores. Como já esperávamos muitos dos textos produzidos não faziam relação adequada entre imagem e texto verbal. As produções foram guardadas para um momento posterior. O passo seguinte foi analisar detalhadamente um anúncio produzido para a veiculação na TV: como se construiu a cena, a construção de estereótipos, o público alvo, como linguagem verbal e não verbal se completam na criação de sentidos, o modo imperativo e a construção de um discurso materialista que vincula a compra/obtenção de produtos à satisfação. Procuramos, por meio dos exercícios propostos, demonstrar que o gênero núncio publicitário veicula um grande número de informações em um tempo muito curto que nem sempre é percebido pelos interlocutores e que por isso mesmo consegue obter efeito persuasivo conquistando o leitor/consumidor com rapidez e eficiência. Na outra etapa apresentamos as principais estratégias de convencimento utilizadas nos comerciais e as identificamos em diferentes revistas de grande circulação. Nesta etapa houve a produção de cartazes e exposição oral das análises realizadas pelas equipes. Nesta etapa já era perceptível o crescimento dos alunos durante as exposições. Um dos motivos para este crescimento é que o gênero em questão por ser rico em elementos de linguagem não verbal, que, bem explorados, ajudam significativamente o leitor no processo de compreensão do texto. Vale lembrar que diferentes efeitos de sentido foram alcançados por meio dos estudos que propuseram a observação do planejamento gráfico destes textos, que inclui: cores, tipo de letra, imagens, distribuição dos elementos na página, relação entre imagem e texto verbal. Neste momento vale comentar também outra razão que justificou a seleção da propaganda entre os gêneros usados na escola para este trabalho com textos que são seus usos sociais. Frequentemente, em situações concretas de comunicação, estamos em contato com textos publicitários, nas suas mais variadas formas e suportes, e precisamos estar preparados para responder adequadamente aos propósitos desse gênero. Se, como dizem Schneuwly & Dolz (2004), é por meio do gênero que se estabelece a articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, o aluno deve ser confrontado com gêneros que sejam (ou venham a ser) relevantes para a sua vida social. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) propõem que a leitura e a produção de textos sejam desenvolvidas de uma maneira adequada e útil ao universo escolar e à realidade social do aluno. Para isso, tomam como base os gêneros discursivos, a partir das ideias de Bakhtin. Dolz & Schneuwly (2004) que consideram que o desenvolvimento da autonomia do aluno no processo de leitura e produção textual é uma consequência do domínio do funcionamento da linguagem em situações de comunicação e que por meio dos gêneros discursivos é que as práticas de linguagem foram incorporadas nas atividades dos alunos. Na atividade seguinte, retomamos o artigo científico já lido e exploramos as propagandas antigas e atuais nele presentes para verificarmos quais sensações, sentimentos e emoções procuravam despertar. Nosso trabalho propôs também um debate. A partir da definição de felicidade de Gandhi, idealizador e fundador do moderno Estado indiano, propusemos que cada aluno escrevesse qual seria a sua definição de felicidade, sem se identificar para posteriormente ser lida para toda a turma verificando no que as definições apresentadas se assemelhavam, se completavam ou se diferenciavam entre si. Pode-se verificar que, grande parte das definições, baseavam-se em questões materialistas, demonstrando o quanto somos consumistas. Para muitos alunos uma reflexão à qual ainda não haviam feito e, portanto, uma surpresa bastante grande. Nesta etapa os alunos perceberam o quanto é difícil, atualmente, “escapar” da publicidade, pois, além de convincente ela vem ao encontro dos desejos do público ao qual se destina, como indicado por Nelly de Carvalho (1998, p.57) Nos textos de propaganda há pessoas que não conseguem separar o mundo real, da fantasia, da persuasão e vão se envolvendo neste mundo de criatividade e imaginação, pensando que quanto mais comprarem, mais felizes serão. Os meios de comunicação usam formas cada vez mais criativas para persuadir o consumidor a comprar, estes mexem com