EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO FRANCIANE DE FÁTIMA MARQUES, RG:........., designada pela Deliberação nº 91 do CSDP como Presidente da Comissão de Prerrogativas da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com domicílio para intimação na Avenida Doutor Abrahão Ribeiro nº. 313, térreo, sala 387, Forum Criminal da Barra Funda, CEP 01133-020, vem, com fundamento no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal e artigos 647 “usque” 667 do Código de Processo Penal, impetrar HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR em favor de FERNANDO ROBERTO FARIA, Defensor Público Coordenador da Regional de Mogi das Cruzes, ante constrangimento ilegal imposto por ato do Excelentíssimo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos/SP, que ofertou requisição de instauração de inquérito policial para apuração de suposto delito de desobediência em face do paciente, pelas razões a seguir aduzidas: PRELIMINARMENTE A impetrante, Defensora Pública atuante na Regional Criminal, obteve sua designação legal para atuar como presidente da Comissão de Prerrogativas da Defensoria Pública de São Paulo sem prejuízo de suas funções ordinárias, nos termos da Deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo n.º 91/08, mas não obstante tal fato, impetra o presente ‘writ’ com base no artigo 654 do CPP.1 DOS FATOS O paciente exerce a função de Coordenador da Defensoria Pública Regional de Mogi das Cruzes, sendo responsável pelo manuseio do sistema de Pagamento de Peritos – SPP – da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com atribuição de determinar o provisionamento dos valores a serem pagos aos peritos judiciais, nos termos da Deliberação CSDP n.º 56, de 11 de janeiro de 2008, do Conselho Superior da Defensoria Pública, posteriormente alterada pela Deliberação CSDP n.º 92, de 30 de agosto de 2008. Em 10 de junho de 2008, o Meritíssimo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos expediu ofício à Defensoria Pública de Mogi das Cruzes, na pessoa do paciente, determinando o custeio, pelo Fundo de Assistência Judiciária, da perícia técnica em favor do perito CAIO LUIZ AVANCINE, nos autos n.º09/05, ação de USUCAPIÃO, movida por João Jose Abílio de Macedo “O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público” 1 O paciente, no exercício de suas atribuições, expediu ofício ao juízo, informando sobre a impossibilidade de pagamento dos honorários do perito judicial, uma vez que a parte, embora beneficiária da justiça gratuita, nos termos da lei n.º 1060/50, não foi patrocinada pela Defensoria Pública, tampouco por advogado integrante do Convênio firmado entre a OAB e a Defensoria Pública. A resposta dada pelo paciente baseou-se na Deliberação CSDP n.º 56, de 11 de janeiro de 2008, do Conselho Superior da Defensoria Pública (acostada na resposta do Paciente), a qual apenas autorizava o pagamento de perícias técnicas em processos judiciais de natureza cível, em que o ônus da prova tenha sido atribuído à parte que é representada nos autos diretamente pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ou por advogado que atue em razão do convênio firmado pela Defensoria Pública. Tendo em vista que não foi feito o pagamento com recursos oriundos do Fundo de Assistência Judiciária, o douto Magistrado, por discordar do conteúdo da disposição expressa da Deliberação CSDP n.º 56/08, encaminhou cópia dos autos do processo à Delegacia Seccional de Guarulhos, para instauração de inquérito policial para apuração da prática de crime de desobediência. O TC 215/08 foi confeccionado pela Delegacia do 1º Distrito Policial de Guarulhos/SP, sob o n.º 1447/08, tendo a Autoridade Policial do 1º. Distrito Policial de Mogi das Cruzes, por carta precatória nº03/09, solicitado o comparecimento do paciente ao Distrito Policial, no dia 18/02/2008 às 14:30 horas para esclarecimentos. DO DIREITO O paciente, no exercício de suas atribuições administrativas no âmbito da Defensoria Pública, norteado pelo princípio da legalidade, agiu em conformidade com a Deliberação n.º 56 do Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo, posteriormente alterada, que impedia o pagamento da referida perícia técnica. Observa-se que, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV. O § 2º, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, assegurou autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas Estaduais. Para tanto, foi editada a Lei Complementar n.º 988, de 09 de janeiro de 2006, Lei Orgânica da Defensoria Pública que, em seu artigo 236, determinou que a gestão do Fundo de Assistência Judiciária ficasse a cargo da Defensoria Pública do Estado, verbis: Artigo 236 – O Fundo de Assistência Judiciária, instituído pela Lei n.º 4.476, de 20 de dezembro de 1984, e regulamentado pelo Decreto n.