Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 FORMAÇÃO EM NEUROPSICOPEDAGOGIA: FAZER PENSÁVEIS OS CONTEÚDOS PRESENTES NOS AVANÇOS DAS NEUROCIÊNCIAS TRAINING NEUROPSYCHOPEDAGOGY: DO THINKABLE CONTENT PRESENT ADVANCES IN THE NEUROSCIENCES João Beauclair1 Resumo O principal objetivo deste artigo é colocar em movimento um conjunto de ideias sobre a formação em Neuropsicopedagogia, no claro intuito de fazer pensáveis os conteúdos presentes nos avanços das Neurociências. Tarefa repleta de complexidades onde o que mais nos importa, antes de pensar um determinado conteúdo, é pensar sobre o próprio espaço onde podemos fazêlo, de fato, pensável. Indagações acerca do âmbito da formação neuropsicopedagógica propriamente dita, aqui são levantadas como proposição reflexiva, teórica e prática, aliada às questões da Educação Especial Inclusiva onde o paradigma emergente é focado no direito de todos no que se refere aos processos de aprendizagem. Palavras-chave: Formação, Neurociências, Educação e Neuropsicopedagogia. Abstract The main purpose of this article is to put in motion a set of ideas about education in Neuropsychopedagogy, in order to make clear thinkable content present advances in the neurosciences. Fraught with complexity where what matters most to us, before thinking a certain content, task is to think about the very space where we can do it, in fact, thinkable. Questions about the scope of neuropsicopedagógica training itself, here are raised as a reflective, theoretical and practical proposition, together with issues relating to Inclusive Special Education where the emerging paradigm is focused on the right of everyone with regard to learning processes. Keywords: Training, Neuroscience, Education and Neuropsychopedagogy. 1 Palestrante e Conferencista, Psicopedagogo Clínico e Institucional Associado Titular da ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia Registro 183. Mestre em Educação, possui o DEA Diploma de Estudios Avanzados em Intervención Psicossocioeducativa (2008-2010) e é Doutorando em Intervenção Psicossocioeducativa pela Universidade de Vigo, Ourense, Galícia, Espanha (2011-2013). Possui Formação em Neuroeducação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e é Professor convidado em Cursos de Pós-graduação, Capacitação e Formação Continuada em Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia e Educação em diferentes estados brasileiros. Professor atuando em parceria com o CENSUPEG Instituto de Educação. Homepage: www.prpfjoaobeuaclair.net E-mail: [email protected] 14 Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 1 INTRODUÇÃO: PENSAR CONTEÚDOS, PENSAR ESPAÇOS PARA FAZÊLOS PENSÁVEIS. Antes de iniciar um conjunto de ideias sobre a formação em Neuropsicopedagogia, acredito ser interessante relembrar um trecho indispensável que nos desafia o pensar: “Fazer pensável nossa prática é um propósito comum de toda construção teórica; todavia, além disso, coincide com o próprio objeto da intervenção psicopedagógica, pois a psicopedagogia tem como propósito abrir espaços objetivos e subjetivos de autoria de pensamento; fazer pensável as situações, o que não é fácil, já que o pensamento não é somente produção cognitiva, mas é um entrelaçamento inteligência-desejo, dramatizado, representado, mostrado e produzido em um corpo. Por isso, muito mais importante que os conteúdos pensados é o espaço que possibilita fazer pensável um determinado conteúdo. Para esse lugar estaremos dirigindo nossa intervenção, nosso olhar. 2 Justifico esta citação pelo fato de que fazer pensáveis os conteúdos presentes nos avanços das Neurociências não é uma tarefa simples, comum. Ao contrário, é tarefa repleta de complexidades e, como nos ensina Alicia Fernandez, mais importante do que pensar um determinado conteúdo é pensar sobre o próprio espaço onde podemos fazê-lo de fato pensável. No âmbito da formação neuropsicopedagógica propriamente dita, surge um interessante conjunto de indagações: Como fazer pensável as relações entre Neurociências e Educação? E entre estas relações, com a própria Psicopedagogia? Como se instrumentalizar efetivamente para a criação processual da própria Neuropsicopedagogia? Como construir espaços efetivos de aprimoramento teórico e prático? O que se espera dos interessados no tema? De que modos podermos nos apropriar de novos saberes referentes ao funcionamento cerebral e suas complexidades? 2 FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001, página 55. 