nossos sentimentos, pois vem ao encontro com as aspirações, com o mundo de regalias almejado. Uma propaganda bem formulada, ou uma vitrine bem organizada, ajudam e motivam as pessoas a comprar o que não tinha necessidade e nem intenção. Com o senso crítico já aguçado passamos ao estudo de uma propaganda impressa. Não apenas reconhecendo os elementos que compõem um anúncio publicitário mas, tecendo julgamentos sobre estes elementos, verificando que além do produto as propagandas veiculam valores à sociedade, os quais, muitas vezes, aceitamos e reproduzimos sem a devida reflexão, pois a própria propaganda já propagandeou que ela emociona, diverte, seduz, provoca, faz a gente pensar de uma forma e não de outra portanto, para haver um limite sobre sua influência devemos ser leitores críticos. O consumismo entre os jovens, tema que permite ao leitor aumentar sua criticidade em relação às propagandas também fez parte dos estudos. E o texto fílmico que reforçou a ideia de que devemos ser sempre críticos em relação ao que vemos na televisão ou nas propagandas em geral. Uma atividade bastante descontraída, mas provida de reflexões de como o ser humano está perdendo valores básicos em troca de consumismo que só trazem satisfações momentâneas. O filme também é um alerta de que devemos resgatar nossa felicidade baseada em valores concretos e dignos que valorizam o ser humano em sua totalidade. Com esta produção cinematográfica pudemos retomar os elementos de persuasão que por meio dos estereótipos criados mexem com a subjetividade das pessoas fazendo-as querer, inconscientemente, o mesmo prestígio e características apresentadas nos comerciais, por meio da ideologia da manipulação dos desejos inconscientes das pessoas que as levam a adquirir o que os publicitários desejam. Apesar de nós termos estudado propagandas para diferentes veículos, o escolhido por todos os grupos foi a propaganda impressa. E é chegada a hora da produção final, os alunos puderam optar por reescrever, completar a produção inicial ou produzir outro texto. Tivemos as duas opções na classe. O importante foi que em ambas a produção final demonstrou que a turma, no que diz respeito às expectativas diretamente relacionadas ao gênero anúncio publicitário, demonstrou a aquisição de conhecimento sobre a forma composicional e marcas linguísticas próprias desse gênero, o que pôde ser comprovado nas produções elaboradas pelos alunos. As produções foram expostas na biblioteca e para cada uma delas disponibilizamos um envelope e papel para que os leitores avaliassem se a propaganda elaborada para os produtos os convencia a comprá-los e por quê. Olhar o envelope e ler a apreciação da comunidade escolar era aguardada ansiosamente pelos produtores dos textos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Criou-se inúmeras expectativas diante da execução deste trabalho sobre seu resultado. Principalmente no caso de uma sequência didática criada para um projeto longo como o PDE. Mas a principal é que os alunos, após sua execução, passassem a dominar não só os aspectos concernentes à linguagem ali propostos, ensinados e exemplificados, mas, principalmente, as funções sociais inerentes àquele gênero. Ao pensarmos, portanto, essa sequência didática, vislumbramos um percurso que fosse capaz de atingir o acima exposto. Assim, elaboramos uma sequência de atividades que dispôs, de forma gradual, etapas necessárias à apropriação do gênero anúncio publicitário como contexto de produção, leitura de gênero, análise e reconhecimento da estrutura, marcas linguístico-enunciativas e finalmente a escrita e reescrita do gênero. O resultado mais evidente desse encaminhamento metodológico se configurou na ressignificação do processo de aprendizagem, pois, a partir dele, os alunos passaram a se ver como protagonistas tanto da recepção como da produção de texto, percebido agora como mediador no contexto de interlocução e, portanto, desempenhando uma função social. Outro resultado importante que se pôde observar diz respeito à percepção dos alunos em relação ao conceito de texto. Se antes só consideravam texto os enunciados verbais, agora ampliaram esse conceito para outras representações, como as compostas só por imagem ou por imagem e texto. Dessa percepção, obviamente decorreu outra: a atenção da