º 23.703, de 27 de maio de 1985, destinado a custear despesas concernentes à prestação de assistência judiciária gratuita, vincula-se, a partir da promulgação desta lei complementar, à Defensoria Pública do Estado, que passará, imediatamente, a gerir os seus recursos, inclusive o saldo acumulado. Exercendo a sua autonomia administrativa e funcional, desempenhando o poder normativo a ela inerente, com fulcro no artigo 31, III, da Lei Complementar n.º 988, de 09 de janeiro de 2006, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por intermédio de seu Conselho Superior, editou a Deliberação CSDP n.º 56, de 11 de janeiro de 2008, tendo, como objeto de regulamentação, o pagamento, pelo Fundo de Assistência Judiciária, de peritos que atuem nos feitos de natureza cível em que partes são assistidas pela Defensoria Pública do Estado, seja direta ou indiretamente, ou por advogado conveniado. Nesse sentido, vale transcrever o artigo 1º de referida Deliberação: Artigo 1º - O pagamento de perito indicado para atuar em processo judicial de natureza cível, de competência da Justiça Estadual, em que o ônus da prova pericial tenha sido atribuído à parte que é atendida pela Defensoria Pública do Estado, direta ou indiretamente, por meio de advogado conveniado, será feito com recursos do Fundo de Assistência Judiciária – FAJ, quando houver recursos orçamentários e financeiros disponíveis, até os limites previstos na seguinte tabela (...). (grifos nossos) Cabe ao Defensor Público Coordenador de Regional a análise do cabimento dos pedidos relativos ao pagamento de honorários de peritos, como estabelecido pelo artigo 2º, inciso I, da Deliberação CSDP n.º 56/08, verbis: Artigo 2º - Os pedidos de pagamento serão processados por meio eletrônico e os honorários creditados em conta corrente individual do perito no Banco Nossa Caixa S/A, observado o seguinte: I – caberá ao Defensor Público do Estado Coordenador da Regional ou Unidade a análise e o deferimento ou não dos pedidos encaminhados mediante representação dos Defensores Públicos encarregados dos feitos ou por ofício judicial, os quais devem estar acompanhados da planilha de informações constante do Anexo desta Deliberação e por cópia do ofício de indicação do advogado conveniado, quando se tratar de prestação de assistência jurídica suplementar; (...) Com base em tais dispositivos, seguindo as determinações da Deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública, o paciente informou à autoridade coatora a razão do não atendimento do pedido de reserva de numerário para pagamento do perito técnico, atuando dentro dos limites do princípio da legalidade, expresso no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal. Embora a Deliberação n.º 56, de 11 de janeiro de 2008, tenha sido revogada pela Deliberação CSDP n.º 92, de 30 de agosto de 2008, que, alterou a disciplina atinente à matéria, admitindo o pagamento de perícias nos casos em que a parte é beneficiária da justiça gratuita, anteriormente vedado, é necessário ressaltar que a revogação mencionada ocorreu em 30 de agosto de 2008, ou seja, em data posterior ao ato de indeferimento do pagamento da perícia, haja vista que o ofício expedido pelo Juiz de Direito da 1ª Cível da Comarca de Guarulhos/SP, determinando o pagamento, data 10 de junho de 2008. Havendo uma norma, editada pelo órgão superior da instituição da qual é membro integrante, o paciente sequer poderia proceder nos termos da determinação judicial, sob pena de irregularidade administrativa, haja vista que não cabe ao paciente, em sua função de Defensor Público Coordenador de Regional, agir de modo diverso ao estatuído pela Deliberação do Conselho Superior vigente na data dos fatos narrados. Por esta razão, não há fundamento para a imputação, nem mesmo em tese, do crime de desobediência ao paciente, uma vez que não agiu condição de particular, pois sua recusa foi realizada no desempenho de suas atribuições como Defensor Público Coordenador responsável pelo pagamento de peritos. Ora, como se observa pela análise do disposto no artigo 330 do Código Penal, o crime de desobediência não pode ser imputado a funcionário público em razão de ato praticado no exercício de suas funções, tendo em vista que o crime tipificado no artigo 330 do Código Penal encontra-se inserido no Capítulo II do Título XI do Código Penal (Dos Crimes Praticados por Particular contra a Administração em Geral). O sujeito ativo do crime de desobediência é, em regra, o particular, podendo excepcionalmente ser imputado a funcionário público, desde que esteja investido em função que não possui, atuando em área diversa à sua respectiva atribuição, circunstância inexistente no caso em tela. Como anteriormente exposto, a Deliberação CSDP n.