ANÁLISE COMPUTACIONAL DO ACOPLAMENTO ENTRE A FLUIDODINÂMICA E A MECÂNICA ESTRUTURAL EM UM ANEURISMA ARTERIAL Cíntia Soares, Natan Padoin, Sérgio R. Janesch, Luismar M. Porto Depto. de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos, Laboratório de Tecnologias Integradas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC), Brasil E-mail: {cintia, natan, sergio, luismar}@intelab.ufsc.br Resumo. Atualmente, os métodos tradicionais para diagnóstico e avaliação de aneurismas, visando verificar a necessidade ou não de intervenção cirúrgica, baseiam-se na estimativa do diâmetro máximo fazendo uso de correlações estatísticas. Porém, existe um esforço no sentido de desenvolver metodologias mais eficientes, baseadas na análise in silico, que levam em conta a reconstrução geométrica rigorosa do aneurisma, permitindo, desta forma, a avaliação da tensão exercida na sua parede interna ocasionada pelo fluxo sanguíneo. Tal análise leva em consideração o complexo acoplamento entre o escoamento e as deformações arteriais. Baseado no exposto, este trabalho objetiva a utilização de um modelo de aneurisma aórtico fusiforme, como estudo de caso, visando o estudo da fluidodinâmica e da mecânica estrutural empregando o software COMSOL Multiphysics®. Procedeu-se uma análise bilateral do acoplamento entre a fluidodinâmica e a mecânica estrutural, determinando tanto a tensão desencadeada pela hemodinâmica do escoamento na parede interna do aneurisma (provocando seu deslocamento), quanto o carregamento ocasionado pela compressão da parede sobre a fase fluida. Os perfis de velocidade e pressão, bem como o deslocamento e a tensão impostos sobre a parede do aneurisma, foram avaliados. Finalmente, analisou-se a influência da inserção de colágeno no tecido estudado. Acredita-se que os resultados obtidos possam auxiliar como coadjuvantes na análise da necessidade de intervenção cirúrgica em pacientes portadores desta desordem. Palavras-chave: Aneurisma aórtico abdominal (AAA), Modelagem matemática, Simulação computacional, Diagnóstico médico. 1. INTRODUÇÃO Por definição, um aneurisma corresponde a uma deformação focal do vaso sanguíneo em relação ao seu diâmetro original. Tal deformação se desenvolve durante o curso de vários anos e, no caso particular de aneurismas aórticos abdominais, também conhecidos como AAA, corresponde a, pelo menos, 50% do diâmetro normal da aorta infra-renal. Dentre as causas da doença destacam-se a idade e o fumo como principais fatores, além do sexo, etnia, entre outras [Aggarwal et al., 2011]. Este processo degenerativo deve-se ao enfraquecimento da parede arterial [Borghi et al., 2008], geralmente devido à perda de elastina e colágeno, proteínas fibrosas mais abundantes na parede arterial e responsáveis por suas características mecânicas, como resistência à tração e elasticidade. A degradação de tais compostos tem sido apontada como a causa de AAA: a perda de elastina é responsável pelo desenvolvimento da dilatação aneurismática, enquanto que a deterioração do colágeno leva à predisposição para ruptura do aneurisma [Carmo et al., 2002]. O aneurisma abdominal é, geralmente, assintomático até a ruptura, evento que conduz a uma taxa de mortalidade entre 80 e 90% [Scotti et al., 2005]. Porém, quando detectado em sua fase inicial, a patologia pode ser tratada cirurgicamente, através de intervenção aberta ou endovascular. De acordo com Vorp e Geest (2005), a cirurgia com abertura da região abdominal requer que o paciente seja hospitalizado por cerca de uma semana, além de diversas semanas de repouso doméstico. Ainda segundo o autor, as principais desvantagens de tal técnica