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ESTUDO DO CONFORTO TÉRMICO HUMANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE
SÃO PAULO E SUA RELAÇÃO COM PROPRIEDADES DA SUPERFÍCIE URBANA
Mariana Lino Gouvêa 1 , Edmilson Dias de Freitas, Fabrício Vasconcelos Branco1
RESUMO: A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) está entre as mais urbanizadas do
mundo, constituindo uma grande ilha de calor. A combinação de condições de temperatura,
umidade e vento, altamente influenciadas pelas alterações da superfície urbana, pode gerar na
população a sensação de desconforto. O conceito de conforto térmico humano está associado ao
equilíbrio térmico entre o indivíduo e o ambiente, sendo avaliado através de índices empíricos.
Neste trabalho são avaliadas as condições de conforto térmico humano em diferentes áreas da
RMSP, buscando-se associar estas condições às características locais da superfície, como a
densidade de construções e a presença de vegetação. Verificou-se que as áreas mais densamente
urbanizadas apresentaram maior incidência de desconforto, sendo mais intensamente pelo calor.
ABSTRACT: The Metropolitan Area of São Paulo (MASP) is one of the most urbanized regions in
the world, constituting a huge urban heat island. The combination of temperature, humidity and
wind conditions, highly influenced by the changes in the urban surface, may generate the sensation
of discomfort in the population. The concept of human thermal comfort is associated with the
thermal equilibrium between the individual and the environment, being evaluated by empirical
indexes. In this work, conditions of human thermal comfort are evaluated in different areas of the
MASP, trying to associate these conditions with local characteristics of the surface, like the density
of buildings and the presence of vegetation. It was verified that more densely urbanized areas
presented greater incidence of discomfort conditions, being more intensely associated to heat.
Palavras-chave: Conforto térmico humano – Ilha de calor urbana – Tipos de superfície urbana
INTRODUÇÃO
O processo de urbanização é um dos principais modificadores ambientais geridos pelo
homem. É no espaço urbano que ocorre o máximo da atuação humana sobre a organização da
superfície terrestre (LOMBARDO, 1984). As transformações introduzidas pela ação antrópica,
como a inserção de edificações e a impermeabilização do solo, associada às características naturais
da área ocupada pela RMSP, resultam em comportamentos diferenciados da temperatura, umidade
do ar e precipitação, que, não raramente, transformam a cidade num caos (MARQUES, 2003).
As cidades produzem alterações no balanço de energia, gerando bolsões térmicos sobre as
áreas urbanas denominados ilhas de calor. Os maiores gradientes de temperatura encontrados entre
a área urbana de São Paulo e as áreas rurais adjacentes podem atingir valores superiores a 5,0 ºC no
inverno, sendo os maiores gradientes térmicos observados entre 15h e 21h, hora local (FREITAS,
2003). Segundo LOMBARDO (1984), a formação da ilha de calor urbana pode ser atribuída aos
seguintes fatores: efeitos da transformação de energia no interior da cidade, com formas específicas
1
Departamento de Ciências Atmosféricas – IAG/USP
Rua do Matão, 1226, Cidade Universitária – São Paulo – SP – CEP 05508-090 – Fone: (11) 3091-4808
e-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected]
1
(estruturas verticais artificialmente criadas), cores (albedos) e materiais de construção
(condutibilidade); redução do resfriamento causado pela diminuição da evaporação (poucas áreas
verdes, transporte de água da chuva através de canalização); produção de energia antropogênica
através da emissão de calor pelas indústrias, tráfego de veículos e habitações.
O grau de conforto ou desconforto térmico sentido pelas pessoas deve-se ao efeito conjugado
da produção de calor metabólico, de fatores ambientais como a velocidade do vento, temperatura do
ar e umidade relativa, entre outros, e também do tipo de vestimenta utilizada pela pessoa (MAIA,
2002). A sensação de conforto térmico está ligada à neutralidade térmica, na qual não é necessária a
intervenção de mecanismos termo-reguladores para manter a temperatura do corpo estável. Em
outras palavras, na condição de conforto térmico o organismo perde para o ambiente o calor
produzido pelo metabolismo sem recorrer a nenhum mecanismo de termo-regulação. O desconforto
térmico influencia no desempenho de atividades e pode provocar acidentes.