leitura se voltou para as imagens, nas quais se procura os sentidos que estão nelas mesmas ou que são depreendidos quando se as relaciona à parte verbal do texto. A relevância do trabalho com sequência didática não se limita, entretanto, ao que até aqui se pôs. Ela pode ser notada, como percebemos no decorrer do trabalho, na mudança de consciência que se opera nos agentes envolvidos na aprendizagem. Ao aluno não cabe mais o papel de receptor passivo do conhecimento e ao professor, o de transmissor do conhecimento. A aprendizagem se dá na interação entre eles. O conhecimento é construído gradativamente a partir dos interesses apresentados no contexto de sala de aula. Os anúncios publicitários presentes nos livros didáticos de Português, muitas vezes, servem para exemplificar as regras gramaticais. Passam em branco a questão da importância da mídia propriamente dita e o papel da publicidade na construção de significados. Se isso é bom para o ensino da língua viva, é, porém, uma maneira inadequada de discussão da amplitude da mídia na sociedade contemporânea. O diálogo aluno/professor, que tem como eixo as questões da mídia, sejam as tradicionais, sejam as novas ou novíssimas, é urgente, necessário e indispensável à formação da consciência do aluno, das mediações existentes entre ele e a realidade, e que são construídas, sobretudo, pela mídia. Este é um dos caminhos para que nossos jovens alcancem a recepção crítica. E o que procuramos concretizar neste trabalho realizado no PDE 2014. REFERÊNCIAS BARBOSA, Jacqueline Peixoto. Carta de solicitação e carta de reclamação. São Paulo: FTD, Coleção Trabalhando os gêneros do discurso, 2005. BARNICOAT, John. Los cartales, su historia y su lenguaje. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1976. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1997. BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: ÁTICA, 1998. ______, Publicidade: a linguagem da sedução. 3 ed. São Paulo: Ática, 2003. CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. MACHADO, A. R. A construção de modelos didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de gêneros. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão/SC, v. 6, n. 3, p. 547-573, set./dez. 2006. DOLZ, J.; NOVERRRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY. B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004. SCHNEUWLY. B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004. FERREGUETT, Cristhiane. Criança e propaganda: os artifícios linguísticos e imagéticos utilizados pela publicidade. São Paulo: Baraúna, 2009. GERALDI, João Vanderley. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. MARCUSCHI, Luis Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lecerna, 2002. MARTINS, Jorge S. Redação publicitária: teoria e prática. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997. PAZ, D. M. dos S. O texto publicitário na sala de aula: mais uma opção de leitura. Disponível em:< http://coral.ufsm.br/lec/01_02/DioniL.htm > Acessado em 18/07/2014. PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação – A Nova Retórica. 3ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. PINHO, J. B. Propaganda Institucional: usos e funções da propaganda em relações públicas. 2. ed. São Paulo: Summus, 2009. RABAÇA. C. A. BARBOSA, G. G. Dicionário de Comunicação. 6. ed. São Paulo: Ática, 2005. ROCHA, Everardo; PEREIRA, Cláudia. Juventude e consumo: um estudo sobre a comunicação na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. ROJO, Roxane; CORDEIRO, Glaís Sales. Apresentação: Gêneros orais e escritos como objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer. In: SCHNEUWLY. B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004. SANT’ANNA, A. Propaganda: Teoria, técnica e prática. 7ª ed. São Paulo: Pioneira 2002. SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola.Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. São Paulo: Mercado das Letras, 2011. SOARES, Ismar de Oliveira. Para uma leitura crítica da publicidade. São Paulo: Paulinas, 1988. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6 ed. Porto Alegre, 1998. SWIDERSKI, R. M. da S.; COSTA-HÜBES,T. C. Abordagem sócio interacionista & sequência didática: relato de uma experiência. Línguas & Letras, vol. 10, n.18, 1º sem. 2009.