PRODUÇÃO DE ENZIMAS EXTRACELULARES POR Ceriporiopsis subvermispora DURANTE CULTIVO SUBMERSO 1 Jessica Rubira Gamba, 2 Robson de Almeida Faria, 3 Débora Barbeta Grinet, 4 Walter de Carvalho 1 Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq; Discente do curso de Engenharia Bioquímica Bolsista de Mestrado Fapesp; Discente do curso de Biotecnologia Industrial Bolsista de Iniciação Científica Fapesp; Discente do curso de Engenharia Bioquímica 4 Professor 2 3 1,2,3,4 Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo, Departamento de Biotecnologia. Estrada Municipal do Campinho s/n, Lorena - SP, CEP 12602-810 e-mail: [email protected] RESUMO - Atualmente, a biodegradação da madeira com fungos ligninolíticos tem sido estudada com vistas à aplicação na biopolpação, processo no qual a madeira é biotratada com um fungo anteriormente à polpação. Para este fim, os fungos de decomposição branca são os mais adequados. Dentre eles, destaca-se o basidiomiceto Ceriporiopsis subvermispora, o qual produz duas enzimas extracelulares relacionadas com a degradação da lignina, manganês peroxidase (MnP) e lacase (Lac). Este estudo teve como objetivo avaliar a cinética da produção dessas enzimas em cultivo submerso do fungo em meio de composição definida. A máxima o produção de MnP (0,19 ± 0,03 UI/mL) ocorreu no 18 dia de cultivo, momento no qual já havia ocorrido um grande consumo de açúcares redutores e o fungo já exibia atenuação na o velocidade de crescimento. A maior atividade de Lac, 0,07 ± 0,01 UI/mL, foi detectada no 6 dia de cultivo. Durante a fermentação, não se detectou variações elevadas no pH e na condutividade elétrica do meio. Palavras-Chave: Ceriporiopsis subvermispora, manganês peroxidase, lacase. INTRODUÇÃO Fungos de decomposição da madeira têm um importante papel no ciclo global de carbono. Os principais tipos são os que realizam decomposição branda (soft-rot fungi), parda (brown-rot fungi) e branca (white-rot fungi), sendo os últimos os mais adequados para biopolpação e outras aplicações industriais como biorremediação e biobranqueamento. Entre os fungos de decomposição branca, existem aqueles que promovem a degradação simultânea de todos os componentes da madeira e aqueles que causam a degradação seletiva da lignina. Dentre estes últimos destaca-se o basidiomiceto Ceriporiopsis subvermispora, que vem sendo considerado para degradar a lignina, sendo altamente seletivo para este fim (Ferraz et al. 2003). Tal seletividade se deve a sua ineficiência em degradar a celulose da madeira. Estima-se que essa degradação limitada pode estar envolvida com a inibição da redução de Fe3+, o que previne a degradação de polissacarídeos nas reações de Fenton, e à falta da atividade de celobiohidrolases no seu sistema celulolítico (Aguiar et al. 2008). Estudos recentes mostraram que C. subvermispora produz duas enzimas extracelulares associadas à despolimerização da lignina, lacase e manganês peroxidase, enquanto que uma ter- ceira enzima associada a esta mesma função, lignina peroxidase, não foi detectada (Souza-Ctuz et al. 2004). A lacase (EC 1.10.3.2) é uma enzima que catalisa a remoção de elétrons de grupos hidróxifenólicos e aminoaromáticos, formando radicais fenoxila e amino, respectivamente (Giese et al. 2004). A manganês peroxidase (EC 1.11.1.13) também apresenta potencial redox suficiente para abstrair elétrons somente de estruturas fenólicas, embora na presença de mediadores apropriados sua ação também possa ser estendida também para estruturas não fenólicas (Bao et al., 1994; Kirk e Cullen 1998). Ambas enzimas têm potencial para aplicação na polpação e na indústria de papel. O presente trabalho teve como objetivo estudar a produção de enzimas extracelulares oxidativas por C. subvermispora em meio definido submetido à agitação constante. MATERIAIS E MÉTODOS Microrganismo e preparo do inoculo Ceriporiopsis subvermispora, cepa SS3, gentilmente cedido pelo Prof. M. Akhtar da empresa Biopulping International, Madison-WI, USA, foi mantido em placas de Petri com meio contendo 2% de extrato de malte e 2% de agar a VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009 Uberlândia, Minas Gerais, Brasil o 27 C durante 7 dias. A partir destas placas, mantidas em refrigerador, foi obtido o micélio para produção do inóculo. O fungo foi repicado em Erlenmeyer de 2 L contendo 200 mL de meio líquido composto por 2,4% (p/v) de extrato de batata/dextrose e 0,7% (p/v) de extrato de levedura. O meio foi esterilizado a 121ºC/15 min e após resfriamento foi inoculado com 20 discos de 8 mm de diâmetro provenientes das placas