Força e dúvida

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Força e dúvida
LEITÃO, Miriam. “Força e dúvida”. O Globo. Rio de Janeiro, 13 de Março de 2012.
A economia do Japão retomou o crescimento, mas as sequelas do tsunami e do
desastre nuclear de um ano atrás permanecerão por muito tempo. No mínimo, uma
década. Eles despejaram US$ 300 bilhões na reconstrução e contaram com a
capacidade japonesa de superação. No entanto, ainda há áreas que permanecerão
contaminadas por décadas, 350 mil pessoas estão desalojadas, quebrou-se a
confiança na energia nuclear e no fornecimento japonês.
Havia uma concentração excessiva do Japão no fornecimento de determinados
equipamentos eletrônicos de alta tecnologia para toda a indústria, principalmente para
a automobilística. São pequenas peças com poder de parar a produção. Foi o que
aconteceu com as fábricas de automóveis no mundo inteiro. Hoje, qualquer produtor
pensa duas vezes antes de concentrar todas as suas compras num único fornecedor
japonês.
A Renesas Eletronics, em Nake, conseguiu um milagre de em três meses, com o
trabalho incessante dos seus funcionários e voluntários, reerguer uma fábrica
destruída. Mas até analistas japoneses admitem que há uma tendência à
diversificação de compras de determinados clientes que antes dependiam unicamente
do Japão. Nesse ambiente de superação e desconfiança é que a economia japonesa
se encontra um ano depois do pior terremoto da história recente e de um grave
desastre nuclear.
O terremoto, tsunami e desastre nuclear abalaram duas certezas que eram sempre
proclamadas: de que o Japão é um dos fornecedores mais confiáveis do mundo e de
que a indústria nuclear havia atingido um nível de desenvolvimento que a tornara
segura e limpa. O Japão continua com a melhor das reputações, claro, mas o fato de
estar em área de terremotos e tsunamis aumenta seu nível de risco de não entregar o
que promete. Não por culpa do país, mas por forças que nem sempre ele poderá
controlar. A diversificação do fornecimento reduz o risco para quem compra, mas
diminui as encomendas feitas ao Japão.
Em relação à energia nuclear ficou claro que mesmo o país que tinha tudo para ter
montado a maior proteção às usinas — por ter enfrentado uma tragédia nuclear no
século XX — tinha falhas inaceitáveis na segurança. Por isso agora volta a ter vítimas
de contaminação nuclear, 66 anos depois de Hiroshima. Os japoneses se mobilizaram
e em manifestações por todo o país deixaram claro que não querem um terceiro
desastre como este, e por isso 52 das 54 usinas tiveram seu funcionamento suspenso.
A capa da última revista “Economist” traz o seguinte título: “Energia nuclear: o sonho
que falhou.” Eles fazem autocrítica: há 26 anos disseram que a energia nuclear era
“tão segura quanto uma fábrica de chocolate” e um mês depois ocorreu Chernobyl,
desastre do qual até agora não se sabe a dimensão das vítimas.
Era numa ditadura, um país sem pressão da opinião pública, com controle burocrático
opaco. Mas agora acontece um desastre num país desenvolvido, democrático e
aberto. Há uma natural desconfiança. Alguns ambientalistas tinham passado a
defender a energia nuclear pela não emissão de gases de efeito estufa. Parte deles já
mudou de ideia. É uma energia limpa até o dia em que acontece uma grande tragédia.
Certos países continuam defendendo essa fonte como confiável. Alguns por falta de
opção, como a França, muito dependente dela. Outros duvidam mais uma vez, como a
Alemanha. O efeito econômico de Fukushima continua presente em toda a indústria
ligada à implantação de usinas nucleares.
A região de Fukushima recebeu muito socorro governamental, mas terá que continuar
recebendo bilhões de dólares, segundo o jornal “Asahi Shimbum”, para coisas como
remover todo o solo contaminado do distrito. O jornal japonês diz que o Centro de
Pesquisas de Física Nuclear da Universidade de Osaka trabalha com vários cenários
sobre a descontaminação da área, mas “nenhum deles é bom”. Segundo o jornal, “o
que parece claro é que o nível de radiação continuará sendo um problema daqui a 30
anos”.
Nesse tempo de lembrança de um ano da tragédia, os jornais estão ocupados com
casos de pessoas, empresas e áreas do Japão que lutaram para superar o primeiro
impacto. Mas há também muita queixa quanto ao ritmo mais lento do que se esperava
de providências governamentais. Há muita tensão entre o Banco do Japão e o governo
japonês sobre a política fiscal e monetária para reverter a situação.
A produção de alimentos de áreas próximas ao desastre são rejeitadas por medo de
contaminação. Ainda há muito efeito na economia. Os gastos do governo com a
reconstrução pressionaram o já alto déficit público. Em 2010, as contas do governo
fecharam no vermelho em 9,2% do PIB, reduzindo o percentual em relação a 2009.
Mas em 2011 o déficit voltou a subir para 10,3%. A dívida japonesa é de 238% do PIB
e as projeções do FMI apontam para uma alta a 253% até 2016.
Os números do PIB do Japão mostram um país resiliente. Depois do choque, fez da
reconstrução a força propulsora para retomar o crescimento. O Japão tinha entrado em
2011 com chances de crescer mais forte, com a tragédia afundou na recessão,
recomeçou a crescer milagrosamente no terceiro trimestre e tem boas perspectivas
para 2012.
O indicador do PIB é frio e não mostra todas as outras perdas mais sutis e
permanentes, como a quebra da confiança do cliente, os efeitos da radiação, o medo,
as dores familiares, a área que terá que ficar deserta por décadas num país de alta
densidade demográfica. Do terremoto e tsunami eles se recuperariam rapidamente,
porque são um povo forte e combativo. Da tragédia nuclear e seus desdobramentos, o
processo é mais difícil e longo.
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