são as dores que surgem no período pósoperatório, a recuperação demorada e os altos custos associados com a cirurgia e a recuperação. Por outro lado, a técnica endovascular, minimamente invasiva, apresenta como vantagem a redução de mortalidade, morbidez, perda de sangue, tempo de internação e desconforto. Sob o ponto de vista econômico tal técnica demanda menos recursos em relação ao tempo de tratamento e recuperação, porém pode ser desvantajosa em casos onde o custo da prótese é elevado. Diante do quadro apresentado, percebe-se a importância da adoção de critérios precisos como justificativa para a execução de cirurgias eletivas, ou seja, para tratamento de aneurismas não-rotos, visando tanto os aspectos técnicos quanto os econômicos inerentes. Apenas aos pacientes com alto risco de ruptura deveria ser oferecido tratamento [Vorp e Geest, 2005]. Os métodos tradicionais para identificação dos candidatos à intervenção cirúrgica preventiva são baseados na estimativa do risco de ruptura através da análise do diâmetro da artéria [Scott et al., 1993; Galland et al., 1998; Armour, 2000]: um diâmetro transversal máximo maior que 5 cm tem sido considerado o parâmetro crítico para intervenção clínica [Di Martino et al., 2001]. No entanto, tal metodologia não tem apresentado resultados precisos, visto que existem casos reportados nos quais houve ruptura de aneurismas aórticos abdominais com diâmetro inferior a 5 cm, enquanto que, por outro lado, não houve ruptura em todos casos onde se identificou um diâmetro superior a 5 cm. A Tabela 1, adaptada do trabalho de Darling et al. (1977) por Vorp e Geest (2005), sumariza tal comportamento. Tabela 1 - Relação entre tamanho e ruptura para AAA não-ressecados, observada por Darling et al. (1977), apud Vorp e Geest (2005). Tamanho (cm) Rotos Não rotos Total % Rotos ≤ 5,0 34 231 265 12,8 > 5,0 78 116 194 40,0 Não anotado 6 8 14 43,0 118 355 473 24,9 Total Observa-se, assim, que houve ruptura em 12,8% dos casos nos quais se admite não ser necessária intervenção cirúrgica, enquanto que em apenas 40,0% dos casos que se enquadram no grupo de risco houve ruptura. Logo, a exposição de mais da metade dos pacientes com AAA > 5,0 cm aos riscos inerentes à intervenção cirúrgica, bem como aos elevados custos associados, seria injustificada. Diante do exposto, verifica-se a importância do desenvolvimento de técnicas de diagnóstico mais efetivas, capazes de prever a necessidade de intervenção cirúrgica com base nas características individuais do paciente, sem necessidade de recorrência a correlações estatísticas ou observações aleatórias. Neste sentido, trabalhos recentes têm demonstrado que a forma mais confiável para estimar a probabilidade de complicações em AAA baseia-se na estimativa do pico de tensão em pontos críticos da parede arterial. Tais tensões são devidas a fatores como a geometria, as características do material da parede e a interação entre o domínio sólido e o fluido [Di Martino et al., 2001]. Quando a tensão excede a resistência mecânica da parede arterial ocorre a ruptura. Dentre as diversas formas de computar a tensão na parede arterial como critério de falha mecânica, a abordagem mais utilizada tem sido a relação de Von Mises, que agrupa os nove componentes do tensor tensão em um escalar: 𝜎 = √3(𝝈: 𝝈 − (𝑡𝑟𝝈)2 /3)/2 [Volokh, 2010]. Borghi et al. (2008) estudaram a relação stress-diâmetro de aneurismas aórticos torácicos em três pacientes cujo diâmetro do vaso arterial era superior ao considerado crítico e compararam os resultados com uma aorta saudável (controle) na mesma região. Os resultados obtidos estão apresentados na Tabela 2. Tabela 