de Petri recém cultivadas. Após 12 dias de incubação estática a 27 ºC, o micélio crescido em meio líquido foi filtrado, lavado com 300 mL de água esterilizada e macerado em 100 mL de água também esterilizada usando um liquidificador de alumínio para a maceração. Da suspensão obtida, foi retirada uma alíquota de 20 mL que foi filtrada em papel de filtro previamente seco e pesado em pesa-filtro. O micélio retido mais o papel de filtro mais o pesa-filtro foram, então, secos a 105 ºC até massa constante para a determinação da quantidade de micélio (base seca) contido na suspensão recém preparada. Com base nessa determinação, foi definido o volume de suspensão necessário para proporcionar uma concentração de 500 mg de micélio por L de meio em cada frasco de cultivo. Preparo do meio de cultivo O meio de cultivo (pH 4,5) foi constituído, por litro de solução, por: 10 g de glicose, 10,0 mM de tartarato de amônio, 10 mM de ácido transaconítico, 2,0 g KH2PO4, 0,5 g de MgSO4 X 7 H2O, 0,1 g de CaCl2 X 2H2O, 1,0 mg de tiamina HCl e 1,0 mL de solução de elementos traço. Esta última foi constituída, por litro, por: 15 g de ácido nitriloacético, 1,0 g de FeSO4 X 7H2O, 1,8 g de CoCl X 6H2O, 1,0 g de ZnCl2 X 7H2O, 0,07 g de Al2(SO4)3 X 18H2O, 0,1 g de CuSO4 X 5H2O, 0,1 g de H3BO3, 0,1 g de NaMoO4 X 2H2O, 30 g de MgSO4 X 7H2O, 10 g de NaCl, 0,82 g de CaCl2 e 5 g de MnSO4 X H2O. As soluções foram autoclavadas isoladamente a 121 ºC/15min, previamente à formulação do meio de cultura. A recuperação do micélio foi realizada por filtração, onde o conteúdo de cada Erlenmeyer foi transferido para um funil de inox com filtro de fibra de vidro (AP40, Millipore) previamente pesado, acoplado a um Kitasato mantido sob vácuo. O filtrado foi recolhido e congelado para posteriores análises (atividade enzimática, teor de açúcares redutores, pH e condutividade). O conjunto micélio mais filtro foi recolhido em um pesa-filtro e então seco a 105 ºC até massa constante para determinação da concentração de micélio (massa seca). Determinação das atividades enzimáticas A atividade de lacases foi determinada utilizando-se ABTS [ácido 2,2’-azino-bis(3etilbenzotiazolina-6-sulfônico)] como substrato (Bourbonnais et al.1998). A reação de oxidação foi conduzida em 0,3 mL de tampão citrato-fosfato 50 mM e pH 5,0, 0,1 mL de água, 0,5 mL de extrato enzimático e 0,1 mL de ABTS 1 mM. Monitorou-se a oxidação do substrato a 420 nm -1 -1 (ε420nm = 36.000 M cm ). Uma unidade de atividade enzimática foi considerada como a quantidade de enzima capaz de catalisar a formação de 1 µmol de ABTS oxidado por minuto. A atividade de manganês peroxidases foi determinada acompanhando-se a oxidação de vermelho de fenol (ε610nm = 22.000 M-1 cm-1). A mistura reacional foi constituída por: 1,5 mL de tampão succinato de sódio 50 mM (pH 3,2), 1,5 mL de lactato de sódio 50 mM, 0,5 mL de vermelho de fenol 0,1%, 0,5 mL de sulfato de manganês 1 mM, 0,25 mL de albumina bovina 1,8 %, 0,25 mL de peróxido de hidrogênio 2,0 mM e 0,5 mL de extrato enzimático. Após o início da reação, frações de 1,0 mL foram retiradas do tubo contendo a mistura reacional a cada 1 min e transferidas para tubos de ensaio contendo 65 µL de hidróxido de sódio 6,5 M, previamente à leitura da absorbância a 610 nm. Uma unidade de atividade enzimática foi considerada como a quantidade de enzima capaz de catalisar a formação de 1 µmol de vermelho de fenol oxidado por minuto. Condição de cultivo Determinação do teor de açúcares redutores O cultivo submerso foi conduzido em frascos Erlenmeyer de 125 mL autoclavados a 121 ºC/15 min. Após resfriados, foram adicionados 30 mL do meio de cultivo estéril. Os frascos (duplicatas) foram inoculados conforme descrito anteriormente, e incubados a 27 ºC e agitados a 180 rpm por um período de 21 dias, com a retirada periódica de amostras (1 frasco = 1 amostra) . Recuperação do micélio e determinação do crescimento fúngico O teor de açúcares redutores nos extratos foi analisado pelo método do DNS e sua concentração foi calculada com base em uma curva de calibração feita com glicose. Em um tubo de ensaio foram adicionados 0,5 mL de extrato, 1,0 mL de água deionizada e 3,0 mL de DNS. Para o branco foi utilizado 1,5 mL de água deionizada e 3,0 mL de DNS. As misturas foram levadas ao banho-maria a 100 ºC por 5 min. Após resfriar a temperatura ambiente, foram adicionados 20 mL de água deionizada ao tubo e leu-se a absorbância a 540 nm. VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009 Uberlândia, Minas Gerais, Brasil Medição do pH e da condutividade Para medir o pH e a