º 56, em seu artigo 2º, inciso I, então vigente à época dos fatos, atribuía ao Defensor Público Coordenador de Regional a análise relativa ao cabimento dos pedidos referentes a pagamentos de honorários de peritos, cabendo ao paciente deferir ou indeferir os pedidos a ele encaminhados. A Jurisprudência pátria corrobora os argumentos acima expedidos, afastando a imputação de crime de desobediência a funcionários públicos, no exercício de suas funções e em atendimento a preceitos legais: “O delito do art. 330 está catalogado entre os praticados pelo particular contra a Administração em geral. Não se configura, pois, se tanto o acusado quanto a vítima são equiparados a funcionários públicos e se achavam no exercício da função quando da sua ocorrência.” (TJSP – AC – Rel. Cunha Bueno – RT 487/289). Grifos nosssos. “HC – DESOBEDIÊNCIA CONDUTA – PENAL – SUJEITO ATIVO – conceito de CONSTITUCIONAL – – OMISSÃO – O funcionário público – para os efeitos penais – é definido no artigo 327, do Código Penal. O INSS é Autarquia Federal. O delito – desobediência – tem o particular como sujeito ativo. O funcionário somente pratica esse crime caso a ordem desrespeitada não seja referente às suas funções. A omissão, ademais, só se caracteriza quando a pessoa não cumpre a obrigação jurídica.” (Superior Tribunal de Justiça, HC n.º 1249-9/GO, Min. Vicente Cernicchiaro). Grifos nossos. Desse modo, imperioso concluir-se pela atipicidade do fato, ensejando a concessão da ordem para trancamento do Inquérito Policial, o qual causa inequívoco constrangimento ao paciente. Afinal, apenas devem ser submetidos à esfera penal fatos penais típicos relevantes que poderão servir de base para a instauração de ação penal pública. Assim, resta ausente a justa causa para a instauração do procedimento investigatório, por atipicidade do fato ora apurado, seja em razão da prática da conduta no exercício de seu cargo de Defensor Público Coordenador Regional da Defensoria Pública, ou seja, na condição de funcionário público, seja porque a recusa praticada pelo paciente seguiu as determinações do Conselho Superior da Defensoria Pública, as quais impediam o deferimento do pagamento de honorários a peritos, como determinado pelo magistrado da Juízo Cível. É de se salientar que o paciente vem sendo submetido a constantes e aflitivos constrangimentos, pois pela terceira vez em menos de 2 meses, é intimado para dirigir-se ao Distrito Policial por conta das requisições para instauração de inquérito policial enviadas pelo mesmo Juiz de Guarulhos, conforme comprovam as liminares obtidas nos HC´s nº990.08.178342-8 e 990.09.033689-7 , versando sobre fatos idênticos. Diante da falta de justa causa para instauração do inquérito policial, configura-se, sobremaneira, a coação ilegal praticada pela autoridade coatora em face do paciente, o qual figura como investigado em um procedimento no qual o objeto investigado é atípico. DO PEDIDO Ante todo o exposto, demonstrada a atipicidade da conduta imputada ao paciente e, bem assim, a ausência de justa causa, pleiteia-se seja concedida a liminar para a suspensão da realização de qualquer ato até o julgamento final do HC, tendo em vista o irreparável gravame que seria realizado com a realização de atos processuais antes do conhecimento definitivo pelo órgão jurisdicional competente. O periculum in mora está evidenciado diante da proximidade do ato designado para o dia 18 de fevereiro de 2009, ato este que agrava sobremaneira o constrangimento ilegal imposto ao paciente. O fumus boni juris também resta demonstrado pelos precedentes jurisprudenciais invocados, bem como pela legislação acerca do pagamento de peritos técnicos pelo Fundo de Assistência Judiciária ligado à Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Aguarda, ao final, o impetrante seja confirmada a liminar, com a concessão, em caráter definitivo, da presente ordem de habeas corpus para trancar o TC 215/082. “Se absolutamente infundado, ou seja, se lavrado evidentemente sem ‘justa causa’, é possível o trancamento do termo circunstanciado, para que cesse o ilegal constrangimento ao indicado como ‘autor do fato’.” JUNQUEIRA, GUSTAVO OCTAVIANO DIZ e O. LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL. SÃO PAULO. PREMIER MÁXIMA. 5ª.EDIÇÃO. VOLUME 1 . pag.545 2 Por fim, requer ainda a extensão da ordem, em sua modalidade preventiva, a fim de evitar a instauração de novos inquéritos policiais com fundamento em fatos semelhantes, tendo em vista a reiterada conduta do douto magistrado da 1ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos/SP em noticiar supostos crimes de desobediência pelo paciente, o qual apenas agiu em conformidade com as Deliberações elaboradas pelo Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. São Paulo, 12 de fevereiro de 2009. FRANCIANE DE FÁTIMA MARQUES