2 - Relação entre diâmetro máximo e tensão máxima na parede de AAA, observada por Borghi et al. (2008). Paciente A Paciente B Paciente C Controle Dmax (cm) 7,0 6,2 7,0 2,5 σmax (kPa) 79,36 51,81 48,61 41,54 Observa-se no estudo de Borghi et al. (2008) que, apesar de os pacientes A e C apresentarem o mesmo diâmetro máximo do AAA, o paciente A exibe um pico de stress na parede da aorta 63% maior que o paciente C, ou seja, o paciente A apresenta um risco de ruptura consideravelmente maior que o paciente C, apesar de ambos se enquadrarem no grupo de risco. Tal análise torna-se uma ferramenta de diagnóstico com precisão superior aos métodos atualmente disponíveis, à medida que se dispõe de uma estimativa da resistência da parede para o caso específico, que é função da idade, histórico familiar, histórico com fumo, taxa de crescimento do aneurisma e presença de trombo intraluminal. Existem estudos reportados nesse sentido, a exemplo dos trabalhos de Fillinger et al. (2002 e 2003), no qual os autores identificaram um pico de tensão de 46,8 ± 4,5 N·m-2 em pacientes com aneurisma roto/sintomático e 38,1 ± 1,3 N∙m-2 para o grupo de pacientes submetidos a cirurgia eletiva. Além disso, o trabalho desenvolvido por Venkatasubramaniam et al. (2004) permitiu predizer a localização do ponto exato de ruptura através de simulação computacional. No Brasil, não se tem conhecimento de trabalhos que visam o desenvolvimento de metodologias de diagnóstico médico de AAA baseadas em simulação computacional orientada ao paciente. Diante da relevância do tema e das implicações, tanto para o paciente quanto para o sistema de saúde nacional, faz-se necessário o desenvolvimento de expertise na área em nosso país. Este trabalho visa contribuir neste sentido, através da utilização de um modelo de aneurisma aórtico fusiforme como estudo de caso, com o objetivo de estudar sua fluidodinâmica e mecânica estrutural, empregando como ferramenta o software comercial COMSOL Multiphysics®. Desta forma, procedeu-se uma análise bilateral do acoplamento entre os fenômenos, de modo a determinar tanto a tensão desencadeada pela hemodinâmica do escoamento na parede interna do aneurisma (provocando seu deslocamento), quanto o carregamento ocasionado pela compressão da parede sobre a fase fluida. Os perfis de velocidade e pressão, bem como o deslocamento e a tensão impostos sobre a parede do aneurisma, foram avaliados. Finalmente, analisou-se a influência da inserção de colágeno no tecido estudado. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Tomou-se como estudo de caso uma imagem de tomografia computadorizada de aneurisma aórtico abdominal (Fig. 1) disponível no trabalho de Upchurch e Criado (2009). Ferramentas de CAD foram utilizadas para a reconstrução da geometria tridimensional, composta por três domínios distintos: sangue, artéria e músculo. Figura 1 - Imagem de tomografia computadorizada de AAA utilizada como estudo de caso para a construção da geometria [Upchurch e Criado, 2009]. COMSOL Multiphysics®, versão 4.3, foi empregado tanto para a discretização do modelo, resultando em uma malha com aproximadamente 2,9105 elementos tetraédricos e 3105 graus de liberdade, quanto para a simulação numérica através do método dos elementos finitos. Os módulos Fluid Flow e Structural Mechanics foram utilizados para a análise da interação fluido-estrutura. Inicialmente procedeu-se o estudo da fluidodinâmica (CFD) para computar o efeito do fluxo sanguíneo sobre as paredes da artéria e, em seguida, tomou-se esses resultados como ponto de partida para a análise estrutural não linear, que computou a deformação da parede, bem