Este trabalho tem por objetivo estudar as propriedades da superfície urbana que podem
influenciar as condições meteorológicas locais e, conseqüentemente, o impacto sentido pela
população no que diz respeito às condições de conforto térmico humano.
METODOLOGIA
A partir de dados de temperatura e umidade relativa medidos em estações da CETESB
localizadas na RMSP, foi calculado para o período de 2001 a 2004 o índice de desconforto proposto
por Kawamura (ONO & KAWAMURA, 1991):
IDK = 0,99.T + 0,36Td + 41,5
sendo T a temperatura do ar e Td a temperatura do ponto de orvalho, ambas dadas em ºC. Este índice
foi escolhido por estabelecer, em um único parâmetro, tanto condições de desconforto devido ao
calor quanto ao frio, dependendo da faixa atingida pelo índice.
Assim foram determinadas as estações com maior incidência de estresse devido ao calor ou
frio excessivos e, conseqüentemente, as regiões com condições críticas em relação ao conforto
térmico humano. Estes resultados foram confrontados com imagens em alta resolução da área de
cada estação, a fim de associar as condições de conforto térmico humano estabelecidas às
características locais da superfície, como a densidade e tipo das construções e a presença de
vegetação.
RESULTADOS
ONO & KAWAMURA (1991) estabeleceram faixas de valores do índice de desconforto de
Kawamura (IDK) relativas às condições de conforto térmico sentidas pelas pessoas, sendo:
IDK > 80 Æ estresse devido ao calor;
75 > IDK > 80 Æ desconfortável devido ao calor;
60 > IDK > 75 Æ confortável;
2
55 > IDK > 60 Æ desconfortável devido ao frio;
IDK < 55 Æ estresse devido ao frio.
A Figura 1 mostra as séries temporais de 4 anos do índice em cada estação, assinalando em
azul os valores de 75 e 60 (que delimitam as condições brandas de desconforto) e em vermelho os
valores de 80 e 55 (que delimitam as condições extremas de desconforto). Dada a dependência do
índice com a temperatura do ar, fica evidenciado em todas as séries o ciclo anual, marcando o
inverno com menores valores do índice (associados ao frio) e o verão com valores mais elevados
(associados ao calor). Ao lado de cada gráfico é mostrada uma imagem de satélite em alta resolução
da área de cada estação, para efeito comparativo. A Figura 2 apresenta a porcentagem de ocorrência
de cada faixa do índice em cada estação (à esquerda), enfocando as condições de desconforto (à
direita).
A estação Ibirapuera (Figura 1a) localiza-se num grande parque da cidade, sendo uma área
densamente vegetada ao redor de um lago, contrastante com o ambiente urbano na qual está imersa.
A estação, no entanto, encontra-se no interior do parque, sofrendo menor influência da urbanização.
Nesta estação foi observada a maior incidência de condições de desconforto pelo frio, tanto leves
(10,9%) quanto extremas (1,8%), sendo as extremas as mais intensas. Praticamente não houve
estresse associado ao calor.
A estação São Miguel Paulista (Figura 1b) encontra-se numa região também arborizada, com
construções baixas e pouco adensadas, a maioria de telhados de barro, podendo ser considerada com
um baixo nível de urbanização. Esta estação apresentou a maior freqüência de condições de
conforto (91,1%) e também a menor oscilação do índice, de modo que obteve a menor incidência de
condições de desconforto tanto pelo o calor quanto pelo o frio.
A estação Parque D. Pedro II (Figura 1c) já apresenta uma urbanização mais intensa, com
edificações em concreto mais altas e robustas, em contato com algumas áreas descampadas ou
ocupadas por ambulantes (com coberturas de lona) e muito pouca vegetação. Nesta estação foi
registrada incidência significativa de níveis de desconforto leve (9,5% pelo calor e 7,0% pelo frio) e
pouca ocorrência de condições extremas.
A estação São Caetano do Sul (Figura 1d) tem como característica marcante um elevado grau
de urbanização, com um grande adensamento de construções, ainda que de pequeno porte, sendo
uma porção relevante em concreto e nenhuma vegetação, dando um aspecto acinzentado à imagem.
Esta estação se sobressaiu em relação às demais por apresentar destacadamente a maior ocorrência
de estresse devido calor (2,9%) e também incidências significativas de todas as demais condições
de desconforto (9,9% pelo calor e 8,4% pelo frio leves, 1,5% pelo frio extremo). Nela foi observada
a maior variação do índice e a menor freqüência da sensação de conforto (77,3%).