15 Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 2 POSSIBILIDADES DE FAZER PENSÁVEIS NOSSSAS INDAGAÇÕES Vejamos algumas possibilidades de fazer pensáveis tais indagações. Primeiro, a formação em Neuropsicopedagogia, em nossa proposição reflexiva, teórica e prática, está aliada às questões da Educação Especial Inclusiva onde o paradigma emergente é focado no direito de todos no que se refere aos processos de aprendizagem. O que devemos defender é o fato de que as relações entre Neurociências e Educação podem nutrir perspectivas inclusivas nas práticas educativas e sociais. Avanços no campo das técnicas e das ciências devem se vincular ao desenvolvimento humano e a superação de diferentes barreiras que sustentam a discriminação, o preconceito, a segregação e a falta de respeito com a diferença, com a diversidade. Estas relações, imbricadas com a Psicopedagogia, nos desafiam na busca de destacarmos que tanto as Neurociências quanto a Neuropsicopedagogia são terminologias que estão se tornando presentes na área educacional, mas que necessitam de maiores e melhores processos de compreensão e divulgação. E, portanto, termos claros noções dos “porquês” estamos nos inserindo neste movimento. No contexto educacional os especialistas em Neuropsicopedagogia podem ser formados para: Compreender o papel do cérebro nas relações complexas dos processos neurocognitivos e sua inserção na aplicação de estratégias neuropsicopedagógicas em diferentes âmbitos sociais, objetivando potencializar os processos de ensino e aprendizagem. Intervir no desenvolvimento humano do sujeito aprendente, no campo psíquico, no campo neuropsicomotor e nos campos da linguagem e da cognição. Obter expertise conceitual, teórica e prática referentes à complexidade pedagógica presente nas distintas questões educacionais. Ampliar as capacidades de intervir na afirmação de novos procedimentos educacionais e construir criativamente alternativas neuropsicopedagógicas. Conhecer, analisar e compreender amplamente os paradigmas focados na Educação Especial Inclusiva, de modo transdisciplinar e sistêmico, com ênfase na aprendizagem e suas possíveis dificuldades. 16 Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 ASPECTOS REFERENTES NEUROPSICOPEDAGOGO À CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO Frente ao exposto podemos destacar alguns aspectos referentes à construção da identidade do neuropsicopedagogo, ou seja, o especialista em Neuropsicopedagogia deve possuir algumas características capazes de construir uma identidade profissional. Uma delas é possuir o intenso desejo de ressignificar seus processos de aprendizagem, percebendo as diferentes modalidades presentes em cada um de nós como sujeitos únicos e singulares, pois é preciso: “(...) estar atento ao fato de que aprender é uma interferência nossa no mundo e em suas múltiplas possibilidades de conexão. É a nossa performance diante das informações que vamos encontrando pelo caminho, que faz com que tenhamos nossos mecanismos de aprendizagem cada vez mais desenvolvidos e aperfeiçoados”.3 Aliado a isto, importa também possuir grande vontade de ampliar seus referenciais teóricos, estudando campos de conhecimento diferentes dos que está habituado em sua trajetória profissional e ampliando sua curiosidade epistemológica. Também será sempre necessário desenvolver habilidades cotidianas de desenvolver resiliência psicológica, para seguir nos “enfrentamentos” com a diversidade de ideias e opiniões. 4 Tal resiliência, em termos práticos, pode ser explicada como grande capacidade de superar as diferentes adversidades presentes em nossas vidas, buscando estados emocionais de equilíbrio sempre que estivermos enfrentando dificuldades e dilemas, sabendo que é vital, para nossa sobrevivência psíquica, transformar experiências não positivas em oportunidades de crescimento pessoal e de novas e significativas aprendizagens. 5 Atitude é palavra chave, pois quando somos resilientes, assumimos responsabilidades sobre o que conosco ocorre e fugimos do fácil processo de vitimização. Quando resilientes, superamos momentos de dor e sofrimento encontrando significado e sentido para nossas lidas e lutas, para nossas próprias vidas. Com isso, passamos a compreender nossos próprios sentimentos e ampliamos nosso autoconhecimento, sabedores de nossas tantas limitações, mas conscientes de nossas forças. Ainda no que se refere à construção desta identidade, é vital assumir-se como pesquisador permanente acerca dos temas neurocientíficos, pedagógicos, educacionais, 3 BEAUCLAIR, João. Neuropsicologia e Biociências: aprendendo Ecologia Humana com um novo olhar – sobre si mesmo e os outros- a partir da autopoiese. In: CAPOVILLA, Fernando César e RIBEIRO DO VALLLE, Luiza Helena (orgs.)Temas multidisciplinares de Neuropsicologia & Aprendizagem. Tecmedd Editora, Ribeirão Preto, 2004, 3ª Edição, 2011. 4 Aqui a palavra “enfrentamentos” deve ser percebida como a ação de colocar-se abertamente frente ao outro, em frente ao outro com amorosidade e espírito de acolhida. 5 Conferir: TAVARES, José. A resiliência na sociedade emergente. In: TAVARES, José (Org.). Resiliência e educação. São Paulo: Cortez, 2001, p. 43-76. 