condutividade das amostras, utilizou-se um pHmetro e um condutivímetro, respectivamente, devidamente calibrados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesse trabalho foi avaliada a produção das enzimas MnP e Lac durante o cultivo submerso, em meio definido, de C. subvermispora. Foram analisadas as atividades destas enzimas juntamente com o crescimento do fungo, o consumo de glicose, e a variação de pH e condutividade. A variação das atividades de MnP e Lac é apresentada na Figura 1. Figura 1 – Atividades enzimáticas de Lac e MnP. As barras de erro são baseadas no desvio padrão de duplicatas de cultivo. Em relação à atividade de manganês peroxidase, nota-se um aumento constante durante todo o cultivo, ocorrendo uma pequena queda já no final da fermentação. A maior atividade, 0,192 ± 0,028 UI/mL, é observada no 18o dia de cultivo, momento no qual já havia ocorrido um grande consumo de açúcares redutores e o fungo já exibia atenuação na velocidade de crescimento (Figura 2). Visto que a o partir do 3 dia já é possível registrar atividade de MnP, que mantém-se durante todo o período, infere-se que este meio seja propício para produção da mesma. Para a atividade de lacase, nota-se um perfil da expressão enzimática com oscilações ao longo do período de cultivo. A máxima atividade, o 0,071 ± 0,006 UI/mL, ocorreu no 6 dia de cultivo, apresentando picos menores com atividades de 0,062 ± 0,024 UI/mL aos 12 dias e 0,051 ± 0,007 UI/mL aos 18 dias de cultivo. Verifica-se que, em termos de produção de Lac e MnP, o cultivo em questão favoreceu a produção da segunda enzima. Este comportamento é semelhante ao encontrado quando C. subvermispora é cultivado em cavacos de madeira, onde ocorre maior expressão da atividade de MnP em relação à atividade de Lac (Vicentin e Ferraz, 2007). Um estudo realizado por Couto et al. (2000), onde os autores cultivaram o fungo P. chrysosporium imobilizado em espuma de poliuretano em um meio definido suplementado com Tween 80 (0,05 % v/v), também levou à expressão de atividade de MnP durante toda a fermentação já a partir do 4º dia de cultivo, obtendo-se um valor máximo em torno de 350 U/L. Naquele estudo, entretanto, não foi encontrada atividade de Lac. No decorrer do cultivo, os perfis de consumo de glicose, crescimento de biomassa, pH e condutividade também foram traçados. O consumo de açúcares redutores e o crescimento de micélio são apresentados na Figura 2. Figura 2 – Perfil do consumo de açúcares redutores e do crescimento de micélio durante a fermentação. Barras de erro baseadas no desvio padrão de duplicatas de cultivo. A concentração de biomassa demonstrou aumento linear até o 9º dia de cultivo, atingindo um valor de 2,67 ± 0,70 g/L. A partir desse período é possível notar uma atenuação no crescimento, com uma concentração final de 3,48 ± 0,07 g/L. Observou-se que a concentração de açúcares redutores caiu de 6,31 ± 0 g/L no tempo zero até uma concentração de 2,28 ± 0,05 g/L aos 9 dias de cultivo, período esse em que a concentração de biomassa aumentou 7,5 vezes. A partir desse ponto, nota-se um consumo gradual de açúcares redutores até o final da fermentação, atingindo de consumo de 93 %. A variação dos valores de pH e condutividade dos extratos é exibida na Figura 3. VIII Congresso Brasileiro de Engenharia Química em Iniciação Científica 27 a 30 de julho de 2009 Uberlândia, Minas Gerais, Brasil Figura 3 – Variação do pH e da condutividade durante o cultivo. Os valores de desvio são baseados no desvio padrão da duplicata do cultivo. Não se detectaram variações elevadas no pH durante o cultivo, indicando que o tampão foi efetivo para o controle desta variável. De fato, em um estudo prévio sobre mineralização de lignina sintética por C. subvermispora em meio definido, comprovou-se que o fungo não metaboliza os componentes do tampão (Tapia e Vicuña, 1995). A pequena flutuação nos valores da condutividade ao longo do cultivo pode ser justificada pela decomposição de ácidos por MnP, pela secreção de compostos como oxalato, malonato e glioxilato pelo fungo, e pela mineralização de oxalato no meio (Urzúa et al. 1998). CONCLUSÕES O estudo demonstra a potencialidade deste cultivo em particular para a produção de manganês peroxidase pelo fungo C. subvermispora. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, A.; FERRAZ, A., 2008. Relevance of extractives and wood transformation products on the biodegradation of Pinus taeda by Ceriporiopsis subvermispora, International Biodeterioration & Biodegradation, 61, 182 – 188. 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