como as tensões. O estudo fluidodinâmico consistiu na solução transiente das equações de NavierStokes [Eq. (1)] em conjunto com a lei da conservação da massa [Eq. (2)], a fim de computar o perfil de velocidade e a distribuição de pressão do fluxo sanguíneo, assumido como incompressível. ρ T u ρ u u pI μ u u F t ρ u 0 (1) (2) onde ρ é a densidade do sangue (kg∙m-3), u é o vetor velocidade (m∙s-1), t é o tempo (s), p é a pressão (Pa), I é uma matriz identidade 33, µ é a viscosidade do sangue (Pa∙s) e F é o vetor de forças que atuam sobre o corpo (N). Após a finalização do estudo fluidodinâmico, a análise estrutural foi conduzida de modo a computar a influência da tensão desencadeada pelo fluxo sanguíneo sobre a parede arterial. Assumindo um comportamento quasi-estático tanto para a artéria quanto para o músculo, devido à imposição de deformação linear, o estudo foi realizado em estado estacionário sobre cada carregamento provocado pela hemodinâmica. Através da Eq. (3) calculou-se as tensões na parede arterial (σ). O acoplamento entre a fluidodinâmica e a mecânica estrutural, Eqs. (1) e (3), ocorre através do vetor F. σ Fv (3) onde σ é a tensão que atua na parede arterial (N∙m-2), F é o vetor de forças que atua sobre o corpo (N) e v é a viscosidade cinemática (N∙s∙m-2). A Tabela 3 apresenta as propriedades dos materiais utilizados no modelo. O sangue foi considerado um fluido Newtoniano, enquanto que tanto a parede arterial quanto o músculo foram tratados como materiais hiperelásticos Neo-Hookeanos (elastômeros), cujas propriedades associadas são as constantes de Lammé, simbolizadas por λ1 e λ2 respectivamente. O valor do coeficiente de Poisson foi assumido como 0,45, tanto para o músculo quanto para a artéria. Tabela 3 - Propriedades dos materiais. Material ρ (kg∙m-3) v (N·s∙m-2) Artéria sadia 960 - Sangue 1050 0,004 Músculo 1200 - λ1 (Pa) λ2 (Pa) 3,10106 5,99107 - - Referência [Xiong et al., 2008] [Elad e Einav, 2004] 1,38105 2,67106 [Mathur et al, 2001] De acordo com Hoskins et al. (2011), o módulo de elasticidade do tecido arterial aneurismático pode ser aproximada por um valor 275 vezes superior em relação ao tecido normal. Tal aproximação produz um erro aceitável, uma vez que tais parâmetros variam sensivelmente para cada caso estudado. Com a finalidade de avaliar o efeito da degradação de colágeno sobre a elasticidade da parede arterial, procedeu-se uma simulação na qual todo o colágeno presente no aneurisma foi removido. Tal estudo foi realizado através do ajuste das propriedades elásticas do material que compõe o tecido vascular: descontou-se a contribuição do módulo de elasticidade do colágeno, assumido como 200 MPa [Zulliger et al., 2003], na constituição do tecido. Assumiu-se que a fração de colágeno no tecido aneurismático estabilizado era de aproximadamente 75% [He e Roach, 1994]. As condições de contorno foram extraídas do trabalho clássico de Olufsen et al. (2000), que desenvolveu um modelo para o comportamento dinâmico da velocidade em um ciclo cardíaco (1 s) em diferentes pontos do corpo humano, correlacionou-os com dados experimentais e, diante da validade do modelo, estipulou o perfil dinâmico de pressão nesses mesmos pontos. Assim, um perfil de velocidade dependente do tempo foi usado como condição de entrada (Fig. 2a), enquanto que um perfil de pressão transiente foi empregado na saída (Fig. 2b) para as duas ramificações da aorta na altura dos vasos ilíacos. Ressalta-se que tais condições de contorno tem sido amplamente aplicadas na avaliação de tensões na parede de AAA. 0,5 17 (a) 0,4 15 P (kPa) 0,3 v (m.s-1) (b) 16 0,2 14 13 0,1 12 0,0 11 -0,1 10 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 t (s) 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 t (s) Figura 2 - Condições de contorno: (a) perfil de velocidade na entrada e (b) perfil de pressão na saída, ambos dependentes do tempo e correspondentes a um ciclo cardíaco. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Verifica-se através da Fig. 2 que há um offset entre o perfil de velocidade (Fig. 2a) e de pressão (Fig. 2b) impostos na entrada e na saída do modelo. Tal condição propicia o amortecimento do fluxo no interior do vaso sanguíneo e, neste sentido, pode ser considerada a causa dos picos de tensão na parede da artéria. A Fig. 3 apresenta o mapa de velocidade na região média aneurismática. Pode-se observar uma velocidade máxima superior ao pico de velocidade imposto na entrada em t=0,4 s (0,6464 m.s-1) devido a uma constrição da artéria imediatamente acima da entrada da câmara aneurismática. Inicialmente o fluxo sanguíneo apresenta-se bem comportado, porém após 0,4 s um padrão de recirculação pode ser observado. A complexidade da hemodinâmica na região aneurismática pode ser observada na Fig. 4, que ilustra as linhas de corrente no local nos instantes de 0,4 e 1,0 s para fins de comparação. O entendimento do fluxo sanguíneo no interior da artéria é extremamente importante, uma vez que o mesmo é responsável pelo fenômeno de transdução mecânica que ocorre na superfície do vaso. Tal fenômeno interfacial, aliado a outros fatores decorrentes do estilo de vida, desencadeia desequilíbrios no metabolismo do organismo, especialmente na rede de sinalização, que induzem uma sobreprodução das enzimas elastase e colagenase. Em um primeiro momento, a elastase atua na degradação da elastina presente no tecido arterial, promovendo a dilatação focal. No entanto, a degeneração é estabilizada pela rede de colágeno fibrilar, que tem sua produção incrementada. Tal rede possui um módulo de elasticidade superior ao da elastina e, portanto, confere maior rigidez e resistência mecânica ao vaso. Eventualmente, a ação da enzima colagenase promove a degradação da rede de colágeno, evento que leva à ruptura do aneurisma. (a) (b) (c) (d) (e) (f) Figura 3 - Mapas de velocidade (m∙s-1) tomados no centro da região aneurismática em diferentes tempos: (a) 0,05, (b) 0,2, (c) 0,4, (d) 0,6, (e) 0,8 e (f) 1,0 s. (a) (b) Figura 4 - Linhas de corrente (m∙s-1) no interior da região aneurismática nos instantes (a) 0,4 e (b) 1,0 s. A distribuição de pressão pode ser visualizada na Fig. 5. Tais perfis representam o carregamento desencadeado pelo fluxo sanguíneo na parede interna da artéria. Observa-se que há uma evolução suave da pressão durante o ciclo analisado, com um pico de 1,6213104 Pa em 0,2 s, que permanece praticamente invariável até 0,4 s. (a) (d) (b) (e) (c) (f) Figura 5 - Distribuição de pressão (Pa) em diferentes tempos: (a) 0,05, (b) 0,2, (c) 0,4, (d) 0,6, (e) 0,8 e (f) 1,0 s. A Fig. 6 ilustra a deformação do vaso arterial durante o ciclo cardíaco. Pode-se observar que as maiores deformações ocorrem entre 0,2 e 0,4 s, intervalo que coincide com o pico de velocidade e pressão resultantes do escoamento sanguíneo. Nota-se ainda uma saliência na região aneurismática durante todo o ciclo cardíaco. A Fig. 7 apresenta a análise da tensão, segundo a definição de von Mises, para o ponto crítico (PC) do modelo, o qual situa-se na região de bifurcação da aorta. Di Martino et al. (2006) realizaram uma investigação ex vivo da resistência mecânica da parede arterial, tanto em pacientes que sofreram ruptura do AAA antes do procedimento cirúrgico, quanto em indivíduos submetidos a cirurgia