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(a) Ibirapuera
(b) São Miguel Paulista
(c) Pqe. D. Pedro II
(d) São Caetano do Sul
Figura 1: Índice de desconforto de Kawamura e imagens de satélite da área de cada estação.
Conforme descrito na Figura 2, a condição de conforto foi predominante em todas as estações,
tendo a maior incidência em São Miguel Paulista (91,1%) e a menor em São Caetano (77,3%). A
condição de estresse devido ao calor excessivo (IDK>80) foi sobressalente na estação São Caetano
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do Sul, representado 2,9% das medições nesta estação, já nas estações Ibirapuera e São Miguel
Paulista foi insignificante. Na condição de desconforto leve associado ao calor (75>IDK>80) as
estações São Caetano do Sul e Parque D. Pedro II obtiveram maior representatividade, sendo a
incidência desta faixa do índice de 9,9% e 9,5%, respectivamente, em cada uma. A condição de
desconforto leve devido ao frio (55>IDK>60) teve sua maior incidência na estação Ibirapuera
(10,9%), seguido por São Caetano (8,4%) e Parque D. Pedro II (7,0%). A incidência da condição de
estresse devido ao frio excessivo (IDK<55) também foi maior na estação Ibirapuera (1,8%), tendo
novamente São Caetano e Parque D. Pedro II freqüências significativas da incidência desta faixa do
índice (1,5% e 0,9%, respectivamente).
Ibirapuera
Sao Miguel
P.D.Pedro II
Ibirapuera
Sao Caetano
Sao Miguel
P.D.Pedro II
Sao Caetano
12
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
% de ocorrências
% de ocorrências
10
8
6
4
2
0
estresse pelo desconforto
calor
pelo calor
conforto
desconforto estresse pelo
pelo frio
frio
estresse pelo
calor
desconforto
pelo calor
desconforto
pelo frio
estresse pelo
frio
(b)
(a)
Figura 2: Porcentagem de ocorrência de cada faixa do índice em cada estação, mostrando em (a)
todos os níveis de conforto e em (b) enfocando as condições de desconforto (leve e extrema).
CONCLUSÃO
Os resultados evidenciam, ainda que de forma qualitativa, que de fato existe uma relação entre
as propriedades da superfície, associadas à urbanização, e as condições meteorológicas locais, aqui
avaliadas através de um índice de conforto térmico humano. As regiões com um maior grau de
urbanização (São Caetano do Sul e Parque D. Pedro II), caracterizadas por uma alta densidade de
construções, muito concreto e pouca vegetação, apresentaram maior incidência de condições de
desconforto devido ao calor. Estas regiões, porém, também apresentaram grande oscilação do
índice, de modo que registraram ainda incidência relevante de condições de desconforto associadas
ao frio. A maior incidência da condição de conforto foi registrada na área com menor intensidade da
urbanização (São Miguel Paulista), por assim dizer, com construções mais esparsas e presença de
vegetação. As características dentro de um parque densamente vegetado (Ibirapuera) foram
particulares, com uma representativa incidência de condições de desconforto devido ao frio e
também certa oscilação do índice.
AGRADECIMENTOS: Os autores gostariam de agradecer à CAPES pelo apoio financeiro.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREITAS, E. D. Circulações locais em São Paulo e sua influência sobre a dispersão de poluentes.
São Paulo, 2003, 156p. Tese de Doutoramento do Departamento de Ciências Atmosféricas do
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.
LOMBARDO, M. A. Ilha de calor da metrópole paulistana. São Paulo, 1984, 210p. Tese de
Doutoramento do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo.
MAIA, J. A. Uma análise do conforto térmico e suas relações meteorológicas na cidade de São
Paulo. São Paulo, 2002, 136p. Dissertação de Mestrado do Departamento de Ciências
Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidadede
São Paulo.
MARQUES, A. B. A. Uma contribuição ao estudo da associação entre o clima e a urbanização da
cidade de São Paulo. Taubaté, 2003, 92p. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação
apresentado ao Departamento de Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté.
ONO, H. S. P.; KAWAMURA T. (1991). Sensible Climates in Monsoon Asia. International
Journal of Biometeorology, Vol. 35, nº XX, pp. 39-47.
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