17 Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 psicopedagógicos e neuropsicopedagógicos, ampliando fronteiras de interpretação da realidade, a partir de sua própria história pessoal como sujeito aprendente e desejante. CONSIDERAÇÕES FINAIS Será de grande valia perceber-se como profissional de ajuda, terapeuta da aprendizagem capaz de fomentar, nos diferentes sujeitos que interagir, a capacidade de ser empático, generoso, proativo e resiliente, perseguindo estratégias que favoreçam a ampliação de consciências acerca do aprender e do ensinar. Envolvidos em Neuropsicopedagogia devem identificar-se com novos modos de ser e estar atuando em Educação e Saúde, apropriando-se de conhecimentos oriundos de diferentes áreas do saber, com compromisso ético e com a consciência da importância de trabalhar numa perspectiva aberta e relacional com demais profissionais que atuam em campos específicos, mas com tarefas e ações de intervenção similares e complementares. 6 Com o exposto, podemos tratar a questão do conceito de Neuropsicopedagogia, compreendendo-a e definindo-a como campo de pesquisa, ação e intervenção baseado nos avanços das Neurociências e sua aplicabilidade no campo da Educação e Psicopedagogia. OCA TAMEZ (2006) assim a define: (...)“Ejercicio-trabajo interdisciplinario acerca del procesamiento de la información y la modularidad de la mente en términos de Neurociencia cognitiva, Psicología, Pedagogía y Educación, que lleva acabo el profesional de formación multi-interdisciplinaria y con fines Educacionales. El profesional de la 'neuropsicopedagogia', debe contar con un amplio conocimiento de los diferentes modelos, teorías y métodos sobre la evaluación, planeación, diseño curricular de los diferentes niveles educativos, didácticos y de profesionalización pedagógica y Docente. Así entonces el Neuropsicopedagogo es una el profesional que deberá contar con un conocimiento amplio de las bases neurobiológicas de la conducta y su rehabilitación Neurocognitiva con fines psicopedagógicos, tanto en niños como adolescentes, geriátricos, así mismo de sujetos discapacitados y especiales.” 7 Desde modo, posso afirmar que a Neuropsicopedagogia é um novo campo de intervenção e especialização, onde o conhecimento ultrapassa fronteiras e cria, com isso, novas possibilidades de aprender sobre o aprender, ampliando olhares e oportunizando novas formas de inter-relacionar informações, conhecimentos e saberes a partir da constatação de que as Neurociências residem num campo de conhecimento multidisciplinar, que congrega aportes da Biologia, Psicologia e Neurologia e, com seus 6 Sobre estes novos modos de ser e estar atuando em Educação e Saúde, discuto ideias ampliando tal questão em: BEAUCLAIR, João. Sentipensar: Novos Modos de Ser e Estar nas Escolas, nas Famílias e nas Instituições. Revista Científica Aprender. 2ª edição: 11/2008 Disponível em http://revista.fundacaoaprender.org.br/index.php?id=118 7 OCA TAMEZ, Alberto Montes de. Definición de neuropsicopedagogia. Fonte: http://www.definicion.org/neuropsicopedagogia 18 Revista Científica CENSUPEG, nº. 3, 2014, p. 14-19. ISSN 2318-1044 avanços, elucidaram importantes aspectos da estrutura do sistema nervoso e do cérebro no que se refere à bioquímica, fisiologia e farmacologia. O surgimento de abordagens na Neurociência da Cognição (ou Neurociência Cognitiva) trouxe muitas pesquisas e estudos importantes realizados acerca das funções das emoções e das percepções nos processos de construção de memórias e de aprendizagem, temas que merecem nossa plena atenção. Em publicação futura, amplio as discussões aqui elencadas, pois percebo ser de grande importância focar o nosso sentipensar 8 nos processos de formação e campos de atuação dos que se especializam em Neuropsicopedagogia. 9 REFERÊNCIAS BEAUCLAIR, João. Neuropsicologia e Biociências: aprendendo Ecologia Humana com um novo olhar – sobre si mesmo e os outros- a partir da autopoiese. In: CAPOVILLA, Fernando César e RIBEIRO DO VALLLE, Luiza Helena (orgs.). Temas multidisciplinares de Neuropsicologia & Aprendizagem. Tecmedd Editora, Ribeirão Preto, 2004, 3ª Edição, 2011. BEAUCLAIR, João. Sentipensar: Novos Modos de Ser e Estar nas Escolas, nas Famílias e nas Instituições. Revista Científica Aprender. 2ª edição: 11/2008 Disponível em http://revista.fundacaoaprender.org.br/index.php?id=118 Acesso em 21 de fevereiro de 2014. OCA TAMEZ, Alberto Montes de. Definición de neuropsicopedagogia. 2006. Fonte: http://www.definicion.org/neuropsicopedagogia CAPOVILLA, Fernando César e Ribeiro do Vallle, Luiza Helena (orgs.)Temas multidisciplinares de Neuropsicologia & Aprendizagem. Ribeirão Preto: Tecmedd Editora, 2004, 3ª Edição, 2011. FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. TAVARES, José. A resiliência na sociedade emergente. In: TAVARES, José (Org.). Resiliência e educação. São Paulo: Cortez, 2001. Para Saturnino de La Torre “Sentipensar es el proceso mediante el cual ponemos a trabajar conjuntamente el pensamiento y el sentimiento. Es la fusión de dos formas de percibir e interpretar la realidad a partir de la reflexión y el impacto emocional, hasta converger en un mismo acto de conocimiento y acción.” Fonte: http://www.ub.edu/sentipensar/index.html Acesso em 15 de novembro de 2013. 9 BEAUCLAIR, João. Neuropsicopedagogia: inserções no presente, utopias e desejos futuros. No prelo, 2014. 8 19