eletiva: coletaram 13 espécies de tecido de 9 pacientes com idade de 72 ± 3 anos com aneurisma roto (diâmetro de 7,8 ± 0,5 cm) e 26 espécies de tecido de 16 pacientes com idade de 73 ± 3 anos com aneurisma não roto (diâmetro de 7,0 ± 0,5 cm). Os autores observaram que a resistência mecânica da parede para o caso de aneurismas rotos foi de 54 ± 6 N∙cm-2 (5,4105 ± 6104 Pa), ao passo que o valor encontrado para o caso de aneurismas não rotos foi de 82 ± 9 N∙cm-2 (8,2105 ± 9104 Pa). No caso em estudo, a tensão máxima computada na parede (4,22105 Pa) não foi superior à resistência mecânica para a situação crítica de ruptura descrita por Di Martino et al. (2006), indicando uma situação de aneurisma estável. Ressalta-se, porém, que existem evidências de que a resistência mecânica da parede de AAA pode ser dependente da posição e deve ser avaliada, preferencialmente in vivo, para cada paciente. Pode-se ter casos onde o pico de tensão avaliado computacionalmente pela interação fluido-estrutura coincida com um local de elevada resistência mecânica na parede arterial, enquanto que pontos com níveis inferiores de tensão podem coincidir com uma região na qual a resistência mecânica está comprometida, levando à ruptura no local. (a) (b) (d) (c) (f) (e) Figura 6 - Deslocamento da artéria e arredores (µm) em diferentes tempos: (a) 0,05, (b) 0,2, (c) 0,4, (d) 0,6, (e) 0,8 e (f) 1,0 s. 4,2e+5 Com colágeno Sem colágeno Tensão de von Mises (Pa) 4,0e+5 3,8e+5 3,6e+5 3,4e+5 3,2e+5 3,0e+5 2,8e+5 2,6e+5 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 t (s) Figura 7 - Perfil de tensão de von Mises no ponto crítico do modelo durante um ciclo cardíaco completo. Finalmente, analisou-se a influência da remoção completa de colágeno do tecido constituinte da parede do AAA. Existem ainda controvérsias na literatura sobre o conteúdo de colágeno durante o curso da doença: em alguns estudos a concentração de colágeno decresceu, em outros manteve-se constante e, por último, alguns autores concluíram que há na verdade um acréscimo no teor desta proteína. No entanto, o mecanismo mais aceito descreve um aumento na concentração de colágeno à medida em que a doença evolui, de forma a compensar a degradação de elastina. A ruptura do AAA ocorre na ocasião em que a eventual degradação de colágeno supera a síntese do mesmo. Considerando-se que o percentual médio de colágeno na artéria portadora de aneurisma plenamente desenvolvido é de cerca de 75%, recalculou-se o valor do módulo de elasticidade do tecido da parede aneurismática, bem como as constantes de Lammé associadas. Obteve-se, então, os valores de λ1 e λ2 iguais a 6,38108 Pa e 1,231010 Pa, respectivamente. Observou-se, no entanto, que a modificação proposta nas propriedades físicas do tecido constituinte da parede aneurismática não acarretou em uma mudança sensível no pico de deformação e tensão em relação aos resultados apresentados nas Figs. 6 e 7, respectivamente. Deste modo, conclui-se que a degradação de colágeno atua especialmente sobre a resistência mecânica da parede vascular e não necessariamente sobre suas propriedades elásticas. 4. CONCLUSÕES A simulação computacional de aneurismas aórticos abdominais (AAA) apresenta-se como uma potencial ferramenta para diagnóstico médico, capaz de fornecer informações mais precisas do que o método tradicional, que se baseia na avaliação a partir do diâmetro da artéria. No entanto, apesar de já haver avanços reportados na literatura quando à análise da interação entre o escoamento sanguíneo e a estrutura vascular, há necessidade de avanço no que se refere à estimativa das propriedades dos materiais constituintes da artéria e arredores, de modo a conduzir a um diagnóstico verdadeiramente orientado ao paciente. No presente estudo de caso constatou-se que o escoamento sanguíneo é complexo no interior da região aneurismática, com o aparecimento de recirculação a partir de 0,6 s. Além disso, verificou-se a existência de picos de tensão e deformação na parede arterial durante o ciclo cardíaco, porém em locais diferentes. Avaliou-se, por fim, a influência do colágeno sobre a parede arterial em termos dos picos de tensão. Verificou-se que a degradação de tal proteína não apresentou influência direta sobre a tensão na parede. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina) e à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior) pelo apoio financeiro. REFERÊNCIAS Aggarwal, S., Qamar, A., Sharma, V. e Sharma, A. (2011), "Abdominal Aortic Aneurysm: A Comprehensive Review", Exp. Clin. Cardiol., 16, 1, 11-15. Armour, R. H. (2000), "14-Year Experience with 6 cm as a Criterion for Surgical Treatment of Abdominal Aortic Aneurysm", Brit. J. Surg., 87, 4, 519-519. Borghi, A., Wood, N. B., Mohiaddin, R. H. e Xu, X. Y. (2008), "Fluid-Solid Interaction Simulation of Flow and Stress Pattern in Thiracoabdominal Aneurysms: A Patient-Specific Study", J. Fluid Struct., 24, 2, 270-280. Carmo, M., Colombo, L., Bruno, A., Corsi, F. R. M., Roncoroni, L., Cuttin, M. S., Radice, F., Mussini, E. e Settembrini, P. G. (2002), "Alteration of Elastin, Collagen and Their Cross-links in Abdominal Aortic Aneurysms", Eur. J. Vasc. Endovasc. Surg., 23, 543-549. Darling, R. C., Messina, C. R., Brewster, D. C. Ottinger, L. W. (1977), "Autopsy Study of Unoperated Abdominal Aortic Aneurysms. The Case for Early Resection", 56, 3Suppl., II161-II164. Di Martino, E. S., Bohra, A., VandeGeest, J. P., Gupta, N. Y. Makaroun, M. S. e Vorp, D. A. (2006), "Biomechanical Properties of Ruptured versus Electively Repaired Aortic Aneurysm Wall Tissue", J. Vasc. Surg., 43, 570-576. Di Martino, E. S., Guardani, G., Fumero, A., Ballerini, G., Spirito, R., Biglioli, P. e Redaelli, A. (2001), "Fluid-Structure Interaction Within Realistic Three-Dimensional Models of the Aneurysmatic Aorta as a Guidance to Assess the Risk of Rupture of the Aneurysm", Med. Eng. Phys., 23, 9, 647-655. Elad, D. e Einav, S. (2004), "Physical and Flow Properties of Blood", in Standard Handbook of Biomedical Engineering and Design, M. Kutz (ed.), McGraw Hill, New York. Fillinger, M. F., Marra, S. P., Raghavan, M. L. e Kennedy, F. E. (2003), "Prediction of Rupture Risk in Abdominal Aortic Aneurysm During Observation: Wall Stress versus Diameter", J. Vasc. Surg., 37, 4, 724-732. Fillinger, M. F., Raghavan, M. L., Marra, S. P., Cronewett, J. L. e Kennedy, F. E. (2002), "In Vivo Analysis of Mechanical Wall Stress and Abdominal Aortic Aneurysm Rupture Risk", J. Vasc. Surg., 36, 3, 589-597. Galland, R. B., Whiteley, M. S. e Magee, T. R. (1998), "The Fate of Patients Undergoing Surveillance of Small Abdominal Aortic Aneurysms", Eur. J. Vasc. Endovasc. Surg., 16, 2, 104-109. He, C. M., Roach, M. R. (1994), "The Composition and Mechanical Properties of Abdominal Aortic Aneurysms", J. Vasc. Surg., 20, 1, 6-13. Hoskins, P., Semple, S., White, P. e Richards, J. (2011), "Imaging of Aneurysms" in Biomechanics and Mechanobiology of Aneurysms, T. McGloughlin (ed.), Springer, New York. Mathur, A. B., Collinswortha, A. M., Reicherta, W. M., Krausb, W. E. e Truskeya, G. A. (2001), "Endothelial, Cardiac Muscle and Skeletal Muscle Exhibit Different Viscous and Elastic Properties as Determined by Atomic Force Microscpy", J. Biomehc., 34, 1545-1553. Olufsen, M. S., Peskin, C. S., Kim, W. Y., Pedersen, E. M., Nadim, A. e Larsen, J. (2000), "Numerical Simulation and Experimental Validation of Blood Flow in Arteries with Structured-Tree Outflow Conditions", Ann. Biomed. Eng., 28, 11, 1281-1299. Scott, R. A. P., Wilson, N. M., Ashton, H. A., Kay, D. N. (1993), "Is Surgery Necessary for Abdominal Aortic Aneurysm Less Than 6 cm in Diameter?", Lancet, 342, 8884, 1395-1396. Scotti, C. M., Shkolnik, A. D., Muluk, S. C. e Finol, E. A. (2005), "Fluid-Structure Interaction in Abdominal Aortic Aneurysms: Effects of Asymmetry and Wall Thickness", Biomed. Eng. Online, 4, 64, 22 p. Upchurch, G. R. e Criado, E. (2009), "Aortic Aneurysms Pathogenesis and Treatment", Humana, New York. Venkatasubramaniam, A. K., Fagan, M. J., Mehta, T. Mylankal, K. J., Ray, B. e Kuhan, G. (2004), "A Comparative Study of Aortic Wall Stress Using Finite Element Analysis for Ruptured and Non-Ruptured Abdominal Aortic Aneurysms", Eur. J. Vasc. Endovasc. Surg., 28, 2, 168-176. Volokh, K. Y. (2010), "Comparison of Biomechanical Failure Criteria for Abdominal Aortic Aneurysm", J. Biomech., 43, 10, 2032-2034. Vorp, D. A. e Geest, J. P. V. (2005), "Biomechanical Determinants of Abdominal Aneurysm Rupture", Arterioscler. Thromb. Vasc. Biol., 25, 1558-1566. Xiong, J., Wang, S. M., Zhou, W. e Wu, J. G. (2008), "Measurement and Analysis of Ultimate Mechanical Properties, Stress-strain Curve Fit, and Elastic Modulus Formula of Human Abdominal Aortic Aneurysm and Nonaneurysmal Aorta", J. Vasc. Surg., 48, 1, 189-195. Zulliger, M. A., Fridez, P., Hayashi, K. e Stergiopulos, N. (2004), "Strain Energy Function for Arteries Accounting for Wall Composition and Structure", J. Biomech., 37, 989-1000. COMPUTATIONAL ANALYSIS OF THE COUPLING BETWEEN FLUID DYNAMICS AND STRUCTURAL MECHANICS IN AN ARTERIAL ANEURYSM Cíntia Soares, Natan Padoin, Sérgio R. Janesch, Luismar M. Porto Chemical and Food Engineering Department, Integrated Technologies Laboratory, Federal University of Santa Catarina, Florianópolis (SC), Brazil E-mail: {cintia, natan, sergio, luismar}@intelab.ufsc.br Abstract. Currently, the traditional method for diagnostics and evaluation of aneurysms, in order to verify the necessity of surgical intervention, is based on the assessment of the maximum diameter through statistical correlations. However, there is an effort towards the development of more efficient methodologies based on in silico analysis that take into account the rigorous geometric reconstruction of the aneurysm, allowing, in this way, the assessment of the stress exerted on its inner wall triggered by the blood flow. Such analysis considers the complex coupling between the fluid dynamics and the arterial displacement. Based on these considerations, the aim of this work is the use of a fusiform aortic aneurysm model as case study in order to study the fluid dynamics and the structural mechanics though the software COMSOL Multiphysics®. So, a two-way analysis of the fluid dynamics and the structural mechanics was carried out, yielding both the stress triggered by the hemodynamic flow in the inner wall of the aneurysm (causing its displacement), and the load caused by the wall compression on the fluid phase. Velocity and pressure profiles as well as the displacement and stress imposed on the aneurysm wall were evaluated. Finally, the influence of collagen insertion in the tissue was studied. It is believed that the results obtained can be helpful to support the analysis of the surgical intervention necessity in patients with this disorder. Keywords: Aortic aneurysm, Mathematical modeling, Computational simulation, Medical diagnostics.